A lente do meu óculos estava arranhada, o longo e fino traço esbranquiçado atrapalhava minha visão de maneira absurda, tentei um monte de técnicas idiotas e não consegui me livrar do borrão em minha vista, que já nem era tão boa assim. Agora andava por aí, dando esbarradas de leve e tropeços engraçados pelos caminhos que fazia, tinha que andar de cabelo preso e olhando pro chão, se levantava a cabeça pra sorrir, todos ao seu redor já saberiam o que viria em seguida, um pisar em falso, uma quase queda, um bambear irreal de pernas quando quase todas as vezes os braços dele a pegavam antes que seus joelhos chegassem ao chão. “Obrigada” eu murmurava sem saber se sorria pro cara que tinha pisado nos meus óculos, decisão difícil, né? Então você me dava um pseudo sorriso de canto, me guiava mais um pouco dai eu mirava o chão e dava uma desculpa qualquer pra não continuar minimamente dependente de você. Algumas vezes girei o objeto entre os dedos, focando bem no longo arranhão, me peguei sorrindo discretamente algumas vezes pra esse maleficio que guardava umas poucas, porém valiosas, memórias. Num surto eu liguei pra minha mãe, pedindo pra que ela trocasse a minha lente, ela me deu a resposta que eu queria secretamente, um “aguenta uns meses aí”. A verdade é que eu não queria me desfazer dos óculos e nem me desapegar de você, mas algumas coisas a gente escolhe, outras, a gente deixa a Vida levar, e ela escolheu levar você e me deixar com as memórias do que não fomos um dia.