Meus olhos quase saltaram da órbita quando ele me disse aquilo. Eu? Cupido?! Ele só podia estar de brincadeira!

– Cê tá falando sério? - eu gritava e dava pulinhos de tanta felicidade. Hoje era dia de festa! - Cupido? Daqueles que atiram flechinhas? E espalham o amor?!

– É,desses mesmo Ca. -Agora ele sorria tímido pra mim. Acho que felicidade contagia.

– Eu não acredito! - Gritei,mas ele me interrompeu.

– Sshh! Quieta,quer que todos descubram?

– Quero! - Ainda não tinha entendido qual era o problema. - Quê que houve,João? Que cara é essa?

Ele olhou pros dois lados,pra se certificar que ninguém estava por perto,e cochichou:

– Se a Fira descobre que eu coloquei você pra ser Cupida,era uma vez um santo!

Fira era o Anjo da natureza responsável por supervisionar as minhas funções. Na nossa primeira missão na Terra,como eu posso dizer? Ocorreram alguns probleminhas,coisa boba,mas desde então ela não gosta de mim,e me colocou pra trabalhar aqui no céu mesmo.

– Olha só pra minha cara de preocupação pra reação da Fira,João. - desdenhei,fazendo careta e o João revirou os olhos.

– Vocês não se suportarem eu até entendo,mas ela tem motivos,né Ca?

Agora que revirava os olhos era eu. Por quê os santos tinham que ser tão certinhos?

– Que motivos? Só porque eu acidentalmente,totalmente sem querer,me atrapalhei e as flores da primavera nasceram algumas horas mais tarde?

Até parece que existe algum humano que liga pra hora do início da primavera.

– E que teriam quase nascido com um dia de atraso,se a Flygia,nossa Santa da Natureza,não tivesse salvado aquela Primavera!

Ele continuava irritado e eu decidi mudar logo de assunto.

– Mas e aí,quando é que eu começo?

– Hoje. - João respondeu,mas percebi que ainda havia algo de errado.

– Que horas?

– Erm...Agora.

– AGORA?! - indaguei,ainda feliz. - Mas peraí,não vai ter cursinho preparatório não?

– Quê que cê disse? - perguntou João,ele com cara de dúvida e eu ainda indignada. - Acho que você anda convivendo muito com os humanos. Sabia que era roubada te colocar nessa....

Eu não ia deixar ele duvidar da minha capacidade,não logo agora. Tratei de incorporar meu lado angelical - como se eu tivesse algum outro - e comecei:

– Nãaao,João! Não,me deixa ir por favor! Olha só,eu juro que a partir de agora eu vou ser o anjo mais celestial de todos,vou transbordar celestialidade,só vou....

– Tá,tá Careina! Já entendi,vou deixar você ir. Não é como se eu tivesse muita escolha também.

Como é que é? Ele tava mesmo me chamando de desqualificada?! João percebeu minha irritação e foi logo se adiantando.

– Não é nada disso,sua boba. - disse,mas eu pude jurar que ele tinha colocado as mãos para trás para cruzar os dedos. - É que muitos anjos tem tido dificuldade para cumprir as missões,parece que os humanos não tem mais acreditado no amor. Uns até morreram tentando dar as flechadas.

– Pobre Lírio - disse com pesar.

– Mas agora chega de papo,tá aqui o seu arco e a sua flecha.

João me entregou e eu tratei logo de coloca-las em posição de ataque. Estava pronta para atirar quando João me parou.

– Ainda não! Temos que esperar,Ca.

– Esperar o quê? – perguntei,já meio impaciente.

– Não é esperar o quê,mas sim quem. – Disse João,me explicando como se eu fosse uma criança. – Você tem que ter um alvo,não pode sair por aí flechando todo mundo.

– Ah,é? – perguntei sem acreditar,e ele assentiu. – Nooossa,que chato!

– Careina.... – Ele me repreendeu,mas eu dei de ombros. – Olha lá,ele chegou!

Me preparei para acertá-lo em cheio. A flecha voou,voou e...caiu metros distante dele. Eu preguejei e o João se segurava pra não rir de mim.

– Tá rindo do quê? Isso é mais difícil do que parece,sabia? – disse irritada,mas ele continuou tirando uma com a minha cara.

– Vai Ca,deixa eu te ajudar. Dá aqui o....

– Não! – Me apressei,me afastando dele. – Essa missão é minha,a cupido do amor aqui sou eu!

– Deixa de teimosia,Careina! A gente precisa terminar essa missão ainda hoje,deixa eu te ajudar.

– Não,nem vem!

– Saí voando pra longe dele,e ele se irritou.

– Isso é sacanagem,Careina! Você sabe que santos não voam!

– Awwn,o Joãozinho tá irritadinho? – ironizei,mostrando a língua e voando mais. Ele tentava correr atrás de mim,sem sucesso.

– Olha só Ca,estão tocando aquele música dos humanos que você gosta!

– Ai minhas asas! Onde,onde? – perguntei,mesmo que não estivesse ouvindo nada.

Grande erro. Foi só eu descer pra ele tentar arrancar as flechas de mim,mas eu não deixei. Eu só não imaginava o que podia vir a acontecer.

– Haha,peguei! Quem é o santo irritado agora,Careina? – Vangloriou João,mas eu não consegui ouvir o resto.

Me desequilibrei e caí,sentindo o ar tomar conta do meu corpo,de uma maneira nada boa.