Contos Fragmentados escrita por Maria Antônia Freitas


Capítulo 18
Casaco de orgulho desbotado


Notas iniciais do capítulo

Foi tão rápido.
Rápido demais.
Acordei apenas quando você caiu.
Não tive muito tempo.
Era eu contra o seu tempo.
E só tive a chance de lhe entregar
Uma última fotografia.
A nossa última fotografia.

Quem me dera,
Pudesse, eu, parar o seu tempo.
E lhe mostrar o que estava errado.
E me mostrar o que estava errado.
Quem me dera,
Pudesse, eu, parar o meu tempo.

E agora demora.
És tão lento.
Não consigo nem dormir.
Anseio tanto a sua volta.
Mas tenho medo.
Medo de não lhe perdoar.
Pois já não há mais
Boas lembranças.
Há apenas
Pequenas esperanças.



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Ainda anseio pelo dia em que irei acordar e tudo terá sido apenas um mal entendido.

Acordarei e verei seus cabelos negros jogados em sua cama ao lado da minha. Irei sentir seu perfume doce, como cravos em Julho, enfestando o ar gelado.

Irei me levantar e me irritar com seus chinelos, de cor feia e estranha, jogados pelo quarto. Sentirei vontade de lhe acordar para que assim você retire os malditos chinelos do caminho. Mas vou apenas continuar minha rotina, pois aquilo realmente não importará.

Vou chegar ao banheiro e não irei flagrar nossa mãe aos prantos enquanto ora pedindo para que Deus apresse a sua volta. Voltarei para cozinha e esquentarei o café para nós, e logo em seguida irei chamar um táxi para nos levar até a escola.

Passaremos o fim de tarde comendo alguns cookies, enquanto assistimos algum filme interessante ou apenas um programa da MTV. Tu farás sua lição da escola, se sentirá cansada e lavarei a sua louça, para que você possa descansar um pouco mais. Você tentará me pagar por isso, mas recusarei, pois simplesmente não me sentirei bem lhe cobrando por um pequeno gesto.

E nós iremos apagar a luz do quarto sem dizer boa noite, e por fim adormeceremos novamente.

Ah! Como espero por isso...

Ao contrário de minhas vontades e desejos, levanto-me mais cedo, arrumo meus curtos cabelos e visto meu casaco verde desbotado. Não esquento o café, bebo apenas um copo d’água, seleciono minha playlist de rock indie e vou caminhando sozinha para escola.

Chego em casa e a encontro no banheiro chorando baixo e orando para que Deus lhe traga de volta para seus braços.

“Ela deseja o melhor, mas espera pelo pior”.

Volto para meu quarto e sinto a estranha e velha vontade de entrar em coma, e apenas acordar quando tudo não passar de um mal entendido. Apenas uma história ruim. Um aprendizado. Uma mágoa do passado.

Porém sei que não é apenas um mal entendido. Sei que não vou entrar em coma, e não irei simplesmente acordar e ver que tudo se resolveu.

Não posso me dar ao luxo de ignorar tudo, ainda há alguém que tenho o dever de cuidar. Creio que tal precise mais de mim do que o meu próprio ego.

Rapidamente calço meu all-star de couro, me visto com um casaco, pego minha bolsa e caminho vagamente pelas ruas vazias da cidade grande.

Encosto-me no banco da praça, fecho meus olhos e sinto a bebida queimar minha garganta, enquanto a música acalma meus pensamentos compulsivos, e junto a tal vem o suave vento encontrar-se com minhas bochechas molhadas.

Molhadas pelas dores salgadas que, em tempos assim, resolve aparecer em meus olhos cor de marrom-infinito. Cor de infinito tão vazio quanto um grito no espaço, mas tão cheio como seu subconsciente, tão cheio quanto esse pequeno-grande mundo estranho.

Encontro-me em casa novamente, deitada em minha macia cama, enrolada nos finos lençóis lilás, ao lado de um pote de batatas-chips segurando um copo de Coca-Cola, enquanto assisto mais um filme dramático. Respiro fundo e tento sorri, imaginando um “amanhã” melhor que ontem, e não demora muito até que o cansaço invada meu corpo e me coloca em sono profundo.

Novamente desperto mais cedo, arrumo meus curtos cabelos e me visto com um casaco azul desbotado.


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