O anjo e o demonio escrita por Lu Rosa
Uma a uma as pessoas foram saindo da sala de reuniões. Até que só ficaram Ângela que agora estava recolhendo seus papeis, e o homem que continuava sentado à cabeceira da mesa observando cada movimento da moça.
– Srta Dougherty, foi uma bela apresentação.
A moça deu um salto com o susto que levou. Podia jurar que estava sozinha na sala.
– Ah, Sr. Cartwright, eu não sabia que o senhor ainda estava ai.
– Sim eu estou. Continuando a admirá-la. Sabe, eu já trabalhei nas maiores empresas de meio ambiente da Europa e posso garantir que em nenhuma eu vivi um ambiente como a da Dougherty ambiental.
– Bem, senhor... Esta é uma empresa de família. A maioria dos funcionários são nossos parentes, e os que não são, são aqui mesmo do Ulster.
– A região do Ulster... Vocês são muito unidos aqui. – ele se levantou da cadeira e foi até ela. Ângela não pode deixar de pensar em como o caminhar do homem era elegante. Tão elegante quanto ao de uma serpente. – Sempre foram...
Ela estranhou a maneira dele falar.
– Sempre fomos? Mas o senhor só está aqui há um mês.
– Bem, existem os livros de história que não me deixam mentir. Só houve uma pessoa que acabou com toda essa união. Um único homem.
– Que arrasou toda essa parte do Ulster. É, eu conheço a história. Mas isso são lendas de bardos. É mais fácil colocar a culpa no inglês do que na ganância de muitos chefes de clãs irlandeses.
– Sim, mas a Besta de Donegal realmente existiu, não?
– Se ele existiu, eu tenho a certeza de que ele só foi mais um conquistador que se apoiava em seus soldados para fazer seu trabalho sujo para a Coroa. Se o senhor quer realmente se estabelecer aqui, sugiro que nunca toque nesse assunto.
– E do que podemos falar? De você? – ele tocou a mão da moça, fazendo que ela fosse para o outro lado da mesa. Ângela sabia que estava sofrendo um assedio. Mas em algum lugarzinho de sua consciência ela sabia que aquela conversa não era somente entre chefe e funcionária. Havia algo mais antigo por trás. Algo que era perigoso a ponto de deixá-la fraca quanto um bebê.
Ângela recolheu suas anotações e as colocou contra o corpo como se elas fossem um escudo.
– Não creio senhor. Eu não daria um assunto muito interessante. Com licença.
Dizendo isso, a moça saiu em disparada pela porta.
Anton ficou olhando para a porta fechada ainda saboreando o aroma da moça. Tão desejável e distante quanto no dia em que ele a viu pela primeira vez.
Ângela correu para seu escritório, assustando a técnica que ali estava anotando dados em um livro.
– Angie, o que foi? – a moça largou o que estava fazendo e correu para amparar a colega.
– Eu não sei... Estou tonta.
– Espere, sente-se aqui. – Marion Fratenelli, a técnica, a fez sentar-se numa cadeira. – Vou trazer-lhe água.
– Obrigada. – disse Ângela aceitando o copo.
– Me diga o que aconteceu. Já sei! – a moça bateu o indicador na testa – Ficou sem comer, não é?
Ângela não pôde deixar de sorrir. Para Marion tudo se resumia a comida. Um bom prato curava qualquer indisposição. Fruto da educação de bons pais italianos.
– Marion, eu vou pra casa. – anunciou Ângela colocando os papéis sobre a mesa e pegando sua bolsa. – Não estou me sentindo bem.
– Não precisa de ajuda? – Marion a ajudou a por o casaco.
– Não. – mentiu, saindo pela porta.
Ângela não se arriscou a dirigir, pois não confiava em si mesma. Ela saiu andando pelas ruas como uma sonâmbula. O que teria acontecido? Ela estava bem quando saíra para trabalhar. Estava bem durante a apresentação dos balancetes. Com certeza era uma conseqüência tardia da noite mal dormida.
Ela atravessou a rua sem ver o carro que vinha em sua direção...
***
– É sério David. – Nigel fechou o laptop – Se eu não deitar numa cama nos próximos dez minutos, eu vou começar a chorar como um bebê.
David olhou de soslaio para seu assistente.
– Sério? Você prometeu isso há uma hora. Você deveria ter dormido no avião.
– Em qual deles? No que tinha um homem roncando com um porco ou no que havia um menininho que achou que o meu cabelo era uma selva a ser explorada?
– Desculpe-me, Nigel. Comprar passagens sem reserva tem seus incômodos. E foi você quem escolheu ficar na janela.
David e Nigel já estavam viajando há três dias. Primeiro, dos Estados Unidos até Dublin e de Dublin até Galway. Isso havia sido cansativo. Eles alugaram um carro e foram revezando na direção até Raphoe. Ainda bem que o Instituto não economizava em despesas. Mas, quando eles passaram pela torre do Castelo Dougherty, David sentiu que havia valido a pena.
Agora, eles estavam andando de carro pelo centro de Raphoe à procura de um hotel. Acostumados com Nova Orleans, o centro da cidade lhes pareceu muito tranquilo.
Tanto que David se distraiu com seus pensamentos enquanto dirigia. Ele havia sentido algo especial em relação à torre do Castelo. Algo parecido com uma sensação de familiaridade. Mas, ele nunca havia estado nessa região antes. Talvez ele já tivesse visto a torre em algum livro.
– Droga, David! Cuidado! – o grito de Nigel o tirou de seus pensamentos.
David freou o carro. Ele sentiu que todo seu sangue fugira de seu rosto. Desafivelando o cinto de segurança, ele correu para frente do carro, enquanto Nigel fazia o mesmo.
Uma moça estava caída. David correu tentando ajudá-la a levantar-se.
No momento em que ele estendeu a mão, ela levantou os olhos para ele e o tempo pareceu parar. Os olhos violetas dela fitaram os olhos azuis dele, e eles experimentaram uma sensação de alheamento. Como se estivessem fora de seus corpos, num outro tempo. Uma sensação que durara apenas alguns segundos, mas parecia a eles uma eternidade.
Nigel aproximou-se deles. Ele olhou para a moça e perguntou aflito.
– Moça, você está bem? Como você atravessa assim a rua? Se fosse um carro maior você estaria bem encrencada.
Ela pareceu perceber o rapaz.
– Eu estou bem, não se preocupe. – ela soltou a mão da mão de David – Eu só preciso descansar.
David não queria que ela fosse embora.
– Espere, você deveria ir a algum hospital. Pode ter batido algo na queda. Eu levo você.
– Não preciso de hospital. Estou bem. Com licença. – ela correu até a calçada continuando a andar apressadamente.
– Cara, que loucura! – Nigel comentou passando a mão pela testa. – Mal chegamos à cidade e quase matamos uma pessoa.
David não respondeu. Continuou olhando a jovem até ela perder-se na distância. Uma sensação horrível de perda o acometeu.
Nigel percebeu que ele não ouvira nada do que dissera. O jovem deu uma risada.
– Ei, David. Não se preocupe, a cidade é muito pequena. Com certeza vamos encontrá-la de novo. Entre no carro, eu dirijo. Acho que quem precisa descansar agora é você.
Continuando, eles encontraram um hotel de aparência simpática. Eles entraram e foram até um balcão de madeira escura polida onde uma mulher de aspecto maternal perguntou:
– Olá. Sou Elspeth Michaelis, em que posso ajudá-los?
Nigel e David pousaram as malas no chão e apertaram a mão estendida
– Bom dia. Sou o Professor David Marshall e este é meu assistente Nigel Bourne. Somos americanos e gostaríamos de dois quartos.
– Pois não. Vou fazer o registro de vocês.
– Obrigado.
Enquanto David fazia o registro no hotel, Nigel começou a andar pela sala. Chamou a atenção dele uma enorme cabeça de alce sobre a lareira. Então ele viu um quadro que ocupava quase toda uma parede. Era o retrato de uma família e ao fundo havia um castelo. A família parecia feliz com crianças correndo e dois casais sentados à sombra de um carvalho.
– É a minha família materna. Os Dougherty. – esclareceu Elspeth chegando com David. – Este ao fundo era o Castelo Dougherty. Ele foi destruído no final do século 17 durante um ataque de bandidos.
David colocou os óculos para ver mais de perto.
– Esses foram os últimos a ocupar o castelo. Um bandido conhecido como A Besta de Donegal invadiu o castelo no dia do casamento da filha do chefe do clã. Nossa família só continuou, por que a esposa do chefe, Maria, protegeu a filha mais nova, Moira. O padre da família encontrou a menininha presa pelo corpo da mãe. A lâmina da espada que transpassou a mãe apenas a feriu no braço. – Ela puxou a manga da blusa que usava. – Vê? O ferimento da menina ficou como uma marca de família. Somente as mulheres a recebem. Existe outra marca em forma de estrela, mas essa, somente as que têm magia no sangue têm.
– Interessante... Nós passamos pela torre do castelo quando chegamos. Sou um historiador e gostaria de vê-la. Será que poderíamos? – perguntou David.
– Os senhores têm certeza? – Elspeth perguntou voltando para a recepção para pegar as chaves dos quartos.
– Por quê? – Perguntou Nigel pegando a sua.
– Por que a torre é assombrada.
David pegou a sua com os olhos azuis brilhando. Nigel engoliu em seco ao ver a expressão no rosto de David.
– Sério?!
– Ah sim. Na noite que o castelo incendiou, iria acontecer o casamento da filha mais velha do chefe. Ela iria se casar com um primo distante. A moça foi para a torre para se matar, por que tinha visto toda a família morrer. Ela foi perseguida pelo bandido, mas seu noivo chegou para salvá-la. Os dois lutaram, mas o rapaz estava muito ferido. No momento em que a Besta de Donegal iria desferir o último golpe, a jovem jogou-se sobre o corpo dele. Os dois morreram empalados pela mesma espada. Dizem que a marca da espada continua lá até hoje. Se tiverem coragem de irem ver. Se você querem visitar a Torre devem pedir autorização para Margaret Dougherty. A matriarca da família.
Elspeth tocou uma sineta. Um rapaz ruivo muito parecido com ela apareceu.
– Este é meu filho Bryan. Somos todos da família aqui. Meu marido tem um pub aí em frente. Mas suas refeições podem ser aqui. Tenham uma boa estadia.
– Obrigado. – David e Nigel agradeceram e seguiram o jovem ruivo.
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