O Meu Melhor Amigo escrita por MilaScorpions


Capítulo 6
Era para ser amizade, mas aí eu me apaixonei – Parte I


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, quero agradecer a todos que acompanham a fic e principalmente àqueles que deixam suas opiniões. Vcs são uns amores.

Espero que gostem desse capítulo. Boa leitura.



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Era para ser amizade, mas aí eu me apaixonei – Parte I


— Aconteceu alguma coisa, Aioria? — Marin perguntei-me com uma expressão de desconfiança no rosto; enquanto eu, ainda atônito, tentava normalizar a minha respiração. Um turbilhão de emoções incomodavam minha mente.

Sim. Havia acontecido muita coisa. Mas é claro que eu não poderia contar a ela.

Como eu diria a minha namorada que o meu melhor amigo surpreendeu-me com um beijo na boca? E pior, que aquele beijo me acertou mais do que todas as sessões de amassos que já tive em toda minha vida?

Quando senti aqueles lábios macios de Mu tocarem nos meus, todo o meu corpo tremeu com a necessidade de beijá-lo de volta. Só que isso estava errado. Isso não poderia acontecer. Porque Mu, apesar de ser doce e lindo, era um homem. E eu não era gay. Ao contrário, eu tinha uma namorada linda e gostosa esperando por mim. Então, de alguma forma, encontrei forças para lutar contra aquele desejo, e meu corpo inteiro ficou rígido quando forcei-me a não responder.

— Não aconteceu nada — foi o que consegui pronunciar depois de algum tempo. O que eu diria?

— Por que, então, Mu saiu correndo e estava chorando? E você está aí com essa cara estranha, completamente aéreo? — ela discorreu parecendo não confiar em minhas palavras. Eu, no entanto, não a respondi; pois só conseguia frisar na parte de Mu estar chorando. Merda!

Além de me submergir em todas aquelas sensações estranhas que estavam acontecendo dentro de mim, ainda me preocupava com Mu. Eu o conhecia melhor do que ninguém e sabia que, agora, ele devia estar se lamentando. Eu não gostaria de vê-lo triste; afinal, Mu era meu melhor amigo. E saber que ele estava chorando destroçava meu coração.

Peguei o meu celular e comecei a andar de um lado para o outro tentando ligar para o número de Mu insistentemente. Eu precisava falar como ele. Precisava me certificar de que ele estava bem (embora, eu não estivesse nada bem). Só que ele não atendia.

— Mas que droga! Será que dá para você se lembrar de que eu estou aqui, Aioria?! — Marin esbravejou ao mesmo tempo em que ecoava o barulho de uma trovoada. De fato, naquele momento, eu desejava que ela não estivesse ali. Olhei para Marin, quase esmagando o celular entre os meus dedos. Os relâmpagos flamejavam lá fora e tive a impressão de que era eu quem os produzia, devido ao estado de exaltação em que me encontrava.

Respirei fundo. Paciência era uma coisa que nunca tive; no entanto, era preciso. Porque, apesar de tudo, ela era minha namorada. E, embora estivesse vivendo meu conflito interno, eu não poderia simplesmente ignorá-la.

— Desculpe-me — murmurei cabisbaixo. Sentei-me num banquinho e passei a mão pelos meus cabelos. Estavam molhados de suor.

— Agora, conte-me o que aconteceu. — Ela foi enfática.

— Não foi nada demais. Tivemos um desentendimento. Coisas de homens, Marin. Apenas isso — menti meio inquieto. Ela olhou-me desconfiada, mas pareceu deixar pra lá e mudou de assunto.

— O filme estava ótimo! Você perdeu. Ao menos, o seu irmão resolveu me fazer companhia, já que fui trocada por uma barra de supino e...

— Vou tomar um banho — interrompi seu falatório e me dirigi à porta de saída.

— Não quer companhia? — sugeriu com a voz sensual. Ela puxou-me quando eu já estava atravessando a porta e começou a passar a mão sedutoramente pelo meu tórax. Em outro momento, eu a teria agarrado ali mesmo e arrancado suas roupas. No entanto, apenas desvencilhei de seus braços.

— Estou muito cansado. Preciso de um banho relaxante — respondi seco, dando-lhe um beijo na testa. Isso a deixou bem irritada.

— Mas que palhaçada é essa, Aioria?! Você nunca negou fogo. O que foi? Arrumou outra enquanto eu estava fora? — queixou-se com as mãos na cintura. A irritação evidente em sua voz. Eu revirei os olhos.

— Não surta, mulher! — retruquei impaciente.

— Eu não vou aceitar que você me faça de palhaça e... Aioria, volte aqui. — Retirei-me enquanto Marin reclamava. Sei que fui muito grosseiro, mas eu não estava mesmo em condições de aguentar os chiliques dela.

Entrei no banheiro a fim de tomar um banho bem gelado. Meu desejo era que a água corrente pudesse levar toda aquela confusão para o ralo. Mas isso não aconteceu. Enquanto a água caía sobre meu corpo, a minha mente vagou para Mu. Comecei a lembrar-me daquele beijo... Oh, pelos deuses! Aquele beijo havia mexido comigo de um jeito que eu não conseguia disfarçar, por mais que eu quisesse. A imagem do seu rosto meigo formou-se tão perfeita em meu pensamento que dava a impressão de que eu poderia tocá-lo. Eu precisava conversar com Mu. Não poderia deixar que isso nos afastasse porque... Oh, Deus! como era bom ficar perto dele.

Logo que saí do banho, Marin estava em meu quarto esperando-me de braços cruzados, escorada numa parede. Trazia em seu rosto bonito uma expressão descontente e eu sabia o que aquilo significava: discutir a relação. Por que as mulheres adoram discutir a relação nos momentos mais inoportunos?

— Você andou me traindo, Aioria. Andou saindo com outra mulher. Eu exijo uma explicação — acusou-me com a voz firme, descruzando os braços e vindo até mim. Respirei fundo, cansado.

— Marin, juro que não tem outra mulher — tentei explicar com sinceridade. Eu não estava mentindo. Não havia mesmo outra mulher. Esse era o problema. Havia outro homem e isso estava me enlouquecendo.

Coloquei-me a reparar no corpo da minha namorada, na tentativa de tirar aqueles pensamentos bestas da minha cabeça. Marin era mulher linda. Apesar do seu temperamento forte, não deixava de ser carinhosa e apaixonada.

— Então, por que, desde que me buscou no aeroporto hoje cedo, você não me tocou? Embora eu tenha me insinuado para você o tempo todo. Passou o dia inventando desculpas para não ficar perto de mim, Aioria. E eu aqui feito uma boba tentando ficar perto de você.

Eu não me encontrava com a mínima disposição para ter aquele tipo de conversa com Marin. Deste modo, pensei que, ao invés de discutir, uma boa transa poderia acalmar os ânimos.

Eu a abracei e a joguei sobre a cama, cobrindo seu corpo com o meu. Dei-lhe um beijo desesperado. Como se eu quisesse provar para mim mesmo que ainda gostava de mulher. Deslizei os dedos pelo decote dela enquanto me encaixava entre as coxas bem torneadas. Ela estremeceu e puxou minha toalha, deixando-me completamente nu. Segurei em seus cabelos pela nuca e comecei a mordiscar e chupar o seu pescoço, na tentativa de me familiarizar novamente com o seu cheiro, com o seu gosto. Ela se agarrou em meus braços e sussurrou:

— Estava com tanta saudade de você, meu Leão. — Leão era como Marin me chamava nos momentos íntimos. Ela dizia que eu era selvagem na cama. Outras garotas já haviam igualmente me dito isso.

— Eu também... — falei. Mas não era bem uma verdade.

O caso era que nosso relacionamento estava meio morno, e esse tempo que ela passou no Japão acabou nos afastando ainda mais. Eu sei, parece um pouco cafajeste isso. Só que eu estava tentando despertar novamente o desejo por ela; queria voltar a sentir as coisas que eu sentia no início do namoro. Quem sabe, assim, eu parasse de ficar tendo sonhos eróticos com o meu melhor amigo. Porque eu não era... Bem, eu não queria ser gay.

Mesmo que Mu, com aquele seu jeitinho delicado, paciente e aquela pele alva perfeita e lisinha, nem parecesse um homem. Sua voz suave semelhava um canto de sereia e sua boca pequena e carnuda tinha um gosto tão bom que era até doloroso pensar nisso.

Mais doloroso ainda era pensar que meu corpo não estava reagindo como o esperado aos toques da minha namorada. Não que eu estivesse achando ruim, ou não estivesse ficando fisicamente excitado; o problema era que minha cabeça estava em outro lugar. Ou melhor, em outra pessoa. Ah, Mu... eu gemi em pensamento.

De repente, assustei-me com o empurrão que Marin me deu.

Ela levantou-se afobada, estava respirando rápido e sua expressão era de ódio. Pisquei atordoado. E só então, percebi que eu havia pensado em voz alta. Merda! Mil vezes merda!

Marin era uma mulher muito inteligente. Perspicaz como uma águia, conseguia ver além do óbvio e, rapidamente, juntou os fatos; deduzindo a verdade mais rápido do que eu mesmo havia percebido.

— Diga que ouvi errado, Aioira... — Ela ponderou calma tentando se recompor do susto. Eu não conseguia responder nada. Simplesmente abaixei minha cabeça, completamente envergonhado. — Diga alguma coisa! — ela insistia, sua voz começando a se alterar. Mas o meu silêncio era praticamente uma confissão de culpa. — Eu sabia, eu sabia... — repetia ao mesmo tempo em que ajeitava sua roupa. — Sabia que esse seu chamego com aquele veadinho ia dar nisso.

— Marin, não fale desse jeito. Não é nada disso que você está pensando. — Levantei-me e enrolei novamente a toalha em meu corpo. A maneira como ela falou a última frase despertou-me do meu estado de inércia.

— Como pôde fazer isso comigo, Aioria? Eu mal fiquei longe um mês e você... Oh Deus! Como fui tola! Isso devia estar acontecendo já há algum tempo. Aquele cara grudado em você o tempo todo como um carrapato. Mas eu nunca imaginei que você pudesse se sentir atraído por um homem. Quem diria, Aioria! — Balançava a cabeça em desaprovação. — Quer saber, eu vou embora, não consigo olhar para sua cara.

Eu não estava gostando da maneira como ela falava, senti-me diminuído, mas não contestei. No fundo, compreendia sua indignação. Eu também estava indignado com as coisas que andava sentindo. E, apesar de estar magoado com o modo como Marin estava agindo, eu não poderia deixar que ela saísse daquele jeito.

— Marin, por favor, não vá embora. Eu preciso que fique comigo — sussurrei a última frase.

— Precisa de mim para tentar curar esses seus súbitos desejos homossexuais? É isso, Aioria? — Ela me olhava estarrecida.

— Não! — gritei meio incerto. Mas verdade é que era isso mesmo.

— Esquece! Vou para casa. Eu não quero ficar perto de você. Não hoje. É muita humilhação. — Pegou sua bolsa e quando já ia atravessar a porta, virou-se para mim e apontou o indicador. — Não pense que vou perder para aquele veadinho estranho de cabelo tingido.

— Não fala assim dele! — grunhi com os punhos fechados e extremamente aborrecido pela forma como ela se referiu a Mu. Isso a irritou ainda mais.

— Oh, que gracinha... — ironizou. O despeito evidente em sua expressão. — Isso não vai ficar assim, Aioria. — Saiu batendo a porta.

Fiquei com tanta raiva de suas palavras que esmurrei a parede. E, se Marin fosse um homem, com certeza eu teria feito isso era com ela. Sua sorte é que eu não batia em mulheres.

Vesti uma calça de pijama de flanela e me joguei sobre a cama. Peguei o celular para tentar ligar novamente para Mu. Desisti. Não fazia a menor ideia do que diria a ele. Minha cabeça rodava e começava a latejar. Eu não conseguia organizar minhas ideias.

Nunca fui um homem de perder muito tempo pensando sobre as coisas. Sempre fui de agir. Mas, naquele momento, eu não sabia o que fazer e isso estava me deixando apavorado. Eu não queria que meu namoro com Marin terminasse assim. Eu a admirava, ela era uma mulher de atitudes firmes. No entanto, eu também não estava desejoso de continuar com aquele relacionamento. Afinal, já havia ficado bem claro ali para mim que meus sentimentos haviam mudado. E também já estava bastante claro que eu tinha sim, desejos homossexuais; ou melhor, que eu tinha desejo por Mu. Seria ridículo negar um sentimento que estava gritando para mim.

Mas havia um outro problema. E se isso fosse apenas momentâneo? Apenas desejos físicos que sumissem depois que eu experimentasse a coisa? Já fiquei loucamente excitado por uma mulher, a ponto de correr atrás feito um cachorrinho carente e, depois do sexo, tudo passar. Apenas fogo de palha. Mu não merecia esse tipo de tratamento, ele ficaria tremendamente magoado e eu mataria o desgraçado que ousasse fazer isso com ele. Ouvi batidas na porta, acordando-me das minhas abstrações.

— Posso entrar — Aioros indagou embora ele já estivesse adentrando no meu quarto. Sentou-se na cama ao meu lado.

— Claro, Oros.

— Está tudo bem? — ele quis saber com aquele seu jeito de irmão preocupado e afirmei que sim com a cabeça. — Marin saiu reclamando. Vocês brigaram? Quer conversar sobre isso?

Sim. Eu queria muito conversar com alguém sobre isso. E eu sabia que o meu irmão era o mais indicado, já que era a pessoa em quem eu mais confiava em todo o mundo. Mas eu não tinha coragem de contar-lhe o que estava acontecendo. Como dizer ao meu irmão que eu estava em dúvida quanto à minha orientação sexual? Eu não conseguia. Tive vergonha de assumir para Aioros que eu estava sentindo interesse por outro homem. Não que ele fosse preconceituoso ou coisa desse tipo. No entanto, ainda assim, eu temia sua reação.

— Está tudo bem. Brigas de namorado. Não se preocupe, não é nada demais — articulei desviando o olhar para um ponto qualquer que não fosse o rosto de Aioros. Ele me observava com atenção.

— Tudo bem. Mas se quiser conversar sobre isso que não é nada demais, saiba que estou sempre aqui pronto para te escutar.

— Eu sei — falei realmente agradecido. Meu irmão era um cara e tanto.

— Mu igualmente foi embora às pressas. Se desentendeu com ele também? — Senti um aperto no peito quando ele disse isso e respirei fundo. Acho que ele percebeu minha agitação.

Talvez um conselho do meu irmão me ajudasse a clarear os pensamentos. E quando eu cogitei a possibilidade de desabafar com ele o que eu estava sentindo, seu celular começou a tocar insistentemente.

— Alô — ele atendeu. — Sim. Interne-o imediatamente. Eu já estou indo. — Desligou o telefone e virou-se para mim. — Oria, um paciente meu está passando mal e preciso vê-lo urgentemente. Tudo bem? — ele parecia realmente preocupado. Meu irmão era cardiologista e quando ligavam para ele naquele horário (que já era tarde da noite) era sempre algo sério.

— Claro. Amanhã conversamos. Não se preocupe, não é nada importante — eu o tranquilizei. Ele assentiu e saiu às pressas.

Voltei a rolar pela cama tentando dormir. Liguei a TV de tela plana para que o ruído preenchesse o vazio, mas não a escutei, nem olhei para ela. Fiquei encarando a parede de tijolos. Eu sabia que no dia seguinte, encontraria com Mu no trabalho e que não poderia fugir de ter uma conversa com ele. Fiquei assim, pensando sobre isso por um longo período, até que o cansaço me levou ao sono.

No dia seguinte, assim que cheguei ao escritório, fui até a sala de Mu para falar com ele. Sempre fui um homem muito impaciente e nunca gostei de esperar muito para resolver as coisas. Ainda que eu não tivesse a menor ideia do que falar com o meu amigo, eu precisava me certificar de que ele estava bem e de que nada mudaria na nossa amizade. Entretanto, Mu estava numa reunião. Ele entraria de férias e só foi à empresa para se encontrar com um cliente folgado que não pode ir na data marcada, atrapalhando seu descanso. Parece que o cara era um escritor muito importante e cheio de compromissos. Eu não sabia muito sobre ele.

Voltei para minha sala a fim de agilizar o meu serviço enquanto esperava por Mu. Milo estava calado (o que era raríssimo), entretido com um site de passagens aéreas. Incomodado com aquele silêncio, puxei conversa.

— Vai viajar, Milo?

— Vou para França com o Camus — ele respondeu sem desviar a atenção da tela do computador.

— Olha, eu não esperava muito desse namoro seu. Mas até que está durando. Esse Camus é mesmo muito paciente para te aturar, viu — brinquei em tom de avacalhação.

— Engraçadinho! — ele me lançou um olhar fingindo irritação e eu gargalhei.

— E quando você vai viajar? Não sabia que também ficaria de férias.

— Não ficarei. É só um final de semana. O irmão caçula de Camus, que mora na Rússia com a mãe, vai estar na França para visitar o pai este final de semana e Camus quer ver o irmão. E é claro que não vou deixar o meu ruivo viajar sozinho — discorreu, dando uma piscadela do tipo sacou?

— Uau! Você vai à França só para não deixá-lo ir sozinho! — exclamei. Eu era muito possessivo, mas Milo era pior do que eu.

— Aioria, só você mesmo para deixar sua namorada um mês no Japão. Eu não deixo o Camus ir até a esquina sem mim — falou como se aquilo fosse a coisa mais correta do mundo a se fazer. Talvez ele estivesse certo. Porque esse tempo que Marin e eu ficamos afastados não fez muito bem ao nosso namoro. Ou talvez eu não estivesse mesmo tão apaixonado por ela.

— Eu e Marin terminamos, quer dizer, brigamos... Ah, sei lá...

— Mas como você se sente em relação a isso? Está tudo bem? — Ele pareceu realmente preocupado comigo. Apesar de Milo ser um pouco sem noção às vezes, era um bom amigo e sempre se preocupava com o bem estar de todos. — Mas logo, logo vocês fazem as pazes. Não se preocupe.

— Talvez você tenha razão. Não deixe mesmo o seu Camus ficar muito tempo longe. Isso não faz bem ao namoro. Principalmente quando ele não é tão sólido quanto a gente imagina.

— Parece que os sentimentos de alguém está esfriando — ele comentou e eu suspirei. — Quer falar sobre isso?

— Está tudo bem. — Fiz um gesto com mão. — Você gosta mesmo desse Camus, não é? — Tentei mudar o assunto, não queria falar sobre os motivos que desencadeou a briga entre Marin e eu.

— Ah, sim. Eu estou muito apaixonado. — Ele deu um sorriso bobo e seus olhos azuis cintilavam. Achava interessante o jeito como Milo expunha os seus sentimentos por outro homem. Ele não tinha nenhuma vergonha disso. Não era como se Mu tivesse vergonha. Nada disso. Mas como eu já havia dito, Mu tinha um jeitinho bem tímido e delicado. Já Milo era aquele tipo machão, vivia cercado de mulheres lindas atrás dele e, no entanto, lá estava todo derretido por outro cara.

— Como você descobriu que gostava de homens? — indaguei um pouco constrangido pela pergunta tão indiscreta. Eu tinha consciência de que era uma questão bem íntima. Nós nunca havíamos dialogado sobre isso, mas éramos amigos há algum tempo e Milo não era o tipo de pessoa tímida e discreta, ele sempre falava o que queria. Então, arrisquei. Eu estava mesmo muito curioso. Achei que, de algum forma, ouvir a história de alguém poderia me ajudar a compreender o que eu estava sentindo. Ele me olhou intrigado com a pergunta.

— Eu era um adolescente ainda. Foi uma situação bem inusitada. Quer mesmo saber!? — ele arqueou um sobrancelha.

— Ser for algo muito constrangedor não precisa contar. Eu só fiquei curioso porque você não tem jeito de gay — falei meio sem graça e Milo gargalhou alto.

— Ignore os estereótipos, Aioria. Algumas pessoas se encaixam neles, outras não. Gays, assim como heterossexuais, se comportam de todas as formas. Os estereótipos nascem da ignorância e do preconceito. Além disso, eu não acho que exista pessoas 100 por cento hetero ou 100 por cento gay. Apaixonamos pela pessoa e não pelo seu sexo — ele afirmou com convicção e isso me deu certa confiança, deixando-me mais relaxado. — Bem, ao menos eu penso assim. Já me apaixonei por mulheres também. Mas tive minha primeira experiência homossexual aos dezesseis anos.

— Deve ser uma história interessante, porque não me conta? — Parei o que estava fazendo para prestar atenção. Ele avaliou minha reação, estranhando aquilo, mas não comentou nada, apenas começou a contar sua história.

— Eu estava numa festa da minha turma de ensino médio. Os pais de um colega havia viajado e aí você sabe: bebidas, um monte de adolescentes com seus hormônios em ebulição, gente seminua na piscina... enfim. Tinha uma garota do colégio bem gata, morena de olhos verdes, e estava de olho em mim. Ela era virgem e nós havíamos marcado de resolver isso naquele dia. A casa do meu amigo tinha muitos quartos e ele liberou alguns para a gente aproveitar um pouquinho, se é que você me entende. — ele deu um piscada e continuou a narração. — Combinei com a garota de nos encontrar em um dos quartos, ela foi primeiro e eu, já completamente bêbado, fui em seguida. Quando entrei no quarto e a vi deitada na cama, eu já fui para o ataque e agarrei a garota. Só que eu, bêbado como estava, não percebi que tinha entrado no quarto errado e tinha agarrado um garoto. Ele se assustou e começou a gritar e eu, também assustado, cai de bunda no chão. — Demos risadas. As experiências de Milo eram sempre traumatizantes para uma pessoa normal.

— Milo, eu não sei se quero continuar ouvindo essa história — falei ainda aos risos.

— Você perguntou e agora vai ouvir até o final — ele resmungou e voltou à sua narração. — Passado o susto inicial, ele ajudou a me levantar e eu reparei que o garoto era muito bonito, do tipo lindo mesmo. Ele tinha o cabelo loiro cumprido e a pele era bem branquinho sem nenhuma imperfeição. Estava seminu, provavelmente também estava esperando alguém e, bom, eu fiquei excitado. As coisas não faziam muito sentido, eu estava muito bêbado, agitado. De tal modo que sem pensar nas consequências (isso essa uma tarefa intensa demais naquele momento), segurei o garoto pelo rosto e o beijei. O resto fica por conta da sua imaginação.

— Mas você não ficou nem um pouco confuso depois? Achando aquilo esquisito?

— Aioria, eu era um adolescente. Sentimentos confusos e descobertas faziam parte do pacote. É claro que fiquei confuso, mas havia sido bom e eu queria me divertir. Repeti várias vezes depois. Na verdade, eu já havia me observado reparando em alguns colegas antes disso, mas nunca tinha parado para pensar sobre o assunto até aquele dia.

— Hum...

— Mas me conte, quem é o cara? — ele perguntou com um olhar malicioso e o sorriso enviesado.

— Ah! Que cara?! Do que você está falando? — assustei-me com sua dedução.

— É o Mu, não é? — Ele sorriu ainda mais largo. — Já não era sem tempo. Estava demorando para você notar.

Será que era tão óbvio assim a minha atração por Mu? Fiquei um pouco chocado com o comentário dele e tentei desviar o assunto.

— Não sei do que você está falando, Milo. Continua aí planejando sua viagem que eu estou cheio de serviço aqui para fazer. Alguém tem que trabalhar nesse escritório — falei. A voz saiu um pouco mais rude do que eu gostaria.

Milo apenas balançou a cabeça em negação e achou graça, voltando a prestar atenção no que estava fazendo enquanto eu fingia estar envolvido com algum projeto de website.

Foi quando eu vi Saga passando pelo corredor com o agente do escritor indiano que Mu estava esperando. Eles conversavam animadamente e eu deduzi que a reunião já havia acabado. Mu deveria estar ainda na sala de reuniões terminando de arrumar o material de apresentação do projeto. Levantei-me e fui até lá para vê-lo antes que ele fosse embora.

Abri um pouco a porta de forma bem cautelosa (coisa atípica para mim, mas era nosso ambiente de trabalho e não sabia quem poderia estar lá) e ia a entrar na sala quando uma cena fez a minha cabeça rodar.

Mu esboçou um tímido sorriso que fez seu rosto ir de totalmente adorável e doce para dolorosamente lindo em menos de 10 segundos.

Meu coração falhou uma batida, minhas pernas ficaram bambas e aquela história de borboletas fazendo festa no estômago começou a fazer sentindo. Não havia mais a menor dúvida de que eu o queria.

Só que ele não estava sorrindo para mim (na verdade, nem tinha me notado) e sim para aquele escritorzinho de nariz empinado, que agora estava passando a mão no cabelo de Mu, colocando uma mecha atrás da orelha. Mas que merda é essa?

Eu senti vontade de matar alguém. Trucidar. Picar em milhares de pedaços e depois tacar fogo. O que estava acontecendo ali?

Preparava-me para entrar na sala e colocar aquele loiro magricela (tá, ele não era tão magro, mas estava longe de ter o corpo forte como o meu) em seu devido lugar, quando Saga apareceu com o agente do talzinho.

— Tudo bem, Aioria? — Saga perguntou-me com a sobrancelha erguida.

Não. Não estava tudo bem. Mas iria ficar assim que eu desse um soco naquele cara.

— Tudo bem — grunhi.

— Ikki, este é Aioria. Também trabalha conosco e, junto com Milo, é o responsável pela web designer. Precisa ver o trabalho maravilhoso que eles fazem.

— Como vai, Aioria? — Ikki estendeu a mão para me cumprimentar e eu correspondi o gesto. Tentei esboçar um sorriso ameno, mas deve ter saído uma careta porque eles me observavam de uma forma esquisita.

— Aioria, acabamos de fechar um contrato maravilhoso. Shaka quer que nossa empresa seja responsável pela editoração de todos os seus livros de agora em diante. — Saga estava eufórico com a notícia e com o contrato. Pelo visto, o tal escritor tinha mesmo gostado do trabalho de Mu. E pela cena que vi, ele tinha gostado de muito mais do que isso. Eu já pressentia problemas futuros com esse cara.

De repente, Mu saiu da sala acompanhado pelo tal Shaka. Quando o primeiro me viu na porta, pareceu ter perdido completamente o chão. Piscava várias vezes seguidas olhando para baixo e alisando suas lindas madeixas lavanda. O tal do Shaka me olhava por cima do ombro, como se ele achasse que fosse superior a mim só porque era um escritor famoso. Babaca!

Eu devia tê-lo espancado naquele momento; mas, por algum motivo, não o fiz. Talvez a presença de Saga me lembrasse de eu que estava no trabalho e que ele era um cliente da empresa, daqueles que meu patrão ficava puxando o saco.

— Oi, Aioria — Mu me cumprimentou com a voz mais baixa do que o normal.

— Oi — respondi de cara amarrada.

Ele tinha muito o que me explicar sobre esses seus sorrisinhos para outra pessoa que não fosse eu.

Seus olhos pareceram ainda mais tristes, o que me deixou com uma vontade quase que irresistível de abraçá-lo. Para evitar fazer qualquer coisa impensada como agarrá-lo ali mesmo e mostrar àquele loiro metido que ele deveria ficar bem longe de Mu, para o seu próprio bem; resolvi me retirar.

— Com licença — eu disse entre os dentes e voltei para minha sala bufando. Mas, se meu olhar matasse, aquele Shaka estaria agora sangrando no chão.

continua...


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal.

Eu havia dito que esse seria o penúltimo capítulo, mas estava ficando muito grande e resolvi dividi-lo. No próximo, continuamos com o POV de Aioria.
Sobre a demora na postagem. Eu realmente não tenho como escrever um capítulo por semana. Acreditem. Eu me esforço muito para tentar postar o mais rápido possível. Acabo postando sem fazer aquela correção caprichada. Portanto, perdoem-me qualquer pronome fora do lugar ou outras gafes gramaticais.

Nanda Aquarius, nane yagami, Jenferr, Musha, TitiaKinast, Italo Calixto, Kiba-Ino, Rizinha e Myrho obrigada pelos comentários no capítulo anterior.

Beijos e até o próximo.



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