Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 21
Capítulo




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Acordo com algo lambendo meu nariz… Espera. Tem algo lambendo meu nariz!

Levanto, sobressaltada. Eca! O que é isso?! Espera, estou em casa? Olhando em volta, reconheci minha sala. E o piano, meus livros, meu violão… E meu Diego, com o braço envolto em mim. Há uma mão brincando com um fio de cabelo meu, mas ainda não sei o que me lambeu. Até que a coisa pula. Uma criatura peluda e simpática que levantou as patinhas e as colocou sobre meu braço. O pelo cinzento está um pouco grande, mas ainda é possível ver seus grandes olhos azuis. É o cachorro mais fofo que já vi.

Diego põe seu rosto em frente ao meu, se debruçando um pouco.

– Bom dia, flor do dia! – ele me dá um beijo e se levanta meio apressado. Segura o cachorro no colo e “briga” com ele. – Ei, garotão. Eu sei que ela é linda, mas ela é minha. Pelo menos por hoje. Não adianta lamber o nariz dela não! Á propósito, não é para lamber os narizes das pessoas! – ele o fez fazendo um cafuné, ao qual o cachorro reage da maneira mais animada possível. Pula para o chão e começa a correr em círculos balançando o rabo. Ele é uma graça!

– Ei, o que houve? Como eu cheguei aqui? E de quem é esse cachorro?

– Quando você dormiu, Lis me ligou e pediu para eu te trazer para casa. Ela queria que você conseguisse dormir bem para hoje.

– Lis estava realmente animada com o encontro noite passada. – comento, com uma risada contida. – E o cachorro?

– Ele é seu! Além de hoje ser o nosso primeiro e único dia como namorados, é uma data especial!

– Que dia é hoje? Doze?

– Hoje é dia 14 de Novembro, seu aniversário! – a falta de entendimento dentro de mim é rapidamente substituída por gratidão e felicidade. Como é possível que ele estivesse mais animado que eu com meu próprio aniversário? Pulo em seus braços e ele se joga na poltrona, me levando junto. Enquanto isso, o simpático cachorro corre em círculos. Alegre, apesar de não compreender o que está acontecendo. Diego me faz olhar no fundo de seus olhos, mantendo-me longe de seu abraço por um instante. Algo está diferente… Só não sei o que…

– O senhor Potter está de volta! – a cicatriz que pus em sua testa foi redesenhada e agora está lá, no mesmo lugar. – Agora só faltam os seus velhos óculos. – sobre o piano, ao lado das partituras, encontro-os. Os coloco sobre seus olhos, e eles parecem envergar um pouco quando obrigados a caber atrás das orelhas. Rindo, reparei no quanto ele havia crescido. Eles agora pareciam mais naturais nele do que antes, mas ainda assim esse modelo de óculos em Diego me causa certo estranhamento. Ele tira os meus óculos de trás da cabeça e os coloca em mim.

– Uau! – por mais que possa parecer intencional, a exclamação que sai de sua boca é totalmente espontânea, o que se torna um dos meus melhores momentos: tirar uma exclamação daquele garoto que me acha com toda a imprevisibilidade da minha pessoa, previsível. – agora sei como você sentiu na escola quando eu te obriguei a usar os óculos pela primeira vez. Você está cada vez mais bonita, se é que é possível.

– Isso é tudo por conta de meu aniversário?

– Não. É só porque eu penso isso a cada dia e, agora que somos namorados por um dia, você não pode dizer que eu não devo dizer isso por não ter nenhuma relação romântica contigo, ainda que nós dois saibamos que nós estamos meio que namorando há muito tempo. – Como ele pode ser tão fofo? Por favor, alguém me responda! O garoto aproxima a boca dele da minha e, antes que qualquer coisa aconteça, sinto um par de mãos me segurando. Mãos fortes com dedos longos e finos. Kat.

– Gente, pelo menos vão para um quarto! – rio. Típico dela.

– Ei! Kat!

– Desculpa, mas você esqueceu as coisas dela lá em casa Diego. Ei, vamos no Starbucks? Duvido que vocês tenham tomado café da manhã.

– Justo. Estou dentro. E você Diego?

– Também. Só tenho que trocar de roupa. E você também. Está de pijamas e dessa vez não fui eu que o vesti em você. – enquanto rio, lembrando-me dos diversos incidentes, Kat fica mais perplexa a cada instante.

– Espera… Você trocou a roupa dela?!

– Foi há muito tempo. – tento amenizar a informação, sem perceber que só a estava piorando.

– Quando vocês eram crianças ele fez isso?! Diz-me que foi só uma vez e uma situação de emergência.

– Se eu te dissesse isso seria mais fácil de absorver…?

– Ai meu Deus! Não… Não me diz mais nada! Às vezes, a ignorância é uma bênção! – só podemos rir. Ela também ri, por trás da perplexidade.

Ainda que Diego já tivesse idade para tirar a carteira, ainda não havia conseguido o horário, e o resto do grupo normalmente funciona à base de carona. Então a solução é ir de bicicleta ao Starbucks.

Chegando lá, fiz meu pedido de sempre e o encharco de canela. Então, me junto ao pessoal. Kat e Diego têm os olhos grudados em um grupo quase tão barulhento quanto eu e as garotas. Eles gritavam uns sobre os outros para conversar com uma garota que alguns chamavam de Blue, outros de Lou e outros ainda de Lulu. A curiosidade bate à minha porta. Não podem existir muitas Louises na cidade, podem?

A realidade finalmente dá as caras, quando vejo um deles perguntando a um Ipad se está frio ou congelando lá na Alemanha.

– Ouviram isso? – Kat acena com a cabeça, enquanto Diego continua sem compreender nada. Eu e ela nos levantamos, deixamos as bebidas sobre a mesa e tentamos enxergar por sobre os ombros. Kat, claro, consegue identificar Louise. Do alto de seus 1,80 metros seria quase impossível que ela não reparasse em algo. Ela deveria jogar basquete! Bem, ela já jogou… Mas isso é história para outra hora. Agora, concentremos no que está acontecendo. – É ela. – primeiro sussurra para mim. Então faz um movimento para falar com um dos garotos, quando Louise berra pelo Ipad:

– Siiiiiiisssss! – os amigos dela só se entreolham, confusos, enquanto eu e Kat rimos. Aqui ou lá, Louise sempre será Louise. – Como você encontrou o pessoal? Gente, vocês já conhecem a Sis? E a Helena? Você me prometeu que ia tomar conta dela!

– Obrigada pela preocupação. – ri, tentando encontrar uma resposta plausível.

– Feliz Aniversário! – Louise parecia até mais animada do que o normal (se é que isso é possível). Fico realmente feliz por ela. – Pessoal, vocês lembram quando eu falei da Helena e da Kat? São elas! – nesse momento, todos parecem automaticamente nos reconhecer. Acabamos dentro de um abraço coletivo, dentro do qual ouço alguns desejos de “feliz aniversário” aqui e ali. Então Diego chega e tenta compreender. – E esse é o Diego. O namorado ciumento da Helena. – alguns dizem oi, enquanto outros implicam com ele. Parecem amigos instantâneos.

Um dos garotos, com olhos azuis claramente feitos por lentes, se aproxima e se apresenta como Gustavo. Eu e Kat nos entreolhamos e acabamos por gritar em uníssono:

– Gus?! – Louise somente fez rir.

– Elas sabem da história da Laura? – Gustavo parecia chocado, mas, ao mesmo tempo, divertido.

– Elas sabem. – Laura aparece, como que brotando do chão, e me dá um abraço. – Helena! Que bom te ver! Feliz aniversário! – Eu a conheci pela Louise, e nós conversamos umas vezes por Skype, mas nunca ao vivo. É a única pessoa do grupo de amigos fotógrafos de Louise que conheço. Laura é quase uma cópia fiel de Louise. As únicas diferenças são: o cabelo castanho de Laura, os olhos dela (que são mais claros) e o gosto musical (apesar de ambas gostarem das mesmas bandas, Laura é bem mais inclinada ao rock que Louise. Ambas têm uma paixão por Asking Alexandria, por exemplo, mas em diferentes níveis). Fora isso, são idênticas. Poderiam ser irmãs! – Então você é o famoso Diego? Caramba, Helena tinha razão. Diz-me que você já saiu com ele – “sussurra” em meu ouvido. – Porque se você não for vai perdê-lo.

– Vamos sair hoje à noite. – Diego já está se animando na conversa.

– O que vocês combinaram?

– Não posso dizer. Helena não sabe de nada. O encontro todo será uma surpresa. – a partir daí, eles se sentam em uma mesa separada e conversam animados. Eu e Kat (ainda que juntos do resto do grupo) nos sentamos em uma mesa só nossa. Ainda que seja um grupo unido, todos eles acabam se concentrando em conversas paralelas.

– Ei, Kat, você já escreveu mais algum capítulo? – Kat escreve uma história (maravilhosa e viciante) sobre o apocalipse. Infelizmente, ela não foi publicada. Ainda assim, eu a leio e estou apaixonada pela história. – Me diz que o Luca já apareceu.

– Não… Você sabe que ele só aparece no fim do capítulo!

– Mas você faz muito mistério em cima dele. Eu quero ler sobre ele logo!

– Paciência pequeno gafanhoto. Algum momento você vai ler sobre ele e entender como ele pode ser mais fofo que o Nick. – Nick (Nicholas) é um dos personagens da história. Ele e a principal são muito fofos juntos (ainda estou trabalhando em um shipper para eles), mas Kat me disse que o Luca, que ainda não apareceu na história, é muito mais fofo que o Nick. Ela chegou a parecer assustada quando comentei sobre o quanto Nick era um personagem “fofonildo”, e afirmou que ele não é nada em comparação a Luca. Desde então, estou parecendo uma fangirl com esse garoto, sobre o qual nunca li e que na verdade nem existe. – Faltam apenas umas duas cenas.

– Então escreve! Por favor! – Kat ri, histericamente. Ela parece se divertir muito com meu desespero por capítulos novos. Pareço dependente! Talvez seja isso mesmo. Eu estou para a leitura assim como alguns estão para o álcool ou para as drogas. A diferença, é que o meu vício não mata, só enriquece. Ela levanta o celular com certa cerimônia e encosta o dedão levemente na tela. Ela gosta de usar o identificador de digitais para que ninguém saiba de sua senha. Então, após fingir digitar (ao invés de observar atentamente a tela do aparelho, com a ponta da língua para fora da boca e apontada para cima, da maneira que sempre faz sem perceber, ela sorria para mim e dividia o olhar entre a amiga desesperada e o aparelho) me entrega o telefone. O desespero e a vontade de ler devem ser extremos, porque ela não parava de rir de mim. Ela bebia seu capuchino enquanto brincava com os dedos, uma de suas especialidades. Punha o dedão nas costas da mão à qual ele pertence de maneira definitivamente não natural, fazia o gesto Vulcano de STAR TRECK e movia a última parte do dedo do meio sem mover o resto do dedo… Kat simplesmente faz o que faz de melhor: é ela mesma.

A cena escrita é a mais chocante possível. Kat não poderia ter sido mais expressiva em descrever cada ínfimo detalhe. Quando eles encontraram o outro grupo que parecia amigável, quando eles os traíram… Luca parecia um monstro, mas um monstro arrependido. Não sei o que fazer, não sei o que pensar. Só o que consigo é continuar lendo. Descendo o dedo indicador na tela do celular para continuar um capítulo tão bem escrito que parece ter sido lido e relido, escrito e reescrito milhares de vezes. Mas eu sei que só foi escrito uma vez. E talvez não tenha sido nem ao menos relido. Ela não o aprimoraria. Nem a nenhum dos outros capítulos. Por duas simples razões: (a)Eles não podem ser melhorados e (b) ela não consegue. Ou escreve tudo do zero ou deixa da maneira que foi escrito.

As palavras estão acabando, e minha sede por mais só vai aumentando à medida que elas se esvaem. Uma orla deles está se aproximando, e a personagem principal não consegue fazer nada. Está ferida, e a única coisa que a apavora mais que morrer e se tornar um deles, é machucar seus amigos quando não tiver mais controle sobre o próprio corpo. Então, quando uma última e derrotada lágrima escorre silenciosa por sua bochecha, ouve o som de tiros. Um só, na cabeça do monstro que se aproximava dela. Então, duas mãos calejadas a seguram. Sua cabeça bate no chão e, com a força da pancada somada à falta de comida e água, tudo se torna escuro. Ainda assim, consegue ouvir algo, como se estivesse acontecendo a um quarteirão de distância. Um tiro passa de raspão por sua orelha, e o dono das mãos a segura mais junto a seu corpo. Sem saber por que, ela se sente mais segura perto dele. Como se já estivesse acostumada com seu abraço. Outro tiro. Uma exclamação de dor e então…

– Kat… você não pode me dizer que parou de escrever aqui. – ela tenta manter a postura séria e responde que parou ali sim, e que não sabe como continuar. – Tenho que admitir que também não sei como. Mas… É O LUCA! – ela se diverte com minha animação, mas ainda assim me lembra de que estamos em um ambiente fechado e que não há necessidade de eu gritar. Só a Kat mesmo.

Diego se aproxima, junto com Laura, que comenta o quanto vou gostar do encontro e o quão animada está para ver minha reação no dia seguinte. Quanto mais ela falava, mais curiosa eu ficava. Parecia ser essa a sua verdadeira intenção, porque sorria sempre que eu reclamava de nervosismo ou curiosidade.

Todos vamos almoçar numa churrascaria no almoço. E com todos, quero dizer eu, Diego, Laura, Kat, Lis, Isis e uma Louise pixelizada. As cadeiras são geladas, e nossa mesa é bem no meio da praça de alimentação de um shopping “pouco povoado”. Estranhei um pouco o lugar, até que a carne chegou. Quando eu a vi, todas as minhas dúvidas sobre o lugar desapareceram completamente. Uma pedra quente vinha com várias carnes e algumas linguiças, que chiam enquanto a gordura nelas queima e a fumaça se arrasta, presunçosa, pelo ar e enche os passantes de uma fome incontrolável. Junto com as carnes, arroz, feijão, farofa e vinagrete.


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