Traiçoeiro escrita por Roses


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Hola muchachos (hã?), desculpem a animação e aqui estou com um capítulo que espero ter ficado bom.

Quero muito, muito mesmo agradecer a Larissa333 por recomendar a fic, como sempre foi uma surpresa receber uma recomendação. Muito obrigada e espero que goste do capítulo.

Boa leitura.



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Fiquei surpresa como Killian e eu conseguimos voltar a agir naturalmente, como se nada tivesse acontecido. E como ele não fez nenhum comentário sobre aquela noite, realmente parecia que não tinha passado de uma ilusão. O que eu agradecia profundamente, porque tornava tudo mais fácil.

Havia noites que Killian conseguia ter um sono tranquilo, outras noites eram uma tormenta, onde eu me sentava ao lado de sua cama por horas, conversando para distraí-lo até se sentir pronto para tentar voltar a dormir e quando isso acontecia, eu me inclinava para depositar um beijo em sua bochecha de boa noite, garantindo que agora ele conseguiria dormir tranquilamente.

Me quebrava o coração ver o quanto Killian estava machucado emocionalmente, ver seus olhos aflitos durantes as noites que suas lembranças o atormentavam. Quando estávamos naqueles momentos era fácil me esquecer de tudo e apenas querer acalmá-lo. Durante a noite ele era uma pessoa frágil que precisava de alguém para ampará-lo e mostrar que não tinha que passar por aquilo sozinho como fizera todos esses anos.

E por Deus! Sim, eu queria ajudá-lo cicatrizar suas feridas internas, não apenas esconder com gazes que já estavam encharcadas de sangue por falta de troca.

Às vezes, Killian não queria ficar em sua cabine, então acabávamos por ficar no bote onde eu costumava dormir (havia me mudado temporariamente para o sofá). Ele gostava de me mostrar às estrelas e constelações, inclusive estava tentando me ensinar a usar o sextante.

Jones tentara voltar ao assunto sexo, porém ainda não queria ter aquele tipo de conversa com ninguém. Havia lido algumas paginas do livro que ele deixara sobre a mesa, contudo não tinha ido muito adiante. Eu sentia vergonha de mim mesma por estar fazendo aquilo e conseguia imaginar meus pais me olhando com reprovação toda vez que abria e conseguia ler umas três paginas seguida, antes de fechar e devolvê-lo ao mesmo lugar.

Não sei se Killian sabia que eu fazia isso quando ele dormia, ou não.

Eu esperava que não.

Eu estava gostando do rumo que nossa possível amizade estava levando. Eu ficava extremamente feliz em poder me sentar com ele, sem me preocupar com as tensões. Estavam ali, ambos sentiam, queimava dentro de mim e se ainda estavam em mim, deveriam estar dentro dele também, contudo conseguíamos controlar.

E pensar que eu desperdicei sua companhia todas aquelas semanas por um motivo banal que foi resolvido tão facilmente.

Naquela manhã, Killian e eu estávamos tomando nosso escasso café da manhã na cabine. O calor ali estava infernal. Eu passava as costas das mãos em minha testa de minuto em minuto para secar as gotículas de suor que insistiam em surgir e escorriam pelo meu rosto. Prendi meus cabelos na intenção de tentar aliviar o calor.

Até que meu olhar caiu sobre um livro que fora colocado em cima do outro que estava sendo “ignorado” por mim.

Olhei desconfiada para Jones, que tinha uma expressão muito inocente no rosto, forçando a comida dura por sua garganta. Peguei o livro em minhas mãos e o abri para ver o titulo.

–Esse é muito engraçado. – comentou casualmente, não aguentando manter a pose. – O narrador reencarna como um sofá e ele apenas poderá se libertar quando acomodar um casal perfeito. Ou seja: um amor verdadeiro. É um romance. O gênero de livro que você gosta. – declarou vitorioso.

Arqueie uma sobrancelha para ele.

–E acredito que o narrador terá que ver algumas coisas vulgares antes de encontrar o casal perfeito?- indaguei, pousando o livro ao lado de meu copo, voltando a comer.

–Claro. Caso contrário não seria uma história boa.

Suspirei cansada e olhei para Killian.

–Senhor... Reconheço que está certo sobre eu sair da ignorância completa sobre esse assunto. – comecei. – Irei ler os livros que indicou apenas me dê tempo, sim? Não é tão simples assim para mim me livrar do paradigma imposto pela sociedade em que fui criada. O senhor sabe que sou curiosa, mas que também tenho essas regras dentro de mim. Tenha paciência. – pedi em um sussurro

Killian me olhou como se sentisse pena de mim e assentiu.

–Apenas insisto no assunto, porque percebo que é mais do que tentaram lhe transformar. – explicou me fitando. – E porque não há nada de errado em saber. O fato de você saber não quer dizer que tenha que sair fazendo com todos os homens que encontrar. – atalhou e eu abaixei os olhos para minhas mãos, sentindo meu rosto esquentar. – Conhecimento nunca fez mal, Swan.

–Estou desconfortável senhor. – murmurei olhando para a garrafa de rum que estava na mesa. – Vamos parar, por favor. Lhe prometo que irei ler quando me sentir pronta.

– Tudo bem. – concordou. – Está bem quente hoje.

Senti meus ombros relaxarem por ele mudar a conversa para um tópico mais leve, que era seguro... Se bem, o que era um tópico seguro quando Killian decidia falar sobre aquilo?

Assenti.

–Como não está cozinhando nessas roupas?- instiguei, tomando minha limonada que estava com um gosto meio estranho de estragada.

Killian deu de ombros.

–Já estou acostumado.

–E eu estou ficando agoniada em lhe ver com esse monte de peças de couro. Ah que saudades da minha fria Inglaterra. – resmunguei. – Jesus é impressão minha ou não estamos nos movimentando hoje?

–Pode ser. Estamos em uma área ruim, onde apenas venta pelo fim da tarde. Então ficaremos um tempo parados... Se quiser posso lhe deixar menos agoniada e tirar minhas roupas durante esse tempo. – sugeriu arqueando uma sobrancelha e começando a tirar o colete vermelho que estava usando. – O que acha?

–Acho que deva permanecer com suas roupas, senhor. Ou trocá-las por uma mais leve. Sei que tem, encontrei em seu baú que fica guardado ali embaixo. – apontei para o armarinho.

Killian apertou os olhos.

–E posso saber o que estava fazendo fuçando em minhas coisas, Swan?

Dei de ombros.

–Eu estava entediada. E sou curiosa.

–Enxerida seria a palavra adequada. – replicou. – São roupas de outra vida, amor.

–Bobagem. O senhor apenas tem uma vida, não existe isso de “outra vida”. Diga que são roupas de momentos que não gosta de se lembrar.

–Já pedi para me chamar de Killian, Swan. Me sinto um velho quando me chama de senhor.

–Sinto muito, não tive a intenção. – pedi me abanando com as mãos.

–Sei que não teve, você é apenas educada demais. Sabe, se esta com tanto calor...

–Não ouse terminar a frase, Jones. Eu não irei arrancar minhas roupas. – avisei irritada. – Ninguém aqui dessa cabine irá arrancar as roupas!

Killian me olhou com ingenuidade, piscando parecendo confuso.

–Eu ia chamá-la para subir. Lá em cima deve estar mais fresco que aqui. Essa sua mente maliciosa, Swan. – balançou a cabeça me reprovando. – Você vai acabar se tornando uma péssima influência para alguém tão ingênuo como eu.

Revirei os olhos me colocando de pé.

–Vai ter o dia, Jones, que eu irei fazê-lo sentar e me explicar tudo até os mínimos detalhes. Até você se sentir desconfortável com o assunto.

–Estarei esperando esse dia ansiosamente, amor. – respondeu indicando a porta

No convés a situação não parecia melhor do que na cabine, o sol parecia determinado a nós transformar em bolas de fogo e a brisa que vinha do mar era abafada, piorando a sensação de calor.

Bae se aproximou de mim.

–Veja, achei um chapéu para você. – informou colocando em minha cabeça. – Para proteger seu rosto.

–Obrigada, Bae. É muito gentil.

–Eu sempre sou gentil. – rebateu com um falso ar de ofendido.

–Claro que é. Quanto tempo acha que ficaremos parados? – indaguei.

Baelfire observou o céu por uns instantes como se fosse encontrar a resposta ali. Na verdade, sempre que eu perguntava algo do gênero, eles olhavam para cima. Deveria começar a fazer o mesmo antes de questionar, quem sabe eu encontrasse a resposta.

–Até o fim da noite. Erramos a rota. – constatou. – O caminho que deveríamos ter pego, nos levaria para os lados mais frios.

–Ou eu mudei a rota propositalmente. – Killian surgiu ao meu lado, o tom de voz parecendo aborrecido. – Decidi parar na Ilha dos Mouros para nos reabastecer. Detesto ver meus homens passando fome. E quero que Swan conheça uma pessoa lá. – informou cruzando os braços.

O olhei com curiosidade.

–Quem você quer que eu conheça Killian? – instiguei.

Ele me olhou pacientemente, um sorriso brincando no canto de sua boca. Tentei não respirar fundo quando meu coração deu um pulo em meu peito.

–Uma pessoa que acredito que terá algumas respostas para encontrar sua mãe. –deu de ombros, ainda me fitando.

Sorri para ele sem motivo algum, apenas por aquela explicação vaga que me dera. Killian não me disse um nome ou quem seria essa pessoa, apenas que poderia ter respostas para me ajudar a encontrar minha mãe. E isso já foi o suficiente.

O barulho de algo caindo na água me tirou do transe e eu desviei os olhos dos de Killian, encontrando Landon e Bae nos estudando atentamente.

–Os homens decidiram ir dar um mergulho. – Landon explicou vendo minha confusão. – Não se tem muito o que fazer quando ficamos parados assim, a não ser aproveitar a água.

–É uma boa ideia. – Killian concordou com um sorriso maroto nos lábios.

–Vá nadar filho. – Landon o incentivou e eu o fitei, me perguntando se ele havia percebido o jeito carinhoso que havia chamado Killian. Como se realmente fosse seu filho.

Ou talvez, Landon já estava acostumado a tratá-lo daquela forma, apenas eu que nunca havia observado.

Killian aquiesceu, começando a tirar as botas e as meias.

–Segure minhas coisas, amor. – pediu retirando o casaco pesado e o jogando em meus braços, então o colete e a camisa que usava, deixando seu peito e ombros expostos. Arfei um pouco alto demais diante da visão e fixei meus olhos nas velas, para tentar controlar meu corpo que esquentou inteiro e minhas mãos que pareciam inquietas. – Não se preocupe que não irei tirar a calça, Swan. Caso contrário, acredito que irei matá-la com a visão. – provocou.

Claro que ele sabia do efeito que tinha sobre mim.

Killian retirou o gancho e o colocou por cima das roupas que eu segurava, se aproximando perigosamente de mim, seus olhos azuis estavam divertidos. Minha respiração saia pesada, como se alguma coisa estive obstruindo sua passagem.

Tentei encará-lo de volta, contudo não conseguia parar de piscar. Eu queria, sabia que queria, esticar as mãos e tocar em seu peito, em seus ombros. Sentir o calor de seu corpo se infiltrando pelos meus dedos.

–Obrigado, amor. – agradeceu se virando e indo em direção ao parapeito do navio.

–Gostou do que viu Emma? – Landon perguntou em um murmúrio.

–Hã? – questionei observando as costas de Killian, com vários riscos largos prateados e irregulares, marcando-o do inicio até a base. – Gostei sim, Landon. – respondi. – Quer dizer, não! Que tipo de pergunta é essa?- repliquei nervosa, mas sem conseguir desviar o olhar.

–Seu segredo está a salvo comigo, Emma. Não irei contar para Killian que estava o admirando.

–Como Killian conseguiu aquelas cicatrizes?- indaguei ignorando seu comentário, observando as costas nuas dele, antes que pulasse na água.

–Do mesmo jeito que todos nós conseguimos as nossas. - respondeu simplesmente, olhando para mim. Franzi a testa. - Castigos dos nossos superiores de quando estávamos na marinha ou como tripulação mercante. - explicou dando de ombros.

Fiquei em silêncio, desconfortável de saber que Killian ou qualquer outro ali haviam sido marcados tão brutalmente por comandantes covardes. Qual deveria ter sido o motivo para tal castigo? Pegar um pouco mais de comida ou de água? Ficar doente e não conseguir realizar as tarefas?

Nada explicava tanta crueldade para com outro ser humano. Killian era rígido com sua tripulação quando necessário, porém nunca o vira castigar alguém fisicamente, para marcar como ele estava marcado.

Agora eu entendia porque seus marujos o achavam um capitão tão bom. Killian os tratavam com respeito. Os tratava como pessoas.

–Isso é mais comum do que imagina, Emma.

–Só porque é comum não quer dizer que eu deva aceitar como algo normal.

–Não, não deve. - concordou, com uma pontada de dor em seus olhos. - E você não vai nadar? Aproveite que o tempo está tranquilo. Vamos ficar aqui parados por umas boas horas até termos vento.

Soltei uma risada, apoiando as coisas de Jones em uns caixotes e me escorando no parapeito vendo Jones nadar.

–Até parece, Landon. Eu não sei nadar e mesmo que soubesse não me arriscaria a entrar.

–Eu ouvi direito?- Bae segurou meus ombros por trás, me virando para que pudesse olhá-lo. - Você disse que não sabe nadar?

Assenti, ainda o encarando.

–O que raios você está fazendo em um navio que está no mar? - instigou incrédulo- E sabe no mar só tem água.

–Eu não sou burra, posso ver que estou rodeada de água. E é mais comum do que pensa uma mulher não saber nadar.

– Como pode não saber nadar? E se por acaso naufragarmos? Como irá fazer? – questionou Landon.

–Acredito que vá morrer afogada. - declarei o óbvio.

–Killian!- Bae gritou. - Killian!- tentou novamente, conseguindo a atenção dele dessa vez. - Você consegue acreditar que Emma não sabe nadar? Como você aceita alguém assim em sua tripulação?- indagou se fingindo de horrorizado.

–A culpa não é minha. - me defendi. - Quando eu iria imaginar que precisaria? Sempre viajei em carruagens e quando ia para o litoral usava a cabine de banho. Sem falar que nunca entrei no mar de meu condado.

–E o que diabos é uma cabine de banho?- Killian indagou com um sorriso, seus olhos pareciam brilhar por conta das gotículas de água em seus cílios. Perdi o fôlego por um momento com aquela visão.

Jones estava me causando muito disso naquele dia.

–É... Como se fosse uma carruagem, que fica presa na areia por uma corda que leva até o mar, sustentado por uma boia, onde as damas trocam as roupas pelas de banho e podem assim entrar na água sem que ninguém as veja. Geralmente nunca é muito longe e acabamos molhando apenas os pés. Por isso evito a água, não vale a pena todo o esforços, sem falar que a roupa fica muito pesada. - terminei de explicar dando de ombros.

Killian, Landon e Bae olharam um para cara do outro e explodiram em uma gargalhada.

Fiquei ali parada, esperando que eles parassem de rir de mim, observando minhas unhas que estavam com uma aparência de encardidas.

“Sim, sim. Muito engraçado rir dos costumes alheios. Como se eu tivesse culpa por eles existirem”, pensei com um pouco de irritação.

–Venha nadar Swan.- Killian chamou.

–Não ouviu o que eu acabei de dizer? Eu não sei.

Killian passou a mão pelo cabelo, o jogando para trás.

–Então venha aprender. Eu lhe auxílio e Bae também. Não vamos deixá-la se afogar.

–Vamos Emma. - Bae chacoalhou meus ombros, de leve animado.

Olhei indecisa para Bae, Killian e o mar, então neguei com a cabeça.

–Não tenho traje de banho.

–Nem cabine de banho, Emma. - Landon emendou, tentando manter-se sério.

Killian revirou os olhos e Bae estalou a língua.

–Isso para mim se chama covardia, Swan.

–Pois sim. - concordei. - Olha a profundidade, ou melhor não tem como ver. Não tem onde se apoiar, não tem nada.

–Você vai se arrepender se não tentar Emma. - Bae tentou me convencer.

Eu estava tentada a aceitar. Estava morrendo de calor e a água parecia estar ótima, porém também estava com medo. Medo e vergonha. Porque afinal se eu entrasse na água iria acabar revelando o que não deveria, já que o tecido das minhas roupas não eram tão grosso e acabariam ficando transparentes.

–Se está pensando demais é porque está morrendo de vontade de vir aqui. - Killian cantarolou animado.

–Estou considerando os prós e os contras.

–Quer um conselho?- Landon perguntou. - Não considere, faça o que está com vontade. No fim os contra são sempre os que ganham e depois ficamos pensando no “e se”.

Franzi a testa, mordendo o interior da boca.

–Melhor não. Obrigada de qualquer jeito.

Killian comprimiu os lábios, balançando a cabeça como se estivesse desapontado.

–Que decepção. Não esperava isso de você.

–Mas eu sim. - Bae me soltou. - Ela sempre foge quando a água bate no traseiro.

Olhei boquiaberta para ele, me sentindo ultrajada.

–Eu não fujo de tudo, Baelfire. Sei lidar muito bem com os desafios, posso demorar um pouco para descobrir como, mas sempre os realizo.

–Então vá. Entre naquela água. - desafiou com uma expressão arrogante.

–Eu não tenho roupas de banho! Essa daqui vai mostrar o que não deveria se eu entrar com elas.

–Pegue umas duas das minhas camisas e as vista por cima de sua roupa. - Killian sugeriu. - Lhe garanto que não vai mostrar mais do que deveria desse jeito... Por mais que eu adoraria ver o que não deveria. – falou abrindo o típico sorriso masculino que fazia com que eu me sentisse agitada.

–Killian, dizer isso não incentiva Emma a entrar. - Landon o censurou. - A faz se sentir mais envergonhada.

–Você está certo, porém a Srta. Swan gosta de ouvir a verdade e essa é a verdade. - declarou me dando uma piscadela brincalhona. - Ande logo, Swan. Está perdendo tempo.

Bae me empurrou em direção a cabine de Killian.

–Vá pegar as camisas ou eu irei jogá-la no mar. É o famoso ou vai por bem ou por mal.

Olhei suplicante para Landon, pedindo que ele me ajudasse, porém o traidor balançou a cabeça, se negando.

–Você irá se divertir e gostar. Se eu não soubesse disso eu a colocaria debaixo da minha asa... - Landon imitou uma asa com seu braço, parecendo extremamente ridículo. - E não deixaria que chegassem perto da senhorita.

–Eu detesto todos vocês. - resmunguei pisando duro e bufando, indo para a cabine de Killian.

–Nada de se trancar lá dentro. Eu tenho uma chave reserva. - Landon avisou.

Revirei os olhos e cruzei os braços para mostrar o quanto eu estava insatisfeita com a situação.

Abri um baú menor, que ficava escondido no armarinho, onde eu sabia que se encontravam as camisas de tecido mais grosso, já que havia fuçado o suficiente para saber onde se encontrava quase tudo ali.

Por exemplo, eu sabia que naquele baú Killian ainda guardava uns dois uniformes seu da época em que era tenente.

Passei os dedos pelo tecido azul antes de pegar as camisas e fechar a tampa. Apesar de achar que não combinava com ele, eu gostaria de ter conhecido aquele homem... Ainda queria conhecê-lo das memórias de Killian.

Tenente Jones, o título soava muito bem.

Vesti uma camisa e coloquei o corpete por cima. Peguei a segunda camisa e a passei pela cabeça, ajeitando em cima do corpete. Prendi um cinto largo que encontrei no baú perto da cama em minha cintura, para garantir que a camisa não levantasse quando entrasse na água.

Olhei as roupas em meu corpo, imaginando como aquilo iria dar errado.

Ouvi uma batida na porta, me apressando.

–Estou indo. – avisei impaciente, abrindo a porta e dando de cara com Bae, que me estudou de cima a baixo.

–Nada mal. Pronta?- me ofereceu seu braço. Respirei fundo, tensa e começando a ficar paralisada de medo.

Neguei com a cabeça, dando um passo para trás.

–Eu não quero. E se alguma coisa me puxar para baixo? E se...

–Ei se acalme. Killian e eu não vamos deixar nada lhe acontecer. Tente controlar a respiração e venha. - Bae massageou meus ombros, me puxando para o convés.

Landon me deu um sorriso encorajador assim que me viu, percebendo que eu estava apreensiva com aquilo. Eu sentia meus ossos se enrijecerem a cada passo que dava para perto da saída.

–Por favor, não. - choraminguei, segurando o braço de Bae.- Eu prometo que irei tentar outro dia, mas em algo menor. Uma lagoinha, talvez. Eu não consigo entrar aí, não quando eu não sei o que encontrar.

–Você não vai estar sozinha, tem a mim, Killian, outros homens da tripulação que irão lhe ajudar se precisar. Não a faríamos a fazer alguma coisa se não soubéssemos que é capaz. – Bae me tranquilizou.

Apertei a mão dele, meu coração batendo com tanta força de medo que doía meu peito.

–Vou tentar. Se eu não conseguir descer vocês me deixam quieta aqui no navio?

–Se você não conseguir descer aquela escada eu a puxo de volta, Emma. - Landon garantiu. - Não a forçaremos mais que o seu limite.

Assenti, andando até a escada, olhando desconfiada para a água. Meu coração batia em minha garganta, me fazendo ter a impressão que sairia pela boca a qualquer instante.

Killian se aproximou do navio, esperando que eu descesse.

Segurei firmemente nos degraus, olhando para baixo a cada passo que dava,chegando mais próximo à água.

Olhei para Bae e Landon que me incentivavam a continuar. Eu queria conseguir pular no mar, sentir a água fria envolvendo minha pele e a refrescando, sentir o sal grudando em meus lábios ressecados e a ardência neles que eu sabia que sentiria.

Mas não consegui. Travei a poucos degraus de atingir o objetivo.

–Vamos Swan, você consegue. Está perto.

Balancei a cabeça freneticamente, me agarrando ainda mais aos degraus.

–Eu não consigo. Não consigo. - avisei soando levemente alterada.

–Tudo bem, Emma. Você foi bem, ao menos tentou. Venha. - Landon esticou a mão, deixando claro que eu poderia voltar para a segurança do navio.

Senti o ar saindo apertado pelos meus lábios comprimidos e segurei com mais força no degrau, até que senti o puxão na minha perna.

Soltei um grito apavorado antes de cair no mar e sentir a água salgada entrando por minha boca e meu nariz, fazendo tudo arder como se estivesse engolindo fogo. Comecei a me debater desesperada, querendo voltar para a superfície, meu coração batendo em um ritmo tão rápido de completo terror que eu acreditava que iria parar a qualquer momento. Meus ouvidos ficaram tampados, eu queria, precisava ouvir algum som, porém ali tudo era silencioso demais.

Fechei a boca com força, mas não parecia que iria adiantar alguma coisa. Eu já estava sem ar, parecia que estava apenas tentando evitar o inevitável. Como sempre fazia.

–Shh, fique calma Swan. – Killian sussurrou em meu ouvido, me segurando firmemente.

Puxei o ar com força, observando o céu e o sol com muita admiração, tossindo sem parar, engasgada com a água, minha boca seca e minha garganta ardendo tanto que chegava a doer.

–Se acalme. – pediu novamente. – Eu lhe disse que iria te auxiliar. Estou te segurando, está vendo?

Assenti, minha respiração ainda irregular. Apertei minhas mãos, que ainda tremiam do susto, nos ombros de Killian, olhando para a água com desconfiança.

Jones estreitou o braço esquerdo em minha cintura, me aproximando mais de seu corpo e algo despertou dentro de mim. Olhei para seu rosto que estava sorrindo, achando tudo muito engraçado.

–Seu desgraçado! – praguejei enraivecida, batendo com força em seu ombro. – Por que fez isso? Eu quase morri.

–Quase, mas não morreu Swan. Se tivesse morrido não estaria gritando comigo nesse momento. – replicou com a voz suave, fazendo um tremor percorrer meu corpo.

–Quero voltar para o navio. Agora! – ordenei, começando a me sentir estranha, não por estar no mar, mas sim por estar gostando de ser segurada daquele jeito por Killian, de estar tão próxima.

–Amor, você já está na água. O pior é entrar, depois que está dentro apenas aproveite e se divirta. Você sabe o que significa diversão?

–Claro que sei! – retorqui. – Costumo a ir a vários bailes.

Killian arqueou uma sobrancelha, sua expressão mostrando que não acreditava em mim.

–E você se divertia? Eles não eram como uma obrigação para você, Swan? Me conte a melhor lembrança de um baile que já foi, que ficou marcado em sua mente por que você se divertiu muito. – pediu.

Eu abri a boca para responder, porém não consegui me lembrar de nenhum momento assim. Que valesse a pena ficar marcado como um ótimo momento para lembrar a vida toda. Se eu decidisse ser sincera, iria dizer que os momentos que eu mais me divertira de verdade fora ali, naquele navio, longe de tudo o que fui criada para seguir.

Olhei para Killian que abriu um sorriso de triunfo ao perceber que estava certo. Que eu não me divertia, se duvidasse nem sabia o que era aquilo até entrar para o Jolly Roger. Fixei meus olhos na água.

–Comece a criar memórias, Swan. Está na hora de começar a viver e não fingir. Pare de esperar que lhe digam como agir e se comportar, o que deve ou não saber e dizer. Você pode fazer o que quiser e sabe disso.

Fiquei em silêncio. Era irônico Killian me pedindo para viver e não fingir. Era triste ele aconselhando isso para alguém, quando fazia exatamente o mesmo.

Olhei o Jolly Roger, Landon nos observava e pude perceber que segurava discretamente o braço de Bae, o impedindo de se juntar na água conosco.

Estava começando a desconfiar que Landon se esforçava demais para que Killian e eu tivéssemos momentos como aqueles. Se esforçava demais para que nos déssemos bem. E eu teria de me lembrar de perguntar o por quê.

–A água está gelada. – constatei. – Não imaginei que seria tão gelada assim. – fitei os olhos de Killian, que percorreu meu rosto atentamente.

–Graças a Deus que é gelada. – murmurou desviando o olhar. – Irei soltá-la, sim?

Arregalei os olhos, segurando com pavor nele.

–Ficou louco? Não. Alguma coisa pode me puxar para baixo. Se vai me soltar, me leve para a escada.

–Como espera aprender a nadar se ficar grudada em mim? Não estou reclamando, estou muito bem, segurando-a assim. Na verdade estou chocado que esteja tão perto sem dar um ataque.

– Apenas me diga o que eu tenho que fazer para não me afogar. – pedi, não querendo admitir que também estava me sentindo muito bem daquele jeito.

–Apenas relaxe o corpo, deixe-o leve. Você irá flutuar desse jeito.

–Ou Bae poderia me ajudar. – sugeri vendo-o nadando em nossa direção.

Killian aquiesceu.

–Claro. Isso também. – concordou não parecendo muito satisfeito quando me soltei de seus ombros e segurei nas mãos de Bae, a água batendo em meu queixo e entrando um pouco em minha boca.

–Desculpem a demora. Landon me prendeu em uma conversa muito interessante sobre a necessidade de trocar as velas. – esclareceu, deixando bem claro que sabia que ele o estava segurando para que Killian e eu conversássemos.

–Tudo bem. – Jones fez um gesto de desdém com a mão. – Vamos ensiná-la a nadar, amor.

[...]

Landon me esticou a mão, me ajudando a subir no navio e me estendendo a toalha.

–E então Emma? – indagou sorrindo.

–Foi divertido. – concordei. – Você me viu nadando? Eu aprendi rápido, não? – questionei animada.

Bae e Killian eram excelentes professores, e depois que decidi superar o medo, me mostrei até que uma boa nadadora. Claro que não tive coragem de me afastar de nenhum dos dois, contudo consegui ficar sozinha, sem a necessidade de me segurar neles.

E pelos céus, como nos divertimos! Cada momento, desde que Killian me puxara para o mar, Bae me mandando enfiar a cara na água, as primeiras braçadas hesitantes, até aquele que Landon me ajudara a voltar para o navio, ficariam guardados em um lugar especial dentro de mim.

–Sim Emma. Eu a vi nadando e muito bem por sinal. – elogiou. – Mandei preparar seu banho, vá para a cabine. – avisou.

–Landon, nós estamos com pouca água. – lembrei. – Não há necessidade de banho.

–Logo que o vento voltar, estaremos na Ilha dos Mouros em um piscar de olhos. O que temos de água é o suficiente para alguns dias.

–O que acha de eu me juntar ao banho com você? – Killian surgiu ao meu lado, passando o braço pelos meus ombros. – Assim economizamos a água. – arqueou as sobrancelhas.

Pisquei algumas vezes, pensando se deveria responder ou ficar quieta, atrapalhada com a ansiedade que tomou conta de mim, de meu corpo. Landon lançou um olhar reprovador para Killian, que deu de ombros.

–Vá se banhar Swan. – ordenou me dando um empurrãozinho de leve.

Aquiesci, indo rapidamente para a cabine.

Assim que entrei, encontrei a banheira preparada como da outra vez que tomara banho. Tentei não estremecer ao me lembrar da última vez que havia feito aquilo. Antes eu me banhava com tanta frequência e agora...

Tirei a roupa molhada, e antes de entrar na água peguei o livro de Killian, Fanny Hill para ler. Sentei na banheira e senti minha pele que ardia por causa do sal, agradecendo por ser limpa.

Respirei fundo e recomecei a ler o livro, determinada a conseguir chegar até o fim do capítulo dois, crente de que até lá não teria nada demais, nada que pudesse me chocar.

Engano meu. Grande engano, minha boca se abriu em total descrença e meu rosto ficou vermelho quando perto da página vinte, aconteceu algo que era errado. Aquilo deveria ser errado, não? Eu teria que perguntar quando tivesse coragem, mas para mim era estranho.

Me forcei a continuar lendo, mesmo que estivesse me sentindo desconfortável. O livro tinha uma história boa, acredito que a realidade de muitas garotas que saem do campo e vão para Londres quando se encontram sozinhas na vida. A narrativa contada em forma de cartas fluía com facilidade e eu me sentia desesperada pela pobre e ainda ingênua Fanny que se recusava a aceitar que havia se enfiado em um lugar errado, que a mulher que a ajudara não era tão boa assim. Porém me incomodavam as descrições vulgares, me incomodava como as mulheres a forçavam a se transformar naquilo.

Não conseguia entender por que Killian achou que aquele livro me ajudaria em alguma coisa. A não ser que de presente ele quisesse que eu aprendesse também que não se pode confiar em todo mundo. Eu era ingênua em certos pontos e sabia disso, mas era natural eu desconfiar das pessoas.

Não era?

–Esse livro é horrível!- murmurei virando a página concentrada, afundando mais na banheira.

Uma batida forte na porta me assustou, fazendo com que eu jogasse o livro para trás alarmada.

–Swan... Está tudo bem aí? – Killian questionou hesitante.

–Sim, sim. Tem algo que eu possa fazer por você? – perguntei começando a me lavar com rapidez.

Jones ficou em silêncio por uns minutos.

–Essa é uma pergunta com várias respostas, não acha Swan? – observou com o tom de voz malicioso. Revirei os olhos, ignorando-o. –Enfim, preciso de calças secas.

–Ahn, claro. Já estou saindo. – avisei me levantando da banheira e me enrolando na toalha. – Só um momento.

–Sabe que pode abrir a porta.

–Rá rá, Jones. Espere eu me trocar. – pedi passando o vestido pela cabeça e vestindo minha calçola. – Pronto. – abri a porta secando meu cabelo.

Killian me estudou atentamente.

–Você está sem corpete. – afirmou olhando para o meu busto.

Olhei para baixo, surpresa.

–Dá para perceber que eu estou sem? Eu estou apenas com um corpete e ele está molhado. – justifiquei, cruzando os braços para esconder.

Jones negou com a cabeça, entrando no quarto.

–Eu que sou muito observador. – respondeu desabotoando a calça sem nenhuma cerimônia.

–Vou deixá-lo se trocar. – comuniquei saindo rapidamente e fechando a porta.

Killian estava muito atacado hoje. Atacado até demais para o meu gosto.

[...]

Estava deitada no bote de olhos fechados aproveitando o vento fresco que tanto sentira falta durante o dia e agradecendo por estarmos nos movimentando novamente.

Killian deu um pigarro para chamar minha atenção. Abri um olho o encarando, sem vontade nenhuma de sair dali. Eu estava exausta do dia de hoje e eu nem havia feito nada.

–Posso? – ele indicou o espaço vago ao meu lado.

Assenti. Killian se esticou ao meu lado, espaçoso como sempre, me deixando esmagada no cantinho.

–Você está bem? Está quieta demais.

–Só estou cansada. – garanti. – Muito obrigada pelo dia de hoje, Killian. E eu sei que você vai se sentir quando eu disser, mas eu me diverti muito. Agora sei o que quis dizer com diversão.

–Percebi mesmo por causa do seu so... – ele se interrompeu, parecendo sem graça. – Trouxe seu livro para terminamos de ler. –me entregou Tristão e Isolda.

–Por causa do que, Killian? – insisti.

–Seu sorriso. – respondeu simplesmente. – Ele estava iluminando todo seu rosto, me lembrou uma criança. – explicou me olhando firmemente. – Achei um certo livro jogado no chão da cabine, senhorita Swan. – Killian mudou de assunto rapidamente.

–Eu comecei a lê-lo.

–E o que a fez sentir que estava pronta?

Demorei uns segundos pensando em que resposta eu deveria lhe dar.

–Eu não estava pronta para entrar no mar até que o senhor me fez. Nunca vou estar pronta para nada, tenho que me forçar a estar pronta. Isso ou vou estar sempre evitando. Eu espero ficar viva para poder descobrir como é, porém eu não tenho certeza e não quero morrer sem saber.

Killian balançou a cabeça, parecendo não gostar das minhas escolhas de palavras.

–O que achou do que leu até agora?

–É uma história triste, apesar de ser vulgar. Acredito que eu vá gostar apesar das cenas... Você sabe. Vamos terminar esse? – indaguei abrindo Tristão e Isolda. – Já éramos para termos acabado se o senhor não se mostrasse tão tagarela. – brinquei.

Jones sorriu como se me pedisse desculpas.

–Fazia tempo que eu não tinha alguém para conversar de verdade. Sabe? Como amigos. – confessou.

Escrutinei seu rosto, esperando ver algum indicio de que ele só estava exagerando, contudo Killian estava falando sério.

Senti vontade de abraçá-lo após essa confissão, porém me contentei em depositar um beijo rápido em sua bochecha, do mesmo jeito que eu fazia em Graham antes dele começar a me cortejar e ficar tudo muito estranho entre nós.

Dei um sorriso para Killian antes de começar a ler.

Não sei dizer se Jones prestou atenção no final da história. Eu sentia os olhos dele pregados em meu rosto, embora ele aparentava estar ali apenas de corpo, sua mente deveria estar em outro mundo. Às vezes eu interrompia a leitura e o encarava, o qual ele respondia com um “continue, amor” e então continuava, já que ele estava pedindo.

– “Um mundo de magia ainda visível em forma de neblina... O único lugar onde o menestrel e a rainha podiam ser livres” – terminei de ler as últimas frases do livro, reprimindo o suspiro triste que queria sair. – O que achou?

Killian ficou pensativo por um momento.

–Uma história triste, com um herói covarde.

–Como ousa dizer isso? – perguntei estupefata.

–Se Tristão amasse Isolda tanto assim a teria roubado quando teve oportunidade. Eu roubaria.

–Tristão respeitava as vontades de Isolda, afinal ele que deu a mão dela para o tio. Não podia trair a confiança de seu único familiar vivo e ela tinha seus deveres como rainha.

–Bem... Foi um imbecil de ter feito isso. Se ele tivesse contado tudo para o tio, aposto que ele não se importaria em dar a mão de Isolda para o menestrel. Apesar de não ter gostado muito do Tristão, é uma boa história, sem ilusões para carregar na vida real.

–É meu livro preferido. Já o li tantas vezes que decorei cada linha... Eu admiro Isolda e gosto muito de sir Tristam.

–Um livro um pouco melancólico para ser considerado seu preferido, não acha?

–Killian, eu não tenho grandes ilusões de ter amor na minha vida. Sei que deveria me casar por amor, mas não sou ingênua a ponto de pensar que irei achá-lo.

Killian estudou meu rosto por uns momentos.

–O que você faria se o encontrasse? – indagou sério.

Balancei a cabeça em uma negativa.

–Eu de verdade não sei. Nada eu acho. Não estou em posição de fazer nada, não tenho escolhas. Se eu o encontrar vou tentar evitá-lo para não acabar como Isolda, casada com um, mas sofrendo por outro. Me permite perguntar uma coisa?

Jones revirou os olhos, se ajeitando no bote ao meu lado.

–Tudo bem.

–Como o senhor conheceu Milah? Não precisa responder se não quiser. Apenas me parece uma história interessante.

Gancho ficou observando as estrelas. Seus olhos estavam distantes, provavelmente no dia em que conheceu Milah. O deixei quieto nas lembranças, voltando a pegar o livro nas mãos.

–Eu tinha acabado de tomar esse navio, depois de perceber que não valia mais a pena trabalhar para a monarquia. Havíamos atracado no porto da cidade que ela morava, afinal eu queria fazer uma manutenção e mudar as cores do Jolly Roger. Então ela entrou na taberna, com um sorriso no rosto. – Killian abriu um sorriso nostálgico. – Nem olhou para onde estávamos, também éramos um bando de piratas iniciantes, ninguém nos tinha muito em conta.

–Como foi falar com ela?

– O navio iria demorar algumas semanas para ficar pronto. Eu era um garoto tentando seduzir uma mulher mais velha, achava que não seria possível. Claro, já tinha estado com outras mulheres, afinal eu era novo não puritano. Mas eu sentia algo diferente sobre ela. Um dia estava sozinho na taberna quando ela entrou, tomei coragem de ir até Milah e a chamei para se juntar comigo. Imagine minha decepção quando descobri que era casada.

–Mas isso não impediu em nada.

–Não. Começamos a nos encontrar todos os dias, então íamos para um quarto alugado na estalagem. – Killian riu quando eu fiz um careta.

–Detalhes demais, Jones. Corte os detalhes desnecessários, por favor. – pedi rindo.

–Então o navio ficou pronto e precisávamos zarpar. Não pensei duas vezes antes de chamá-la para ir comigo. Foram poucos dias, embora suficientes para saber que não queria ficar sem ela.

–“Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a intimidade, é só a disposição. Sete anos seriam insuficientes para algumas pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para outras”. – falei para Killian, batendo em seu braço com meu ombro.

–Quem disse isso? – indagou.

–É de um livro. Achei que se encaixa ao seu relacionamento com Milah.

–Sem dúvidas. Enfim, Milah sempre comentava como deveria ser ótimo conhecer o mundo além das águas de sua cidade, e de como não estava feliz com seu marido. Nunca vou me esquecer do brilho que seus olhos ganharam quando eu fiz o convite.

–E claro, que ela não pensou duas vezes em ir embora com você. – completei. – Não estou criticando, entretanto ela não pensou em Bae? Porque se fosse meu caso eu não abandonaria o meu filho. Claro que somos pessoas diferentes... mas mesmo assim. – dei de ombros. – Como ter coragem de abandonar uma parte sua? O marido eu até entendo, porém o filho é seu sangue também. Eu seria infeliz, mas incapaz de deixar um filho meu para trás para começar uma vida nova.

–Vai soar egoísta, contudo fico contente que ela não tinha o mesmo pensamento que o seu, caso contrário não teria vindo viver comigo. Vou lhe lembrar que Baelfire é apenas cinco anos mais novo que eu, ele já não era uma criança. E outra eu o convidei para vir conosco, ele preferiu ficar com o pai. Baelfire aceitou muito bem a partida da mãe.

–Pelo menos é o que ele diz. – retruquei. – Quanto tempo faz que o senhor a perdeu?

–Uns seis anos. Eu tinha 24. – respondeu prontamente, sem a necessidade de parar para pensar.

–E vocês nunca quiseram ter um filho no tempo que ficaram juntos?

–Eu não quero ser pai, Swan. Não quero filhos. Claro que Milah engravidou várias vezes, mas nenhum de nós dois queríamos, então eu a ajudava a tirar.

Me remexi incomodada com o que ele dissera. Pela primeira vez, eu o vi como um homem com capacidade para ser cruel. Sentei indo para a outra ponta do bote, encolhendo as pernas.

–Como pode dizer isso? Vocês dois... Eram vidas, Killian. – censurei. – Vidas que não tiveram culpa da luxuria dos dois.

–Swan... – Jones se sentou, tentando me tocar, porém eu me esquivei, contraindo o rosto. –Não eram vidas se nem chegaram a sair para esse mundo.

–Claro que eram! Se estavam crescendo e se desenvolvendo eram vidas sim. – rebati. – Por acaso o senhor já plantou feijão no algodão? – instiguei e Killian me olhou confuso com a pergunta.

–O que?

–Pitágoras. Ele e seus seguidores tinham um carinho especial por feijões, pois acreditavam que a vida começa do mesmo jeito. Um grão que cria broto e vai crescendo. O senhor já fez essa experiência?

Killian bufou irritado.

–Não Swan. Nunca fiz essa experiência.

–Pois deveria. Talvez assim comece a dar valor na vida. Boa noite, senhor. – grunhi irritada, me virando de costas para ele.

Pude escutá-lo respirando fundo.

–Emma eu não sirvo para ser pai. – falou por fim.

–Como o senhor pode saber se nunca deu chance?

Jones ficou em silêncio e eu virei o pescoço para encará-lo.

–Simples: porque eu não tive um pai, Swan. Não tive um pai para poder me espelhar.

Eu queria rebater, dizer que aquilo não era motivo para o que ele tinha feito. O que ele e Milah haviam feito, porém não consegui. Algo na maneira que Killian disse aquilo me fez ficar quieta e não dizer nada.

–Percebo que o senhor hoje está sem sono, embora eu esteja cansada. – atalhei por fim, com a voz dura.

Killian se colocou de pé, estendendo a mão para mim.

–Me desculpe por mantê-la acordada até tarde. Venha dormir.

–Boa noite, Killian.

Killian estalou a língua.

–Vá para a cabine, Emma. Deixe de ser teimosa.

–Estou sentindo falta de dormir aqui. – repliquei.

–Swan, é o que eu acho. Para mim não fiz nada de errado, foi melhor do que colocá-los no mundo para sofrer.

–Isso é o que o senhor acha e eu não sou obrigada a concordar. Tenho muito respeito por você, Jones, e nunca o critico porque não estou aqui para isso. Sinto muito se esperava uma reação diferente, mas como uma pessoa que espera ter filhos um dia, não consigo concordar com a atitude dos dois. Se somos amigos, saiba que amigos também discordam e falam para os outros quando agiu de forma errada.

Gancho bufou.

–Amanhã conversamos. – informei. – Apenas estou surpresa com o que o senhor me disse, apenas isso. Obrigada novamente pelo dia. Tenha uma boa noite.


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Notas finais do capítulo

Bom gente, foi isso espero que tenham gostado, porque eu penei um pouquinho para conseguir montar esse capítulo. Era para eu ter postado no final de semana passado, mas como não conseguiria postar nesse porque vou estar viajando, deixei para postar no meio da semana e não ficar muito tempo sumida.

Vou deixar algumas curiosidades aqui se caso surgiu dúvida durante o capítulo: O livro Fanny Hill foi lançado em 1748, mas por ter detalhes muitos explícitos para a época (está autora leu e pode concordar) foi proibido de continuar sendo publicado e o escritor e seus editores foram presos acusados de obscenidade. Para ter uma noção o livro ficou banido nos EUA até 1966.

*O sofá - segundo livro que Killian indica para Emma, é de 1742, é mais um livro criticando os costumes da época, onde o personagem (que é um sofá) testemunha atos amorais, que todos se faziam de horrorizados perante a sociedade, porém acabavam cometendo. Ainda não consegui ler o livro todo, apenas umas partes, to com uma porrada de livros pra ler, mas to ansiosa para conseguir ter tempo para ele. Inicialmente foi publicado anonimamente e de forma clandestina, porém quando Crébillon foi descoberto, ele foi exilado em Paris.

*A cabine de banho- sim, realmente existia e eu queria deixar o link da imagem para vocês, mas por algum motivo (provavelmente porque não salvei?) não estou achando salvo aqui. Quanto aos trajes de banho da época eram vestidos cheios de panos, usados com uma calça por baixo e geralmente era exigido botas. Não parecia realmente muito agradável tomar um banho de mar.

*Pitágoras e seus feijões- ele não apenas complicou nossa vida com os números. Ele proibiu seus seguidores de comer feijão, exatamente por imaginar que a vida humana começava do mesmo jeito. Pitágoras claramente não batia muito bem da cabeça e acreditava que se plantassem um grão de feijão durante 40 dias ele adotaria uma forma humana. Sendo assim para ele era como se estivesse se fartando da vida humana e todo seu potencial (?)

Filosofia e história não são uma coisa fantástica?

Espero novamente que tenham gostado do capítulo e qualquer dúvida perguntem, não me importo de esclarecer se caso eu deixe alguma. Obrigada novamente a Larissa pela recomendação, é sempre uma surpresa saber que vocês acham que está história vale a pena ser recomendada.

Acho que já disse tudo, tenham um ótimo fim de semana e nos vemos em breve eu espero.

Beijos.



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