Controlados- Interativa escrita por White Rabbit, Soulless


Capítulo 3
Capítulo 2- A Espiã


Notas iniciais do capítulo

Olá, aqui é o Murilo novamente, graças a Deus recebemos mais fichas e poderemos deixar a história fluir... Espero que gostem!!!!



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Valentine Sergeyev

The Spy

10 Years- Wasteland

Afundou as mãos para dentro do casaco, o inverno russo era sem dúvida o mais rigoroso de todos, ainda mais quando o planeta estava resfriando de forma tão veloz. Ela estava camuflada naquele casaco branco em meio as toneladas de neve que se erguiam como um tapete branco nas ruas da base russa. Crianças brincavam de guerra de neve junto as árvores mortas, quem dera tudo pudesse ser visto de forma tão inocente, quem dera se a maldade não existisse.

O vento gélido parecia cortar as maçãs de seu rosto, andava sem rumo aproveitando o pouco tempo de liberdade que era disponibilizado aos habitantes da Base Vykup- redenção em russo- viu quando os trabalhadores voltavam das petroleiras escondidos em seus casacos pretos, pareciam pingüins andando em meio a neve. Deu um pequeno sorriso espantando a angústia que o inverno costumava trazer. Deslizou os dedos pelos seus cabelos retirando os flocos de neve que porventura ficaram presos em seus fios.

Os militares andavam pelas ruas, portados de seus rifles e de suas bombas de efeito moral, como se alguém fosse tolo o suficiente para confrontar os tão poderosos soldados soviéticos. Boa parte da Rússia foi destruída durante o cataclismo, apenas a sua base manteve-se de pé. Quer dizer, sua base e algumas tribos escandinavas que até então estavam se escondendo do mundo, quem diria que tudo pudesse ficar tão louco.

Seus pés afundavam na neve fofa deixando a marca milimétrica das suas galochas, virou a direita na rua principal, onde ficava o palacete do czar russo e a base militar onde ela vivia. Sim, ela vivia com os militares e eles não eram tão maus quanto pareciam, exceto se você quebrasse as regras. Deu uma espiada pelas janelas das casas, viu diversas pessoas comendo e rindo como se tudo estivesse indo bem. “Quanta ingenuidade”, ela pensou, mas manteve suas palavras para si.

Sentia o cheiro de peru assado e de chocolate quente, era mesmo um grande dia pra comemorar. Desde que a catástrofe começou, guerras começaram, mas nenhuma delas apareceu nos tablóides da mídia, eram guerras escondidas e surdas, as nações que restaram de pé lutavam pelas nascentes de água, poços de petróleo e muitas outras coisas essenciais que eles não preservaram antes.

O Governo Russo lutava contra os Estados Unidos- um acerto de contas pela Guerra Fria talvez- pela posse das petroleiras que se erguiam junto aos mares gélidos que ficavam em uma parte da Rússia. Tudo culminou com a Batalha do Petróleo, a mesma batalha onde seu pai morrera, e desde então todos os dias os trabalhadores eram levados de helicóptero para lá, as vezes ficavam semanas fora, ás vezes um mês inteiro, mas como dizia o czar: “Tudo pelo progresso!”. E que grande progresso eles estavam tendo não, em cerca de quatro ou cinco anos o planeta iria morrer levando consigo toda a humanidade.

Os militares preparavam-se para fazer a ronda junto a cerca elétrica que separava a base do mundo lá fora, desde pequena ouvia que o mundo fora da base era cheio de monstros maléficos que comiam criancinhas e de coisas malignas que atacavam os humanos. Uma espécie de alienação para que ninguém saísse da base, afinal poucos animais da região sofreram mutações e todos foram exterminados, não havia perigo lá fora, pelo menos não um perigo visível.

O badalar do sino iniciou o toque de recolher, as crianças que estavam nas ruas agora corriam para a casa alegres por terem tido mais um dia feliz. Quem dera ela poder ser uma criança novamente. Ela apertou suas mãos contra as bochechas na tentativa de aquecê-las, o vento ficara mais forte do que antes e agora os flocos de neve caíam em maior densidade. Teriam uma nevasca?

Ela correu para dentro da base, deixando-se ser aliviada pelo calor gerados pelos aquecedores, os sargentos e coronéis jogavam uma animada partida de xadrez, quem diria que aqueles jovens vigorosos que lutaram para defender o seu povo acabariam assim, trancafiados numa base jogando xadrez e bebericando chocolate quente até o fim de suas vidas, que destino irônico não?

Ela atravessou a sala olhando para o chão, não estava a fim de conversas, sempre fora alegre e extrovertida, mas até mesmo o mar tinha que se irritar não é? Queria poder sair daquela base, poder conhecer o mundo além daquelas cercas. Sabia que coisas interessantes esperavam por ela em algum lugar deste planeta. Se ao menos soubesse que terminaria assim teria concluído o seu curso de psicologia e teria algo para fazer, mas Steve a forçou a sair.

Ah Steve, aquele desgraçado. Era ele a causa de sua raiva momentânea, por um momento desejou que bestas invadissem a base e devorassem a carne do seu ex-namorado. Cruzou os imensos corredores vermelhos da base, até chegar aos dormitórios femininos. Foi direto para o seu quarto, sem sequer olhar no rosto das oficiais que fofocavam animadamente no corredor.

Entrou no seu quarto bruscamente e jogou-se na cama, boas horas de sono seriam mais do que suficientes para acalmar os seus ânimos. Afinal amanhã ela teria um treinamento especializado, não que não estivesse acostumada com eles. Quando seu pai morreu na guerra ela tinha apenas quatorze anos e desde então viveu naquela base, treinando para um dia ser uma oficial. Se ao menos ela tivesse alguém com quem conversar, quando criança tinha um amigo imaginário, mas agora ele nunca dava o ar de sua graça.

A porta do quarto foi aberta, sua colega de quarto pulou para dentro do quarto. Gina Screyg era uma boa pessoa, apenas dois anos mais velha que Valentine, mantinha um espírito infantil nada era capaz de abalar a sua eterna felicidade, era ruiva, seus cabelos lembravam um monte de labaredas enquanto se mexiam, mantinha sempre um sorriso no rosto o que chegava a ser um tanto irritante ás vezes:

– Que frio está hoje não!- comentou a ruiva enquanto jogava seu casaco em algum canto do quarto- parece que teremos uma tempestade de neve hoje a noite, vai ficar impossível de fazer a ronda.

– Aposto que amanhã seremos obrigados a limpar a academia. Teremos treinamento de rotina- Valentine esboçou um pequeno sorriso- como sempre.

– É mesmo, eu quase me esqueci disso. Estou tão cansada, poderíamos pelo menos aproveitar o tempo de paz que temos, não dou um mês para que os Estados Unidos queiram se apossar do nosso petróleo.

– Acho que não, eles estão muito ocupados no tal projeto de salvar a humanidade, devem estar dando uma trégua.

– Sabe que ás vezes eu me sinto num filme- comentou a ruiva enquanto trocava de roupa.

– Como?

– Sim, o mundo a beira de um colapso, pessoas se isolando em bases militares, tudo isso é meio fantasioso não acha?

– Infelizmente é real.

Valentine fitou o teto avermelhado do quarto, todos os quartos do dormitório eram iguais, tinham as paredes azuladas, o piso de madeira avermelhada, uma luz branco-azulada iluminava o quarto. Sempre duas camas, um guarda-roupa e um banheiro. Os soldados tinham de acostumar-se desde cedo com pouco espaço e horários rigorosos, tinham de dar o exemplo.

– E você, vai ser mesmo psicóloga.

– Não, eu larguei o curso.

– E por quê?

Ela pensou em responder: “Por que aquele canalha do meu ex-namorado me iludiu a fazer isso.” Mas apenas sibilou algumas palavras incompreensíveis enquanto brincava com os seus próprios cabelos como sua mãe fazia quando ela era criança, se pelo menos sua mãe ainda estivesse viva, tudo estaria como sempre.

– Deixe pra lá, vejo que não quer comentar sobre o assunto- Gina deitou-se na cama bocejando alto- é melhor irmos dormir agora, provavelmente as quatro da madrugada estarão nos acordando pro treinamento de rotina.

Gina adormeceu poucos minutos depois, mas Valentine não conseguia dormir com facilidade, algo a incomodava, embora ela não tivesse idéia do que era. Mas era como um espeto que estivesse a cutucando o tempo inteiro, algo que ela precisava lembrar e que não conseguia. Deixou esses pensamentos de lado, e já era noite alta quando ela finalmente adormeceu.

° ° °

A Base Militar russa mantinha a academia da KGB, uma forma de preparar seus jovens para substituírem os soldados, eles acreditavam que estavam seguros dentro da base e que mesmo que o mundo acabasse eles poderiam “ficar pra semente”. E para sobreviver, era necessário treinar a sua juventude para que mesmo quando eles morressem tudo continuasse como era antes.

O centro de treinamento ficava nas proximidades da academia, era um local ao ar livre com diversas alas de treinamento que os soldados tinham de fazer todos os dias, iam de coisas simples como tiro ao alvo, até missões complexas como invadir uma base sem ser percebido. Valentine cresceu vendo aquele treinamento e já estava mais do que habituada a realizá-lo.

Havia uma infinidade de armas ali, desde armas brancas até armas de fogo potentes e perigosas que apenas os veteranos podiam manusear. O Sargento Sullivan era o encarregado de treinar os mais jovens, ele fora um dos sobreviventes da Batalha do Petróleo, que não havia lhe custado a vida, apenas o olho esquerdo que ele mantinha sempre oculto através de um tapa olho. Tinha cerca de quarenta cinco a cinqüenta anos, mas ainda mantinha um aspecto jovial e tinha todos os músculos ainda no lugar, apesar de seu aspecto maléfico ele era uma boa pessoa, menos quando estava treinando.

Logo pela manhã tiveram de retirar toda a neve do local, o “aquecimento” como dizia o sargento, depois tinha de escalar uma parede de pedras, saltar de uma corda para outra, atirar facas nos alvos e mais um milhão de coisas. Agora, eles estavam na aula de saltos. Diversas cordas eram amarrados em uma espécie de armação que servia de teto para o local do treinamento, tudo o que eles tinham que fazer era conseguir passar de uma corda para outra o mais rápido que conseguissem.

Era a vez de Valentine, ela detestava aquele treinamento, queria poder descansar o dia inteiro como as outras pessoas deviam estar fazendo, mas mesmo a contragosto ela era um soldado em treinamento, estava condenada a ser uma militar quando se formasse, logo o arrependimento de ter largado o curso tomou conta dela:

– Vamos logo Valentine, não temos o dia inteiro- gritou o sargento- os animais não vão esperar você estar preparada para te atacar!

Ela andou até a primeira corda, segurou-a firmemente com as duas mãos e prendeu seus pés na corda, era fácil, uma mãos depois a outra, uma mão depois a outra, e agora arrastar os pés que eles seguissem o mesmo curso, em pouco tempo estava no meio da corda, agora bastava fazer o impulso certo para que ela balançasse um pouco. Esticou a mão, mas não consegui pegar a próxima corda.

Deu um impulso mais fortes se jogando para frente, por sorte conseguiu agarrar a corda com as duas mãos ou teria sido uma queda feia. Refez o mesmo processo anterior e assim sucessivamente, suas mãos ardiam e o sangue parecia fervilhar dentro dela, fazer aquele treinamento todas as manhãs não era nada saudável. Restava agora a última corda, esta ficava mais distante de todas as demais, era necessário um impulso maior para que ela conseguisse alcançá-la.

Enrolou o seu pé direito na corda para que pudesse ficar melhor apoiada, jogou o seu corpo para frente, ainda segurando a corda, ela balançava no ar como um pássaro, deu uma olhadela para baixo, não devia ter feito isso, era como se o chão se distanciasse cada vez mais dela, sentiu as mãos enfraquecerem, não podia soltar a corda, tinha de ser rápida.

Desenrolou o seu pé num reflexo e quando a corda atingiu a altura certa se soltou, flutuou no ar por uns segundos até que suas mãos encontraram a outra corda, agarrou-se com força a ela prendendo suas pernas na mesa, estava ofegante e todos os músculos do seu corpo doíam, ela teria sido rápida o suficiente? Achava que sim, não agüentaria ter de repetir aquele movimento.

– Está tudo bem Valentine, você foi ótima, pode descer daí.

Ela deixou-se deslizar pela corda e seu coração só parou de palpitar quando seus pés atingiram o chão. Respirou fundo para acalmar-se, aquela era a sina dela, ser uma militar, colocar medo na população, punir os rebeldes e defender os oprimidos. Que grande coisa ela era.

Foi até a ala de armas brancas pegando uma faca qualquer, atirar em alguns alvos a acalmaria, mirou em um dos alvos, o mais distante de todos eles, não podia errar, era um compromisso com ela própria. Visualizou naquele alvo a face de Steve, céus como ela o odiava, pós o pé direito a frente e deu um pequeno impulso com o esquerdo, jogou o braço para frente lançando a faca prateada.

A mesma rodopiou no ar diversas vezes enquanto seguia o seu curso, e como em câmera lenta, fincou-se no centro do alvo. Sim, agora ela estava calma, sentiu as grossas mãos do sargento em seus ombros, ele sempre cuidava dela quando podia, não era um amor paterno, era mais uma obrigação de treinador.

– Você foi ótima- ele riu- continue assim e será uma das melhores.

– Obrigada- ela sibilou dando um largo sorriso.

– A propósito o czar quer ter uma conversa com você.

– Comigo?- ela assustou-se, o czar russo nunca falava com os militares, muito menos com míseros recrutas.

– Sim, ele está na sala de reuniões.

Será que ela tinha feito algo de tão grave assim? Preferia pensar que era apenas um engano, mas ainda assim enfrentou a neve que continuava a cair e foi até a sala de reuniões da academia. Enquanto andava pelos corredores, viu que as pessoas lhe lançaram olhares fúnebres, como se estivessem se despedindo dela. Finalmente chegou a a sala de reuniões. Estava vazia, ótimo, era apenas um engano mesmo. Mas antes que ela sequer se virasse sentiu duas mãos a agarrarem com força, ela se debateu e gritou, mas as mãos continuaram firmes e ela pode ouvir a voz grossa do sargento Sullivan:

– Meus parabéns Valentine, você foi recrutada para o Projeto Esperança- ele colocou um lenço em seu rosto, um cheiro adocicado inundou as suas narinas , ela sentiu sua vista embaçar e seus sentidos aos poucos irem desaparecendo- e é um convite irrecusável.

Queria reagir, fugir dali, mas apagou, tudo o que via era uma completa escuridão, já não sentia mais nada a não ser as mãos do sargento que aos poucos também sumiram, seria apenas um sonho? Não, infelizmente era a realidade. E que realidade.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, o próximo capítulo será um pouco... como se diz... quente!!! Literalmente falando. Não farei muitos capítulos de apresentação, os personagens serão trabalhados ao longo da fic, de maneira que vocês possam conhecer todos antes da primeira morte!!