Diamante Bruto escrita por Natsumin


Capítulo 55
Capitulo Doze - Lembranças, malditas lembranças


Notas iniciais do capítulo

Maratona!♥



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— Para começar, eu sei que parece uma calcinha, mas não é uma calcinha.
Nathaniel ouviu a voz às suas costas. A sala dos representantes nunca fora tão vazia numa segunda-feira de volta às aulas. Talvez fosse porque as férias passadas eram de inverno, portanto mais curtas e, com exceção de Natsumin, quase ninguém entrava em Sweet Amoris depois do meio do ano, ou próximo a ele. Antes de virar-se e encarar a dona da voz. Sim, dona, porque um homem não teria uma voz daquela e, provavelmente também não estaria usando calcinha.
Bem, não um homem de verdade.
Se bem que ela/ele disse que não era calcinha, mas que parecia. Nathaniel juntou a pilha de formulários dos alunos sobre os quais ele tinha responsabilidade e depositou-os nos armários com seus respectivos nomes. Em seguida, apesar de receoso em razão do que ouviu, virou-se para trás, encarando a figura que agora estava à sua frente.
E que era bela, por sinal.
— Baixinha, gordinha, óculos, coque grisalho, vestido rosa horroroso... Uau você é lindo... É... Ela me orientou a pedi-lo uma ficha de inscrição. — ela revirou os olhos vendo que falou demais, mas sentiu-se aliviada por perceber que ele não ouviu a parte do “você é lindo”.
Nathaniel franziu o cenho. Observava com calma o belo rosto da menina, parecia uma boneca de lábios em formato de coração e olhos grandes e amarelos. O cabelo castanho era comprido, caía por cima de seus ombros, descendo até um pouco mais abaixo dos seios. Ele não entendia o que havia de errado com ela, para ela ter se justificado a respeito de calcinha ou não.
— Não quero ser uma imbecil, mas não gosto que fiquem me olhando dessa maneira. — ela prosseguiu.
Nathaniel finalmente caiu em si. A garota usava uma blusa branca básica de mangas curtas e na parte de baixo... Apenas uma calcinha de cor azul clara e lacinho cor de rosa.
— Mas o que... — ele fechou os olhos imediatamente. — M-me desculpe e-eu... — ele ruborizava, mesmo não querendo entender o motivo, uma menina havia aparecido de calcinha na sua sala, se alguém entrasse, com certeza iria interpretar da pior maneira possível e fazer de tudo para acabar com o cargo dele. Como aconteceu na última vez. Não, ele não podia estar se lembrando disso, ela não voltaria, Debrah não voltaria. — Você poderia se vestir, antes de pegar o formulário.
— Olha, se não se incomoda, pode olhar para mim agora. — ela pronunciou, aproximando-se dele para ficar na ponta dos pés e abrir os olhos dele com seus dedos. — Como eu disse, não é o que parece. Ela colocou os pés inteiramente no chão e afastou-se dele. — Não vim abusar de você e, me desculpe por mentir.
— Mentir? — Nathaniel estava muito ruborizado e olhava para as fichas vazias em cima da mesa como forma de observar a menina de calcinha azul que estava transtornando sua mente.
— É, eu menti. Isso é uma calcinha sim, mas é uma longa história e preciso muito preencher logo essa ficha. E ah, olha ela aqui. — ela aproximou-se da mesa, apontando para uma ficha com seu nome preenchido, mas o restante não. Havia organizado toda a sua papelada sozinha, responsabilidade era uma grande qualidade sua, apesar de ela não considerar ter muitas. Ela sabia que tinha muitos defeitos, isso sim, mas estava tranquila com eles, então que o resto do mundo que estava contra ela se explodisse. Ela não ligava. Era tão desinibida que havia aparecido na sala do representante usando apenas calcinha e blusa. Se ele não fosse tão lindo e educado, ela provavelmente teria esmurrado a cara dele por tê-la olhado daquela maneira. Se bem que... Ah.. Ele foi... diferente. O representante parecia estar com vergonha por ela e ele pode tê-la olhado por um tempo, mas não foi com falta de respeito. Ele parecia ser até um cara legal, só que reservado demais para notar isso. Ela tinha essa mania boba de querer interpretar as pessoas, era algo inevitável. E estava gostando de interpretar aquele loirinho de olhos quase amarelos como os seus. Ele parecia ser bem mais do que apenas ombros largos e beleza.
E tanquinho também.
Não, brincadeira. Sério, ela estava brincando mesmo, não sabia se ele tinha tanquinho. Percebeu uma mudança no olhar dele, como se tivesse ficado feliz por perceber que ela organizava seus próprios papéis. Ela deixou escapar um sorriso pequeno, naquele momento se deu conta mais uma vez que ele era muito além de apenas um rostinho bonito. E um corpinho sarado. Não, brincadeira, ela não sabia se ele era sarado. Ainda. Não, brincadeira de novo. Droga, ela devia parar de brincar com sua própria cabeça, aquilo era coisa de maluco. Ou de bêbado. Na sua família havia duas mulheres malucas e seu pai é um beberrão. Isso conta pra genética?
Droga, estava conversando consigo de novo.
— Desculpe por... estar sendo um péssimo representante nesses minutos. — Nathaniel pareceu se reestabilizar, passava a mão nos cabelos loiros com calma e os olhos que antes estavam arregalados, agora estavam mais calmos, a expressão mais branda.
— Desculpe por... Estar de calcinha na sua sala? — ela abriu um sorriso bobo, algo que sempre fazia quando queria fazer alguém rir. Ela era considerada uma palhaça na antiga escola, não no sentido ruim, mas no sentido bom da palavra. Gostava de ver a reação das pessoas quando riam das coisas que ela falava. Era uma sensação muito boa. Ah, e o problema que ela tinha de falar consigo mesma, resultado da maluquice que era presente em duas tataratiasavós, se essa palavra existe, poderia ser a culpa disso tudo.
Lá estava ela falando consigo de novo. Se desse mole, começaria a falar disparado cem mil coisas sem sentido. Fazia isso quando estava nervosa. E o pior, sentia que estava começando a ficar. Ela não tinha vergonha de ninguém porque considerava todo mundo um lixo. Se fosse ligar para tudo o que pensavam dela, com certeza já teria se suicidado. Graças a Deus ela não era assim. Levava a vida nos sorrisos, tinha que ser assim. Achava e com razão, que as pessoas só viviam uma vez.
Talvez fosse por isso que ela estava de calcinha na sala do representante.
Não, brincadeira de novo. Aff.... O fato era que... Bem, ela estava de calcinha por um motivo crucial. Havia começado a fazer luta esse ano. Obviamente era péssima, além de destrambelhada, ela não sabia socar ninguém. Mesmo que fossem as pessoas mais detestáveis tipo Hitler e Margaret Thatcher. Bem, sobre Hitler ela reconsideraria. Seria bem legal acabar com a raça daquele cara que a essa hora já deve estar no inferno. Ok, droga, outro defeito. Ela se perdia quando mudava de assunto. Bem, onde estava mesmo?
— Seu nome é Tsubaki, certo? — Nathaniel pronunciou, mantendo os olhos na ficha dela que ele acabara de encontrar, a fim de não se perder e olhar pras coxas nuas dela. E ele estava se segurando. Oh, Deus, como estava.
— É sim, desculpe, tenho essa mania de falar coisas que ninguém quer ouvir e blá blá. — ela sorriu. — Vou pegar logo a ficha e tapar parte das minhas pernas com ela. Assim você vai ao menos olhar nos meus olhos, né? — levantou os olhos para o rosto dele, que estava de lado para ela, encarando um quadro horroroso com a foto da mulher gorda da entrada, que provavelmente era a diretora. Bem, provavelmente não, ela disse que era a diretora. Ok, às vezes ela mesma se impressionava com a própria burrice.
Finalmente Nathaniel sorriu.
Tsubaki sentiu um alívio no peito ao vê-lo sorrir. E era um sorriso tão lindo e verdadeiro, ele fechava ligeiramente os olhos quando sorria. Observou a mão dele estendida e pegou as fichas rapidamente. — Obrigada. — agradeceu e sorriu para ele.
— Seja bem-vinda à Sweet Amoris, Tsubaki. — Nathaniel sorriu levantando os olhos para ela, que já se aproximava da porta, a bela menina que sorria com, quem diria, três folhas na região do quadril, procurando tapar a calcinha.
— Ah, obrigada... hm... — ela comprimiu os olhos e apontou para ele com o dedo indicador, como se pedisse seu nome.
— Nathaniel. — ele imediatamente completou-a.
— Nathaniel. — ela repetiu, sorrindo. — Quem sabe algum dia eu não te conte a história por trás dessa... — ela apontou para sua região pélvica. — Calcinha. — sorriu, brincando com a situação e ultrapassando a porta azul da sala dos representantes.
— Você luta, não é? — ele indagou, antes que ela pudesse fechar a porta. Lembrou-se de ter observado uma ficha com o nome Tsubaki e a relação com os esportes. A luta era o principal deles.
— E foi por isso que perdi meus shorts. — ela sorriu e fechou a porta.
De fato, antes de toda a historia sobre Hitler e Thatcher, havia a dela. Tsubaki entrou na luta para aprender a se defender sozinha. Depois que Ayuminn mudou para a casa de praia que ela detestava e Natsumin desapareceu, ela se sentira um lixo. As três juntas eram imbatíveis. Rebeldes que só comiam, bebiam e faziam porcarias, tinham os garotos que quisessem, mas geralmente eram músicos, principalmente Natsumin que sempre gostou de músicos e Ayuminn que era mais romântica. Mas depois do Noticiário, Natsumin desapareceu sem dar notícias, telefone ou endereço e Ayuminn foi forçada pelo irmão carrasco e os pais a ir morar no lugar que ela mais odiava no planeta. Apesar de muito comunicativa, Tsubaki preferiu não substituir suas antigas amigas. Fez muitos amigos sim, mas não melhores amigos. E agora, estava numa escola nova, numa cidade nova, acreditando que também poderia mudar de vida.
Quem sabe.
Bom, ela mudou de assunto de novo. Que mania chata. Mas, bem, basicamente foi isso. A melhor parte da história é que depois de quase um ano de treinamento pesado, ela tinha que aprender a lutar um pouco. Pelo menos sabia se defender. Não era a melhor, mas também não era a pior. Só que as garotas-macho da academia adoravam pregar peça nas meninas que realmente pareciam meninas— se é que alguém a entende— e hoje foi a vez dela. Como havia treinado até tarde e dormido na academia, acordara cedo para fazer sua inscrição na escola nova sem roupas. Tinha sorte de ainda ter a roupa com a qual havia dormido. Se estivesse nua, teria de vir nua mesmo, o que não podia era perder a inscrição!
E, aqueles olhos dourados e receptivos que, de certo modo, escondiam muitos segredos. Nathaniel. Ela tinha que gravar esse nome, apesar de ter uma memória horrorosa para nomes. Gravava rostos, mas nomes era uma coisa terrível. Mas esse ela guardaria. Com certeza.
Tsubaki. Nathaniel deixou-se escapar um sorriso depois que ela fechou a porta. Era uma menina muito diferente. Era extrovertida, alegre, desinibida, responsável. Não parecia ser a garota mais responsável do planeta muito menos a mais comportada e certinha. Mas ele não ligava para isso. De jeito nenhum.
***
[i]Miau[/i]
Natsumin soltou um risinho, antes de coloca-lo em cima da cama. O filhotinha parecia confortável, rolava nos lençóis como se fosse um mar imaginário, ele era o aventureiro e escondia os grandes olhos azuis que se destacavam na imensidão de pelos pretos espalhados por seu corpo, nas ondas imaginárias. O rostinho era pequeno e arredondado, típico de um filhote, o corpinho e patinhas pequenos. Ele era a coisa mais fofa que já a havia acontecido.
— Ok, explorador, mas que nome eu dou a você? — ela tirou-o de seu mundo de aventuras, onde ele conseguia explorar novas terras e enterrar-se no monte de panos que pareciam incessáveis de tão gigantescos, ao contrário dele que era tão pequenino. Acariciou seu pelo tão negro que parecia azulado. Observou seus olhos azuis claros, tão bonitos quanto os seus. O gatinho, de certa forma, lembrava Natsumin dela mesma. Ela colocou-o na palma de sua mão, rindo ao ver que ele era tão pequeno que cabia ali, deixando apenas o rabinho de fora. Levantou a mão de forma que o rosto dele estivesse perto do seu e esfregou delicadamente a pontinha do nariz no rostinho dele, fechando as pálpebras automaticamente com o gesto. O pequeno pareceu gostar.
— Kovu? — ela podia jurar que os olhos do pequeno pareceram brilhar quando ela pronunciou a palavra. Sim, de certa forma, aquele contraste do pelo preto com os olhos azuis lembravam-na no pequeno leão Kovu de olhos esmeraldas e juba negra, do segundo filme de Rei Leão. Natsumin ficou feliz com a escolha e colocou-o novamente na cama, fechando as janelas do quarto e trancando a porta para que ele não saísse e sua tia não percebesse que havia um novo membro na família Havens. Natsumin não teve tempo de contar tudo. Quando voltou da viagem a tia-madrinha não estava em casa e ela dormiu, cansada. A opção mais provável era que Ágatha surtaria um pouco, mas depois ficaria bem. Até porque, qualquer um se apaixonaria por Kovu. Ela sorriu ao vê-lo cair da cama e segurar nos lençóis para subir de novo. Sem sucesso. Natsumin voltou, pegou o pequeno e colocou-o na cama. Saiu, trancou e voltou para sua rotina.
***
Rebolava os quadris um pouco mais largos desde a última vez em que aparecera por ali. A calça jeans apertava com força suas coxas e todo o restante que cobria. Tinha estrelas desenhadas na parte da frente. Ela usava o cabelo castanho e liso preso em um rabo de cavalo alto para mostrar os ombros com as tatuagens novas. Borboletas enfileiradas no seu ombro direito, dispersando-se até o seio do mesmo lado. O decote era largo na blusa, parte a barriga estava exposta e havia rasgados na região da coxa. Ela assoprou a franja, impaciente com a conversa mole de Iris sobre “Como ela estava linda”, ou “Senti muito sua falta”. Enchiam abobrinhas. Ela queria saber onde estava Castiel e ponto. Não tinha tempo para mais perturbações.
— Desculpe, Debrah, mas não faço ideia de onde Castiel está.
Quando Iris disse aquilo, ela teve vontade de acabar com ela. Mas tinha que continuar o teatro. Deu um sorriso amarelo e abraçou a menina. Inventou uma desculpa, iria procura-lo sozinha porque não queria perder a amizade dele e precisava esclarecer o mau entendido que ocorrera na última vez em que veio. Além disso, não queria atrapalhar a com certeza interessante conversa que Iris estava tendo com a garota de cabelo roxo que não falava e Kim. Aquele trio era feito apenas de idiotas. Só não superava o que passava ao seu lado naquele exato momento.
Ambre e as amigas.
Debrah sorriu quando Ambre esbarrou o ombro propositalmente no dela. Pediu desculpas, dizendo que a culpa era totalmente sua. Afinal, tinha que ser a mocinha para conseguir o que queria. Iria reconquistar Castiel custe o que custasse. Precisava dele e dos talentos dele e, o mais importante. Sentia falta dos beijos e carícias dele. Castiel foi o melhor cara com quem ela se relacionou. Melhor no sentido físico, não emocional, é claro. Ela não era apaixonada por Castiel. Mas, usá-lo era a melhor coisa que já tinha feito. E faria de novo.
***
Juro por Deus que se eles se decepcionarem, acabou para você.
As palavras de Neal foram rudes e ferozes. Rodeavam sua cabeça como lembranças ruins. Sair de casa nunca foi fácil, mas para ela, apesar dos pesares, a consciência, pelo menos a consciência, estava tranquila. Precisava se afastar dali. Não teria futuro morando para sempre numa região longe da cidade e tão morta. As pessoas só apareciam por ali nas férias. Ela precisava arrumar um emprego imediatamente, mas pelo menos esses últimos meses de colégio ela já tinha garantido. Os pais haviam sido cooperativos, apesar de não falarem muito. Seu pai fechou a cara, quase não quis se despedir direito. A mãe foi bondosa como sempre e sussurrou em seu ouvido para seguir seus sonhos. Ela olhou para o céu azul acima de sua cabeça enquanto andava pelas calçadas da sua nova cidade. Era isso que iria fazer.
Ayuminn sempre fora uma ótima escritora. Não para histórias, mas artigos. Sabia descrever e criticar como ninguém. Tinha senso de moda, ética e conselhos. O que ela mais gostava de fazer era escrever para revistas de moda, fazendo críticas a grandes estilistas, críticas concisas. Não, ela não queria ser estilista e nem tinha talento para isso, mas gostava de escrever a respeito. Ela criticava também CD’s de bandas, mas só chegou a escrever um artigo sobre isso. Nunca obtinha verbas para publicá-los. Até porque, no meio do nada onde ficava sua antiga casa não haveria ninguém para lê-los. Ela iria se tornar uma grade jornalista. Havia vindo com esse objetivo, iria seguir seu sonho, iria, finalmente, ser feliz.
— Ai!
Estava tão distraída que por um momento esqueceu-se de onde estava. Levantou os olhos bicolores e percebeu uma garota com cabelos prateados, por incrível que pareça mais longos do que os seus, e olhos amarelados. Era muito bonita.
— Me desculpe, estava distraída. — Ayuminn pediu com sinceridade, afinal, a culpa de ter esbarrado na garota, havia realmente sido sua.
— Não tem problema, às vezes faço isso também! — a garota sorriu e pôs a mão sobre o ombro de Ayuminn. — Me chamo Rosa.
— Sou Ayuminn, mas geralmente me chamam de Ay. — Ayuminn sorriu de volta. — Gostei de você, Rosa. Espero que o restante seja tão simpático quanto você.
— Nossa, seus olhos são lindos. — Rosa comprimiu os olhos para observar com mais cautela os olhos de Ayuminn. — A única pessoa que conheço com olhos assim é meu cunhado. — ela franziu o cenho e reparou que havia esquecido de responder ao comentário de Ayuminn. —Ah, desculpe, me distraí com seus olhos. Mas, bem, obrigada, também gostei de você. Talvez tenha sido a primeira impressão, mas minhas primeiras impressões são boas, pode ficar tranquila.
— Bem, obrigada. — Ayuminn sorriu, não sabia o que dizer.
— Está indo pra Sweet Amoris? — Rosa indagou, segurando o pulso de Ayuminn e levando-a para um portão grande de ferro, pintado de preto. Rosa era elétrica e já acordava de bom humor. Isso era bom porque Ayuminn gostava de pessoas assim.
— Por incrível que pareça, sim. — Ayuminn deixou-se ser puxada por Rosa e sua espontaneidade.
***
Oh não. Não, não não não.
Brita piscava os olhos amarelos rapidamente e coçava a nuca nua em razão do cabelo roxo extremamente curto. Não havia voltado com todos na viagem porque não aguentara esperar os motoristas atrasados. Havia pegado um ônibus e ido pra casa. Tinha que acordar cedo, afinal, o dia seguinte, ou seja, hoje, era a volta às aulas.
— É melhor você não olhar, Natsumin. — ela pronunciou para a amiga que estava ao seu lado. Havia encontrado com Natsumin no caminho e vieram andando jutas pra Sweet Amoris. Natsumin estava calada como sempre e, apesar de curiosa, Brita preferiu não perguntar. Mas ela, definitivamente em toda a sua vida, não esperava que isso estivesse acontecendo. Ela estava de volta.
— O que disse? — Natsumin guardou os livros no seu armário, o único em toda a escola que não tinha decoração. Além de ser apenas um armário para ela, Natsumin não tinha muito ânimo para decorar aquele tipo de coisa. Conforme o tempo passava, mais a culpa aumentava em seu coração e a certeza de que merecia aquilo era infinita.
— Se olhar para a Medusa, vira pedra. — Brita deu um sorriso largo, rindo da própria piada. Desfez o sorriso quando viu que Natsumin já olhava para a figura no final do corredor.
— Ela apareceu na casa de praia. — Natsumin falou de uma vez. O acordo com Nathaniel era guardar aquilo de Castiel e não de Brita. E também só naquele dia. Ela não entendera bem o motivo, mas obedecera com cautela. Não queria ser o motivo das férias estragadas e blá blá blá.
— A víbora? — Brita quase gritou e Natsumin pôs a mão na boca dela para que os outros não ouvissem. Brita era bem impulsiva, Natsumin havia se esquecido disso.
— É, a garota no final do corredor. — Natsumin apontou com o rosto para lá discretamente. — Seios quase à mostra, quadril do tamanho da minha casa. Quem é ela, Brita?
— Hmmm.... É um história complicada. — Natsumin percebeu a mudança na expressão de Brita, a menina revirava os olhos e hesitava.
— Quem é? — Natsumin repetiu, um pouco mais impaciente.
— A ex de Castiel, Debrah. — Brita soltou. — Mas o que ela queria lá na casa de praia?
— Procurava por ele. — Natsumin disse fria, não conseguindo disfarçar o fato de já não gostar da garota à primeira vista. 1-Por causa do fato de ela pensar ter autoridade sobre ela. 2-Porque ela perguntou a Natsumin quem ela era pelo menos umas duas vezes. 3-Porque ela andava como se se preocupasse mais com o decote no peito do que com as pessoas à sua volta. Resumindo. Ela era patética.
— Talvez hoje, ela consiga o que queria. — Brita falou mais para si do que Natsumin.
Em resposta, a menina não disse ou demonstrou nada. Talvez fosse esse o segredo que Castiel estava escondendo dela por todo esse tempo. Talvez fosse esse o empecilho aos dois naquela noite. Talvez fosse essa a razão de Castiel nunca mais olhar para Natsumin da mesma maneira. A rebelde pareceu despertar naquele momento, dormia por muito tempo, ainda não havia se habituado a Natsumin que estava em constante mudança. Mas quando arregalou os gigantes olhos azuis, a rebelde percebeu muito bem quem era a víbora— Brita tinha razão— no final do corredor. Por mais que não quisesse, a raiva aumentava a cada segundo em que percebia que a vinda da garota não seria breve.
Ela deu de ombros, deixando Brita para trás, enquanto caminhava na direção oposta à de onde Debrah se encontrava. Contudo, os olhos azuis arregalaram-se e tornaram-se opacos. Por baixo da capa que construíra para si durante esses últimos meses, algo desmoronara naquele momento. A rebelde em seu interior levantou-se, mas, estranhamente nesse momento ela não teve reações. Natsumin vira Tsubaki. Sim, sim era ela. Estava saindo da sala dos representantes e... não, por favor, não. Tsubaki fora uma de suas melhores amigas por anos. Mesmo se não quisesse, traria consigo todos os segredos do passado de Natsumin.
***
As primeiras aulas da manhã haviam terminado. Noventa por cento dos alunos concentravam-se no pátio, o gramado extenso estava recheado de corpos de pé, deitados ou sentados por lá rindo, conversando, discutindo. Natsumin tinha os olhos receosos e ligeiramente doloridos, pesados, talvez fosse o cansaço. Ou o pesar. Estava com medo pela primeira vez depois de tanto tempo. Deixou Brita sem entender nada quando passou pelo corredor como um tufão, atravessando tudo e todos como se não quisesse ser vista. Agiu como uma verdadeira estranha, embora não fosse isso o que a incomodava.
Era uma das que estavam sentadas na grama. Pareia ter desmoronado quando Alexy e Armin encontraram-na sozinha por ali. Acolheram-na e ela deixou a cabeça tombar para o lado, caindo nos ombros de Armin. Apesar de Alexy estar relutante, não perguntara nada, conhecia Natsumin o suficiente para saber que depois ela o contaria o que estava havendo. Mesmo que omitisse grande parte. Natsumin nunca foi de muitas palavras. Especialmente palavras que a deixavam no estado em que se encontrava agora. Armin passou um dos braços ao redor dos ombros dela, sentindo sua pele quente. Pousou os lábios no topo da cabeça dela e observou seus olhos azuis fecharem-se aos poucos. Natsumin definitivamente não estava bem. A pele estava quente demais, ela poderia estar com febre. Levantou parte de sua franja, percebendo a testa extremamente quente, o suor pingando pelas extremidades do rosto. O menino fez menção a levantar-se da grama para pedir ajuda, mas ela o impediu, pressionando uma das mãos sobre sua perna para que ele ficasse sentado. Alexy apenas apertou uma de suas mãos, querendo mostrar que estava ali para o que ela precisasse e abriu seu tradicional sorriso largo.
— O que está havendo, Nats? — Armin tinha as órbitas azuis e belas arregaladas, encarava a amiga e amada preocupado.
— Só... Quero ficar aqui com vocês dois. — ela pronunciou, mas os lábios se abriram pouco. — São meus melhores amigos.
E de fato eram.
 —Heeeey, Natsumin acho que você é melhor do que todas elas juntas. — Tsubaki sorria da maneira como sempre sorriu e fazia massagens totalmente dolorosas nas costas da menina. Ela nunca soube fazer massagens, mas cismava em fazê-las.
— Qualquer um é, Tsu. Elas são horríveis. — Natsumin sorriu, observando as cinco meninas no palco, que cantavam praticamente em coro, sem sintonia ou orientação. A proposta da noite era Natsumin cantar, mas naquele dia havia brigado feio com os pais então não estava a fim de cantar. Só queria afogar as mágoas com a bebida. Se bem que... Natsumin, Tsubaki e Ayuminn eram as únicas sóbrias naquele bar. Por enquanto.
— Esse tipo de coisa sempre passa, Nats. — Ayuminn trouxe três copos com água- sim, água mesmo- e entregou um para Tsubaki e outro para Natsumin. O terceiro ficou para si. — Meus pais estão com uma ideia maluca de se mudarem para a casa de praia, mas eu não vou aceitar mesmo. — ela revirou os olhos bicolores e bebeu um gole de água. — Alguma hora eles vão ter de tirar essa ideia da cabeça.
— Você não pode ir embora, Ay. — Tsubaki sorria, mas tinha a tristeza nos olhos amarelos. — Nenhuma de nós três pode, certo?
— Combinamos que sempre teríamos umas às outras. — Natsumin completou. Era a única de expressão duramente séria naquele bar. As brigas se multiplicavam com o passar dos dias, os seus pais estavam detonando suas expectativas e seus sonhos e, naquele momento, algo lhe dizia que o que haviam combinado nãos e concretizaria.
— Um abraço! — Tsubaki envolveu as duas amigas e as três tiveram um longo abraço em grupo. — E agora é a agora de beber!

A garota tentou dissipar parte de suas lembranças que vieram no momento em que fechou os olhos nos ombros de Armin. Ver Tsubaki estava trazendo tudo o que ela se esforçou para esquecer. Natsumin lembrou-se também que naquela noite chegou muito bêbada em casa e sues pais gritaram com ela, sua mãe acompanhou-a até seu quarto, a expressão triste domava seu rosto. “Espero que esteja consciente do orgulho que arranca de nós a cada dia, minha filha”. Aquelas palavras domaram sua cabeça por noites e mais noites, mas Natsumin nunca fizera questão e mudar. Até eles morrerem.
— Natsumin!
Armin e Alexy gritaram em uníssono. Natsumin havia se levantado rapidamente e corrido para os portões. Como se não bastasse tudo o que estava acontecendo, esbarrou em Rosalya no caminho.
— Natsumin! — Rosa abraçou-a, sem perceber que os olhos de Natsumin estavam vermelhos e com lágrimas presas. — Você precisa conhecer a Ayuminn!
— Ayuminn? — Natsumin disfarçou, simulando um espirro para justificar os olhos vermelhos. — Droga de resfriado maldito.
— Quer que eu te leve à enfermaria? — Rosa indagou, abaixando curvando-se para o lado e comprimindo os olhos para tentar observar melhor os olhos vermelhos de Natsumin.
— Não, não, estou bem. — Natsumin obviamente mentiu. Não estava bem. Estava péssima.
— Então tudo bem. — Rosa sorriu, ajeitando a coluna para ficar reta. — Ah, olha ela ali. Ayuminn! — Natsumin seguiu o olhar de Rosa. Era a sua Ayuminn que acenava ao longe.
— É muito bom, mas tenho que ir, Rosa. — Natsumin deu de ombros e correu pelas ruas. Que merda, merda! Eram coisas demais para um dia só! Ela merecia, havia sido um monstro por anos! Droga, ela não podia chorar, droga droga!
Por mais que tentasse impedi-las, as lágrimas eram mais rápidas e já domavam seus olhos enquanto corria em direção à sua casa.
***
— Eu ia te apresentar à uma amiga, mas ele teve que ir. — Rosa comentou assim que alcançou Ayuminn.
— Como ela se chama? — Ayuminn indagou de imediato, os olhos, por um momento, pareciam opacos.
— Natsumin, por que? — Rosa virou o rosto para trás, percebendo que Ayuminn encarava a figura de Natsumin que corria, indo embora. — A conhece?
— Acho que sim. — Ayuminn responde com sinceridade.
— Jura? — Os olhos de Rosa se iluminaram. — Isso é ótimo.
— É.. É sim... — Ayuminn concordou sem muita emoção.
— Mas, bem, continue a contar-me sobre tudo. — Rosa insistiu. — Não sou uma Peggy da vida, mas me interessei por sua história, Quer dizer que ama Shakespeare, quer ser jornalista e praticamente fugiu de sua casa na praia?
— É... Quase isso. — Ayuminn sorriu, andando com Rosa pelo colégio infinitamente imenso. Sweet Amoris tinha um pátio enorme, dele ela podia ver praticamente todas as vias de acesso aos outros... -Cômodos?- do lugar. Largos corredores à esquerda, Uma placa que dava para o clube de jardinagem, como nela estava escrito e outra para o ginásio. Distraía-se novamente na imensidão daquele lugar enquanto Rosa continuava a falar coisas que ela não conseguia amis entender. Talvez fosse o pesar de ter visto Natsumin depois de tanto tempo. Talvez fosse a probabilidade de realmente ser ela.
— Você mora aonde, Ayuminn? — Rosa indagou.
— Estou em um hotel atualmente. — a garota comprimiu os lábios e voltou os olhos pelo local enquanto falava. — Cheguei ontem à noite e preciso de um emprego.
— O que você faz? — Rosa, indagou novamente.
— Qualquer coisa. — Ayuminn brincou.
— Recentemente meu namorado teve de demitir uma das empregadas lá de casa. — Rosa mencionou, parando de andar para observar a reação de Ayuminn. — Pode trabalhar lá se quiser. — Rosa ficou feliz por ver os olhos de Ayuminn se iluminarem novamente. — Ele vai confeccionar seu uniforme, mas poderá trabalhar sem ele por enquanto. É uma casa grande mas só moram eu, meu namorado e meu cunhado. Você aceita?
— Claro, não poderia ser melhor. — Ayuminn sorriu. — Muito obrigada, Rosalya.
— Rosa. — Rosa concertou-a.
— Ok, Rosa. — Ayuminn sorriu.
— Poderá começar amanhã. — Rosalya completou.
— Tudo bem.
***
Merda
As pernas balançavam pelo ar em razão da altura em que se encontrava. Os cabelos rubros eram jogados pra frente pelo vento e a franja comprida ofuscava a testa e parte dos olhos. Os ombros largos estavam cobertos por uma jaqueta de cor marrom Por baixo, uma camiseta preta e cordões de mesma cor do pescoço. O peito forte respirava fundo, podia-se observar sua tensão pelo ritmo desorganizado nos pulmões. Às vezes a inspiração era curta, mas a expiração era prolongada. Ou vice-versa. Os olhos tão negros quanto a noite estavam comprimidos e profundos, quase não podia-se distinguir as órbitas das escleróticas. A cabeça estava voltada para baixo, as mãos estavam nas laterais do corpo, agarradas à beirada da caixa d’água. Pigarreava o tempo todo, mais por nervosismo do que de fato precisasse limpar a garganta. As narinas inflavam e acalmavam-se. Estava nervoso, as lembranças dos momentos bons que tivera com ela retornavam contra a sua vontade.
Era ali que ele a levava para ver as estrelas à noite. Era para ali que ele fugiu dos castigos ou das aulas. Era ali seu canto pessoal. Um local que ele havia consagrado como seu sem querer. Era ali que ele conseguia ter inspiração para compor. Era ali que ele ia depois que ela o abandonou. Era olhando para a lua mesmo quando era de manhã, ou para as estrelas durante a madrugada, que ele encontrava-se pensando novamente nela.
Como o fazia agora.
Droga estava agindo novamente como um idiota. Levantou os pulsos e observou as mangas da jaqueta marrom de couro, tocou o cordão no pescoço. Era as mesmas roupas que ele usara na última vez em que a viu. Não queria se lembrar, as coisas estavam estritamente confusas desde a última vez em que a viu, a vez em que tudo aconteceu. A vez em que jurou odiar Nathaniel para sempre.
Ele lembrava claramente. Deixaram um bilhete em seu armário, informando que Debrah estava indo atrás de Nathaniel. Ele, é lógico, não acreditou, não iria acreditar numa coisa daquelas, mas depois de vê-la sair de lá uma vez, passou a prestar mais atenção. Até que chegou o dia em que viu tudo.
 Sala dos representantes.
Era simplesmente isso o que estava escrito no segundo bilhete. O primeiro Castiel provavelmente ignoraria aquele bilhete, mas não podia. Não depois de tê-la visto sair dali no outro dia. E então, tudo aconteceu. Ele entrou, Debrah estava envolvida nos braços de Nathaniel, ele a estava beijando. Castiel voou no garoto como um louco, apesar de Nathaniel ter certa habilidade na luta, a fúria de Castiel era maior do que qualquer habilidade. Nathaniel foi o que apresentou ferimentos maiores, Castiel tinha a boca sangrando e o loiro olho roxo. Debrah jurou-o que foi Nathaniel quem a agarrou, que ela amava o seu “gatinho” e não aquele representante idiota e medíocre. Nathaniel não pronunciava nenhuma palavra sequer. Iris e Ambre socorriam o loiro e Castiel se passava como louco. Debrah chorava e abraçava-o para acalmá-lo, sua fúria era abominável.
Nesse mesmo dia, ela partiu.
Deixou um bilhete com letras perfeitas e redondas e a marca do batom como assinatura em seu armário. Naquele ano ele ainda usava armários. Resumindo, era um idiota. Agora ele não tinha mais droga nenhuma. Armários, namorada, sentimentos. O bilhete fora a última lembrança dela. Debrah explicava que iria seguir seus sonhos, mas que logo voltaria para ele. Dizia milhões de vezes que o amava e que um dia ele seria tão bom quanto ela. Castiel nunca entendeu essa parte. Dizia também que queria que ele confiasse nela e que nunca mais deixasse Nathaniel atrapalhar sua vida. Aquele representantezinho medíocre.
— Prometi que voltaria.
As órbitas negras arregalaram-se. Os lábios comprimiram-se, os músculos ficaram tensos. Ele apertou os dedos pressionados contra a ponta da caixa d´água onde estava sentado. Não virou o rosto. Mas sabia que a voz era dela. Debrah.


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Notas finais do capítulo

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