– Careina?

Estava conversando com as meninas da Ouvidoria dos Pedidos,enquanto eu regava meu jardim. A prisão perpétua no céu ainda estava de pé,para o meu azar,mas com a ajuda de Fira,Flygia e Tomtom,conseguimos convencer o anjo Gabriel a me deixar vê-las.

Ele protestou logo de início,dizendo que eu era uma ‘’má influência’’ para elas e que o melhor seria manter o isolamento. As meninas interviram,dizendo que sentiam minha falta e que a Ouvidoria não era a mesma coisa sem a minha presença,muito menos a vida delas. Disseram até que ajudariam a me manter longe da Terra......com os dedos cruzados atrás,é claro. Mas ele nunca saberia dessa parte.

Gael se deu por convencido,e desde então,elas vem me fazendo companhia. Me ajudavam com meu jardim e me contavam sobre tudo o que eu estava perdendo,enclausurada na minha nuvem. E,aparentemente,não era pouca coisa.

– Você acredita que a Annie tá concorrendo a Miss Celestial desse ano? – Nessa me contou,toda feliz.

– Como assim? E você nem me conta?! – Ri e a abraçei apertado. – Prabéns,amiga!

– Ai Ca,brigada. – Ela agradeceu,tímida e ansiosa ao mesmo tempo. – E eu só não te contei antes porque essa maritaca não parava de falar! Tava pior que uma harpa com a corda estragada.

– O que é bom precisa ser compartilhado!

– Mas eu nem tenho grandes chances,assim. – Ouvi Annie dizer,e revirei os olhos. Até parece. – Aquela anjo caído da Henya vai está lá também e....

– Pode ir parando com isso já! – Bea ordenou,enquanto me ajudava a regar as rosas. – Você é linda,aquela ruiva falsa não tem chance.

– E ai daqueles jurados se ousarem dar a vitória pra ela! – Andressa se pronunciou. – Eu juro que vou até lá e corto as asas deles.

Ri com a ideia dela,que não era lá tão ruim,mas se tudo desse certo – como eu acreditava que daria -,não iríamos precisar.

– Mas me contem,como é que estão as coisas lá na Ouvidoria?

A verdade é que eu morria de saudades de lá. Ficar conversando com as meninas e ouvindo os pedidos dos humanos,um mais lindo e doido que o outro. Outros eram tristes,clementes. O fato é que nunca se sabia o que esperar deles,sendo sempre uma surpresa atrás da outra.

– Ah,tá tudo uma loucura! Cê sabe,o Anjo do Ano tá chegando. – Nessa me lembrou.

Eu não tinha esquecido,mas eu queria. Tudo relacionado a esse bendito evento me fazia lembrar de João,e tudo o que eu não queria era pensar nele. Estava muito magoada com sua atitude. Fira já tentara me pedir para voltar a falar com ele,mas eu neguei prontamente. Tomtom me trazia notícias dele as vezes,mas eu fingia que não ligava.

– Ai Ca,desculpa! – Annie lamentou ao ver minha expressão triste. – Te fizemos lembrar do João,né?

– Tá tudo bem,meninas. – Sequei uma lágrima antes que elas vissem. Aquele mané fazia falta,muita falta. – Eu nem tava pensando nisso,não. – Menti,forçando um sorriso convincente. – Mas e os preparativos,como andam?

Sabia que as meninas da Ouvidoria iriam competir com os meninos do setor Causas Impossíveis. Seriam três categorias: o melhor setpr do céu,o melhor anjo e o melhor milagre já concedido.

– Elas estão pretendendo escolher o melhor pedido já realizado para concorrer ao primeiro lugar.... – Andressa começou.

– E vem cá,cadê a Kamila que eu não tô vendo por aqui?

– Quem,aquela doida? – Bea indagou,rindo. – Tava lá,ajudando as meninas. Daqui a pouco deve pousar por aqui.

– Quem me chama?! – Kamila chegou pé ante pé e gritou,assustando as três,enquanto eu ria com ela.

– Ai,sua anjoada! Quer me matar de susto,é?! – Bea e Nessa tinham os corações acelerados,enquanto Andressa e Annie a fuzilava com um olhar mortal.

– Hunf,suas sem graça! Eu tava só brincando,né não Ca? – E veio ao meu encontro,me abraçando.

Não demoramos a começar a conversar,nós seis,som=bre todos os tipos de assunto. Kamila e Annie zuavam Nessa pela última festa no Portal Angelical quando eu ouvi sua voz. Ecoando cada vez mais alto

E tive a certeza que ele estava em perigo.

Eu não sabia como nem porquê,mas eu podia ouvir seus passos,seus pensamentos enquanto fazia o caminho e entrando dentro de um carro.... Eu não estava lá,mas podia sentir um vento gélido ricochetear minha pele,me causando arrepios.

– Pedro,não! – Gritei para o meu inconsciente,mas já era tarde demais.

As imagens vinham como flashbacks,curtos e rápidos. Como lampejos de uma memória falha. Num segundo,ele entrava num carro. No outro,acelerava o motor,se esgueirando entre os outros veículos,numa velocidade tão rápida quanto as batidas do meu coração.

– Careina? – Ouvi a voz de Annie me chamar,mas eu não consegui responder.

Não conseguia fazer nada mais que tentar acompanhar aqueles flashes....ou seriam lembranças,apenas? Não conseguia mais raciocinar. Minha cabeça latejava num ritmo acelerado,minha pele estava gélida. Uma sensação de vertigem me tomou quando senti Pedro acelerar mais o carro,e não pude evitar temer pelo pior.

As lágrimas deslizaram por meu rosto sem aviso quando as lembranças do Racha vieram a minha mente. Aquilo não poderia acontecer de novo,podia? E o que ele pretendia,voltando para um lugar como aquele?!

– Pedro,para esse carro,pelo amor de Deus! – Eu implorei,tentando ignorar meu corpo trêmulo e zonzo.

A medida que o carro acelerava,o meu desespero aumentava. As meninas tentavam falar comigo,mas eu sequer as ouvia. Tinha minha total atenção focada nele. Minha atenção,meus pensamentos,minhas energias.

E principalmente,o meu coração,que nunca deixara de ser dele.

– Por favor,não faz isso....vai pra casa,amor. Eu tô implorando.... – eu gritava entre um soluço e outro,deixando o desespero tomar conta de mim.

Ele não parecia me ouvir. Ele sequer queria isso,e pude ver,em um dos flashes,os olhos marejados ofuscarem sua visão,fazendo meu coração apertar com uma força desumana ao ver o pior acontecer.

Um carro colidiu contra o de Pedro,o atingindo em cheio. Não consegui reprimir um grito de dor ao ver Pedro cair desacordado sobre o volante. Ele não usava cinto de segurança e sangrava pela parte lateral direita na cabeça. Sentia seus batimentos cardíacos diminuírem lentamente,junto aos meus.

Completamente sem vida.

– P-edr-o....não... – Murmurei minhas últimas palavras,antes do breu tomar meu inconsciente. Deixei meu corpo cair desfalecido sobre as nuvens.

As meninas já gritavam por socorro quando eu ouvi a voz de Fira ecoar bem perto de mim,num tom quase inaudível,devido ao meu estado de consciência quase nulo.

Meu corpo estava imóvel,mas a dor presente em meu interior ainda era intensa como fogo. Queimava e latejava como uma forte facada. Tudo o que eu queria era ir para um lugar aonde eu pudesse estar com meu guitarrista maluco. Um paraíso inexistente onde eu pudesse abraçaá-lo forte e não soltar nunca mais,jamais deixa-lo ir para longe de mim.

Eu não sabia como,mas minha mente e – porquê não? – o cara lá de cima pareceram entender o que eu precisava naquele momento,e atenderam meu pedido.

Os pássaros cantavam uma melodia doce e singela quando eu abri os olhos. Senti a grama por debaixo de meu corpo,o sol aquecer minha pele e corar meu rosto. Os raios solares incidiam sobre meus olhos azuis,constrastando com aquela manhã.

Eu não sabia aonde estava,e pude perceber isso quando me levantei com dificuldade,analisando o campo de lavanda em minha volta. O lilás da plantação colidia com a alaranjado pôr do sol que caía,tornando a visão de um verdadeiro paraíso.

– Karina!

E então eu ouvi sua voz me gritar. Me virei para o dono daquela voz,sem conseguir descobrir se eu sonhava ou se era real. Sua voz não tinha dor nem clamência,muito pelo contrário. Ele sorria doce pra mim,seus olhos se fechavam e formavam covinhas em seu rosto.

– Pedro.... – Foi a única coisa que consegui dizer,antes de correr em sua direção.

Ele me tomou em seus braços e me abraçou,me rodando no ar. Eu sorria,só ria e aproveitava cada segundo da sensação de paz maravilhosa que era tê-lo ali,tão perto,tão meu.

– Promete pra mim que não vai mais sumir assim,K? – Ele pediu,sussurrando contra meus lábios,sem tirar os olhos dos meus. Acarinhou meu rosto e eu fechei os olhos.

– Você sabe que eu não posso,Pê. – Supliquei,unindo minha testa a dele. Suspirei quando senti nossas bocas colidirem,num leve roçar de lábios. – Mas e você,hein? Quer me matar,é?!

– Eu não sei ficar longe de você,meu anjo. – Ele disse,sorrindo de forma terna,me trazia para perto como se eu fosse fugir de seus braços. Mal sabia ele que aquele era meu lugar preferido. – Eu prefiro a morte a não ter você comigo,pequena.

Morte. Aquela palavra trouxe a tona todos aqueles sentimentos obscuros de volta. Novamente o medo de perde-lo estava ali,claro e altivo,esperando a hora para aparecer.

– Nunca mais diz uma coisa dessas,Pedro! Nunca mais! – Antes que meus olhos pudessem se afundar em lágrimas,eu o abraçei fortemente ,enterrando meu rosto em seu peito.

Em um instante,tudo havia mudado. O dia havia sido trocado pela noite,os pássaros por corvos negros. Fortes rajadas de vento invadiram o que antes era o paraíso,numa tentativa de afastar os dois corpois. Eu ouvia gritos de pessoas em minha mente,e quanto mais o vento tentava me levar pra longe,mais eu me agarrava a Pedro.

Num fatídico golpe de azar,a ventania venceu e me levou pra longe. A última coisa que consegui fazer foi gritar,antes de sentir meu corpo ser arremessado numa distância insuportavelmente grande....

– NÃO! – Gritei exasperada,levantando meu corpo num sobressalto. E dando de cara com a pessoa que eu menos queria ver.

Uma não,duas. Gael e Pedro estavam ali,bem na minha frente.

– João? – Sibilei,um pouco fraca. A dor de cabeça havia sumido e dado lugara um torpor,que quase chegava a me dopar. Apoiei minha mão na testa e aos poucos fui me sentando no que eu pude perceber ser um sofá.

Aonde eu estava?

Meu olhar se dividia entre eles e observar o local em volta. Não precisei de muito,pois ao ouvir o bip incessante de um dos aparelhos,a minha ficha caiu na hora.

Pedro estava numa cama de hospital,preso a aparelhos que pareciam medir quanto mais tempo de vida ele teria.

Cruzei meu olhar com o de João,que me olhava com pena. Me ajudou a levantar e me guiou para perto de Pedro. Ele estava inerte naquela cama,sem reação ou qualquer coisa que pudesse provar que ele estava vivo. Preso em sua introspecção,como se me desse adeus a cada bipe que ecoava naquela sala.

– Eu sinto muito. – Sussurrou,e eu neguei o que via,cansada de perder Pedro a cada dia mais. Quanto mais eu tentava,mais a vida fazia questão de mostrar que a nossa história já havia tido um fim naquela noite,e que quanto mais eu insistisse,pior seria. Pra mim,e principalmente pra ele.

Gael se limitou a lementar e rezar por Pedro,num silêncio absoluto. Me olhou com pena,como se soubesse de meu sofrimento. Sabia que tinha algo a mais,principalmente pelo modo como encarava a mim e a João,mas não consegui decifrar o que era.

João me abraçou como pode,e eu não hesitei em aceitar. Um arrepio percorria por minha espinha a cada som que o aparelho emitia,deixando aquela sala um âmbito mais gélido do que realmente era.

As lágrimas deslizavam livres,já sabiam o caminho de cor a percorrer. Me soltei dele e,com dificuldade,me aproximei de Pedro. Toquei seu rosto,analisando cada detalhe,cada imperfeição,que aos meus olhos,era perfeita pra mim.

– Por quê,Pedro? – Minha voz saiu falha e esganiçada,num grito que não podia mais ser reprimido. Numa dor que estava cansada de ser suprimida. Como uma avalanche,todos aqueles sentimentos me invadiram,sem pedir licença.

Raiva. Medo. Angústia. Pânico. Solidão. O conjunto de todos eles faziam meu corpo tremer e desejar estar ali,no lugar dele.

– Karina.... – João me chamou. Olhei para trás,e o vi com uma expressão lívida no rosto. Como se estivesse esperando por isso a muito tempo. – Você sabe o que tem que fazer para salvar a vida dele.

Come up to meet you, tell you I'm sorry

You don't know how lovely you are

I had to find you, tell you I need you

Tell you I set you apart

Não precisava de muito para entender aonde ele queria chegar. Suspirei fundo e uni minhas mãos as de Pedro. Mentalizei todas as minhas energias positivas,todas as nossas lembranças boas e que me davam tanta saudade. Me deixei voltar no tempo e fiz todas aquelas sensações voltarem,me causando um sorriso tímido.

Uma luz forte e branca começou a amanar de meu corpo,passando aos poucos para minhas mãos e finalmente chegando até ele.

Tell me your secrets and ask me your questions

Oh, let's go back to the start

Running in circles, coming up tails

Heads on a science apart

Quando a luz o tocou,fiz o meu mehor para que toda aquela dor se esvaísse dele. Não podia acabar assim. Ele merecia a vida,e não só por mim,mas por Bianca,seus pais,e Duca,que o amavam incondicionalmente. Até mesmo o Simba,que esperava seu dono pronto pra brincar.

E assim foi feito. Em poucos instantes,toda aquela dor havia abandonado seu corpo. Sorri de alívio ao ver seus batimentos voltarem ao ritmo normal no aparelho ao lado de sua cama. Tudo o que eu queria era ter certeza que ele estava bem. Era só isso que importava. Nada mais.

No entanto,ele não parecia acordar,ou sequer perto disso. Seu corpo continuou ali,preso aquela infinita inércia. Em um mundo completamente sem volta.

– João... – Eu o chamei em meio a soluços. – Por quê ele não quer acordar?

– Ele.....ele tá em coma,K. – Aquelas palavras doeram muito mais do que qualquer ameaça de Lúcifer,ou mil dias no inferno. – Os médicos induziram esse quadro,pra poder avaliar a gravidade do acidente. Nós não sabemos quando ele vai acordar.

Quando voltei meu olhar para João,ele pode ver toda a dor transbordando de meus olhos. Uma dor tão profunda que ele jurava que jamais conseguiria tirar de mim.

– Não! – Eu gritei,me contendo para não descarregar aquela frustração em mim mesma. – Não,por favor! Acorda,Pedro,volta pra mim....

Num impulso, joguei meu corpo sobre o dele,deitando minha cabeça em seu peito. Seu coração ainda batia,mas seguia um ritmo lento demais para lhe trazer de volta.

Nobody said it was easy

It's such a shame for us to part

Nobody said it was easy

No one ever said it would be this hard

Oh, take me back to the start

Eu me agarrava a ele,enquanto me afogava dentro de mim mesma. Uni minha mão a dele,como se dependesse disso. Perder alguém que se ama nunca é fácil,mas perder seu amor e saber que perdera tanto tempo longe dele era demais para mim. Era mais do que eu podia suportar.

– Volta pra mim.....Eu preciso de você!

Foi quando senti um leve aperto em minha mão direita. Era fraco,mas palpável. Parecia uma ilusão,mas era real. Ele era real,e estava ali para mostrar que não me deixaria tão fácil. A única promessa que ele fizera questão de cumprir.

João,que tentava me consolar,agora estava mudo. Não acreditava no que via,assim como eu. Me levantei com cuidado e me sentei na cama,sentindo a vida voltar a sorrir pra mim.

I was just guessing at numbers and figures

Pulling the puzzles apart

Questions of science, science and progress

Do not speak as loud as my heart

But tell me you love me, come back and haunt me

Oh, and I rush to the start

Running in circles, chasing our tails

Coming back as we are

Ele estava ali. Tinha voltado pra mim. Seus olhos se abriam aos poucos,sentindo a luz se incidir sobre eles. Seus movimentos ainda eram quase nulos,mas eu ainda podia sentir seus dedos firmes apertando os meus. E seu sorriso.....voltou assim que me vira ali.

– Esquentadinha.... – Sua voz saiu rouca e falha,como num sopro de vida. Eu só sabia sorrir agradecer as forças superiores. – É você mesmo,ou eu tô sonhando de novo?

– Não,seu bobo! Sou eu mesma. – Ajudei Pedro a se sentar na cama,com um pouco de dificuldade devido aos fios. João e Gael saíram do quarto,fazendo aquele momento ser só nosso.

Como numa conexão de pensamentos,eu o abraçei no momento que ele veio fzer o mesmo. Me agarrei ao seu corpo como se não fosse mais soltá-lo,beijando todas as partes expostas que eu podia. Encostei minha cabeça em seu ombro,sentindo a paz voltar a reinar dentro de mim.

– Senti tanto a sua falta.... – Ele sussurrou,acarinhando meu rosto.

– Eu também,meu amor. Eu também. – Ele secou as lágrimas que ainda permaneciam ali.

Aquele momento era só nosso,aquele amor só nós sabíamos sentir.

– O que deu em você,hein?! Por quê fez isso,Pedro? – Minha voz tinha súplica e dúvida. Eu não conseguia entender,e tampouco achava que ele saberia dizer.

– E-eu não sei,K. – Vi sinceridade em suas palavras. – Eu só sei que quando eu ouvi sua voz,me dizendo pra parar.....foi a única maneira que eu vi de ter você perto de mim de novo,pequena.

– Ah,Pedro.... – Ele me puxou mais pra perto,e me deitei ao seu lado. Afagava meus cabelos e os beijou.

Não sei quanto tempo ficamos assim,deixando o silêncio preencher aquele momento. O único som que eu ouvia eram os das batidas de seu coração.

– Você sabe que não pode continuar assim,não sabe?

– Eu sei,mas não consigo evitar. Você faz falta aqui dentro de mim.

– Mas você precisa. – Me levantei e me sentei na cama,e ele fez o mesmo. – Tem muitas pessoas aqui na Terra que precisam de você,sabia disso?

– Eu sei,mas....

–A Bianca precisa do irmão brincalhão e protetor dela. – Ao falar dela,seus olhos marejaram. – O Duca precisa do melhor amigo dele,nem que seja pra dar uns pescotapas quando ele falar besteira. – Rimos juntos. – A Delma e o Marcelo precisam do filho deles,pra poder dar amor e encher aquela casa de alegria.....A ‘’Galera da Ribalta’’ precisa do seu guitarrista. Sol,Paula,Rominho e Luca precisam do amigo deles,ali presente,pro que der e vier. O Nando ainda precisa muito ouvir suas músicas de garoto apaixonado....

– Por você,só por você.

– Até o Simba precisa! Quem é que vai brincar com ele,sem você aqui hein? – Disse num tom divertido,o vendo rir pra mim.

– É moça,acho que você me convenceu. – Seu olhar tinha conformismo e uma nostalgia constante. – Eu prometo pra você que vou continuar aqui.

– Não precisa prometer não. Só faça,por você.

– E o que eu faço com essa saudade que eu vou sentir de você,linda? – Afastou uma mecha de cabelo do meu rosto,me olhando tão terno.

– Nós vamos superar isso juntos,ouviu? - Tentei encorajá-lo,ainda que eu não estivesse tão certa disso. Não era de fraqueza que ele precisava agora. – Eu vou estar sempre com você,te guiando no caminho certo.

– Tão perto,mas ao mesmo tempo tão longe....

E então eu percebi o que se passava ali. Suas palavras me fizeram ver a real questão de toda a nossa história. O porquê de o destino não sorrir pra nós,a razão que distanciava nossos caminhos,num afastamento difícil de ser superado.

– A verdade é que estamos predestinados a nos encontrar,mas condenados a nos perder.

Ele chorou comigo,tomando meu corpo num abraço sem fim. Eu nunca me cansaria de tê-lo tão perto,nunca conseguiria entender como tudo nele me fazia tão bem.

– Eu vou fazer de tudo pra te achar de novo. – Me olhou ainda abraçado a mim. – Eu vou mover céus e terras,vou estar certo e errado,mas não me importa. A única coisa que eu sei é que não tem prisão nenhuma que possa tirar o nosso indestino. Eu vou achar o caminho de volta pra casa,de volta pra você.

Não eram preciso palavras,os sentimentos falavam mais alto. Sempre foi assim,e continuaria sendo. Até quando nós não sabíamos,pois se tinha uma coisa que tinha aprendido,era que a vida era muito curta para viver de incertezas.

Eu toquei seus lábios com os meus e o beijei,pela ~´ultima vez. Deixei a saudadae e o amor que batia contra meu peito me guiarem,o fazendo ver que ninguém faria me sentir como ele. Quando o beijo terminou,nossos rostos ainda estavam ali,nossos olhos presos a uma conexão que era só nossa. Uma verdade que só poderia ser transmitida através do nosso sentimento.

A única coisa que eu sabia era que Pedro era meu presente mais presente,e que ele me completava de tal forma que ninguém jamais conseguiria.

– K,melhor nós irmos agora. Os pais dele e a Bianca estão quase chegando para o horário de visita. – João apareceu na porta e disse.

Eu sabia o quanto ele queria ver Bianca,mas estava impedido tanto quanto eu.

Foi com esses pensamentos que deixei um beijo em sua testa e me afastei,ainda com o olhar nele. Gal apareceu e abriu o portal. Eu ainda chorava quando,em questão de instantes,ele desaparecera de minha visão.

Nossa história tinha chegado ao fim.

– X –

– Valeu o ensaio,galera! – Nando disse,guardando sua guitarra. – Agora se vocês me dão licença,a minha Tizinha tá me esperando.

– Hmmm – Sol começou,e todos os outros seguiram.

Três meses se passaram desde o acidente de Pedro. Ele se despediu dos amigos,que já haviam notado sua mudança,e entrou no carro do pai,indo para o Amparo. Devido o ocorrido,seus pais o proibiram de voltar a dirigir até que tudo voltasse ao normal. E a justiça pareceu concordar,estendendo por um período indeterminado.

No começo foi difícil,ele precisava confessar,mas no fim se acostumou. Durante o caminho,contava como fora seu dia e engatava uma conversa boa com o mais velho.

Assim que chegou,deu boa tarde a Regina e colocou seu jaleco,pegando seu fiel violão e entrando no grande salão.

Ouvir tua voz

Quando eu não puder falar

E vencer qualquer distância

Pra te alcançar

– Boa tarde,galerinha! – Ele gritou com um sorriso estampado no rosto.

– Tio Pedro! – Alice correu para abraça-lo,junto com Gui.

– Você demorou hoje! – Ela reclamou com uma carranca fofinha e um bico grande. ‘’Tão esquentadinha!’’ ele pensou.

Todos pareciam concordar com ela,e se manifestaram a favor. Pedro só ria,aqueles pequenos tinham mesmo mudado sua vida.

– Desculpa baixinha,mas é que o tio tinha ensaio da banda dele. O que eu posso fazer pra me desculpar?

– Toca pra gente? – Apontou pro violão,e Pedro viu seus olhinhos brilharem ao assentir.

Não vou partir

Mesmo quando eu me perder

Ser maior que o horizonte

Pensando em você

Quando a música acabou,Pedro perguntou a Alice:

– E aí,tô perdoado?

– É claro que tá,tio Pedro! – E o abraçou,num típico ‘’abraço de urso’’,como Pedro dizia.

– Você tá feliz? – Ela assentiu,risonha. – Então eu tô feliz também!

Durante toda a tarde,Pedro percebeu que Gui estava aéreo,com a mente distante dali. Cabisbaixo,com um olhar triste. Achou que fosse só uma impressão sua,mas na hora do lanche da tarde,ele se afastou antes de terminar e foi até o jardim,se sentando em um dos balanços.

Ele foi atrás e se sentou no balanço ao lado.

– E aí cara,beleza? – fizeram seu toque de mãos. Ele negou e o amigo de Amparo perguntou o porquê.

– Tem uma família que quer me levar daqui,mas eu não quero ir.

Pedro se espantou com a forma como ele colocara a resposta. Até onde ele sabia,o sonho de cada uma delas era ter uma família,um lar que pudesse chamar de seu.

– Deixa eu ver se entendi. Uma família tem interesse em te adotar,é isso? – Ele assentiu,chorando. – E por quê você não quer ir,Gui?

– Porque eu não quero me afastar de você.

A resposta o pegara de surpresa. Ele jamais podia esperar ouvir algo assim. Estava em choque,não conseguia esboçar nenhuma reação. Ele importava tanto assim na vida do pequeno menino,a ponto de ele desistir da chance de voltar a ter uma família?

– E quem é que disse que a gnete vai se afastar por causa dsso,hein? – Sorriu e se recompôs,passando segurança pra ele.

– É claro que a gente vai,eu não vou mais estar aqui.

– Pois eu te digo que não,cara! – Bagunçou os fios loiros dele. – Tu é meu brother,distância nenhuma vai mudar isso,ouviu?

Gui o abraçou,e Pedro retribuiu. Ele só conseguia pensar em como sua vida mudara em poucos meses. Era verdade que Karina ainda fazia uma falta absurda. O guitarrista a via em cada canto do Amparo,da Ribalta e de sua casa,mas principalmente tão viva dentro dele. Foi difícil seguir em frente,doeu como nunca,mas aquele momento com o baixinho o fizera ver como valera a pena.

Terminaram o dia jogando bola,os outros meninos logo se juntaram. As meninas estavam lá para torcer. Uma tarde como nenhuma outra. Única,assim como sua vida.

Pela verdade em mim

Que você enxergou

Por todas as vezes

Que você me mostrou

Que é hora de viver

A maior dádiva que Karina lhe trouxera fora a da vida,a do renascimento . Esta,que ele não dava mais valor,agora ele fazia valer cada segundo. Ela trouxera cor aos seus dias nublados,o fazendo ver como ele era importante na vida dos outros.

Ele seria eternamente grato a ela por isso.

– X –

– É tão tarde, a manhã já vem..... Todos dormem, a noite também.

Every breath you take

Every move you make

Every bond you break

Every step you take

I'll be watching you

Eu cantava,enquanto observava Pedro se arrumar para seu grande dia. Hoje seria a batalha de bandas que ele participaria com a galera da Ribalta,pelo o que eu havia entendido,eles cantariam uma música nova. Por incrível que possa parecer,eu ainda não a tinha ouvido. A meninas,Fira e Tomtom sempre me chamavam quando eu estava prestes a ouvir. Sempre algo acontecia,e eu não conseguia entender.

Observei cada detalhe dele. Estava feliz,sua aura tinha voltado a brilhar,pura e cristalina. Sabia o quanto ele queria isso,e estaria torcendo por ele,memso de longe.

– Só eu velo,por você meu bem....

Every single day

Every word you say

Every game you play

Every night you stay

I'll be watching you

A verdade é que a distância que nos separava ainda doía. Tentei curá-la aos poucos,mas só passava quando eu o observava,lá de cima. Passou a ser o ponto alto do meu dia,os meus melhores momentos.

Oh, can't you see?

You belong to me

How my poor heart aches

With every step you take

Fira autorizara,mas sem deixar de se preocupar comigo. Dizia que eu sofrer ainda mais se continuasse assim,que eu deveria esquecê-lo de vez. Eu tentei,jurei a ela que havia tentado,mas só consegui chegar a conclusão mais óbvia de todas.

Since you've gone, I've been lost without a trace

I dream at night I can only see your face

I look around, but it's you I can't replace

I feel so cold and I long for your embrace

I keep crying, baby, baby, please

Pedro Ramos era inesquecível em mim.

Ouvi passos em minha direção,a achei que fossem das meninas que uqeriam ver a batalha de bandas comigo,mas quando me virei,me deparei com apenas uma pessoa.

– João?

Durante aquele tempo,nossa relação também mudara. Não estávamos mais brigados como antes,mas também não estávamos bem. Ele insistia em se manter distante e eu não conseguia entender o porquê. Algo me dizia que sua presença ali tinha algo a ver com isso,mas era só uma intuição.

– O que você quer aqui?

– Eu tô aqui porquê.....Droga,eu não sei como te dizer isso.

Suas palavras me assustaram. O que teria acontecido? Seria algo com Pedro? Meu coração já acelerava de imediato e ele percebeu,tratando logo de me acalmar.

– Calma,não aconteceu nada com seu desafinado,não. – Riu fraco. – Pra falar a verdade,já aconteceu. Com você e com ele.

Eu tentava entender seu raciocínio,mas o medo e a ansiedade por sua resposta não deixavam.

– O que você quer dizer com isso?

Milhões de possibilidades passavam por minha mente,mas nenhuma delas se comparavam as palavras que eu estava prestes a ouvir.

– O que eu quero dizer é que....é você,Karina. Você é a alma gêmea do Pedro.