A visão através das folhagens era muito limitada. Cassiopeia quase não conseguia ver a movimentação no jardim das Princesas gêmeas, mas tentava de todos os jeitos. Não conseguia aceitar que aquelas duas garotas só estavam há um dia naquele palácio e já estavam tomando chá com não apenas um, mas dois, membro da realeza! O que elas tinham de diferente? Por que elas eram especiais?

— Ainda acho que essa não é uma boa ideia — admitiu Mabelle em voz baixa, ajoelhando-se ao lado da outra Selecionada. – Se as Princesas pensam que Layla e Ulrika Amelie são interessantes o suficiente para tomar chá com elas, quem somos nós para discordar? O fato de estarmos aqui espionando apenas vai piorar nossa imagem aqui no Palácio.

— Não seja tola! Você não prestou atenção no meu plano? É uma oportunidade única para desestabilizar nossas concorrentes — a loira disse com arrogância, revirando os olhos para a concorrente. — Esqueceu que todas aqui lutam por uma única maldita coroa? Não teremos outra chance. Se você não sabe quebrar regras para atingir seus objetivos, é melhor desistir da Seleção agora mesmo.

Um tanto irritada, Belle começou a responder, argumentando algo ridículo — na opinião de Cassiopeia — sobre como a honestidade as levaria muito mais longe. O olhar intimidador da outra garota, porém, a fez desistir de falar em poucos segundos. A loira começou a se arrepender de sua escolha. Deveria ter vindo sozinha. Maldito o momento em que pensara que seu plano seria cumprido mais facilmente com a ajuda de outra Selecionadas. Elas eram todas muito boazinhas, não eram ambiciosas o suficiente. Mas agora era tarde demais para desistir.

Ignorando os suspiros desagradáveis da morena, Cass, então, continuou a observar a cena, focada em encontrar o melhor momento para entrar na conversa. Do outro lado dos arbustos, Layla e Ulrika Amelie, já sem as fardas da Academia, sorriam enquanto comiam bolinhos de aparência apetitosa. Ingrid ouvia a conversa com atenção, elegante como sempre, fazendo perguntas às pretendentes do irmão. Ao seu lado, Isabella, por sua vez, estava com uma  prancheta em mãos, escrevendo freneticamente. Será  ela tomava nota do comportamento de suas convidadas?

— Altezas, preciso dizer que admiro muito sua irmã mais nova — afirmou Layla em certo momento da conversa. — Ela tem uma força inacreditável, é uma inspiração para todos nós.

— Ah sim, Saphira — disse Ingrid com um sorriso triste no rosto. — Ela é mesmo... Pena que não está aqui para conhecer as Senhoritas. Esperamos que, em breve, ela receba alta do hospital.

O assunto pareceu desconfortável para as duas jovens nobres, que se olharam com cumplicidade depois da fala de Ingrid. Por esse motivo, as quatro não falaram nada por alguns instantes, apenas apreciando os sons da natureza. Uma brisa suave fazia com que os cabelos das quatro moças balançassem s graciosamente, ressaltando o ar de perfeição daquela cena. Para Cassiopeia, aquele era o momento perfeito para atrapalhar.

Ela esticou a mão para fora das folhagens, a fim de achar uma área de passagem livre para seu corpo. Os dedos habilidosos quebraram os galhos,  fazendo com que a Selecionada se aproximasse cada vez mais do outro lado dos arbustos. A interrupção — na cabeça traiçoeira de  Cassiopeia — seria perfeita para destruir a imagem de Layla e Ulrika Amelie, já que as duas ficariam extremamente constrangidas. Provavelmente, elas ficariam tão irritadas que perderiam a compostura, não conseguindo evitar uma briga. Seria o momento ideal para a loira demonstrar que as concorrentes eram selvagens e não se encaixavam na vida da realeza, assim contribuindo para a eliminação delas..

Infelizmente, seu esquema perfeito não deu certo. Quando seu punho ultrapassou os limites do arbusto, Mabelle a puxou de volta com força. Cassiopeia, que já estava estressada com a companheira, ficou ainda mais furiosa. De fato, trazê-la fora uma péssima decisão. 

Com a interrupção de Belle, as chances de atrapalhar o pequeno encontro de Ulrika Amelie e Layla agora seriam mínimas, já que a conversa animada já voltara. Ulrika falava de sua irmã mais nova, que supostamente fora batizada em homenagem à princesa Isabella. Para Cass, a adversária parecia estar mentindo apenas querendo chamar atenção desnecessariamente. Ela sabia muito bem que a Família Real não era amada o suficiente para que crianças dinamarquesas comuns tivessem seus nomes. Ela conhecia algumas pessoas que se chamavam Christian ou até mesmo Alexander, mas não porque eles eram o Rei e o Príncipe. Se eu tivesse sido convocada, Cass pensou, saberia trazer assuntos muito mais interessantes do que essa mentira descabida.

Mas Cassiopeia não percebeu um detalhe do chá que observava: a Princesa Isabella cochichou no ouvido de um guarda, entregando-lhe um pedaço de guardanapo.

♕♕♕

дорогой Lara,

O palácio está bem diferente de como estava em sua última visita. Trocaram todos os tapetes, acredita? Mas não é só isso. Trinca e cinco garotas estão aqui para tentar ganhar o coração de Alexei. Acho que mamãe está ficando louca! Ela já não gostava dos risos da Bella e da Gridy, então imagine só...

Para mim, a estadia delas é apenas diferente. Na verdade, as meninas nem me dão atenção, o que é óbvio, já que elas querem o amor de meu irmão, não o meu.

Mamãe e papai continuam não tendo tempo para mim, ainda mais com a Seleção ocorrendo. Saphira está no hospital. É, mais uma vez, infelizmente. Ela queria muito estar aqui para conhecer as garotas. As gêmeas… Você sabe como elas são. Acho que, no momento em que eu escrevo, elas estão tomando chá com algumas Selecionadas, contrariando os pedidos de mamãe como sempre.Alexei, então nem se fala. Com todo o nervosismo por ter que escolher uma esposa entre essas garotas, ele mal consegue falar comigo. Mas não me importo muito. Essa é a família que eu conheço. Aliás, como vão Natasha e Victoria? 

Henrik escrevia debruçado sobre a escrivaninha de seu quarto quando foi interrompido por uma batida estridente à porta. A princípio, pensou que fosse uma de suas tutoras chamando-o para sua aula de alemão — da qual sempre se esquecia. Mas, ao checar o relógio, percebeu que ainda não estava na hora, para sua sorte. O segundo pensamento foi Ophelia trazendo a pequena Saphira. Porém, ele tinha certeza que ela ainda estava no hospital. Não conseguiu pensar em uma terceira opção, afinal, eram raras e pontuais as visitas ao Príncipe mais novo. Então, quem poderia ser?

Ele foi surpreendido por um guarda corpulento que ocupava todo o espaço da abertura da porta. Henrik o encarou por alguns instantes, tentando achar algo de incomum no uniforme ou na expressão do homem para adivinhar o motivo pelo qual estava ali — que deveria ser ruim. Entretanto, não encontrou nada. Tudo estava em perfeitas condições.

— O que faz aqui, soldado? — questionou o menino, um tanto desconfiado. — Há algo errado?

O guarda não respondeu, apenas estendeu a mão e entregou um pequeno papel ao Príncipe. Sem expressão ou palavras, ele se afastou da porta, seguindo pelo corredor como se nada tivesse acontecido. Fora a cena mais estranha que Henrik já vira naquele Palácio. Eram raras poucas as vezes que a equipe de segurança sequer interagia com a Família Real. Em tempos normais, um guarda nunca deixava bilhetes. Mas, pensando bem, aqueles não eram tempos normais. Com a chegada das Selecionados, quase tudo fora alterado, e, Henrik concluiu, coisas estranhas assim agora seriam a norma.

“Para Henrik”

A caligrafia descuidada com rasuras e letras de tamanhos diferentes já denunciava o remetente. Nenhum membro da Família Real — com todos os anos de rigorosos exercícios de caligrafia — escrevia daquele jeito, somente Isabella. Foi aí que ele soube que a mensagem não tinha motivos bondosos.

“Eu e Ingrid estamos tomando chá com duas Selecionadas, e outras duas meninas estão atrás dos arbustos nos observando há mais de uma hora. Estamos no jardim particular. Venha até aqui e nos ajude a encrencar essas enxeridas.

Se você não vier, eu o mato.

Beijinhos, 

Isabella”

Henrik riu das palavras da irmã mais velha. Ela sempre fora diferente dos demais nobres; direta e sincera. E, por mais que ela deixasse a mãe de cabelos brancos, o garoto se divertia com ela. Ele não estava nada espantado por ela o ameaçar ou por querer sabotar Selecionadas. Esse era o jeito maluco Isabella de ser.

O menino deixou o quarto em passos apressados — apenas não corria para não despertar a curiosidade dos outros moradores do local. Atravessou inúmeros corredores, cumprimentando algumas criadas simpáticas pelo caminho. Como morava no último andar, se esgotou descendo as escadas em uma velocidade anormal. No final do percurso, que mais parecia uma maratona, estava ofegante.

Apesar de saber onde ficava, Henrik nunca visitara aquele jardim por proibição das irmãs. Elas não queriam que ele estragasse as belas flores que cultivavam com tanto carinho. Por esse motivo, o menino teve de fazer um breve reconhecimento de área, o que atrasou a sabotagem. Ele quase conseguia sentir a impaciência de Bella, que estava a alguns metros e provavelmente não o vira chegar.

Após compreender o sistema de organização das plantas, se espremeu entre as folhagens. Mesmo sendo magro para sua idade, o espaço entre os galhos e a parede ainda era pequeno. Imaginava como as Selecionadas, que eram bem maiores, passaram por ali. A vontade de espiar o encontro das Princesas com as outras duas competidoras  deveria ser grande. Ou melhor, a vontade de obter alguma vantagem da Seleção deveria ser grande.

E então achou as meninas, uma de cabelos claros e a outra de cabelos escuros. Ambas estavam ajoelhadas, olhando atentamente para a pequena festa que as Princesas gêmeas davam. Ele se aproximou lenta e silenciosamente, tentando ao máximo não ser notado — o que não fora difícil, dada a concentração das Selecionadas na cena do outro lado das folhagens. Contou cinco passos. Contou mais cinco. Mais cinco. E então entrou em ação. Com toda a força que tinha, empurrou-as, uma com cada mão. 

Em alguns instantes, as duas estavam jogadas no chão. Os cabelos, antes perfeitos, estavam desarrumados e os rostos doces arranhados por conta dos galhos. Elas estavam horríveis na aparência, mas o mais terrível era a expressão desamparada em suas faces.

— Senhoritas Mabelle e Cassiopeia, o que fazem aqui? — Isabella gritou, fingindo surpresa.

Objetivo alcançado.