Estava escuro. Não havia nenhum tipo de luz, como se repentinamente eu estivesse cego. O calor era outra coisa presente. Tentei tatear em volta, procurando pontos de referencia, onde eu estava, por que estava escuro. Nada em volta. Antes de me arriscar com alguns passos, verifiquei o chão a minha volta. Pequeninas pontas. Asfalto.

Dei meus primeiros passos. Nada. Passei a mão pelo meu corpo. O tecido parecia pijama, mas não poderia ter certeza sem alguma fonte de luz. Continuei tentando achar algo para descobrir onde estava, mas o lugar parecia um deserto. Um deserto com uma rua. Estranho.

Após alguns minutos de escuridão total, uma luz repentina a alguns metros de mim. Fiquei ofuscado pela luz por alguns momentos. Alguns segundos depois, já conseguia ver mais claramente. Parecia ser fogo. Me aproximei. A temperatura subiu alguns graus. Mas meu sangue corria gelado. Calafrios. O fogo tinha um formato estranho. Meio metro de altura. Duas coisas pareciam sair do fogo. Em minha direção. Braços. Mais calafrios.

Era um bebe. Uma criança, em chamas, ali, na minha frente. Fiquei paralisado, sem saber o que fazer. A criança sorriu, uma risada infantil. Ele nem parecia notar que ele era praticamente feito de fogo. Enquanto eu o olhava, aterrorizado, o fogo aumentou. Não... A criança estava crescendo. Vários anos se passsavam na minha frente em poucos segundos e minutos. A figura agora tinha minha altura. Parecia ser um adolescente, um adolescente em chamas. Ele me olhava, sério.

Tentei dar alguns passos para trás, meu coração batendo com tanta força que comecei a temer um infarto. Ele deu um passo para trás. Exatamente ao mesmo tempo que eu. Levantei o braço direito. Ele tambem levantou. Levantei o braço esquerdo. Sincronia perfeita. Um espelho.

Agora eu entendia o calor, que aumentava cada vez mais. Senti bolhas se formando em minha pele. A dor era insuportavel. Me joguei no chão,  tentando apagar o fogo, tentando me salvar. Cada vez mais dor, mais calor, mais proximidade da morte. Subitamente, tudo parou.

Não havia mais calor. Mas a dor continuava. Tentei me levantar do chão. Minhas pernas não se moviam. Pessoas passavam a minha volta. Dezenas, vindas de lugar nenhum. Centenas. Estiquei meu braço, tentando chamar a atenção de alguma delas. Minha mão passava por eles, como se não fossem materias, como se fossem espiritos. Tentei gritar por ajuda. Eu não tinha voz. Estava cada vez mais frio. Cada vez mais escuro. Eu podia ouvir um sussurrar, um manto se arrastando, cada vez mais perto. Uma voz que poderia congelar corações, um som que poderia abrir as portas do inferno, mãos esqueleticas que te jogaria dentro do fogo sem hesitar por um segundo...

Tentei me arrastar, desesperado. O fluxo de pessoas pareceu diminuir um pouco, e uma delas parecia vir diretamente a minha direção. Fiz uma força tremenda para levantar minha cabeça e olhar para seu rosto. Me arrependi muito de ter feito aquilo. Era ela.

Mas o que ela fazia ali? Por que, depois de toda minha vida querendo ve-la, eu só poderia ve-la justo na hora em que minha alma insitia em se separar daquele meu corpo queimado e destruido?

Eu vi seu vulto se ajoelhar na minha frente. Suas mãos tocaram em meu rosto. Frio. Suas mãos estavam frias. Olhei novamente para cima. Não havia mais o rosto que residia em meu coração, e sim uma face de caveira, a boca escancarada em uma gargalhada...

Uma única e solitaria lágrima escorreu dos meus olhos. Eu sabia que era o fim. Se pelo menos, eu tivesse um pouco mais de tempo...

A dor cessou, enquanto eu mergulhava novamente na escuridão fria. Mas desta vez... Para todo o sempre.