Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 8
Capítulo 8




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Não posso me segurar ao constatar que o restaurante no qual jantaríamos é, na verdade, o restaurante da biblioteca de minha infância. O local está exatamente igual, com exceção dos funcionários que, embora sejam os mesmos, estão mais velhos. Olho para Bianca, e vejo que ela tem a mesma reação que eu.

Um homem de terno vem nos atender. Estou reparando que os uniformes também mudaram, quando olho no rosto dele. Pele morena, com cabelos pretos lisos e olhos igualmente escuros. Alto, com um olhar inquisidor que aprendi a reconhecer de longe. É Renato.

Renato fica me encarando por um tempo, até que uma mulher muito parecida com Diego vem na nossa direção.

– Renato, você deveria tê-los atendido, como no combinado. Olá, sou Melissa, a mãe do Diego. – ela se apresentou para Bianca e disse – É um prazer conhece-la Anne. Diego fala muito sobre você. – não pude evitar rir. Então ele também me chama pelo apelido em casa? – O que foi? Qual é a piada? – ela pergunta, com todos já sentados em seus lugares nas mesas. Eu e Diego de um lado e Melissa, Bianca e Thiago do outro.

– É que meu nome não é Anne.

– Como não? Então você é a Helena?! Meu Deus me desculpe!

– Melissa é meio enrolada. – diz Thiago. – Ela sempre confunde você e a outra garota, a Anne.

– Mas elas são idênticas! De acordo com Diego, as duas são ruivas, as duas adoram escrever, as duas tocam violão… - não consegui resistir a rir mais uma vez.

– Eu sou Anne, mas também sou Helena.

– Ahn… Como assim?

– Sou Helena. Anne é só um apelido.

– Mas por que Anne?

– Anne Bonny – explica Diego. – Ela era a pirata ruiva mais temida da história. Conhecida pela astúcia, inteligência e por ter saqueado mais navios da marinha do que o mais temido pirata da história, Barba Negra.

– Desse finalzinho você não tinha me contado. – reclamo

– Descobri ontem. – ele tira um livro do bolso. – Tudo sobre piratas.

– É por causa dela que você ficou até uma da manhã lendo esse livro ontem?

– Você…

– É.

– Uau. Há essa hora eu já estava dormindo na árvore.

– Você dorme em uma árvore? – pergunta Thiago, confuso.

– De vez em quando eu a deixo dormir lá. – diz Bianca. – Nós fazíamos muito isso com o avô dela. Sabe… O trio improvável, mas infalível.

– Ele…

– É. – respondo. Não queria adiar mais essa conversa. Além do mais, nós duas sabíamos o que as reticências significavam. Além das palavras vazias de consolo, significavam o choro e uma noite com a promessa de ser maravilhosa arruinada. – Então, vamos pedir? – tento desviar do assunto, e ainda bem que dá certo. A família de Diego é apaixonada por comida.

– Certo. – Diego me ajuda a fugir da conversa. – Mãe, que tal jogarmos Eu escolho?

– Seria uma ótima ideia, mas eu não sei se Helena e Bianca iam gostar da ideia do jogo.

– Como é esse jogo? Estou curiosa agora. – Bianca está finalmente se animando com a perspectiva de um jantar sem o vovô.

– É muito bom! – Diego está tão animado, que parece uma criança de cinco anos que acaba de encontrar o Mickey em um parque da Disney. – Basicamente, nós sorteamos pares. Cada pessoa escolhe a comida do par, e a pessoa que prova a comida tem que adivinhar o que está provando.

– Quem ganha?

– Não tem um vencedor. É só um jogo que meus pais inventaram quando eu era mais novo para que eu experimentasse as coisas.

– Especialmente legumes.

Isso causa a gargalhada geral.

Melissa chama Renato que, após me reconhecer, faz os pedidos secretos, leva para o chef e volta.

Depois de muitos comentários do tipo como você cresceu:

– Então Renato, você ainda tem aquele livro de contos? – pergunto.

– Você se lembra?

– Claro que lembro! Eu quero ser escritora por causa do seu livro.

– Jura? Que legal. Eu o tenho sim. Eu tinha feito uma impressão para te dar de Natal há anos atrás, mas achei que você não ia gostar.

– Caramba. Eu sempre quis.

– Feliz Natal atrasado. – ele me entrega o livro e eu o abraço, animadíssima. – Bem, eu tenho que ir. Espero que tenha gostado.

– De onde você o conhece? – pergunta Diego.

– Quando eu era criança, nós vínhamos muito aqui, e era sempre ele que nos atendia. Depois, ele virou meu babá.

– Nossa. Que mundo pequeno.

Nisso, os pais e avó conversavam e eu e Diego estávamos em nosso universo paralelo.

– Então quer dizer que você não é uma nerd de verdade?

– Como assim? Eu sou nerd. Só não sei jogar Pokémon.

– Isso exclui a definição “nerd” do seu extenso currículo. Aceite, ou tente mudar.

– Eu tenho alguns decks, mas não tenho com quem jogar.

– Quer dizer que você só não sabe jogar Pokémon por falta de rival?

– Exato.

– Então vamos jogar.

– Quando?

– Agora. – quando tento entender e fico com minha cara de “o quê?!” ele sorri torto e enfia a mão na bolsa de sua mãe. Quando levanta a mão, entre os dedos estão dois decks presos com elásticos. Ele fecha um em cada mão e estica as duas mãos. – Escolhe.

Cutuco a mão da direita e ele me entrega o deck.

– Eu posso olhar as cartas?

–Calma! Primeiro você tem que embaralhar. Depois tire as sete primeiras cartas do deck e ponha-as na sua mão. – faço exatamente como ele diz. – Como eu vou explicar as regras, nós vamos mostrar as cartas. – ponho as cartas na mesa, viradas para cima. – Você tem alguma carta de Pokémon básico na mão. – examino as cartas.

– Não, eu não tenho. – respondo.

– Então você tem que mostrar as cartas para o adversário, devolvê-las ao deck e embaralhar novamente. – cumpro as instruções e pego uma nova mão de sete cartas. – Ótimo. Agora você tem algum Pokémon básico?

– Tenho. O Pikachu, o Squirtle e o Charmander.

– Então coloca um deles virado para baixo na mesa. Eu faço a mesma coisa. – ponho o Charmander. – Agora você pode colocar até cinco Pokémon básicos virados para baixo atrás desse – ele aponta Charmander. – essa vai ser sua bancada. Ok? – faço que sim. – Beleza. Agora você pega seis cartas do seu deck. Essas vão ser suas cartas premiadas.

– Para o que elas servem?

– Tenha paciência pequeno gafanhoto. Ainda vai saber. – rio. Ele pega uma moeda de cinquenta centavos do bolso. – Cara ou coroa?

– Coroa. – ele joga para cima, pega e põe na palma da outra mão. Cara.

– Eu começo. Agora eu tiro uma carta. Depois você pode colocar Pokémon na bancada, evoluir Pokémon, colocar uma carta de energia em um de seus Pokémon, jogar uma carta de treinador, torcedor ou estádio por partida, retirar o Pokémon ativo e usar Poké-Powers. Para atacar, você precisa ter energia suficiente no Pokémon para fazer o ataque. ‘Tá vendo? Aqui, embaixo do nome do ataque, está especificado o tipo de energia. A estrelinha quer dizer “qualquer tipo”.

– Diego, eu estou sem óculos. Você me ajuda com os efeitos e energias?

– Claro. Mas ainda acho que se você usar os óculos é mais fácil.

– Eu não trouxe. Esqueci em casa.

– Mas eu trouxe. – ele estica o par de óculos. Pego e os visto. Vejo tudo com mais clareza e, mais uma vez, me impressiono com o rosto de Diego. Quando estou sem os óculos, acabo imaginando o rosto dele, e adequando a minha imagem mental à sombra e luz do ambiente. Mas, por mais que meu cérebro, assim como todos, sempre crie uma imagem perfeccionista, ele consegue ser mais bonito do que na minha cabeça. – Eh… Por que você está me encarando?

– Como assim… Eu, eh… eu não estou te encarando.

– Vou fingir que essa não aconteceu. Mas eu vi, hein! – rio muito com a cara de safado dele.

– Ainda bem. Então, quando as cartas premiadas entram?

– Quando você vence uma batalha, você pega uma carta. O jogo termina quando um dos jogadores pega todas as suas cartas premiadas, algum dos jogadores não tem mais nenhum Pokémon ou um dos decks acaba.

– Então vamos jogar. Acho que já peguei o ritmo da coisa.

– Acho melhor deixarem para depois. – diz Bianca. – O jantar chegou.

Á mera menção do jantar, Diego tampa meus olhos com uma rapidez desesperada.

– Você também não pode olhar Diego. – digo.

Ele pega minha mão e a coloca sobre seus olhos. Tento entender o que acontece enquanto o mundo é escuro para mim. Até que ele diz:

– Assim você pode ter certeza de que eu não vou ver o que você escolheu. – diz ele. Quando Renato diz que todos os pratos estão na mesa, a situação se complica.

– Anne, você pode me ajudar aqui? Não consigo achar o prato. – vejo Diego, com os olhos tampados por minha mão, tentando dar uma garfada. Enquanto me controlo para não rir, ele quase quebra o copo com suco, então pego o garfo e tento ajudar:

– Deixe que eu resolva o seu problema. – pego o garfo da mão dele, pego uma garfada do risoto de alguma coisa que pedi por ele, e entrego o garfo na mão dele. Diego ainda parece meio desnorteado e, depois de conseguir quase enfiar o garfo no nariz, ele prova.

– Arroz de Lula! – exclama ele, com o sucesso estampado no rosto. – Acertei?

– Não sei.

– Como não sabe?

– Eu não olhei o cardápio. Só pedi a sugestão do chef do dia.

– Então é arroz de frutos do mar e você pegou justo uma lula, certo?

– Deve ser. Posso botar os óculos agora?

– Pode. Caramba! Foi isso que eu pedi para você! Ops! Você não tinha provado ainda?

– Não. Mas agora sei que vou acertar o chute quando disser arroz de frutos do mar.

– Não! É risoto de frutos do mar!

– Não venha me falar que eu disse errado, porque você anunciou o prato falando o nome errado.

– Justo. Mas e se eu tiver feito isso de propósito?

– No final você também errou. Então não teria adiantado nada.

Ele suspira.

– Não importa. No final, não há vencedores.

– Só Anne e o Sr. Potter.

Comemos, e o risoto estava ótimo! O resto da refeição se passa em um silêncio confortável por parte de nós dois.

– Sabe Anne, estive pensando… – Diego estava falando meio enrolado, como se tivesse ficado embriagado pela quantidade de comida. Não sei como ele consegue comer tanto e continuar magro! Não o deixo terminar a frase:

– Ah não! Você está pensando! Fujam! – rio da cara dele.

– Não, é sério! Isso está me incomodando dês de que o mendigo interrompeu a conversa lá em cima da árvore. – “oh não!”, penso. “Tomara que ele não esteja falando sobre o que eu disse um pouco antes do aparecimento do mendigo. Se ele estiver pensando nisso, estou ferrada.”. – Sabe, é que eu não entendi muito bem o que você me disse lá em cima. Alguma coisa sobre loiras de farmácia, beleza e, a parte mais estranha de todas… alguma coisa sobre dar em cima de mim. O que foi aquilo?!

– Se eu só me interessasse por você por sua beleza, eu seria uma daquelas loiras de farmácia da escola e estaria dando em cima de você de uma maneira muito mais óbvia. Foi isso que eu disse. Era pra ser uma brincadeira.

– Ah. – ele ri. – Com essas palavras podia ser tudo menos uma brincadeira. – outra risada. A conversa estava me levando para um beco sem saída, e era eu que estava contra a parede. – Sinceramente, na hora, eu achei que estava dizendo que gosta de mim. Mas agora dá perfeitamente para ver que você só não conseguiu resistir à minha beleza – ele faz outra cara de Zac Efron, que me alivia muito.

– A cara de “sei que sou sexy” está perdendo o efeito. – rio. – Você precisa de uma nova cara de ator.

– Okay. Vou trabalhar nisso.

Quando ele diz isso, Renato pergunta se algum de nós quer sobremesa, mas estávamos muito cheios para comer qualquer outra coisa. Então só pedimos a conta, que chega muito rápido.

Na porta de casa, o grupo se divide. Eu e Bianca entramos em casa e Diego vai embora com a promessa de conversas diárias no whatsapp à noite e um vídeo da merda que eles farão esse ano. Seja lá o que ela for.

Quando chegamos a casa, eu e Bianca nos abraçamos fortemente, comemorando a noite, o emprego dela e o futuro, que prometia ser melhor que o passado.


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