Sem perder a esperança escrita por Ester


Capítulo 6
Indefinido...




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Faz dois meses que retornei ao doze, meus dias tem se seguido num misto de tensão e alívio, tensão pois sempre vejo Katniss e Gale andando pelo Distrito e alívio por saber que eles não anunciaram nenhum relacionamento oficial ainda. Nós estamos próximos, a medida do possível, somos amigos, tomamos café sempre juntos e à noite gastamos boa parte do tempo discutindo projetos de construção e outras amenidades. Katniss está empenhada em seu trabalho, ela participa de tudo. As vezes, se ausenta durante o processo para atender o telefone, sua família liga nesse período quando estamos desenhando. Ela fica um bom tempo ao telefone e quando retorna percebo uma certa tristeza em seu olhar, ela disse que está bem, mas acho que no fundo se sinta sozinha aqui. Mas como é sempre tão independente não quer demonstrar.

Depois que concluirmos os projetos ela teve a ideia de construirmos um livro de memória sobre todos que perdemos durante a revolução. Aceitei de bom grado, pois isso me ajudaria em algumas memórias perdidas e garantiria mais noites com a melhor de todas as companhias para mim. Por isso o trabalho é feito de forma lenta. Parece que nenhum dos dois tem pressa de terminar. Existem momentos que percebo sua relutância em se despedir de mim, ela parece pensativa, como se quisesse dizer algo, mas não tem coragem. Não insisto, pois não sei até onde chegará nossa relação, por enquanto estamos sendo amigos e não quero por nada a perder.

Mas essa indefinição está mexendo com minhas ansiedades e medos. Durante o dia o trabalho na padaria, que decidi reconstruir, tem consumido meu tempo e no inicio da noite a presença da Katniss, me ajudam a estar no controle. Porém quando volto para casa é diferente. A solidão, as incertezas me atacam de forma violenta e não são poucas vezes acordo com flashes e crises agudas de pânico.  Estou realizando todas as terapias que o Dr. Aurélio me prescreve, uso todos os medicamentos, tomo vários banhos mornos na tentativa de me acalmar, passo parte da noite cozinhando, ou pintando, mas nada parece garantir o meu sossego. Após as crises me sinto completamente infeliz e perdido. Katniss tem mostrado interesse em me ajudar, mas não quero demonstrar a ela o quanto sofro, já é difícil competir com Gale estando saudável, imagine ela sabendo de quantas crises enfrento diariamente.

Só converso sobre isso com Haymitch, que apesar de bêbado está sempre disposto a me ouvir. Ele tem me incentivado a tomar uma atitude em relação a Katniss, alegando que se quisesse o caçador já estaria com ele. Esse argumento sempre mexe comigo, é verdade que ela não está oficialmente com ele, mas não sei o motivo. Sei que ele se mostra muito solícito e sempre que estou por perto tenta me passar a ideia de que estão íntimos, pega em sua mão, a abraça, mas não percebo retorno por parte dela. Talvez por que estou junto e não queira me magoar.

Mesmo querendo definir meu relacionamento com ela, tenho dúvida, pois se avançar poderei perdê-la definitivamente. Se disser que quer ficar com ele, não terei mais coragem de estar presente em sua vida todos os dias e perderei o que tenho. É pouco, eu sei, mas é tudo que tenho e não posso me desfazer. Nossas conversas, o café da manhã, as noites em que vou até sua casa tem feito parte da minha rotina e não consigo pensar em não estar com ela. Com isso em mente escondo todas as minhas emoções e me preparo para mais um dia.

Na padaria observo como as obras estão avançadas, minha cozinha está praticamente pronta, os fornos chegaram e me sinto ansioso para começar a usá-los. Antes tínhamos alguns a lenha e agora comprei os mais modernos que achei na Capital e quero experimentá-los. Passo no mercado e compro sacas de farinha e açúcar, além de outros ingredientes. A tarde começo a cozinhar inaugurando os fornos, faço pães, doces e bolos. Estou terminando uma receita antiga da minha avó, quando sou surpreendido pela sua voz.

— O cheiro daqui está por todo Distrito — ela fala com um sorriso no rosto. — O que está fazendo? Achei que a inauguração seria depois do fim das obras.

— Não é a inauguração, estou testando os fornos e algumas receitas — viro pra ela e sorrio do jeito mais sincero que consigo.

— Nossa! Quantas coisas você fez? — ela olha todos os tabuleiros que estão em cima do balcão.— O que você vai fazer com tudo isso depois?

— Eu vou distribuir na cidade baixa — é onde ficava o antigo bairro Costura, lá moram muitas pessoas carentes, apesar das mudanças a pobreza ainda é grande em nosso país.

— Posso ir com você? — está animada com a ideia, com certeza lembrando do tempo em que ela distribuía comida por lá também.

— Seria um prazer ter sua companhia — falo adorando o fato de que irei passar mais tempo com ela.

— Posso?  — pergunta indicando um pão doce com cobertura de creme e mordendo os lábios. Fico rindo da sua reação e respondo:

— É claro que pode! Depois você diz como está. Estou realmente precisando de uma segunda opinião. — Ela pega um e começa a comer. Paro em sua frente esperando o veredito.

— E então? — pergunto ansioso. Ela para e faz sinal para que eu espere com a mão enquanto engole e depois fala.

— Isso está divino, nossa poderia comer só isso a tarde inteira. — Sua fala sai embolada pois já está novamente com a boca cheia.

—Sério? Por que eu queria sua opinião sobre outras receitas principalmente essa que estou terminando. — Ela olha atenta para a panela que estou mexendo nela tem uma espessa  calda de chocolate, cola seu rosto próximo ao meu para ver. Sua proximidade faz com que minha respiração fique presa, ela passa o dedo na borda da panela depois o põe na boca e  suspira. Abro um sorriso enorme. Com a calda pronta cubro o bolo. É de cenoura e o chocolate faz um contraste excelente. Pego um prato e sirvo um pedaço. Ela senta em cima do balcão e me olha sorrindo.

—Isso é muito bom — fala com a boca cheia e cortando outro pedaço.

— É uma receita antiga, achei que poderia ter errado.

— Está perfeito, prova— diz colocando o garfo em direção a minha boca. Chego bem perto dela para provar e me pego olhando direto nos seus olhos, ela não corta o contato, nós ficamos assim até que escuto alguém a chamando.

— Katniss, Katniss, você está aí? — reconheço a voz assim que identifico o som é o Gale.

— Estou na cozinha  — grita ainda com o prato na mão. Ele entra e nos lança um olhar reprovador por estarmos tão próximos, mas não me afasto e como Katniss está em cima do balcão também não tem como se afastar. Gale mal me cumprimenta e se vira para ela.

— Estava te procurando para te levar para casa. Adam disse que estava aqui. Vamos? — Estica a mão querendo que ela a pegue. Katniss parece confusa, porém não corresponde ao gesto dele, na verdade ela baixa o prato e diz:

— Eu vou ficar mais um pouco. Não se preocupe comigo, depois o Peeta me acompanha, não é, Peeta? — seu olhar é de afirmação para mim. — Vamos distribuir esses pães para algumas famílias.

— Claro — falo olhando só para ela. Gale me encara com raiva, mas diz apenas um —Tanto faz— tentando soar indiferente, se vira e sai.

— A gente precisa entregar tudo? — Ela me diz como se nada tivesse acontecido e olhando fixamente para o bolo.

— Só o que você não quiser comer. — Seu sorriso é divertido, seus olhos miram o bolo e eu o pego e coloco em uma bandeja com tampa e dou a ela.

— Não vou comer tudo sozinha. — Abraça a bandeja ao dizer.

— Não? — Arqueio a sobrancelha lhe encarnado e ela só ri. Empacoto tudo em sacos da padaria. Estendo a mão para ela a chamando. Ela tenta pular do balcão, me antecipo e a pego pela cintura a descendo. Nossos rostos ficam bem perto um do outro e por um momento ficamos nos olhando novamente. Penso muito em beijá-la. Mas me controlo. A solto, viro, pego as sacolas, fecho a padaria e realizamos a distribuição.

Katniss se mostra feliz ao me acompanhar, as pessoas nos veem e nos reconhecem e logo não temos nenhuma sacola de pão. Retornamos a vila e combinamos de trabalhar no livro mais tarde. Em sua casa enquanto desenho ela vai à cozinha e retorna com dois pratos com bolo. Eu a olho sorrindo. Katniss come tudo do prato dela e tenta comer do meu, digo para ir a cozinha e colocar mais em seu prato mais ela alega que Haymitch veio em sua casa e comeu todo o resto. Eu brinco a impedindo de colocar o garfo no meu prato. Levanto e saiu de perto dela comendo pedaços o bolo rapidamente. Ela sorri alto e faz uma nova tentativa, eu estico o braço afastando o prato e sua tentativa de pegar o bolo a deixa muito próxima a mim, ficamos rindo muito enquanto ela se estica tentando de todas as formas enfiar o garfo em meu prato e é nesse momento que percebemos sua presença, quando ele fala:

— Boa noite, estou interrompendo algo? — Minha vontade é dizer que sim. Gale tem essa capacidade de sempre estar entre ela e eu. Só hoje é a segunda vez que nos interrompe. Mas não digo nada essa não é minha casa. Mas o fato de nem o ouvi entrando me incomoda.

— Não te ouvi batendo. Aconteceu alguma coisa? — Katniss o olha interrogativa. E se afasta de mim.

— Precisa acontecer alguma coisa para eu vir aqui? ­— pergunta chegando bem perto dela. Ela me olha sem graça e se afasta dele, contorna a mesa e continua seu trabalho, eu também volto a desenhar, antes vou até a sua mesa e lhe entrego o prato com o bolo, ela sorri e começa a comer, porém um clima estranho se instaura. Não fica claro se é pela minha presença ou pela do Gale. O silêncio chega a ser constrangedor. Não quero ir embora e deixa-lo lá e talvez ele está pensando o mesmo sobre mim. É Katniss quem resolve a equação. Ela me olha e diz para continuarmos amanhã eu concordo com a cabeça e virando para nós dois ela fala:

— Estou cansada, vejo os dois amanhã. — Ela se dirige a porta e a abre nos mostrando a saída. Gale tenta argumentar que precisa ficar para falar sobre algo. Mas insiste que está com sono e que ele pode falar amanhã. Despeço-me dela e o vejo indo para sua casa e também vou para a minha.


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