Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 39
Numa toca no chão


Notas iniciais do capítulo

One os hobbits vivem



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Numa toca no chão

Onde os hobbits vivem

De manhã cedo, era hora dar adeus aos elfos queridos. Anna fez questão de se despedir de sua escolta com carinho, na saída de Bree. Estava emocionada ao dar adeus a seu grande amigo. Sorriu, comovida, e fez uma mesura antes de dizer:

— Eldrin, meu querido amigo, parente e quase irmão meu: obrigada por sua proteção e sua dedicação.

Ele sorriu:

— Erulissë, Eldalinossë, eu me despeço desejando uma jornada livre de incidentes e renovando meus profundos votos de afeto e dedicação. Máriessë alámenë.

Anna abraçou o elfo, emocionada:

— Adeus, meu amigo. Que possamos nos ver em breve e em circunstâncias felizes.

Ela agradeceu a todos e subiu na carroça, com Darin confortavelmente ajeitado no canguru.

Quando saíram de Bree, Anna e Gandalf pegaram um tempo cinzento e úmido, o que aumentava a sensação de frio. Mas ao longo do caminho, as nuvens foram rareando, e o sol até apareceu, mesmo timidamente. Era uma onda de calor ameno em pleno inverno.

A ansiedade de Anna em rever Bilbo provou ser maior do que a vontade de apreciar a linda paisagem do Shire. As montanhas angulosas do Vale Oculto de Rivendell deram lugar a suaves colinas e ao rio Brandywine, logo depois de passar pela Floresta Antiga.

Eles pegaram a ponte Brandywine. Ao lado, Anna viu a pequena balsa que provavelmente ainda servia a carruagens maiores.

Não demorou muito e a as pequenas tocas de portas redondas começaram a aparecer junto à pequena estrada onde mal cabia a carroça. Estavam entrando no Shire, propriamente. Anna viu crianças hobbit brincando e acenando para Gandalf. O mago nem tentava esconder sua afeição por eles.

— Este lugar é Whitfurrows — mostrou Gandalf. — Muito bonito.

Passaram por Frogmorton, para depois deixarem Bywater e então pegarem o caminho para Hobbiton. Havia hobbits ocupados em seus afazeres mundanos, e a fumaça nas chaminés denunciava lareiras acesas e refeições preparadas no dia claro mas frio.

Foi depois de subirem uma das pequenas colinas que Gandalf anunciou:

— A casa de Bilbo é logo adiante.

Anna ajeitou Darin no colo (ele ficava agoniado se ficasse tempo demais preso ao canguru), o coração batendo mais forte. Então a carroça parou em frente a uma das tocas, a porta esverdeada parecendo quase conhecida a Anna. Ela ficou boquiaberta e sussurrou, olhando o local com reverência:

— "Num buraco no chão vivia um hobbit..."

Gandalf saltou da carroça enquanto Anna ainda olhava o exterior de Bag End: o banquinho de madeira virado para a estrada, o jardim (agora sem flores por causa do inverno), a caixinha de correio, o portãozinho, o lampião no jardim...

— Eu a ajudo a descer.

A mão estendida de Gandalf a ajudou a voltar para a realidade. Com Darin num braço, ela esticou a mão e deixou Gandalf ajudá-la a apear.

A porta se abriu e de lá saiu Bilbo, animado:

— Oh, vocês chegaram! Que bom! Bem a tempo do jantar!

— Bilbo, meu rapaz! — saudou o mago. — Que bom vê-lo.

Eles se abraçaram, e Bilbo cumprimentou:

— Você parece bem, Gandalf. Anna!

Ela apoiou Darin no quadril para dar um beijo na bochecha do hobbit:

— Bilbo, que saudade!

Ele olhou Darin e começou a mexer nele:

— E este é o famoso rapazinho de que tanto ouvi falar? Muito prazer, Darin.

O bebê se agarrou a Anna, os grandes olhos azuis grudados em Bilbo. Anna explicou:

— Normalmente ele é muito sociável. Acho que ele está chegando à idade de estranhar pessoas.

Bilbo suspirou:

— Por Eru, ele se parece com o pai...

Anna concordou, sorrindo:

— Quando nasceu, ele parecia ser um mini-Kíli. Mas agora está mais para o pai, sim.

O hobbit disse, vexado:

— Mas onde estão minhas maneiras? Venham, entrem! Vamos nos esquentar. O sol não tarda a cair.

Ao entrar na casa, Anna percebeu que havia níveis diferentes para adjetivos como "confortável" e "aconchegante", mas Bag End ultrapassava todos eles. Não era só porque estava seco e quentinho: havia um tipo diferente de calor ali.

— Que lindo é isso aqui — disse Anna. — Tenho medo de sujar o chão com a poeira da estrada.

— Oh, há um tapete ali na porta. Seja bem-vinda a Bag End.

— Obrigada. Obrigada por nos receber.

— Você sabe muito bem que não há o que agradecer. Você é família. — Bilbo sorriu. — Agora sente-se ali perto da lareira e aqueça Darin. Gandalf e eu vamos trazer as bagagens.

Enquanto os dois saíam, Anna aproveitou para ver se Darin precisava ser trocado ou talvez gostasse de mamar. O menino, porém, gostou de ir para o chão e tentar treinar uns passinhos no novo ambiente. Anna se sentou com o filho.

— Mas por que estão no chão? — indagou Bilbo, alarmado. — Há cadeiras perfeitamente confortáveis bem aí.

— Darin preferiu esticar as pernas — disse Anna. — Não se preocupe: ele adorou o local.

O bebê engatinhou para perto da mãe, olhando Bilbo com desconfiança. Anna garantiu:

— Ele ainda está tímido, mas logo vai se soltar. Eu recomendo tirar pequenos objetos do alcance dele. Ele está na fase de jogar no chão tudo que pode.

Gandalf entrou, completando:

— E ele puxa tudo que seus dedos conseguem agarrar.

Anna lembrou, rindo:

— A barba de Gandalf que o diga.

O mago arrematou:

— E as tiaras dos elfos! O danadinho conseguia puxar todas as que via.

Bilbo comentou:

— Ele é adorável. Qual é a idade dele?

— Deve ter uns dez meses.

Bilbo estranhou:

— Deve?

Envergonhada, Anna admitiu:

— Preciso confessar que o calendário de vocês continua sendo um mistério para mim.

Gandalf disse:

— Ele nasceu no dia da coroação de seus pais. Era uma lua cheia linda, num dia de primavera que teve uma nevasca for a de época. Havia flores e neve, um espetáculo muito bonito.

Anna recordou:

— Radagast disse que as coisas mais incríveis acontecem na neve florida. Considerando que havia uma coroação, que Thranduil foi decente e Bard devolveu a Arkenstone, eu jamais teria pensado que meu filho escolheria esse dia para nascer.

Os olhos de Bilbo brilhavam mais do que seu sorriso:

— Precisa me contar tudo sobre isso. Mas primeiro as prioridades: deixe-me mostrar a casa.

Bilbo fez isso, e Anna maravilhou-se ainda mais com o local: espaçoso era pouco. O anfitrião transformara um dos cômodos com janelas no quarto para ela e Darin, equipado com bercinho e tudo. Havia um escritório grande do outro lado, onde Bilbo tinha seus livros e mapas, além de uma série de despensas e porões bem-estocados que incluíam o subterrâneo — no caso, era dentro da Colina.

— Sua casa é adorável, Bilbo, e nosso quarto é um luxo. Mas você não saiu do seu quarto, não é? Eu odiaria desalojá-lo em sua própria casa.

— Não — garantiu ele. — Hamfast Gamgee, que me ajuda nos jardins, indicou um primo para transformar o seu quarto. O bercinho é de uma criança hobbit, espero que não fique pequeno para Darin.

Anna garantiu:

— Vai demorar um pouco até Darin crescer tanto. Aí, quem sabe, haverá outro bebê que precise.

Bilbo disse:

— Agora que você já sabe onde tudo está e já se instalou, está mais do que na hora de jantarmos, pois o sol já se pôs. Vocês são de casa: podem ir à cozinha depois que se lavarem.

Assim fez Anna, que lavou as mãozinhas de Darin antes de se lavar e partir para a cozinha, onde um fogão de lenha aquecia o espaçoso ambiente. Bilbo explicou:

— Depois desta viagem longa, achei que quisessem algo leve e substancioso, então preparei uma sopa.

Gandalf exclamou:

— Ah, excelente escolha. E se tiver alguns nabos para completar...

— Claro que tem! — garantiu o hobbit. — E também pastinacas e abóboras.

Anna sorriu:

— Darin, comida nova para você. Quer provar um purê de pastinaca?

— Da!

Era a primeira palavra que ele pronunciava em Bag End, o que terminou fazendo o anfitrião sorrir, vendo que o bebê estava começando a se adaptar. A refeição transcorreu leve e agradável, Anna lembrando-se da comida de Bilbo. Ao fim do jantar, ele quis saber:

— Não quero falar de coisas tristes, mas gostaria de ter notícias da companhia. Como eles estão?

Anna respondeu:

— Todos estão ótimos. Ori é o bibliotecário e estava feliz da vida entre os livros. Nori virou oficial de inteligência. Óin é o curador e médico oficial de Erebor, e me dava aulas, já que eu o ajudava na enfermaria.

Gandalf acrescentou:

— Lord Elrond treinou Anna nas artes da cura. Ela tem um talento e tanto!

Anna continuou:

— Kíli agora é capitão da guarda e Fíli tomou as funções completas de herdeiro. Bifur e Bofur fazem o que mais gostam: brinquedos. Eles também fazem móveis e montaram todo o quarto de Darin.

O anfitrião quis saber:

— Balin deve estar cheio de trabalho.

— Ele é o conselheiro real, o assessor mais próximo do rei. Eu era encarregada de negociar com os estrangeiros. Até tivemos delegações de Mirkwood na montanha!...

— Está brincando!... — disse ele, admirado. — Thranduil apareceu?

— Não, ele só foi na coroação. Legolas veio em nome do reino. Ah, vai gostar de saber que Bombur é o encarregado das cozinhas, e que ele tem quase uma dezena de ajudantes. Dori terminou sendo uma espécie de consultor para mim. Ele faz tranças divinas!

— A mãe de Kíli e Fíli já chegou a Erebor?

— Sim, vieram tão rápido que acho que foram a jato! — Os dois a olharam, confusos. — Não é nada, só um jeito de falar. As caravanas chegaram muito rápido, e além de Dís trouxeram também a mulher de Glóin e o filho deles, Gimli.

Bilbo confessou:

— Eu sempre morri de curiosidade para conhecer a irmã de Thorin.

— Oh, dá para ver que ela é o coração da família — e o cérebro também. Adorei Dís. Sinto profunda falta dela.

— Que bom que se deram bem — disse Bilbo. — Pelo que diz, então, a montanha já está povoada, é isso?

Anna respondeu:

— Muitos khazâd das Colinas de Ferro terminaram ficando em Erebor e trazendo famílias. Eu participava das cerimônias de boas-vindas.

Houve um silêncio repentino. Anna quebrou, dizendo:

— Amanhã eu lhe falarei sobre Thorin. Agora preciso colocar o filho dele no bercinho.

Surpresos, os dois viram Darin adormecido no colo de Anna. Gandalf comentou, em voz baixa:

— Ele apagou mais rápido que uma vela.

— Estou surpresa — disse Anna. — Depois de toda excitação da viagem, com wargs e dragões, ele podia estar assustado. Bem, senhores, boa noite.

Bilbo ainda estava se refazendo das notícias:

— Wargs? Dragões?! Precisa me contar isso agora mesmo!...

Com Darin no colo parecendo pesar uma tonelada, Anna saiu da cozinha, rindo:

— Engraçado, o pequeno Gimli falava a mesma coisa! Boa noite!

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Na sua primeira noite em Bag End, Anna chorou até se cansar. Aquilo não era novidade, pois acontecia frequentemente. Era de noite que seus sentimentos mais a traíam.

Havia a ansiedade pela incerteza do futuro, do novo lugar. Também era de noite que ela mais sentia saudade de Thorin.

Enquanto Darin dormia, Anna se lembrava das noites em que o pai observava o pequeno a dormir, a luz nos olhos do rei brilhando mais que as velas e as chamas da lareira no quarto. Essas eram lembranças que Anna guardava no fundo do coração.

Essas memórias também levavam ao coração de Anna grande desassossego. Pois ela não tinha certeza de como lidaria com Darin crescendo longe do pai. Não demoraria até o menino chegar à idade de querer saber do pai, indagar por que ele morava longe. A única resposta que Anna tinha era que o pai amava seu filho mas não podia estar com eles naquele momento. Mais tarde ela poderia explicar sobre as pessoas más que queriam machucar os dois.

Mas nenhuma daquelas explicações podia compensar a ausência de Thorin ou o vazio em sua alma. Nem mesmo o lar aconchegante e carinhoso de Bilbo podia preencher este espaço.

Anna teria que lidar com isso sozinha.

Até então, contudo, ela imaginava quanto tempo mais as lágrimas iriam durar. Fazia meses desde que ela chegara à casa de Beorn e mais de três semanas desde sua visita à Montanha Solitária. Nesse tempo, a choradeira tinha melhorado, mas dava para ver que estava longe de acabar.

Talvez a temporada com hobbits divertidos, como dizia Gandalf, pudesse deixar as coisas mais fáceis.

Talvez.

Ainda assim, Anna dormiu melhor do que previra, e foi restaurador que até Darin tivesse dormido direto até o sol ficar alto no céu. Ele acordou sem choro, sorrindo para a mãe e não reclamou para trocar a fralda. Anna saiu do quarto e ouviu as vozes baixas de Gandalf e Bilbo na cozinha.

— Ela ainda está abalada — disse Bilbo. — Talvez eu não deva falar nada.

— Não seja tolo. É claro que deve falar: vai fazer bem a ela. Mas tenha cuidado: ela ainda está sensível.

— Eu acho que a ouvi chorando à noite, pobrezinha.

— Eles se amam muito.

— Francamente, sempre achei que algo assim pudesse acontecer: que Anna pudesse se separar de Thorin — disse Bilbo. — Mas jamais pensei que fosse por algo que não o temperamento dele.

— Não desta vez, meu amigo — garantiu Gandalf. — Da última vez que o vi, Thorin estava muito mudado: mais calmo, mais satisfeito. As coisas estavam indo muito bem, aparentemente. Acho que estava feliz.

Anna suspirou e entrou na cozinha, Darin no colo:

— Bom dia! Adivinhem quem dormiu tanto que acordou com sono?

Bilbo se ergueu da mesa, saudando:

— Que bom que dormiram bem. Presumo que estejam com fome. Sentem-se que eu já faço uns ovos moles, o leite quente...

— Agradeço, Bilbo — disse Anna. — Mas quero que saiba que vamos dividir as tarefas da casa.

— O quê...? Não, não mesmo. São meus hóspedes! Onde já se viu?! Eu não posso pedir a meus hóspedes que -

Anna interrompeu com gentileza:

— E bons hóspedes não dão trabalho a seu anfitrião. Não fique ofendido. Só quero dizer que não deve e não pode fazer todo o trabalho sozinho.

— Você sabe que não tenho compromissos. Não trabalho, não preciso sair todos os dias...

— Mas você gosta de se dedicar a seus livros, seus escritos. Não deve deixar de fazer o que gosta por nossa causa. Já é muita imposição estarmos aqui. Foi gentil em nos receber. Sou muito grata, mas não ficarei à vontade se não me deixar ajudar. Portanto, se não concordar com isso agora mesmo, vou pedir a Gandalf que nos leve de volta a Rivendell.

Até então em silêncio, Gandalf não conseguiu esconder o sorrisinho, murmurando:

— Sei que todos falam da teimosia dos anões, mas se esqueceram que Anna é mais do que páreo para eles...

Anna advertiu:

— Eu ouvi isso, Istari.

Ainda contrariado, Bilbo disse:

— Então vamos negociar. Sei que poderemos entrar num acordo. Que tal isso? Você cuida de Darin e de suas coisas pessoais. Eu cuido da cozinha e das coisas da casa.

— Posso ajudar no jardim.

— Por Eru, mulher, quer tirar o emprego do pobre Hamfast? Eu tenho um jardineiro.

— Então posso ajudar na vila. Agora sou uma curadora. Eu fazia isso em Erebor, mas Lord Elrond me treinou e eu melhorei muito. E eu trouxe ervas medicinais élficas para plantar.

Bilbo lembrou:

— Temos um médico perto de Bywater.

Anna deu de ombros:

— Ofereço meus serviços apenas para Hobbiton, se ele preferir.

O hobbit assentiu:

— Então chegamos a um acordo?

— Espero que sim — disse Anna —, porque daqui a pouco Darin vai começar a ficar impaciente sem seu desjejum.

— Da! — foi a resposta.

Palavras em Khuzdul

khazâd = anões, povo anão

Palavras em Sindarin

miruvor = tônico restaurador

alámenë = Vá com nossas bênçãos

máriessë = adeus (vá com alegria)


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