Amor Cigano escrita por haihai


Capítulo 1
Amor cigano


Notas iniciais do capítulo

Segundo conto da série: As histórias que as fotos contam



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imagem por tenshi-naelle

 

 

Pele cor de bronze. Vestes rubras. O sol invadia seus aposentos e se refletia em seu corpo como filhos feitos de um só pai. Ela era o próprio calor. Ela era o próprio sol. Este, por sua vez, cansado de dividir as glórias com ela, deitou-se em um belíssimo pôr-do-sol. O silêncio na praia era tão grande ao presenciar aquele espetáculo, que, como diziam os moradores locais, era possível escutar o sol chiando no horizonte, tamanha paz que mergulhava o vilarejo nessa hora tão perfeita. O deitar do sol. As preces mudas. Ela. Os homens do vilarejo, quando o sol se punha, não tinham olhos para mais ninguém a não ser Aléia, a bela dançarina de flamenco que, de dia, era só a filha tímida e caçula do pescador, mas que a noite, dava inveja até mesmo à lua.

 

Sob a luz bruxuleante da fogueira na praia, ela dançava, como se fosse um pássaro livre a voar, sem se importar com os que assistiam, com os que admiravam, com os que desejavam ou, até mesmo, com as que a invejava. Dançava para si só. Para sentir exatamente a sensação que parecia sentir. Liberdade. Em seu andar, em seus gestos leves e seus passos precisos na areia, até mesmo nos cabelos negros e ondulados ora caídos pelos ombros ora esvoaçando ao vento, era possível ver sua verdadeira alma de pássaro. Livre, jovem e de alegria infinita. Fosse o que fosse que acontecesse com a vila, ela, com sua alegria contagiante, era capaz de fazer com que todos sorrissem. Essa era A verdadeira Aléia.

 

Esmeralda, por outro lado, não podia se ver na sombra da irmã. Não ela, que a ensinara tudo. Não ela, outrora a mulher mais desejada do vilarejo, a melhor dançarina de flamenco. Mas, como o tempo passa para todos, Aléia havia se tornado uma eximia dançarina. Estava no sangue da família. Mas cada geração era de somente uma delas, não de duas. Dois sóis não brilham no mesmo céu. E isso incomodava Esmeralda, que ainda conservava sua beleza esplendorosa, pero, desposada por Diogo, pescador, não tinha mais sobre si os olhares desejosos e admirados da vila. Estava fadada a ser uma mãe e uma dona de casa. E isso seria. Mesmo que não desejasse. Era seu destino.

 

Aléia, no entanto, acreditava no verdadeiro amor. Não que fosse fantasiosa. Não que acreditasse demais. Só que ainda não pretendia se deixar desposar. Não por qualquer pessoa. Mas por um que fizesse seu coração de menina palpitar mais forte. Mas no momento, a única paixão que lhe causava esse efeito, era pela música. Quando os homens do vilarejo empunhavam suas guitarras espanholas e acendiam a fogueira, ela, em suas vestes de cigana, sentia-se livre. Livre e apaixonada. Apaixonada pela vida, pela liberdade e pela dança.

 

Um dia, porém, passou a notar Javier. O mesmo Javier pescador, filho de Pedro, o pescador. O rapaz, tão novo quanto ela, parecia, de certo modo, alimentar a mesma paixão que ela pela música. Antes quedava com o pai, tocando e acompanhando no vocal, timidamente. Ela achava graça quando ele virava o rosto, mas nunca o levara a sério. Os dias, como sempre, passam. E para Javier, viver na sombra já não estava tão agradável. Se arriscou.

 

Ao cair de uma noite, surgiu, vestido como um dançarino nato de flamenco. O riso praticamente foi geral, mas ele não se deixou abater. Não ao ver que Aléia lhe sorria diferente, encorajadora. Antes que ele se desse por conta, porém, ela o puxou para perto do fogo e passou a dançar com ele, que iniciou desajeitado, pego de surpresa, o que fez alguns presentes rir ainda mais e outros puxarem seus instrumentos e puxarem um sonzinho, encorajando o rapaz que, como Aléia, começou a se sentir livre, como um pássaro. Dançaram a noite toda, sob a luz do luar e das chamas da fogueira, que parecia acompanhá-los a cada movimento. Ao fim da dança, porém, se afastaram como quase desconhecidos e foi cada um para o seu lado.

 

No dia seguinte, na vila, todos agiam normalmente. Inclusive os dois tímidos. Mas ao cair da noite, ocorreu o mesmo. Danças, cantoria, festa em torno da fogueira. O coração de Aléia, em segredo, palpitava mais forte ao cruzar o olhar com Javier. O coração dele dobrava de tamanho e o sufocava ao tocar Aléia. Em segredo ambos amavam mais do que só a liberdade, a vida e a dança. Amavam-se mutuamente, sem se darem conta um do outro.

 

E noite após noite, o sentimento parecia crescer, ficar visível, os passos ainda mais fervorosos, as danças mais acaloradas, animadas, mesmo que tudo parecesse em câmera lenta para os dois. Viam-se, em segredo, desejando que a fogueira nunca se extinguisse, assim, a noite nunca findaria e dançariam eternamente. Enquanto os homens invejavam Javier, Esmeralda invejava a irmã. Agora, mais desinibido, Javier ensaiava deixar a camisa aberta ao peito, sua corrente de ouro à mostra. Aléia agora cobria a cabeça e deixava as longas madeixas escorrerem em cascata pelos ombros e costas. Movia-se com maior graça. Para todos, era notável. Para eles, agora mais do que nunca. Para Esmeralda, inconcebível.

 

Se ela não tivera um amor verdadeiro, por que haveria a irmã de ter? Em uma dessas noites, aconteceu o que estava escrito há muito nas estrelas. Um beijo sincero e apaixonado de Javier e Aléia. A gota d’água para a irmã mais velha que, consumida pela inveja e pelo ódio de ver a irmã amada e desejada, bolou o plano que lhe custaria o juízo. E talvez o maior arrependimento de sua vida.

 

Depois do beijo, Javier e Aléia conversaram muito, se amavam, queriam casar-se e, para os pais de ambos, não era problema. Se era verdade que se amavam, que fossem abençoados. Despediram-se longamente, como se um dos dois soubesse que seria a primeira e a última vez. Javier cantou sozinho na praia, apaixonado, antes de se recolher também. Aléia aceitou andar com a irmã pela orla da praia até o amanhecer.

 

Esmeralda aproveitou o momento de estarem a sós e, à traição, enterrou um punhal no coração da irmã que, ao sentir a dor da morte, apenas sorriu docemente, antes de seus olhos apagarem e fecharem lentamente. Manchada com o sangue da irmã e tomada pelo desespero, Esmeralda jogou Aléia para as ondas, as quais a levaram para os braços do criador, enquanto a irmã criminosa agora chorava copiosamente, consciente do que fizera.

 

Na noite seguinte, todos sentiram a falta de Aléia e de Javier que, vendo tudo na noite anterior, decidiu seguir a amada. Crentes de que os amantes haviam fugido para um lugar mais íntimo, começaram a puxar a cantoria, quando Esmeralda apareceu, desolada e, ao tentar contar o que ocorrera, vislumbrou um casal de colibris esvoaçando alegremente ao som do flamenco do vilarejo. Realmente os amantes haviam partido juntos, mas ninguém imaginava como e nem pra onde, nem mesmo o quão perto eles realmente estavam.

 


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Notas finais do capítulo

Eaí? o que achou da história? Boa? Ruim? Poderia terminar melhor? Comente, sua opinião é importante.



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