Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 50
Capítulo 49 - Ele




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A escuridão da noite nos serve de camuflagem nesse deserto árido. Minha mão direita fechada em figa desliza violentamente para baixo provocando o acelerador e o rugido ensurdecedor do motor abafa o som das batidas descompassadas do meu coração.

Contornamos a base em formação, o Tenente Milles faz a frente, Zeke e eu recebemos os postos menos privilegiados, com os flancos protegidos já que não tivemos tempo para um treinamento militar da Base... Como se realmente precisássemos disso!

Por orientação de Milles ao cruzarmos os portões, desligamos os faróis e como morcegos seguimos numa velocidade agoniante o rastro de luminosidade prateada, lançada pela lua cheia, que reina solitária na imensidão da noite. Estamos há vários quilômetros do nosso destino, chegaremos ao amanhecer para que de alguma forma tenhamos uma chance de sermos identificados antes que possam lançar seu ataque ostensivo, arruinando de vez essa missão.

_ Podemos ir um pouco mais depressa! - A voz de Alejandra ecoa no meu Headphone.

_ Mantemos o ritmo. - Responde Milles secamente.

_ Quatro, e as garotas heim?! Vão pirar quando souberem que ficaram de fora da missão. - Agora é a voz de Zeke que chega até mim pelos fones e imagino que todos estão partilhando nossa conversa o que é no mínimo constrangedor, mas ele parece não se importar.

_ É pode ser, mas Cara teve de ficar de olho em Christina, que ainda não está em condições de caminhar mais do que 50 metros, que dirá passar 4 horas em cima de uma moto. - Respondo imaginando se receberemos uma represália por conversar utilizando o canal de comunicação coletivo, mas ninguém se manifesta.

_ É... Tem razão e o Caleb, você acha mesmo que ele pode ter descido ao Bunker sozinho, mesmo sem a ajuda de ninguém? - Ele continua.

_ Caleb é esperto, acho que conseguiria chegar lá sozinho se quisesse e a julgar pela forma como se despediu de Cara... Pelo que ela contou parecia que ele estava indo para não voltar mais. - Respondo.

_ Ele é um idiota, mas acho que não corre risco de vida! - Alejandra se intromete na conversa.

Ao ouvir a sua voz fico tentado em tentar tirar mais dela. Como foi que ela encontrou a Tris, como ela está, e o que conversaram que fez com que ela obtivesse a confiança de Tris... Mas me contento com o silêncio que paira entre nós em quanto seguimos pela estrada depredada e poeirenta, aguardando o momento certo de falar, esperando pela privacidade necessária, para que eu possa obter dela tudo de que preciso.

Respiro fundo e tento concentrar minha atenção na estrada, na moto, no motor, no velocímetro que não passa dos 80km p/h, mas meus pensamentos insistem em aumentar a rotação e quando percebo estou voando longe... Estou com ela em meus braços, estou revivendo a dor da perda, estou olhando em seus olhos uma última vez, estou segurando sua mão flácida e sem vida mais uma vez... Tenho que fazer um tremendo esforço para me manter consciente de onde estou, para não sucumbir ao desespero. Ultimamente tenho encontrado uma dificuldade muito grande em assimilar o que é verdeiro e o que falso, o que é real e o que é fruto da minha imaginação. Só ela me prende ao chão, segurar sua mão, me prende a esta realidade, mas quando ela não está comigo me sinto perdido e já não sei mais o quanto de tudo isso é alucinação e o quanto é vida real...

_ Vamos fazer uma parada. Estamos há poucos quilômetros do nosso destino e ainda são 3 horas da manhã, temo que cheguemos na cidade antes do sol. - Milles sentencia enquanto reduz a velocidade a velocidade ainda mais.

_ Que enrolação! Vamos de uma vez... Já não chega ter de pilotarmos como tartarugas, agora teremos de parar. - Alejandra protesta com uma ansiedade quase que palpável.

_ Sem discussões. Vamos parar por pelo menos uma hora, não podemos correr o risco de entrar em confronto. - Milles responde sem dar margem para argumentação.

Todos descemos das motos e Alejandra um tanto transtornada, imagino que seja pelo fato de ter sido contrariada, resmunga afastada do grupo, enquanto chuta algumas pedras na beira da estrada. Eu a observo por um tempo ponderando se devo ou não me aproximar. Os longos cabelos negros brilham feito cetim à luz da lua, o cenho fechado e a expressão carrancuda não combinam com os traços delicados do seu rosto... É como ver um filhotinho rosnando, não assusta no máximo faz graça.

Caminho em sua direção, ao sentir a aproximação ela levanta os olhos e fita com uma expressão acuada, o que só me faz concluir que há muito mais do que ela disse.

_ Oi. - cumprimento.

_ Oi. - Ela responde.

_ Alejandra, o que está acontecendo, de verdade?

_ Tudo que sei já contei para vocês. - Ela diz na defensiva.

_ Não, tenho a impressão de que há mais... Muito mais. Qual a sua ligação com Sean King?

_ Não é da sua conta!- Ela responde agressivamente.

_ Calma, só quero ajudar.

_ Você ajuda ficando calado e encontrando Sean.

_ Tris pede que confiemos em você e é o que eu estou tentando fazer, mas e ela? Não pediu à você que confie em nós?

_ Digamos que ela não estava em posição de negociar ou fazer exigências.

_ Você não falou com ela, não é mesmo? - Digo chegando a conclusão de que este bilhete pode ser uma farsa.

_ Do que você está falando? Não reconhece a caligrafia da sua garota? Acha que o bilhete é falso? Eu arrisquei a minha pele, para que vocês tivessem notícias dela e é assim que você me agradece? - Ela responde tentando mascarar sabe se lá o que com uma frustração ensaiada.

_ Alejandra, por favor! Diga a verdade! Você a viu? Ela está mesmo bem? - Eu imploro, pois já não consigo mais lidar com a essa sensação de senti-la escapando por entre meus dedos. Eu já me deixei enganar por muito tempo, agora não aceito nada menos do que a verdade.

_ Não! Eu não a vi! - Ela fala aos sussurros.

_ Não? Então, esse bilhete é falso? Como você pôde Alejandra? Estou perdendo tempo aqui, poderia ter descido até a toca daquele maldito para trazê-la de volta!

_ Não seja idiota! O bilhete foi escrito por ela, mas me foi entregue pela criada. Eu só disse que a havia visto porque precisava chamar atenção de vocês de alguma forma.

_ Mentindo?- Digo em tom acusatório enquanto crio uma nota mental para lembrar-me de perguntar a Tris porque motivo, razão ou circunstância pediu que confiasse nessa mentirosa...

_ Não sei, vocês são obcecados por essa garota, então achei que seria mais fácil obter a sua atenção e ajuda se eu dissesse que recebi o bilhete das mãos dela.

_ Qual o seu interesse nessa história?

_ Não é da sua conta! - Ela responde secamente e chuta longe um pedra que estava próxima a seu pé esquerdo

_ Ei, o que está acontecendo aqui? - Enrico diz enquanto se aproxima e se põe entre nós.

_ Não é da sua conta! - Respondo secamente.

_ Vamos com calma Quatro! Estamos todos do mesmo lado! - Ele responde erguendo as mãos na defensiva.

_ Será? Eu acho que essa garota aí não está do lado de ninguém, é uma mentirosa, dissimulada que está nos usando para chegar até o tal Sean King.

_ Do que ele está falando Alejandra?! - Enrico pergunta!

_ Me erra Enrico! - Ela grita e sai marchando em outra direção.

_ O que foi isso?

_ Bem, acho que você deve saber melhor do que eu... - Digo enquanto lhe viro as costas e caminho na direção de Zeke.

Chego a conclusão que definitivamente tem algo mais e preciso descobrir. Confiro o relógio, mas as horas parecem se arrastar, ficar parado só aumenta a minha tensão.

_ Ei Quatro, o que está acontecendo? O que foi aquilo? - Zeke pergunta.

_ A garota, ela nem sequer encontrou com a Tris no Bunker, recebeu o bilhete de uma criada.

_ Mas então por quê a Tris nos pediria para confiar nela?

_ Não sei Zeke, mas estou chegando a conclusão de que essa missão é só uma distração. Tris queria nos tirar da Base por algum motivo e preciso descobrir o que é. - Enquanto as palavras saem da minha boca o reconhecimento me atinge... Ela quis me tirar de lá para garantir que eu não fosse atrás dela!

_ O quê, você acha que devemos voltar? - Ele pergunta visivelmente decepcionado, pois esperava fazer parte de uma aventura de verdade.

_ Zeke, este é meu primeiro impulso, correr para a Base e descer ao Bunker, mas não posso negar que seria mais uma preocupação para ela. Vou ficar aqui e descobrir que o Alejandra está escondendo, pelo menos por enquanto, até encontrar um jeio de descer até lá e trazê-la de volta em segurança.

_ Tô com você cara! Pro que der e vier! - Ele responde dando um soco de leve no peito.

_ Eu sei Zeke, eu sei. - E essa é uma das poucas certezas que tenho na vida.

Nos juntamos aos demais, sentando no chão poeirento formando um semi-círculo, Milles está falando a respeito da importância de mantermos cautela ao chegar nos limites da cidade, todos escutam sem discutir. É notório o poder que ele exerce sobre os demais, creio que vá além da alta patente militar, isso tem a ver com admiração.

_ Hidratem-se, descansem, façam o que tem de fazer. Em meia hora retomamos nosso caminho e ao amanhecer esteremos na cidade. - Milles instrui e o grupo se dispersa enquanto permaneço sentado sem me mover.

Quando estamos praticamente a sós, exceto por Zeke que imita meus movimentos, Milles aproxima-se e senta-se ao meu lado.

_ Quatro, certo? - Ele pergunta.

_ Sim.

_ Olha, você tem sorte de ter uma garota como Prior. Uma sobrevivente! - Milles comenta.

_ É, eu sei... Mas parece que ela sempre escapa por entre meus dedos.

_ As circunstâncias não são as mais favoráveis, mas tenho certeza que ela é chave para acabar com a tirania do Presidente.

_ É pode ser... Parece que ela nunca consegue fugir às responsabilidades mesmo... Só espero que dessa vez haja um futuro para nós.

Ele me encara e vejo em seus olhos quase um pesar... Então ele aperta meu ombro em sinal de solidariedade e logo em seguida levanta-se e vai. Talvez nem mesmo ele acredite que haverá futuro, talvez esse seja o nosso destino, lutar

Depois do que parece ser uma eternidade ele nos convida tomar nossas posições e seguir caminho o que fazemos de bom grado, já que perder tempo não é algo que cative qualquer um de nós.

Viajamos por mais duas horas até que os raios do sol iluminem fantasmagoricamente a silhueta da cidade em ruínas.

_ Milles, já estive aqui antes, conheço o tal Sean King, talvez devesse assumir a dianteira com você.

_ Certo Quatro. - Ele responde e os demais abrem caminho para librar a minha passagem enquanto assumo a dianteira com Milles.

Quando estamos nos aproximando do velho prédio que me é familiar, uma sirene começa a soar ensurdecedoramente, nos alertando sobre a confusão a caminho. Paramos as motos e tiramos os capacetes e ergo as mãos em sinal de rendição, os outros ficam meio confusos e divididos em sacar as armas ou erguer os braços.

_ Levantes as mãos agora! Eles vêem essa aproximação como ameaça! Mãos para o alto, agora! - Milles grita com o grupo, que obedece imediatamente.

A atitude defensiva não é o suficiente, pois não demora muito para virem os sons de armas sendo engatilhadas, botas apressadas marchando em nossa direção. Os primeiros tiros disparados nos puseram instintivamente no chão, com as mãos na cabeça.

Os estampidos cessam no momento em que se dão conta de que não há reação e em poucos instantes estamos cercados pela guarda de Sean King.

_ O que os cães de guarda da Base fazem no meu território? - Uma voz grave ecoa acima de nossas cabeças e eu a reconheço.

_ Sean King, viemos em paz! - Digo enquanto levanto lentamente com as mãos à vista.

_ Ora, ora, ora... Se não é o famoso instrutor da audácia, que chorou a morte da sua garota enquanto ela esteve bem viva, a poucos quilômetros de distância. Então meu amigo, você deu meu recado à ela?

_ Nesse momento ela está no Bunker arquitetando um plano para livrar a todos nós da tirania do Presidente. - Respondo.

_ Sean? Sean King? - Alejandra diz enquanto olha para o cara com tamanha admiração de olhos arregalados e boca aberta... Mas por quê? Qual o motivo do interesse dela por ele?

_ Sim, docinho! Sou eu mesmo! E você quem é? - Ele diz naquele tom jocoso e arrogante que lhe é muito peculiar.

Ela gagueja e exita por uns instantes até que as palavras saem de sua boca:

_ Alejandra, Alejandra King. -

_ Isso só pode ser brincadeira! - Sean rosna enquanto a agarra pelo braço e a levanta do chão.

_ Ei! cara, você vai machucá-la! - Enrico intervém.

_ Não se meta! Se ela é quem diz ser, isso é assunto de família. - Ele diz enquanto puxa a garota pelo braço e a leva para longe de nós.

Legal, agora é que vou ficar mesmo, por fora do assunto.

_ Pare! Se vai levá-la, vamos com você! - Milles diz.

_ Vocês não estão em condições de negociar! Estão no meu território e convido para minha casa quem eu quiser! - Ele brada aos quatro ventos enquanto continua rebocando Alejandra pelo braço, na direção da velha construção, que antes era uma Universidade.

_ Espere! Viemos até porque ela pediu! Tris disse que deveríamos encontrar você! - Digo sentindo uma necessidade imensa em participar dessa conversa.

_ Instrutor, vem conosco! Vai me explicar essa história direitinho! - Ele ordena e mais do que de pressa me ponho a correr para alcançá-los enquanto o alívio e o contentamento tomam conta do meu corpo.

Ele nos guia até a sua sala pelos corredores da velha construção e as lembranças daquele dia em que a vi nos monitores faz minhas entranhas contorcerem enquanto tento não pensar no fato de que depois de toda a dificuldade que passei para encontrá-la, eu fui capaz de perdê-la novamente.

Entramos na sala e os seguranças de Sean a fecham atrás de nós, ele solta o braço de Alejandra e indica duas cadeiras para que tomemos assento. Obedecemos e ele ao invés de se sentar na cadeira do lado oposto ele se senta na beirada da mesa, bem em frente à Alejandra.

_ Então docinho, comece a falar, se é que os mortos passaram a adquirir este poder! - Ele ordena.

Estou confuso, ele está insinuando que ela deveria estar morta?

_ Como pode ver não estou morta! A Nossa mãe está, mas eu sobrevivi, fui criada por ele! Você nunca soube da minha existência?! Ou simplesmente ignorou o fato de que sua irmã estava viva, sendo criada por aquele psicopata? - Alejandra recupera seu tom usual arrogante.

Irmãos! Como assim?

_ Se eu soubesse de você, teria tentado resgate... Quer dizer, não sei... Se você foi criada por ele é bem provável que seja uma sociopata tão doente quanto ele!

_ Agora você está me ofendendo! - Ela grita.

_ Como posso ter certeza de que você é quem diz ser? Como posso saber que isso não passa de um plano torpe daquele velho maldito para tomar a minha cidade? - Ele inquiri.

Ela põe a mão no bolso da calça e tira de lá uma foto amarelada e um papel dobrado igualmente maltratado pelo tempo e entrega a ele.

Posso ver a sua expressão diante da foto, os olhos arregalados admiram a imagem e tenho a impressão de que vi uma lágrima se formando no olho esquerdo, mas nesse momento ele se levanta e vai até a janela, postando-se de costas para nós enquanto abre cuidadosamente o velho papel.

A curiosidade é latente em mim, olho para Alejandra em expectativa e ela abaixa os olhos. Mordo a língua para não pergunta-lhe nada nesse momento que parece ser um tanto delicado.

Ele lê o que parece ser um bilhete ou carta silenciosamente, apenas nossas respirações pesam no ambiente e depois do que parece ser um longo tempo ele suspira dobra cuidadosamente o papel e disfarça enquanto seca os olhos com as costas das mãos.

_ Nossa avó, ela está viva? - Ele pergunta a Alejandra de uma forma mais terna e cálida.

_ Não, ela morreu quando eu ainda era criança.

_ Quem lhe entregou esta carta e a foto? -

_ Cerinéia, embora ela seja criada dele, sempre cuidou de mim com muito carinho, confio totalmente nela.

_ E você, se sabia da minha existência, por que não veio antes?

_ Eu não sabia Sean, recebi esta carta ontem... Quando fui investigar o que estava acontecendo no Bunker, Tris desceu até lá e não retornou e da última vez que encontrei esse aí, me senti na obrigação de saber se garota estava bem, mas Cerinéia me interceptou na entrada e não deixou que eu chegasse até ela, me entregou essa carta e a foto, junto com o bilhete da Tris. E aqui estou eu.

Ela levanta e caminha na direção dele cautelosamente, ele por sua vez parece acuado, constrangido, mas mesmo assim ficam frente a frente, olhos nos olhos, até que ela o abraça e ele meio sem jeito retribui o carinho.

Então é isso, a Tris quis promover o encontro dos dois... Mas por que precisava me incluir nessa história? Certo, a distração?! Começo a suspirar quando rapidamente Sean se desvencilha do abraço de Alejandra e se dirige à mim.

_ E você instrutor, me conte tudo? O que a sua garota faz no Bunker e como é que você não está com ela.

_ Na verdade eu desci até lá, mas fui pego numa armadilha, fiquei inconsciente e acordei no hospital.

_ É o velho pegou você! Mas como é que ela continua viva? Qual o interesse dele nela? -

_ Ele dizia que uma hora os verdadeiros herdeiros viriam até ele. Nunca entendi essa conversa, mas suspeito que ele esteja falando da Tris. - Explica Alejandra.

_ É pode ser. O fato é que ela está presa com aquele velho doente há vários metros abaixo da superfície e talvez você possa me ajudar.

_ Eu? O que espera que eu faça? - Ele diz ironicamente.

_ Podemos organizar um levante! - Alejandra contribui, animada.

_ Você tem ideia de quantos temos ao nosso lado infiltrados na base?

_ Na verdade não, mas conheço uma porção de gente que tomaria nosso partido. - Ela responde.

_ Mas mesmo assim, estamos em número menor, nosso armamento está longe de ser o adequado.. Não sei, não estamos preparados.

_ Sean, quantos anos mais serão necessários para que estejamos prontos para lutar pelos nossos direitos? Para vingarmos a morte dos nossos pais? Devemos isso a eles! - Diz Alejandra, cheia de convicção.

_ Alejandra, eu entendo, mas não posso pôr a segurança do meu povo em risco! - Ele responde.

_ Você pode libertá-los, nós podemos. Pense nisso! - Ela diz.

_ Você acha que a sua garota pode ter um plano? - Sean se dirige à mim.

_ Com certeza! - Respondo sentindo o entusiasmo crescer em meu peito.

_ Alejandra, preciso entrar em contato com ela. Você tem como conseguir isso? - Sean a questiona.

_ Posso dar um jeito! - Ela responde tão entusiasmada quanto eu.

_ Certo! Organizo as coisas por aqui e partiremos ainda hoje rumo a Base. - Sean conclui nossa conversa, posso perceber a apreensão em seus olhos.

_Nicholaus King Já era! - Comemora Alejandra.

_ Cuidado Alejandra, não é a toa que ele permanece intocado por tanto tempo. Se eu fosse você não contaria com a vitória antes do tempo. Talvez teremos uma pequena chance, porque a garota parece ser o ponto fraco dele, mas aquela base é a sua fortaleza... Há anos estumamos as plantas, o bunker é um verdadeiro vespeiro, há uma porção de armadilhas por lá, detonadas a mais simples menção de presença... Você há de convir comigo que essa é no mínimo, uma missão suicida. - Ele pondera e descubro o motivo de sua apreensão, embora talvez ele nunca tenha estado de fato na Base, ele deve conhecer muito bem cada canto, cada armadilha, cada ponto cego...

_ Pode ser, mas eu tenho livre acesso ao Bunker. - Diz Alejandra.

_ Mais uma coisa com a qual eu não contaria. Você entra, mas não sei se poderá sair, ainda mais agora... Aposto que sua lealdade já foi posta a prova há tempos. - Ele completa.

_ De qualquer forma só saberemos quando tentarmos e estou disposto a assumir os riscos. - Digo tentando dar por encerrado esse debate, para garantir que Sean não mude de ideia. Talvez os dois sejam distração o suficiente para que eu possa tirar Tris de lá.

Os dois se entre olham e se voltam para mim. Sean se demora mais em sua análise e por fim diz.

_ Instrutor... Está claro pra mim que o seu único objetivo é a garota. Não me leve a mal, eu admiro ela, sua coragem e altruísmo, mas para mim isso é muito mais do que o simples resgate da sua namorada, é um golpe de estado. É o fim de um governo de tirania e sadismo. Por isso, não há espaço para sermos levianos.

Respiro fundo, tentando controlar a ira, mas entendendo que no fundo ele tem razão. Para mim só o que importa é ela... Liberdade do povo, queda do tal presidente, no fim das contas é só um efeito colateral pra mim.

_Está certo, temos objetivos diferentes, mas no fim das contas o alvo é o mesmo. Podemos trabalhar juntos, de forma colaborativa. Eu abro caminho pra você e quando estiver frente a frente com ele eu cuido do resgate da Tris.

Ele pensa por um instante e em seguida me estende a mão direita, e firmamos nosso acordo com um aperto de mão.

_ Feito. Agora, preciso de algumas horas para organizar a minha partida. Estejam a vontade para voltar para o seu grupo.

_ Não, eu quero ir com você! - Alejandra se voluntaria mais do que depressa.

_ Está bem, tem algumas pessoas que quero que conheça. - Ele diz.

_ Instrutor... até mais. - Ele diz abrindo a porta e desaparecendo através do corredor com Alejandra a tira-colo.

Exito por um tempo parado no umbral, olha mais uma vez pra sala tentando assimilar o que está por vir, mas a pressa e o desejo de tê-la mais uma vez em meus braços me põe em movimento.

Encontro os outros no que deve ser um centro de convivência, onde a vida intensa e os ruídos das vozes ininteligíveis, das canecas se chocando de encontro a mesa, choro e riso de crianças, lembra vagamente uma época em que era fácil viver, fácil seguir uma rotina, sem grandes perspectivas, sem aquela confortável sensação de pertencimento, mas ainda sim problemas menores. É fácil viver quando não se tem algo ou alguém por quem você morreria...

Zeke me vê chegando e corre na minha direção para escoltar-me, como se eu não fosse capaz de encontrar o caminho sozinho. Creio que meu amigo continua preocupado comigo, não levando muita fé no meu senso de auto-preservação. Mas tudo bem, eu fiz por merecer. Não queria ter estado na pele dele durante os últimos anos.

_ Quatro! Aqui! Vem sentar com a gente! Nos serviram até um café! - Ele diz animado enquanto indica a mesa onde estão sentados Milles e sua equipe.

Junto-me a eles em silêncio, Zake me passa uma caneca de café, olho para o líquido escuro e quente decidindo se tomo ou não, o gosto da bebida na verdade nunca me apeteceu de fato, bebo por costume, me manter acordado quando o corpo parece não suportar mais horas e horas de um tédio constante, para livrar-me de dias arrastados, de pesadelos pavorosos... Noites insones de café. Aprendi a beber café quando ela se foi...

_ E então? Cadê Alejandra? O que conversaram? - Zeke Pergunta.

_ Sean vai conosco para Base, vamos tentar resgatar a Tris enquanto ele tenta matar o Presidente. Em resumo é isso. E quanto a Alejandra, está com ele. - Respondo.

_ Como assim está com ele? - Enrico, do qual nem tinha notado a presença, se intromete na conversa. E aproveito a oportunidade para tripudiar em cima do seu aparente interesse exagerado pela relação de Alejandra com Sean.

_ Está com ele, sabe-se lá onde... Saíram juntos da sala. - Digo de forma casual, disfarçando a imesa vontade de rir da expressão de espanto estampada no rosto de Enrico.

_ É... Nem sempre se pode ser o centro das atenções. - Zeke comenta em tom de escárnio enquanto Enrico nos dá as costas visivelmente incomodado com a informação que acaba de receber.

Zeke, decidido a incomodá-lo me pergunta:

_ Mas qual o tipo de relação deles dois? Eu não entendi, porque pelo que percebi ela estava desesperada para vir e encontrá-lo. Eles se conhecem?

_ Não sei. Isso você vai ter que perguntar à eles, Zeke. - Respondo e percebo que Enrico deu uma olhadinha por cima do ombro. É, realmente ele está preocupado com isso. Menos mal, talvez assim ele deixe a Tris em paz.

"_ Atenção, Atenção, silêncio! Tenho um comunicado importante a fazer!" - A voz de Sean ecoa através dos auto-falantes espalhados pelo salão e em poucos segundos as conversas sessam completamente.

"_ É de conhecimento de todos que trabalho em prol da segurança dessa comunidade, desde de a morte do meu irmão de criação Bogs Reyes. Para nossos convidados que não conhecem a história, Bogs e eu ficamos órfãos no mesmo dia, quando meu pai Sean Phillip e seu companheiro de batalha Carter Reyes foram mortos protegendo a minha mãe Amélia King e toda a nossa gente de uma invasão das tropas do presidente, que chegaram até nós com um único intuito: o extermínio." - Ele imprime um tom solene na voz, pára por um instante e recomeça:

"_Com a morte deles, meu tio Joel e Bogs assumiram a responsabilidade sobre a vida dos que restaram. Travamos muitas batalhas, nos defendemos de inúmeros ataques que vieram depois, a vida de minha mãe foi ceifada num deles. Entretanto o mais cruel de todos, aquele que nos enfraqueceu, nos reduziu em número, em força e principalmente nos reduziu à animais motivados pelo instinto mais primitivo de todos: a sobrevivência." - Mais uma pausa.

"_ Esse ataque levou também as vidas de Joel e Bogs. Vocês companheiros, sabem ao que estou me referindo... A peste, a morte lenta e silenciosa, o vírus. A doença que contaminou mais da metade da nossa população, que fez com que nossos representantes fizessem uma incursão de paz à Base para buscar auxílio, ajuda, socorro e no entanto foram presos e torturados até a morte." - Ele pigarreia para limpar a garganta e então prossegue:

"_ E eu Sean King, tive de assumir o controle e tomar a decisão mais difícil da minha vida... -Sean respira fundo, provavelmente revivendo algumas das lembranças geradas pela história que está narrando. Depois do que parece um longo tempo ele continua:

"_Todos nós perdemos aqueles que amamos, mas como dizia meu tio Joel: "Nossas perdas nos farão mais fortes!" Nós continuaremos lutando! Para honrar aqueles que morreram em defesa da nossa causa, para assegurar nosso direito de liberdade. Estou partindo hoje mesmo rumo à Base, faremos uma incursão ao território inimigo, mas dessa vez não vamos pedir ajuda! Vamos atacar!"

Uma comoção toma conta das pessoas ao meu redor, que ovacionam Sean. Depois de um curto intervalo de tempo ele cobra atenção.

"_Companheiros! Companheiros! Atenção!" - Silêncio absoluto. Ele continua:

"_Não os deixarei desamparados, comigo levarei apenas Jared, os Soldados voluntários da Guarda ficam para protegê-los e todas as decisões ficam a cargo de Thomas, na minha ausência ele será seu líder interino." - Nesse momento, a algumas mesas de distância um rapaz louro, franzino e usando óculos e um jaleco branco é cumprimentado pelos colegas à sua volta. Imagino que seja o tal Thomas.

"_ Para os dias de luta: coragem e bravura! Para os dias de calmaria: vigília e atenção! Para todos os dias: fé e perseverança! A liberdade está próxima, companheiros!" - Sean encerra o discurso e é ovacionado pelo pessoal, que parece verdadeiramente animado com as palavras dele.

_ Prontos pra ação? - Zeke pergunta ao nosso grupo, tão animado quanto os demais, mas ninguém responde.

Enfim todo um gole do meu café que a essa altura já está morno, deixa a caneca de lado e tento concentra-me no som do meus dedos que tamborilam sobre a mesa.

_ Você não está legal né? - Zeke pergunta num tom mais baixo e conspiratório.

_ Esses momentos de espera acabam comigo. Estou uma pilha de nervos, tenho a sensação de que a qualquer momento posso explodir. Fora do fato de que não consigo me perdoar por tê-la perdido pela segunda vez.

_ Quatro, você precisa relaxar. Desse jeito você não vai conseguir resolver nada. É preciso manter a cabeça fria para tomar as decisões certas. - Zeke pondera.

_ Eu sei, mas quando se trata dela, eu fico cego.

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