Todos nós estávamos apreensivos com aquela situação. Como se não bastasse não conseguirmos terminar a missão,nosso atraso estava piorando as coisas lá em cima e ainda tínhamos Lúcifer para nos atrapalhar.

Tudo estava dando errado.

– E o que esse demônio quer aqui?! – Gael gritou. – E ainda mais com a Karina?

– Boa coisa não deve ser.... – Flygia disse,temerosa.

– Não deve ser mesmo. Tanta pessoa no mundo para ele se ocupar e ele foi logo atrás dessa aí. – Henya riu.

– Não começa,Henya! – João reclamou,e ela revirou os olhos. – Ele quer é ferrar com a missão,isso sim!

– Mas como? E o que eu tenho a ver com isso? – Perguntei,cada vez mais confusa.

– Eu e o João achamos que o objetivo dele é te afastar do Pedro,K. – Fira começou. – Se ele conseguir,ele vai ficar cada vez mais distante de encontrar a alma gêmea dele,e a falta de amor na Terra vai diminuir,tornando tanto aqui quanto o céu lugares vulneráveis e livres para os planos dele.

Segurei as lágrimas até quando pude quando ouvi Gael dizer:

– Peraí,peraí......como assim ‘’afastar’’? Karina,você já não estava afastada dele?

Arregalei os olhos para a pergunta dele,e João tentou disfarçar que estava me ajudando esse tempo todo. Ai meu santo,quanto mais eu rezo mais problema me aparece!

– Erm....mais é claro que ela não te desobedeceu,Gael! – Fira se pronunciou olhando para João,e eu fiquei sem entender nada. O que estava acontecendo? – Imagina só! A K nunca ia fazer isso,né K? – Eu assenti,com um sorriso que eu torci para que ele não percebesse que era falso.

– Hunf,acho bom mesmo.

– Eu disse ‘’afastar’’ no sentido de ‘’proteger’’,foi você quem entedneu errado. – Ele pareceu aceitar e eu respitei fundo,aliviada.

Mas como nem tudo na vida são flores,a ruiva falsa resolveu destilar seu veveno:

– Ah,claro. Até porque,para ser um anjo protetor vale tudo,até beijo!

Eu e João fuzilamos Henya sem discrição,e ele teve que me conter aonde estava para que eu não atravessasse a sala e descontasse minha raiva nela.

– Muito bem lembrado,Hen! E esse beijo que eu vi,foi o quê?

– Foi.....coisa do momento! – João me ajudou.

– ‘’Coisa do momento’’? – Gael pareceu interessado na nossa explicação.

– É isso aí! Erm....o Pê ainda estava muito....abalado com o meu sumiço na mata,ainda mais no estado em que eu cheguei com a Tomtom.

– Ah,é mesmo?

– Você tava lá,né mestre? – João reforçou. – Cê viu tudo...

– E-e aí,ele meio que confundiu as coisas,e me beijou. Foi isso. – Concluí a frase,percebendo que não tinha nenhum nexo e que eu ganharia mais se tivesse batido na ruiva dos capetas.

– Quer me enganar,me dá jujuba! Tá certo,eu vou fingir que acredito nisso. – Gael zombou. – Até porque,não vai fazer diferença nenhuma. Logo logo o Pedro encontra a alma gêmea dele e te esquece mesmo....

Senti meus olhos encherem de lágrimas e começarem a arder. Abaixei a cabeça para que ele não visse que eu já chorava,e engoli a vontade que eu tinha de gritar para Gael o quanto ele estava errado.

Fira e Flygia perceberam a minha dor e me olharam com pena. João me abraçou e logo as duas vieram ao meu encontro.

– Oh meu amor,não fica assim.... – Flygia disse.

– Ouviu isso,né Karina? – Henya provocou. – Lucifer pode até ser o vilão da história,mas numa coisa ele está certo: esse tal Pedro não pertence a você.

– CALA ESSA BOCA! – Gritei com todas as minhas forças. Tentei avançar sobre ela,mas João me impediu.

– Dá licença,gente. – João me soltou e foi até Henya,a colocando nos ombros e subindo as escadas.

– ME SOLTA AGORA,JOÃO! – Henya esperneou,mas ele não pareceu dar ouvidos.

Ouvimos os gritos dela e logo depois um baque surdo de uma porta batendo. João desceu as escadas e se sentou novamente conosco.

– Pronto,pelo menos um problema resolvido. – Ele disse. – Aonde é que a gente tava mesmo?

– Pensando em uma maneira de proteger a Karina do Lucifer. – Flygia respondeu.

– E precisa mesmo disso? – Eu perguntei. Achei que essa fosse a minha função na Terra. Aquela ideia era quase uma ofensa pra mim.

– Claro que precisa,ô teimosa! – João disse. – Pelo menos até sabermos o que o Lucifer quer e como mandar esse cara pra longe da gente.

– Eu e a Fira temos uma ideia. – Flygia propôs,fazendo um colar surgir diante de meus olhos. – Esse colar está batizado com a energia protetora Maktub. – Colocou o colar com um pingente de lua em meu pescoço. – Ele vai te proteger e não vai deixar que Lucifer se aproxime.

Peguei o pingente e o fitei,ele era lindo.

– E enquanto isso,o que vamos fazer?

– Vamos tentar encontrar a alma gêmea dele,antes que Lucifer o faça. – Gael respondeu,mas ainda assim não era a resposta que eu queria,e todos ali também perceberam.

– Mas....e o Pedro? – minha voz já saiu fraca,e eu me recriminei por isso.

– Oh meu anjo....você terá que se afastar dele,e dessa vez,de verdade.

Aquelas palavras doeram muito mais que a tortura que Lucifer havia me feito passar na mata. Tentei reprimir o soluço que estava para vir,meus ombros tremeram e eu senti minhas pernas fraquejarem.

O meu tempo ao lado de Pedro tinha chegado ao fim.

– A começar essa história de namoro,pode terminar com ele. – Gael disse. – Essa história nunca deveria ter começado!

– E-eu... – tentei me defender,mas minha voz não saiu.

– Você sabe muito bem que ele tem uma alma gêmea a espera dele! Sempre soube,e mesmo assim insistiu. Se está sofrendo agora,a culpa é sua.

– Gael! – Fira interviu.

– É a verdade! Ela acha o quê,que pode atrapalhar a missão desse jeito?

– Eu não vou ficar aqui ouvindo isso..... – sibilei,limpando as lágrimas.

– K,fica calma. – João pediu,mas não havia mais espaço para calma.

– E você,acha o quê? Que eu escolhi me apaixonar por ele?! - Gritei,e ele arregalou os olhos.

– Meu Deus.....é mais sério do que eu imaginava. – Gael sussurrou,pensativo.

– É isso mesmo que você ouviu. – Me aproximei dele.

– Nada do que você diga vai me comover,Careina. A nossa missão tem que vir em primeiro lugar,e não há lugar para uma história que já começou errada. Ou você se afasta dele,ou eu mesmo trato de fazer isso no seu lugar.

– Esse Lucifer não vai mandar em mim,muito menos você. Eu não vou me separar dele,Gael! Não vou!

– É pro bem dele,Karina. Pensa bem. – Fira ponderou,mas eu não queria ouvir.

Neguei suas palavras e saí em disparada pelas escadas acima. Quando cheguei ao quarto,tranquei a porta e me permiti chorar. Não importava se estariam ouvindo lá de baixo. Nada me importava naquele momento,somente a dor que eu já sentia de ter de me separar de Pedro. Num impulso,arranquei o colar de meu pescoço e o joguei sem jeito na cama.

Foi quando vi uma carta com o meu nome,na escrivaninha. Peguei o envelope branco endereçado com o meu nome com uma letra cursiva e o abri,tendo uma surpresa nada agradável.

‘’Você fez a sua escolha. Só não espere que ela não terá consequências.’’

Lucifer

Assim que li,senti um arrepio percorrer por minha espinha. Tentei amassar o pale,mas a maldição pregada nele fez as pontas da pequena folha ferirem minha mão. Em questão de segundos,minha mão tinha cortes e sangrava.

Reprimi um grito de dor para não chamar a atenção de todos. Fui até a cama e peguei o colar,o colocando de volta e o apertando contra meu peito.

O perigo estava cada vez mais próximo.

– X –

Três dias se passaram desde o bilhete deixado por Lucifer.

Karina usava o colar e o guaradava a sete chaves junto dela. As três anjos agora moravam junto com ela,Gael,João e Tomtom,e a casa ficou ainda mais agitada.

Ela se despediu de todos e saiu de casa – sob os protestos de Gael,que dizia que alguém deveria acompanha-la – e rumou para o colégio. Henya ficou em casa,as duas anjos mais velhas decidiram que ela seria mais útil ao lado delas,e a loira agradeceu por isso.

Ao passar em frente a casa de Pedro,ela se conteve para não bater na porta. Ainda que não quisesse se separar dele,não queria que ninguém os visse,não até que pudessem virar a esquina.

Mas Pedro pareceu não ouvir seus pensamentos,e saiu cantarolando para ela assim que saiu de casa.

– Olha que coisa mais linda,mais cheia de graçaaa,é a minha esquentadinha quem vem e que passaaa.... – Pedro se aproximou sob os risos de Karina e a beijou. – Bom dia K.

– Booom dia,maluco! – Sorriu para ele. Se tinha uma coisa que lhe fazia bem,era ver seu sorriso,todas as manhãs.

Ele entrelaçou suas mãos na contura fina da loira e a beijou. Ainda que ela tivesse correspondido,sentiu a namorada um pouco tensa.

– Tá tudo bem,esquentadinha? – o guitarrista perguntou.

O que a loira diria a ele? Estar com ele era a melhor sensação do mundo,a fazia esquecer de todos os problemas,mas nesse caso,o problema era justamente estar com ele.

Desde o bilhete,não podia evitar a sensação de estar sendo observada. Sentiu o peso do colar em sua nuca e respirou. Tudo daria certo no final.

– Ahn? Tá sim,Pê. – Beijou sua bochecha.

– Jura?

– Juro,juradinho! – Bagunçou seus cabelos. – Agora vem,se não chegamos atrasados.

– X –

A manhã passou vonado,e logo os dois já estavam indo em direção ao Amparo.

Pedro ainda sentia a namorada tensa e distante,e quando saíram do carro,ele a puxou para perto dele.

– Vou perguntar de novo. Tá tudo bem,Karina? – Ela desviou o olhar dele,o deixando ainda mais preocupado. – É por causa de ontem? Cê tá sentindo alguma coisa,é isso? Me fala,porque eu quer....

– Calma,Pê! – Riu nervosa,e lhe deu um selinho. – Cê tem razão,eu tô meio estranha mesmo. Mas é coisa minha,bobeira. Deixa pra lá.

Ele pareceu aceitar e a abraçou de lado,caminhando com ela para a entrada do Amparo.

– Suas tias vieram te ver,né? – Pedro perguntou colocando o jaleco de todo dia,e ela assentiu. – Elas e aquela ruiva que o João tava pegando aquele dia.

Ela ignorou a parte sobre Henya e continuou:

– É,a tia Safira e a irmã dela vieram de Minas pra fazer uma visitinha. – Colocou o jaleco branco. – O problema foi terem trazido aquela chata da Henya. Ela não faz bem pro João.

Pedro já ia perguntar qual era o problema que o cunhado tinha com a tal ruiva quando as crianças chegaram.

– TIO PEDRO! TIA K! – Gui gritou,e em questão de instantes,vários pares de olhos já os encaravam na soleira da porta.

– Fala,galerinha! Tudo beleza?

– Tudo! – Elas responderam em coro.

– Gostaram do passeio? – Karina perguntou,e todos responderam que sim.

– Só não gostamos da parte que a tia K e a tia Bianca sumiram. – Alice disse.

– Tá tudo bem com você,tia Karina? E a tia Bianca? – Bia perguntou.

– Awwn,pequenas! Eu já tô bem sim,e a tia Bi também. Pode deixar que eu vou combinar com a tia Bi pra ela fazer uma visita pra vocês,né Pê? – Ele assentiu.

– Obaaa! – Alice comemorou. – Mas pede pra ela vir com o tio João e o tio Duca também?

Pedro e Karina se entreolharam,sem entender o pedido.

– É que eles juntos são muuuito legais! Adorei o tio João chamando o tio Duca de anta. – Bia riu,e todos concordaram.

– Acho que eu vou ter que dar uma palavrinha com o tio João mais tarde. – Karina advertiu.

– Ah,K! Deixa disso,vai. As crianças adoraram! Fala pra ela,pessoal!

– É tia Karina,não briga com o tio João não! – Nat pediu.

Ela olhou para eles,travessa.

– Olha só o que vocês não faz com eles,né seu maluco? - Pedro sorriu maroto para ela. – Ok,pessoinhas,eu u não vou falar nada.

Os pequenos comemoraram com Pedro,que pegou o violão.

– Em homenagem ao bom coração da tia esquentadinha,eu vou tocar hoje! Quem quer cantar comigo? – Todos gritaram,mas Pedro fingiu uma cara de desanimado. – Não tô conseguindo ouvir vocês. Olha só tia Karina,acho que eles não querem cantar comigo....

A loira riu e viu as crianças gritarem mais alto.

– Agoooora sim! Bora cantar,galerinha do mal!

– X –

Quando chegaram na rua de casa,Pedro cantava alguma música que tocava no rádio.

– Quando Deeeus te desenhou,ele taava namorandooo... – cantou olhando para ela,que se dividia entre rir e aquietá-lo.

– Pê,fica quietinho vai? – Riu com a cara de triste que ele fez. – Ah,não faz assim! - Desceram do carro

– Quer saber? Eu não vou parar não! - Brincou,se aproximando dela e sussurrando o resto da letra em seu ouvido.

– Doido! – E o beijou.

Quando Pedro a convidou para entrar,ela aceitou sem pensar duas vezes. Mas,daquela vez,desejou ter ido para casa.

Porque ela não imaginava o que estava por vir.

– Pedro! – Bianca desceu as escadas em disparada e abraçou o irmão assim que o viu. Estava desesperada e tinha lágrimas nos olhos. – Oi,K!

– Bi,o quê que houve? – Se soltou do abraço e reparou no estado da irmã. – Por quê você tá chorando?

– O pai e a mãe,eles se trancaram no quarto e estão brigando! – Choramingou a atriz,desolada. – Flaram até em separação.

La de baixo,os três podiam ouvir os gritos dos dois adultos. A mulher o acusava de o trair com uma tal Roberta.

Karina teve que se segurar para que seu mundo também não desabasse. Até onde sabia,a relação dos pais de Pedro era estável e não passava por turbulências. Tudo ia ‘’muito bem,obrigada’’,como Bianca gostava de dizer.

Tudo aquilo só tinha uma explicação: Lucifer. E pode comprovar quando viu sua silhueta,arás de Bianca.

– Acho melhor eu ir. - Controlou seu estado e disse.

– Ah não,K! Fica,por favor. – Pediu o namorado.

– Acho melhor não. Nos vemos amanhã? – Ele assentiu e a beijou.

Assim que saiu da casa de Pedro,viu que ele a esperava,do outro lado da rua,com um sorriso nada casto.

Atravessou a distância que o separava dele e não demorou até estarem frente a frente.

– O que você quer,Lúcifer? – A namorada esquentada de Pedro mandou,tentando encurtar aquele momento desagradável.

– Quanta educação,dona Careina. Perdeu os modos aqui na Terra? – Lucifer brincou,e a loira teve que controlar o nervosismo para que ele não percebesse seu estado.

– Tenho educação com quem merece. E eu vou é perder minha paciência se você não disser o que quer logo.

– Vejo que você é mesmo uma discípula do Gael. Tão determinada quanto ele. – O manda chuva da casa de baixo fez elogios. – Também não sei pra quê tantos rodeios,Careina. Você sabe muito bem o que eu quero.

– E você sabe muito bem que não vai conseguir. – Ela retrucou a altura,e ele riu. – Você não vai conseguir me afastar do Pedro.

– Ah,eu vou sim. Por bem ou por mal.

Num instante,o que Karina ouvia era a risada estridente de Lúcifer. No outro,sentia que sua cabeça poderia explodir de tanta dor. Os gritos que ela ouviu na mata voltaram,dez vezes mais fortes. Ouviu risadas de Lucifer misturadas e pedidos de socorro de Pedro.

''Me ajuda,Karina! Pelo amor de Deus,esquentadinha!’’ Os gritos de dor de Pedro ecoavam em sua mente.

Tampou os ouvidos para abafar as vozes,mas elas continuavam.

''Tá venso só,Careina?’’ A voz de Gael a repreendeu,em meio a ecos. ‘’Isso tudo é culpa sua! CULPA SUA!’’

– PARA COM ISSO! – Gritou em meio as lágrimas de dor e desespero,sua respiração entrecortada. Encarou Lúcifer por um segundo,sua visão já estava distorcida,mas conseguiu ver seu sorriso de vitória.

Sentiu seu corpo ir em direção ao chão. Estava fraca e pálida,suava frio e tremia.

Lucifer se ajoelhou para ficar com sua altura e ergueu seu corpo,encarando suas íris azuis.

– Ainda quer desacatar minhas ordens,loirinha?

Com um último suspiro de derrota,e sentindo seu coração apertar,ela sussurrou:

– Você venceu,Lúcifer. Eu vou me afastar do Pedro.