Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 43
Jacintos e campainhas


Notas iniciais do capítulo

O inverno começa a se despedir



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Jacintos e campainhas

O inverno começa a se despedir

A vozinha infantil quis saber:

— Ele não pode andar sozinho?

— Ele ainda é muito pequeninho — explicou Anna, que ajudava Darin a dar alguns passinhos. — Está aprendendo, viu?

O tempo melhorara muito no Shire: havia sol, o frio diminuíra, com os primeiros jacintos-dos-campos e campainhas-de-inverno salpicando os campos nevados. O gelo no rio derretera, e os guardiões e condestáveis disseram que o perigo passara, embora ainda circulassem boatos de que ursos grandes tinham afugentado os lobos de volta para o norte.

Naquela manhã, Anna levara Darin para tomar sol após tanto tempo enfurnado dentro de casa. Aparentemente, as crianças tinham pensado a mesma coisa, pois havia uma cacofonia de hobbitzinhos correndo e gritando pelos campos cobertos por uma camada rasa de neve.

Assim que viu Anna, Prímula foi até ela saltitando, chamando Darin para brincar com os demais. Contudo, o garoto ainda era um tanto tímido e apegado à mãe. Mas os olhinhos brilhavam ao ver os pequenos hobbits brincando.

— Prim! — veio o grito de Amaranta, a filha mais velha, que estava com as crianças. — Diga para Dona Anna vir aqui!

Prímula chamou, correndo:

— Vem, Dona Anna! Vem, Darin!

Ao ver a amiguinha correndo, Darin gritou, mãozinha estendida. Anna chamou:

— Vamos, Darin, vamos ver as crianças!

Eles foram até lá, Darin dando gritnhos de excitação. Anna cumprimentou:

— Bom-dia, Amaranta! Está um lindo dia, não?

— Bom-dia! Sim, faz tão bem esse tempo aberto e claro. Quer se juntar a nós?

— Adorarei, obrigada — Ela pôs Darin no chão e ele ficou de pé, agarradinho nas saias dela. — Precisa de ajuda para cuidar dessa turminha?

A moça, que parecia uma adolescente, respondeu:

— Não que seja preciso, mas será bem-vinda, Dona Anna.

— Como está sua mãe?

— Oh, está boa. Ainda tem um pouco de tosse, mas ela toma aquele chá todas as noites. É uma receita muito boa!

— Se a tosse continuar, ela deve fazer o chá só com gengibre e mel. Vai curar mais rápido.

— Vou dizer para ela, obrigada. — Amaranta virou-se e gritou. — Prim! Cuidado com a roupa! Não pode se molhar! Você pode ficar doente de novo!

A menina correu até elas e indagou, preocupada:

— Isso é verdade, Dona Anna? Vou ficar doente?

Anna viu os olhinhos assustados e respondeu:

— Sua irmã tem razão. Você não quer ficar doente de novo, não é?

— Não, não quero. Me ensina uma música?

— Hum, que música você quer aprender?

— Uma bonita!

— Então vou cantar uma que o Darin gosta. Cante comigo: "Lá vem o sol, turururu/ Lá vem o sol, e eu digo: Que legal!"

Foi só o refrão, e Darin reconheceu a música, batendo palmas. Prim logo estava cantando também, o que chamou a atenção dos outros garotos. Prim pulava:

— Eu aprendi uma música nova!

— Eu quero aprender também!

— Eu também!

Estava formado o grupo que insistentemente fez ecoar George Harrison por toda a Colina. Como era da natureza das crianças, elas não se cansavam de repetir o refrão. Darin foi ao delírio, e Prim tentou dançar com ele.

A farra atraiu os mais velhos, mas a bagunça terminou quando as mães vieram chamar os pequenos para a importante refeição das elevensies. Anna despediu-se de todos e teve que prometer outro concerto improvisado mais tarde.

Ela pegou Darin colo, ouvindo o menino cantarolar, e pensou se talvez fosse hora de fazer um upgrade para Nirvana.

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0 tempo foi ficando cada vez melhor, e Gandalf anunciou sua intenção de partir. Embora não fosse surpresa, foi um choque para Anna e Bilbo, que se acostumaram à presença do mago na toca.

— E para onde pretende ir? — quis saber Bilbo.

O mago respondeu:

— Lothlórien, mas devo passar em Rivendell, já que é caminho. Pretendo pegar a passagem alta, Caradhras. — Ele se virou para Anna: — Algum recado para sua família?

— Escreverei cartas para levar até Rivendell — disse ela. — Lord Elrond precisa saber do progresso nos estudos da saúde de hobbits.

Gandalf sorriu:

— Ele ficará orgulhoso de você.

Anna completou:

— E aproveitando que vai a Lothlórien, transmita a Lady Galadriel e a Lord Celeborn minhas lembranças e gratidão eterna.

Ele quis saber:

— Eles podem querer saber se pretende visitar.

— É claro que passarei por Rivendell no caminho para Erebor, mas não sei quando — disse ela. — Depende de Darin e Bilbo.

O hobbit indagou:

— E-eu?

— Eu ia convidá-lo para ir conosco a Erebor. Achei que fosse gostar de rever a Companhia, ver como a montanha ficou...

A emoção na voz de Anna era tamanha que até ela notou. Bilbo disse:

— É claro que vou adorar rever nossos amigos. Mas isso não seria agora, não é?

— Oh, não, claro que não. Você precisará de um tempo até aprender a montar corretamente.

Bilbo não entendeu:

— Do que está falando? Eu sei montar. Estou meio destreinado, depois de um ano, mas me dê um pônei e eu irei nele até Erebor.

Anna corrigiu:

— Oh, você entendeu mal. Não iremos de pônei. Será bem mais rápido irmos de águia. — Ela o viu arregalar os olhos. — Ou de dragão.

De surpreso, Bilbo rapidamente passou a boquiaberto. Ele gaguejou e tropeçou nas palavras:

— M-mas... mas... ! Você...? Não...! Isso é sério?

Anna respondeu, calma:

— Claro que é sério. Mas não há com o que se preocupar. Vamos treinar para que você se sente em uma sela ou algo semelhante. Podemos adaptar alguns alforjes ou eu posso encomendar a seu primo Falco um novo assento de madeira para Darin.

Gandalf observou, com os olhos brilhando:

— Você parece ter planejado tudo.

Anna deu de ombros:

— Tive muito tempo livre, e também preciso ver meu marido o quanto antes. Saudades, sabem.

O olhar do mago se suavizou ao ver Anna tentando esconder as lágrimas, sem sucesso. Bilbo indagou:

— Mas você vai simplesmente aparecer lá? Todos pensam que você morreu.

— Eu tenho um plano — lembrou ela. — E também acho que a Companhia deve saber o que aconteceu. Confesso que estava muito... er, emocionada quando estive lá. Posso ter feito coisas de maneira desastrosa.

O mago quis saber:

— E agora está menos emocionada? — Ele apontou para o rosto molhado. — Ou você espera estar menos emocionada quando encontrar Thorin?

— Um pouco dos dois, suponho. Mas preciso vê-lo, e desta vez quero levar Darin. Tenho certeza de que ele sente falta do pai.

Gandalf se virou para Bilbo:

— E então? Está pronto para mais uma aventura, meu rapaz?

O hobbit sorriu:

— E aqui estava eu pensando que o resto da minha vida estaria resumido a meus livros e mapas em Bag End! Parece que o destino não terminou comigo ainda.

— Excelente! Obrigada, Bilbo! — disse Anna, animada. — Agora, senhores, se me derem licença, tenho cartas a escrever. Vamos, Darin, vamos escrever uma carta para seu amigo Estel!

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Anna foi até o quarto, com Darin a tiracolo, e Bilbo notou Gandalf acompanhando-a com os olhos. O sorriso do mago não enganou o esperto hobbit. Baixinho, ele indagou:

— Ela nunca vai parar de se emocionar, não é?

O sorriso de Gandalf adotou um ar de tristeza e dor quando ele respondeu:

— É claro que não. Um amor grande assim não fica menos intenso jamais. — Ele se ergueu. — Bilbo, que tal fumarmos um pouco do Old Toby lá fora? Sei que Anna não gosta que fumemos na casa.

Bilbo concordou, e logo os dois estavam instalados no jardim, apreciando o pálido sol de restinho de inverno. Bilbo observou:

— Gandalf, eu fico de coração partido ao vê-la assim. Anna às vezes está tão triste que nem se dá conta.

O mago deu uma baforada, concordando:

— Eu também me preocupo. Mas fico mais tranquilo porque sei que ela está bem e que ela se sente contente aqui.

— Será? Não sei o que posso fazer.

O mago apontou:

— Com minha partida, vocês ficarão sós. Um dependerá do outro. Tudo indica que este será um arranjo permanente, Bilbo, e é muito generoso de sua parte aceitar Anna e o filho.

Ele garantiu:

— Eu faria o mesmo por qualquer um de minha família — e Anna é família para mim.

— E você também é família para ela. Você é o único apoio que ela tem daqui para frente. Se quiser mesmo ajudá-la, dê-lhe todo o apoio que puder. Ela ainda está fragilizada, mas não vai admitir isso.

— É uma situação muito difícil e complicada. Ela deve estar sofrendo tanto...! Ela ama Thorin como nunca vi.

— Sim, é um amor intenso. Mas Darin é precioso para ela acima de qualquer coisa, até de Thorin. Mistérios da maternidade. Eu me pergunto se pais sentem o mesmo...

— Por isso é que às vezes me ocorre uma ideia maluca, mas tenho medo de ser mal-interpretado. Gandalf, você que conhece a situação, me diga: — Bilbo abaixou a voz ainda mais. — E se eu me oferecesse para casar com ela? Sabe, só de aparências, pois bem sei que ela jamais esquecerá Thorin e-

Gandalf não o deixou terminar:

— Tire essas coisas da cabeça, Bilbo Baggins! E nem ouse mencionar nada disso a Anna! Casamento não é brincadeira, e nem os sentimentos de uma pessoa!...

— É para proteção dela! — justificou-se o hobbit, cochichando violentamente. — Eu só quero evitar fofocas. Sabe como são as coisas aqui no Shire. Estamos morando juntos, o povo gosta de falar...!

O mago sacudia a cabeça, resoluto:

— Pois que falem! Se você não tem desejo por Anna, nem deveria estar cogitando tais ideias. Se tivesse tais desejos, saberia que são destinados ao fracasso: Anna nunca se olharia para outro, mesmo que Thorin estivesse morto ou inatingível, como ela pensa estar. Mas eu sei que o filho de Belladona Took jamais ousaria tirar vantagem de uma mulher num momento frágil como este.

Bilbo assentiu, magoado:

— Era uma ideia maluca, eu disse. E eu não penso em Anna desse jeito, você sabe. É só que eu quero tanto ajudar e não sei o que fazer.

Gandalf olhou-o com afeição e disse:

— Você é um bom homem, Bilbo, mas sua ideia faria mais mal do que bem. Não há motivo para complicar ainda mais uma situação que já é confuso. Na verdade, eu temo que a mera proposta deixe Anna tão constrangida que ela decida sair daqui.

Bilbo puxou longamente a fumaça e soltou uma longa baforada, antes de comentar:

— É claro que está coberto de razão. Não sei o que estava pensando.

— Você só pensava em ajudar, meu rapaz. Isso é prova que seu coração está no lugar certo — mesmo que sua cabeça às vezes falhe.

Os dois sorriram e voltaram a seus cachimbos, apreciando a tranquila tarde fria, amenizada apenas pelo sol fraco e pela visão dos jacintos-dos-campos, que já salpicavam a paisagem.

A primavera se aproximava.

PS - Convido a todos a verem que gracinha são os jacintos e campainhas. Procurem no Google como bluebells e snowdrops.


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