De Anima escrita por AKAdragon


Capítulo 4
Aceitar com um sorriso


Notas iniciais do capítulo

Seis meses depois, no Japão...



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Todos ao redor dela choravam. Havia um senhor que segurava da mão da senhora deitada no futon*, ele sorria enquanto olhava para ela. Alguns jovens insistiam em dizer "Não! Não morra mãe!", mas o destino dela já havia sido decidido. Me coloquei sentada ao lado das pessoas e do futon onde ela estava, esperando o momento certo. Ouvi ela sussurrando algo a eles - mas que provavelmente não ouviram- e depois fechou os olhos vagarosamente. E quando um dos jovens gritou chorando ainda mais. A senhora já havia morrido.

Ela estava diante de mim, com um sorriso no rosto, assim com o senhor que segurava sua mão.

— Por que sorri? - Perguntei à alma dela - Sua alma já não mais vive em seu corpo.

— Eu sei - Ela respondeu gentilmente - Mas eu me lembro da promessa

Não perguntei o que significava aquilo. Queria apenas terminar tudo o mais rápido possível, como sempre.

A senhora se virou, e assistiu a todos chorando e prosseguiu:

— Você deve ser o Deus da Morte que veio me buscar... posso lhe pedir um favor?

— Não - Respondi friamente ao atrevimento dela.

Ela abaixou a cabeça

— Entendo...

Estendi minha mão e ela o pegou, em um piscar de olhos a senhora desapareceu, e uma conta se fez em minha palma. Guardei a pequena conta brilhante no meu pote azul com um pequeno anjo ornamentado e verifiquei meu pergaminho de nomes de pessoas que morreriam: Ela foi a última do dia.

Voltei para casa o mais rápido possível, onde me esperavam minha cama quentinha.

Abri a porta de madeira com desenhos vitorianos e lá estava...

— Mihael?!

— Não grite minha prima, irá acordar os vizinhos.

Ele me convidou para entrar.

— O que faz em minha casa? - Perguntei enquanto entrava

— Você quer dizer "Nossa casa"

Congelei. O que quer dizer com isso?

"Eu teria que passar meus cinquenta anos de castigo ao lado dele?"

Fiquei parada no corredor até ele notar minha ausência e se virar para mim.

— O que aconteceu, princesa? Algo errado?

— "Algo errado"? - sussurrei - se há algo... Errado? CLARO QUE HÁ ALGO ERRADO PRÍNCIPE IDIOTA!!!

Minhas tatuagens de corrente começaram a me apertar, a dor era tanta que eu cedi a cai. Não conseguia me mexer, aos poucos começou a ficar tudo escuro e frio, até que um toque quente me aqueceu e me trouxe daquela escuridão. Quando abri meus olhos Mihael me beijava. Vários sentimentos começaram a transbordar, não sei se era raiva, tristeza, alegria, ou mesmo amor. Só sei que sentia algo dentro de mim. Um sentimento bom, como se algo há muito perdido estivesse voltado.

— Está bem agora? - Mihael sorriu para mim

Meu corpo se moveu por si só, e quando reparei: já havia lhe dado um tapa.

— Acho que isso é um sim - Ele riu e logo se afastou

♠♦♠♦♠

A luz do sol entrava pela janela e batia em meu rosto, fazendo com que eu acordasse. Meu quarto está completamente arrumado e eu e vestia meu pijama deitada em minha cama. Mesmo assim não me lembro do que acontecera noite passada. Troquei de roupa e coloquei um vestido sem manga, azul pálido, por cima de uma blusa branca comprida, trancei meu cabelo com dificuldade e desci para a cozinha.

— Bom dia, princesa.

Mihael estava lá, tomando seu tão querido chá de jasmim. O ignorei e simplesmente peguei uma maçã -

Não vai tomar um devido café?

Neguei com a cabeça enquanto comia minha fruta

— Não me diga que tem vivido assim nos últimos seis meses?

— Isso não te interessa - Pequei meu pote de contas e me dirigia a porta.

Mihael me seguiu e pegou em meu braço. Ele pareceu querer dizer algo mas eu simplesmente me soltei e sai.

Fui até a estação de metrô da cidade, um pouco atrasada mas na perfeita hora do suicido. Dessa vez era um homem, jovem e tinha roupa de colegial. Perguntei-me o porquê uma criança como ele querer tirar a própria vida, provavelmente não tinha menos de dezessete anos, ainda tinha muito para viver...

Perto do meio-dia já haviam três contas a mais em meu pote azul, parei em um café próximo onde comprei um bolo de morango, do outro lado da rua estava o senhor que sorria ao lado da senhora falecida da noite anterior. Ele admirava as árvores. Aproximei-me e o observei de não muito longe.

— Essas árvores são lindas, não é mesmo menina?

Olhei ao redor e não havia ninguém, então provavelmente falava comigo.

— Não - respondi - elas são todas iguais, e logo irão morrer de qualquer forma.

Ele riu e apertou a xícara de café que tomava.

— Você acredita em vida após a morte? – Ele perguntou olhando para seu café.

— Sim. – Respondi sem me importar muito

— O que será que acontece com alguém depois que morre? – O senhor finalmente havia direcionado seu olhar a mim, seu rosto demonstrava feliz, mas no fundo, ele estava triste. Pude sentir suas vibrações.

— Você não vai querer saber

O silêncio reinou entre nós, eu me retirava do local quando ele começou a rir novamente.

— Você é uma menina interessante - Ele acenou - Adeus

"Está louco" - pensei.

Durante a tarde viajei para o Rio de Janeiro, uma mulher morrera afogada em sua própria banheira, depois fui para a Índia e Hong Kong. Meu pote azul já tinha cinco contas, aproveitei e comprei doces e guloseimas de cada lugar que visitei, e um sachê de chá da Índia. Fiquei algumas horas passeando pela cidade até que decidi voltar para casa, mesmo que tivesse que encarar meu primo novamente. Ainda não o perdoei pelo que fez.

— Você demorou - Disse ele ao atender a porta

— A casa é minha - empurrei-o para o lado e entrei - Volto quando eu quiser.

Deixei minha sacola de doces em cima da mesa, e o sachê no balcão.

— Eu fiquei preocupado, princesa

Eu o ignorava.

— Está brava comigo, certo? - Ele se sentou na mesa da cozinha e me fitou - Me desculpe por aquilo, mas foi preciso...

— Cale-se seu stalker sádico pervertido - Peguei um saquinho de balas do Rio de Janeiro e subi para meu quarto.

Nos próximos três dias foi a mesma coisa. Mas dessa vez, Mihael me disse uma coisa: "O toque do anjo da luz, traz de volta a escuridão" ele apenas me disse isso; uma frase do livro infantil de Ronefin "Devastação".

Enquanto viajava para o México fiquei pensando naquelas palavras. Na história, o anjo da luz foi contra seu próprio pai para poder proteger uma humana na qual tinha se apaixonado, sendo assim, ele foi exilado e perdeu seu direito ao trono de Vidoni e passou a viver com a humana...

Cheguei a um hospital no México. O falecido era uma mulher que acabara de dar à luz a um bebê, também falecido, ambos na cirurgia do parto. Fui até o quarto andar onde se encontrava os familiares em luto, deixaram a criança no colo da mãe. Eu me aproximava para pegar a alma da mulher quando algo apareceu. Era uma luz forte e ao lado dela havia uma sombra grande; Meia e Levi também estavam lá. Ambos observavam o bebê recém-nascido falecido. Foi a primeira vez que vi meu primo Levi com uma expressão tão triste.

— O que veio fazer, Levi? - Atrevi-me a perguntar.

— O que mais o anjo da proteção e o guia de crian-

Meia o interrompera

— Viemos ajudar o bebê - Meia pegou o menor de seus balões, e ele estava negro - Não conte a ninguém, Miranda

Meia entregou o pequeno balão negro a Levi, que ao pegá-lo começou a ficar cada vez mais branco. Quando o balão ficou completamente esbranquiçado, ouvi o bebê chorar. Todos a sua volta param de se lamentar e sorriram com a volta da criança.

— "Graças a Burhkan*!" - Disse um deles

— "Obrigado Shinigami..." - Disse outro em choro.

Todos eles agradeciam e sorriam ao redor da criança. Levi mudou sua expressão para um gracioso sorriso, como quando estava com sua mãe. Eu estava prestes a perguntar o que fizeram quando Meia começou falar:

— Com a ajuda do anjo da proteção, eu posso devolver as almas de crianças sem ir contra as leis de Ronefin, você pode fazer o mesmo com uma alma, Miranda.

— Até parece que eu iria querer a ajuda dele! Ainda mais para salvar humanos!

O sorriso de Levi desapareceu.

— Talvez você não goste de humanos porque sua mãe foi morta por um – Levi me provocava.

Meia colocou sua mão (ou pata) em meu ombro, indicando para eu me acalmar. Eu estava prestes a explodir novamente.

Na mesma noite, voltei para o Japão, e visitei a casa da senhora falecida há poucos dias. Todos dormiam e eu entrei no quarto do senhor - o mesmo que sorria e com quem conservei no parque. Ele estava sentado em sua cama, olhando para um álbum de fotografias, e lágrimas escorriam seu rosto.

Me aproximei do senhor.

— Se não é a garota interessante naquela tarde - Ele brincou - Quer dizer que você é o Deus da Morte...?

"Ele sabia que ia morrer hoje?"

Eu o observava calada, sua hora ainda havia de chegar.

— Me pergunto quanto tempo já se passou - ele abriu um sorriso - Desde que passei a viver ao lado de quem amo...

— Porque sorri? - Perguntei a ele, assim como perguntei a senhora.

— Porque me lembro da promessa

Foi o mesmo com ela...

Eu abri minha boca para falar, mas ele foi mais rápido.

— Posso lhe pedir um favor?

Hesitei ao responder. Lembrei do meu irmão Meia, e seu favores para humanos e espíritos, o mesmo irmão que sempre esteve ao meu lado.

— Sim...

O senhor ficou sempre olhando para as fotografias do álbum.

— Quais foram as últimas palavras dela, antes de partir desse mundo?

Não respondi. Não me lembro do que a senhora sussurrou antes de se tornar uma conta. Eu podia simplesmente mentir com algo como "Obrigada" ou "Foi uma vida feliz"... Feliz! Lembrei do que ela disse com um sorriso no rosto.

— "Eu estou feliz"

Ele sorria enquanto deslizava seus dedos em uma fotografia. Provavelmente ele a senhora mais jovens, ela vestia um longo vestido branco e ele, um terno e ambos pareciam muito felizes.

Não muito mais tarde o senhor parou de respirar, seu corpo estava caído na cama e segurava a fotografia na qual fitava. Ele chorava de olhos fechados, e um pequeno sorriso em seu rosto logo aparecia.

Ele estava pronto para partir. Pronto para rever a pessoa na qual sempre amou.

Como a senhora, ele sorria.

— Posso perguntar uma coisa?

A alma dele olhou para mim e respondeu:

— Claro, senhorita Shinigami.

— O que era a promessa que você e a senhora se referiam?

— "Não importa qual de nós se vá primeiro, vamos aceitar com um sorriso".


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Notas finais do capítulo

NOTAS:
Futon: acolchoado japonês;
Burkhan: Davi Burkhan, divindade que criou a terra junto com se irmão Ronald Tamyn. Imperador de Vidoni (Tamyn, imperador de Ronefin).



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