Meu Professor de Matemática escrita por Boobaloo


Capítulo 9
Capítulo 9




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Levei um susto quando abri meus olhos e no lugar de Harry encontrei minha irmã, sentada na beirada da cama, com seu olhar pensativo, perdida nas rendas de seu vestido. Meu marido há muito devia ter se levantado e ido à cidade com meu pai, por isso seu lugar e minha cama estava vago para minha irmã mais nova. Comecei a me perguntar quem cuidava de Edgar, já que tanto eu, quanto a minha irmã, estávamos ali, mas mal tive tempo de perguntar tal coisa para Alice, uma vez que ela me interrompeu:

- Sabe, - ela murmurou baixinho. – levei um tempo até perceber... – ela permaneceu alguns segundos em silêncio. Seu rosto não me encarava, seus olhos estavam perdidos nos seus dedos finos, que seguravam uns aos outros. – Pra perceber o motivo daquela sua reação.

Engoli em seco. Num instante me desvencilhei dos cobertores e lençóis, me colocando sentada na cama. Minha camisola estava enrugada de uma noite mal dormida e mesmo Alice mal parecia me notar.

- Do que você está falando, Alice? – Perguntei tão ingênua quanto ela um dia fora.

- Vocês eram tão amigos. – Ela sorriu, um sorriso fraco, falso, como se ela estivesse aceitando uma realidade dolorosa. – Não consegui entender a princípio o motivo de tanto rancor, de tanta surpresa...

Não conseguia entender uma só palavra do que ela dizia. Todo o som de sua voz entrava em minha cabeça como uma faca, me fazendo lembrar de quando ela mal tinha vocabulário pra me dizer tais coisas.

- Achei que aquele olhar era pra mim, que ele tinha se fascinado por mim, mas não era, não é? – Ela choramingou. Uma de suas mãos correu ao seu rosto, tentando esconder a lágrima que escapou de seus olhos. Ela estava chorando. – Eu percebi o que aconteceu no momento em que percebi que aquele olhar não era para mim.

Mais segundos de silêncio e uma dor tão intensa quanto o profundo castanho dos olhos de minha irmã.

- Era pra você. – Sua voz soou como a lâmina da mesma faca cortando um pedaço de minha carne. Eu podia ouvir toda a sua dor e frustração deixando sua garganta junto com as palavras que ela proferia.

- Alice, eu... – Tentei dizer alguma coisa, mas as palavras simplesmente pareceram entaladas em minha garganta.

Ela se levantou da cama e lentamente me encarou com um olhar de desprezo. Ou talvez eu estivesse enganada. Naquele momento não conseguia identificar com que sentimento Alice me encarava. Levantei-me também ficando ao seu lado. Tentei me aproximar encostando meus dedos nos seus, para puxá-la para um abraço. Ela, no entanto, puxou seu braço de volta, agora adotando uma raiva incondicional.

- Não venha tentar me convencer de que nada aconteceu, Helena. – Ela gritou. – Eu te conheço... E eu conheço o Charles.

Seu olhar, de repente, caiu ao chão, como se ela tentasse esconder de mim o choro que estava por vir.

- Alice, não aconteceu nada. – Tentei lhe contar, mas parecia que qualquer coisa que eu dissesse agora não faria efeito algum. – Eu e Charles nunca passamos de bons amigos.

- Você mente. – Ela gritou.

Estremeci da cabeça aos pés ao ouvi-la gritar aquilo. Aquela frase... Parecia se repetir em minha vida, só para me assombrar. Procurei pensar em qualquer coisa para responder á Alice, mas nada que veio a minha cabeça parecia se encaixar naquela situação. Impaciente e frustrada com a minha falta de reação, Alice andou até a porta do quarto, pretendendo me deixar sozinha, mas virou-se uma última vez para me encarar e dizer:

- Você acha que ele te ama, Helena, - ela disse nervosa. – Mas isso é mentira. Ele me ama, ele já me disse isso.

E então eu compreendi. Tudo pareceu fazer sentido de uma hora pra outra, como se Alice tivesse acendido uma luz. Corri até ela na porta e puxei-a fortemente pelo braço, impedindo-a de sair do quarto. Trouxe-a para dentro e fechei a porta cautelosamente, tendo certeza de que ninguém na casa poderia ouvir se quer uma palavra dita dentro daquele cômodo.

- O que você disse? – Perguntei incrédula. – Ele disse que te ama?

Alice então pareceu sair de seu surto de raiva, caindo num transe de medo e infantilidade. Ela não tinha palavras...

- Alice, - comecei novamente. – Você e Charles... O que há entre vocês?

Percebi então que a segurava pelo pulso, forçando-a para baixo, até que ela se sentasse na cama. Ela me olhava com uma expressão amedrontada, querendo correr de mim, mas ao mesmo tempo se esforçando para não me abraçar e chorar em meu ombro. Eu a conhecia melhor do que a mim mesma.

- Helena. – Ela choramingou. – Ele disse que me amava... Disse que um dia iriamos ficar juntos.

Nessa hora seu rosto estava molhado com as lágrimas salgadas que desciam por suas bochechas num fluxo incontrolável. Vê-la daquela forma me deixou com vontade de chorar também, mas não conseguia conter a minha raiva. Só não sabia se era por Charles... ou por ela.

O Sol ardia sobre minha cabeça. Minhas botas afundavam no gramado úmido da mansão. Eu caminhava decidida, cheia de raiva em meus passos. Alcancei a entrada daquele casarão velho e bati na porta com a maior força que meus punhos possuíam. Não demorou até que uma empregada abrisse a porta.

Entrei, passando por ela como um furacão. A senhora tentou me impedir, mas eu continuei andando até a sala de música. Lá estava ele, sentado em sua poltrona, encarando descaradamente o porta-retratos com a fotografia de Alice.

Entrei, batendo a porta atrás de mim na cara da empregada. Ouvi seus murmúrios tentando dizer qualquer coisa em repreensão, mas não liguei. Queria que o barulho chamasse a atenção dele, e não dela.

Charles levantou-se assustado e me encarou surpreso.

- Miss Kingsley, - ele pronunciou enquanto largava o porta-retratos.

- Você, - eu comecei com os dentes rangendo dentro de minha boca. – É um ser desprezível... Totalmente repugnante.

- Do que você está falando, Helena?

- Não me chame assim, - eu gritei. – Pra você eu sou a Senhora Kingsley. Perdeu sua intimidade comigo há muito tempo para se dar ao luxo de me chamar pelo primeiro nome.

- Miss Kingsley, - ele estava confuso, eu podia ver em seu rosto.

- Você é um monstro, - me aproximei dele tão irada quanto mamãe em seus discursos de etiqueta. – Um rato... Crápula!

Ergui a mão para acertar-lhe no rosto. Queria descarregar toda a minha raiva naquele tapa. Mas Charles mostrou-se dotado de incrível destreza, segurando minha mão antes que eu chegasse em suas bochechas.

- Miss Kingsley, - ele me repreendeu, agora adotando uma braveza nunca antes vista em si. – Quem você pensa que é para vir até a minha casa lançando desaforos contra o ar?

Puxei minha mão de volta e dei-lhe as costas. Não podia me dar ao luxo de deixa-lo me ver chorando. Porque era isso que acontecia agora. Todas as lágrimas que eu reprimi durante sete anos pareceram saltar para fora de meus olhos naquele exato momento. Senti uma de suas mãos tocar meu ombro, mas me desvencilhei, afastando-o de perto de mim.

- Quer, por favor, me explicar o que está acontecendo. – Ouvi sua voz pedir, agora bem mais calma.

- Não se faça de idiota, Mr. Dogson. – Virei-me para ele. – Não imaginou que um dia alguém descobriria sobre você e Alice? Ela é uma criança, Charles. Uma criança.

Ele engoliu em seco ao ouvir sobre Alice e permaneceu calado.

- E eu... Como fui burra de não ter percebido antes?! Essa foto de Alice perto de sua poltrona, a sua intimidade com minha irmã. Todos os sinais de que algo de errado existia entre vocês dois. E eu, tola demais para perceber isso antes.

Ele permaneceu em silêncio.

- Talvez eu esteja errada, - argumentei. – Talvez eu seja a idiota nessa história. A jovem que se casou muito cedo e se mudou para longe da família, perdeu a infância da irmã mais nova. Algo que você ajudou a apressar.

Todas as minhas forças iam embora conforme eu expirava o ar de meus pulmões. Eu queria gritar, mas não conseguia. Queria correr, mas minhas pernas tremiam. Sentia gotas de suor escorregando por minha nuca, adentrando a gola do vestido de renda. Tudo que eu queria dizer ficava entalado em minha garganta, junto com o ar que mal conseguia sair. Pensei em um milhão de coisas para dizer a Charles, mas a única coisa que saíram por meus lábios foi:

- Eu te odeio, Charles.

Seus olhos secaram naquele momento, como se toda a ternura que ele pudesse ainda sentir por mim deixasse de existir. Ele deu dois passos em minha direção, nos deixando tão próximos quanto no dia de meu casamento. Eu podia sentir sua respiração indo em direção do meu rosto e antes que eu pudesse perceber estava sincronizando o meu inspirar e expirar com o dele.

- Você mente.

E essa foi a última coisa que Charles Dogson disse antes de segurar meu rosto e encostar seus lábios nos meus.


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