Lá e Cá escrita por brassclaw


Capítulo 3
Nascimento da Águia




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Foi um flash extremamente rápido. Não tinha o que fazer, como impedir. A imagem apenas veio a tarde escurecendo, da fumaça, dos gritos e das lágrimas molhando seu rosto. Sentia mãos em seus braços e ombros e elas seguravam forte demais enquanto tentava lutar para se soltar. Havia sons de lâminas encontrando lâminas e gritos animados e furiosos por toda a parte mas tudo parecia muito abafado aos seus ouvidos. A magia em seu corpo circulava tão forte quanto seu coração batia e parecia que em um segundo aquilo dentro de si iria explodir... E queria aquilo, queria explodir com tudo ali, com todos.

Mas não, não era real. Já havia passado. Só havia Salazar ali. A fumaça era da pequena fogueira entre eles e Warlock só estava irritado. Certo.

A capa do bruxo era o que mais contrastava nele. Ela era longa e negra mas por dentro era o verde esmeralda dos olhos dele. O resto das vestes também eram negras, a não ser pela espada prateada presa no cinto ao lado do corpo e, claro, com uma grande esmeralda no cabo desta. Mas, talvez, o que mais a irritava era o sorriso pequeno e de lado que havia nos lábios dele. Nem um sinal de medo, surpresa ou tristeza. O mesmo desdém de sempre.

“Saia já daqui, Salazar.” Disse enquanto mantinha a adaga firme na mão e a postura ereta apesar do cansaço, Warlock parecia tentar lhe dar alguma força, ficando em uma posição mais ereta e de ataque.

“Acho que não... Estou bem aqui. É bem aconchegante.” O jovem disse, aproximando-se da fogueira e erguendo as mãos livres e nuas para sua visão, fingindo aquecê-las mas sabia que era um sinal de paz discreto. Ele nunca se entregava de peito aberto.

Outro silêncio preencheu o ar e aos poucos o braço estendido foi cansando mais até que ela desistiu de mantê-lo e abaixou a adaga, Warlock não gostando nem um pouco disso já que bufou alto. “Como você me encontrou aqui?” Perguntou, sentindo-se um pouco derrotada.

“Sorte.” Respondeu rapidamente, indo para o outro canto da caverna e sentando-se no que parecia ser um sofá improvisado com uma grande pele de animal e mais alguns tecidos. Era mais confortável do que havia imaginado. “Sério que ia se esconder em uma caverna para sempre?”

“Só até matar todos vocês, talvez.” Murmurou, indo sentar-se ao lado dele e suspirando quando relaxou um pouco ali enquanto pensava. “Não, seria trabalho demais. Até todos vocês morrerem, pelo menos.” Concluiu, sorrindo pequeno, satisfeita.

“Do jeito que você está indo, não vai passar mais tempo que nós.” Ele retrucou, girando os olhos.

“Ou não. Não sabe o que estou fazendo.” Retornou antes de levar o corpo para frente e apoiar os cotovelos nos joelhos. “Posso ser bem realista? Eu ficaria bem feliz se você saísse daqui e nunca mais voltasse atrás de mim. Se continuar me procurando, eles vão me encontrar e o tabuleiro vai inverter. Só pare de me procurar e tudo fica bem de novo. Eu levo minha vida, você a sua, eles as deles.” Falou, procurando soar calma e leve, mesmo que o assunto não fosse nem um pouco assim.

“Posso ser bem realista também? Eles nunca vão parar de procurar você enquanto não suspeitarem que você está morta. Sabe quem você é? Não, na verdade, sabe o que você significa para eles? Esse é o problema, Rowena.” Ele falou, quase em um tom entediado.

“Ah, então veio aqui com a ideia de me levar embora?” Perguntou em um tiro, virando o rosto para olhá-lo.

“Não.” Retrucou no mesmo tom que ela. “Vim mostrar que fugir não vai fazer diferença para eles. Não vai fazer eles pararem de te caçar.”

“Ah, e eu faço o quê então? Negocio a minha vida?” Ela cuspiu as palavras, levantando-se e indo até a mesa no canto, virando um pouco de água da jarra de barro num copo.

“Não seria uma péssima ideia.”

“Eles não são donos da minha vida, Salazar! Nem eles e nem você.” Falou mais alto enquanto batia o copo na mesa para depois virar-se para olhá-lo.

“Eu só quero ajudar-“

“Eu não vou negociar minha vida-“

“Negocie e viva melhor sua liberdade. Viva em uma casa de verdade, com a honra que você tem. Mostre para eles que você tem ela. Não fuja como qualquer outro cachorrinho com o rabo entre as pernas, fuja mas com a atitude certa.” A voz dele foi bem mais firme que a dela. A caverna ecoou ela tão forte que a fez estremecer.

Warlock no canto parecia tremer também, parou de relinchar e bufar e ficou estático. Tudo, até o tempo, pareceu parar naqueles segundos em que Rowena se recusava a soltar a respiração e ser derrotada por ele pela segunda vez.

***

E novamente estava quase caindo a noite. Seus olhos já ardiam com as lágrimas que chegavam, Warlock galopava mais rápido que conseguia e o vento batia em seu rosto com força enquanto tentava enxergar o caminho a sua frente. Estavam indo para Glen, onde muita fumaça erguia do vilarejo. Mas qualquer dor, qualquer força, qualquer lágrima... Nada superava o aperto em seu coração. Abria os lábios para gritar mas não ouvia o som de sua voz e, assim, tentava gritar de novo e de novo para todos pararem.

Logo Warlock entrou no vilarejo e toda aquela fumaça a sufocava e não conseguia mais respirar e nem gritar, consequentemente. Não conseguia enxergar nada a sua frente até que, de repente, sentiu algo a segurar pela cintura e Warlock continuou enquanto ela caia no chão no mesmo lugar. A dor da batida nas costas e na cabeça parecia latejar no fundo de seu crânio, mas não tinha tempo para dor, para tontura, para nada.

“Merda, Rowena!” Uma voz irritada parecia estar logo a sua frente, mãos lhe chacoalhavam os ombros e, quando piscou, não havia fumaça ou gritos ou qualquer coisa... Havia Salazar. “Controle seus sonhos!” Reclamou ele.

Ergueu os braços, procurando forçá-lo a soltá-la e olhou em volta. Todas suas coisas flutuavam um pouco no lugar, inclusive ela e Salazar.

“Desculpe.” Murmurou, procurando retomar o controle sobre a magia e voltar tudo ao chão.

Logo levantou-se e foi ajeitar as coisas que caíram no chão, olhando para a entrada da caverna e vendo Warlock deitado do lado de fora, olhando para dentro da caverna. Rowena apenas acenou com a cabeça, tentando sinalizar que estava tudo bem, o que o cavalo aceitou.

“É assim que tem sido suas noites desde aquele dia?” O bruxo perguntou baixinho, um pouco hesitante de tocar naquele assunto de novo.

“Elas já foram piores.” Rowena murmurou a resposta. “Elas irão sumir em breve.”

***

Graças aos Céus, Salazar sumira um pouco. Dissera que ia conhecer mais da montanha e voltava antes de escurecer. Assim conseguiu tempo para mexer com suas pesquisas. Abriu sua bolsa e tirou de lá o frasco com o leve brilho esverdeado que havia dentro. Não era o que fora procurar mas era algo bem próximo, com certeza.

Em um livro de sua mãe, um dos quais lia desde criança, contava a história sobre como a magia funcionava. Uma das poucas teorias sobre a existência da magia. Sim, uma das poucas, ninguém tinha interesse em pesquisar sobre a magia e sobre seus porquês.

Mas aquela teoria, entre as que conhecia, parecia fazer mais sentido... Ou talvez só porque era bonita demais em sua cabeça. Nela, acreditava-se que a magia nascera do mesmo jeito que a água, o ar, o fogo e a terra... Ela seria o quinto elemento do mundo. E, assim como todos os outros elementos, ela poderia estar em quase (para não dizer todas já que nada é completo nesse mundo) todas as coisas do mundo, até nas coisas que não pareciam ter.

Mas essa magia tinha duas formas de se apresentar, uma mais forte que a outra e, o teórico, quis intitular como magia branca e magia negra. Mas o que havia naquele pote, era verde.

Era magia, era pó da planta que estava matando a plantação daquela comunidade que visitou. A planta soltava um pólen quase transparente, com um leve brilho esverdeado, que secava toda plantação mais delicada e chegava a machucar as mais fortes. Consequentemente, eles não tinham comida.

Depois que conseguiu recolher o pólen e identificou que aquele era o problema, apenas usou um simples feitiço para recolher toda aquela plantação daninha e queimou para então replantar a comida da comunidade, fazendo uma poção de fortalecimento para as plantas crescerem mais rápido... E, finalmente, estava tudo bem.

Agora... Segundo o livro de sua mãe, a magia pura era algo extremamente complexo de se retirar e ver. Ela era incolor e inodora. Diferente daquilo que havia dentro do vidro que era verde e cheirava a mato. Contudo, no livro dizia que a magia que tinha em animais e plantas era mais perto da pura que a encontrada em seres que conseguiam utilizar dela conscientemente, como bruxos, elfos, duendes e etc.

O modo de retirar ela é que era algo mais complexo, algo que deveria ser trabalhado com calma e atenção... Talvez sem Salazar por perto e com um pouco mais de vivência com aquela magia. Por isso, resolveu deixar aquela pesquisa um pouco de lado. Fechou o livro e guardou no canto, fazendo mesmo com o vidro para então pegar outro livro e abrir sobre a mesa.

Quando sentou de novo, primeiro verificou o que tinha de anotações do livro e de testes e suspirou. Fez aquilo com muita pouca atenção, fora durante os dias que ficara na casa de Salazar quando fugiu para lá, queria usar aquilo como uma rota de escape rápido se fosse necessário... Mas fez um péssimo trabalho, estava bagunçado de um modo que não conseguia entender. Rasgou cada pergaminho e jogou os testes no canto da mesa para recomeçar tudo. Pegou um novo pergaminho e recomeçou a leitura, recomeçando as anotações com mais cuidado. Descobrindo coisas que nem sabia se havia lido de verdade.

***

Aquela caverna naquela montanha era uma merda. Era alto demais e, consequentemente, quase sempre muito gelado. Precisava tirar Rowena dali e levar ela para um lugar mais confortável, onde havia uma cama de verdade e não um amontoado de peles... Que até que era confortável mas não tinha comparação. Ela era uma moça bonita, inteligente e curiosamente poderosa... Precisava ter ela por perto. Mas também era bem teimosa.

Sabia que a corrida para conquistar ela era acirrada entre quem a queria que, no caso, era ele, o Conselho de Bruxos e o tio dela. Se bem que, se o tio dela a ganhasse o Conselho teria ela de mão beijada. Então, se pensasse com mais calma, a corrida era entre ele, o Conselho com o tio e ela mesma. Ela procurando a própria liberdade.

E não achava ruim ela ter a própria liberdade, que ela vivesse e viajasse e pesquisasse como ela queria, aquilo era... Perfeito. Mas queria ela ao lado dele e não do Conselho. Um dia o Conselho iria cair e ele queria derrubá-lo e não queria que ela estivesse lá. Mas se ela fosse contra ele e o Conselho... Bem, seria muita magia sem dono algum. Era isso que pensava. Não era ruim mas não era perfeito. Queria ela como aliada e fim, era bem suficiente.

Mas era Rowena Ravenclaw, a bruxa mais teimosa daquele universo. Inspirou fundo e segurou um pouco o ar antes de soltar. Precisava encarar aquela realidade querendo ou não. Entrou na caverna de novo e começou a tirar a capa quando ouviu o som de asas e olhou para a caverna com uma sobrancelha arqueada. Parte dela, o fundo, estava completamente nas sombras. Era sempre assim, não entendia porque ela não iluminava tudo.

“Rowena?” Chamou baixinho, levando uma mão até a varinha devagar.

Novamente o som de asas e então um brilho dourado e forte no fundo da caverna que o forçou a fechar os olhos. Sabia que aquilo parecia a cor da magia da bruxa mas quando abriu os olhos, havia uma Rowena perto da fogueira com um olhar nada amigável.

“Vá embora, Salazar.” Ordenou com a voz meio rouca.

“O que aconteceu aqui?” Perguntou, franzindo as sobrancelhas.

“Já deu, Salazar. Não quero você mais aqui.” Disse ela enquanto dava a volta na fogueira e o virava no lugar para empurrar para fora da caverna.

“Mas, Rowena. O Conselho!” Havia treinado por dias como falar e convencer ela de ir com ele mas não sabia mais como começar com a mulher o empurrando para fora.

“Eu vou lá, eu vou falar com eles, eu vou fazer exatamente o que você disse. Feliz? Apenas me dê um mês e não apareça na minha vida até lá.” Disse a bruxa, usando o ultimo impulso para ele passar pela entrada da caverna. “Não apareça até lá ou eu jogo você dessa montanha e eu estou falando sério, Salazar.”

Ela falava sério, Salazar sabia. Aqueles olhos não mentiam com aquelas coisas. Apenas viu ela acenar uma vez e a entrada da caverna foi selada com uma pedra que girou até não poder ver qualquer luz que vinha da caverna.

Inspirou fundo de novo e, para variar, começou a chover.


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Notas finais do capítulo

Desculpa, eu realmente tinha que fazer chover, mesmo que fosse completamente clichê.
Então... Aquela parte mais teórica... É mais difícil de escrever do que eu esperava, sério. Mas aos poucos na fic isso vai se tornando mais claro. Eu vou... Tentar tornar isso menos cansativo. Me perdoem se eu falhar. Mas sempre tem como explicar desenhando hehe.
O Conselho: é os primórdios do Ministério da Magia. O Conselho de Bruxos tem regras e idéias diferentes, claro, não é melhor e nem pior que o Ministério. Mas como ele funciona e toda a relação dele com Rowena e as outras pessoas... Tudo será visto com o decorrer da fic (mas a relação dele com Rowena e mais explicação sobre ele já vai ter no próximo).
Qualquer dúvida, eu já respondo, não vou deixar pessoas no escuro.
Bem, espero que tenham gostado e review é super bem vindo ;)



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