Os Demônios de Mara escrita por Clementine


Capítulo 4
Capítulo 4




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Assim que chego no Céu, vou diretamente falar com Jack. Tenho tantas perguntas sem respostas e minha cabeça esta girando e eu não entendo. Não entendo nada disso.
E odeio ter que admitir que Jack esta certo.
– Eu sabia! – É a primeira coisa que ele diz quando entro em seu gabinete.
É, temos isso no céu. Só porque estamos todos mortos não significa que não somos civilizados.
A porta se fecha atrás de mim e eu respiro fundo.
– Não entendo – Admito. – Como ele pode me ver então?
Jack faz sinal para que eu me sente em uma das cadeiras na frente da sua mesa. Seu gabinete é todo de um azul claro, sem teto ou chão, apenas paredes de gesso se erguendo com detalhes divinos em todos os cantos. Uma mesa de madeira escura e uma poltrona fofa a sua frente são os moveis principais. Há algumas estantes no canto que eu sei que contém os arquivos dos mortos, com seus nomes, suas historias.
Pergunto-me se algum lugar ali, há uma ficha escrito Mara.
Pergunto-me se um dia vou poder olhar nela e saber coisas sobre mim mesma que não me lembro mais.
Mas não digo isso em voz alta, porque não é permitido. Há um motivo para que eu não me lembre do meu passado. Da minha família, dos meus amigos, ou da minha morte. Mas mesmo que eu não diga nada, não significa que não me incomode.
Me incomoda, muito.
Jack esta me encarando encarar o nada, de pé ao lado da sua mesa.
– Céu para Mara?
Eu rio de leve.
– Me desculpe por isso.
Ele sorri. Bagunça os cabelos louros. Começa a falar.
– Mara, tem coisas que você precisa entender. Coisas que eu não gosto de falar, mas bem. Eu sei o que você viu. – Ele umedece os lábios – Mortos não são os únicos que podem nos ver. As vezes, por motivos que eu não sei, um humano comum de carne e osso, com o coração batendo pode fazer algo extraordinário como... Como ver anjos.
– E demônios. – Eu acrescento.
– Exato.
– E você não sabe mesmo o porque?
– Mara, há um motivo pelo qual não sabemos de tudo – Ele diz, como se lesse meus pensamentos de antes. Sobre querer saber mais do que me foi permitido. – Devemos confiar no Senhor. Ele sabe o que faz. –
De repente, me sinto envergonhada.
– Pode ir agora. – Jack anuncia.
Eu levanto. Quero desesperadamente perguntar se há mais. Se esses são todos os detalhes mesmo. Não quero ter que voltar John de mãos vazias. Por algum motivo, não quero desaponta-lo.
Passo pelas várias gavetas no caminho para porta e me pego imaginando se um dia vou poder ler sobre o meu passado.
Se Jack pudesse me ouvir agora, me daria um tapa na cara.

Quando volto para o hospital, procuro por John em toda a parte. Procuro-o nos corredores, nos quartos, na ala de recreação. Em todos os lugares possíveis (menos no banheiro masculino, eca. Mas esperei um tempo do lado de fora), e não o encontro. Mas há um cheiro estranho em todo lugar. Fico sentindo que vou espirrar mas nada acontece.
Quando atravesso o corredor da Ala Psiquiátrica, eu ouço um barulho.
Olho para todos os lados, a procura, mas não vejo nada. Esta escuro, e por apenas um segundo, eu consigo vislumbrar um par de olhos que piscam para mim na escuridão.
E depois desaparecem.
Eu esfrego meus olhos.
– Mara se concentre. – Digo a mim mesma. Estou ali a muito tempo. Minhas asas pesam. Não foram feitas pra esse plano.
Estou imaginando coisas, só posso estar.
Quando passo pela entrada, percebo uma coisa.
Esta de noite.
Um súbito medo me preenche inteira. Aperta o meu coração. Chuta-me no estomago.
Esta de noite. Não pode estar, não pode. Não acredito que não vi isso antes.
Eu não posso estar aqui. Não de noite.
Minhas veias sem sangue começam a latejar em minha pele.
Quanto mais tempo longe do céu eu fico, menos anjo me sinto. Mais coisas humanas consigo sentir, como dor e sentimentos que nem me lembro de quanto era viva.
E de um jeito estranho, eu gosto.
E de noite as coisas pioram.
De noite, demônios ficam mais forte enquanto eu fico mais fraca.
Não espero mais nenhum segundo. Começo a correr.

Enquanto corro para a ala infantil (o único lugar que eu vou poder invocar um portal a essa hora) percebo os olhos, em todas as curvas e em todos os cantos escuros, piscando pra mim. Eu corro mais. Minhas pernas começam a ficarem mais fracas, ameaçando cair. Preciso do portal e preciso agora. Estou aqui a tempo de mais.
No céu nós não temos tempo, não como aqui. Não do jeito que os ponteiros se arrastam nos relógios. Lá, é sempre de dia, e a noite nunca vem para transformar nossos contos de fada em histórias de terror.
Quando alcanço a ala infantil, há um demônio me esperando lá.
Ele sorri para mim. Percebo os mesmos olhos de ontem.
É o mesmo demônio que quase me pegou.
– Bom ver você de novo. – Ele diz de um modo quase encantador. Quase acredito nele.
Quase.
Demonios são feitos pra isso. Pra seduzir, pra manipular. Pra te enfiar nos seus joguinhos doentios na primeira oportunidade.
– Me deixe ir. – Eu engulo em seco conforme engulo meu orgulho.
Estou fraca fraca demais e não me importo mais se vou ter que implorar. Todas as minhas articulações ardem e eu sinto que vão rasgar.
O demônio se aproxima. Seu corpo é musculoso e muito bem esculpido, seus olhos são imensamente negros, como se nem existisse uma iris. Ele sorri com seus dentes perfeitos e se aproxima.
– Creio que isso não vá acontecer, meu pequeno anjo. – Ele chega mais perto. Eu recuo de costas.
Ele se aproxima. Eu recuo.
Ele se aproxima mais.
Eu encontro a parede.
Estou encurralada em um canto sem nenhum lugar pra correr. Um beco sem saída e agora apenas Deus sabe o que ele vai fazer comigo.
Deus.
Onde esta ele agora?
– Vamos nos divertir primeiro – Suas mãos vão para o meu queixo, e seu cheiro de enxofre me deixa tonta. Cheira como o inferno. – Uma menina tão linda... um corpo tão adorável... Uma pena ser um anjo. Se você fosse um demônio, nós iríamos nos divertir tanto. – Ele agarra minha cintura. – Não vejo o que nos impede agora.
Eu quero morrer. Quero morrer uma duas centenas de vezes, tudo de novo, apenas pare que ele não me toque assim. Estou profundamente enojada, mas estou com ainda mais medo.
E deveria.
– Como se chama, anjinho? - Meu coração pula, uma duas três vezes mais rápido.
– Mara – Fico surpresa por ainda conseguir falar.
– Mara, querida, eu sou Derek, e guarde bem este nome. É ele que você gritará esta noite.
Eu me encolho. Derek me arrasta pela cintura. Me lança contra a parede.

Então é assim que é. A dor.

Nunca a tinha sentido antes, não completamente. Agora esta claro para mim. É como se meus ossos fossem feitos de pálidos de dente e estão prestes a se quebrar. É como se tivesse ácido corroendo meu corpo inteiro.
A dor é como um pequeno inferno correndo pelos meus membros, começando uma fogueira em meu peito e me queimando viva.
Estou queimando viva. Queimando queimando. E Derek ri.
Se aproxima mais. Eu começo a gritar.
Grito tanto que minha garganta começa a doer. Estou chorando e esperneando conforme ele me domina, apertando meus pulsos contra o chão de ladrilho.
– Você é minha agora. – Ele grita mais alto que eu. Sinto o veneno em sua voz.
– Não, não é.
A voz não pertence a Derek. Nem a mim.
Mas eu a reconheceria em qualquer lugar.
John esta parado ali, como estava da primeira vez que o vi, com seus allstars surrados e seus brilhantes olhos azuis.
E meu coração pula uma vez. Não de medo.
Mas de outra coisa.


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