If I die young escrita por hidechan


Capítulo 1
Capítulo I: Para te encontrar, parte 1


Notas iniciais do capítulo

- Sejam bem vindos! Mais uma fic - drama ^^espero que gostem.
— Não se sintam obrigados a comentar, fiquem a vontade para mandar mensagens e olhar o perfil! (nm mordo ;3;)
— MxM é o meu OTP, então espero que o carinho chegue até cada um de vocês.
— Enjoy.



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- Boa tarde também, Dr. _se despediu de maneira educada.

A porta branca de madeira foi fechada atrás de si, esperou dois segundos inteiros antes de recomeçar sua caminhada em direção à saída do extenso corredor. O motivo de sua hesitação era o pedaço de papel amassado entre seus dedos; impresso com tinta vagabunda e uma impressora falha, estava o destino de sua vida miserável. Mas ele não queria pensar naquilo agora, primeiro voltaria para casa – se é que aquilo podia ser chamado de casa – então sentaria no sofá imundo, sim... isso parecia bom..., passaria seu último dia de paz vendo o sol cair através da única janela com vidros da construção só então a ficha cairia e por fim o pânico tomaria conta de toda a sua mente.

Pânico? Por que estava tentando se enganar? Já estava com a notícia ali em mãos e não sentia nada além do tédio habitual! O leve rubor que tomou seu rosto momentos atrás, enquanto conversava com o médico, foi o máximo que seu instinto conseguiu expressar.

- ...bom, que seja _atirou a folha na lata de lixo e passou pela porta de vidro.

O sol ainda estava alto, esperar o circular sob aquela condição era quase desumano naquela época do ano, mas Matt tinha que admitir: ter dinheiro para usar o transporte público era quase uma benção, pois seria quase uma hora de caminhada caso não tivesse.

A comunidade Fé e Esperança fora fundada a mais de 60 anos, como toda comunidade, ela abrigava pessoas pobres, violência, caridade e mais pessoas pobres, mas tudo isso era compensado pelas boas histórias que se encontravam por lá. Cada morador podia gastar um dia inteiro contando suas experiências de vida, sejam elas boas ou ruins. O garoto ruivo, o único com a genética rara do morro onde tinha seu barraco, obviamente não era exceção, apesar de ninguém saber exatamente o que acontecera em sua vida – também não tinham real interesse em saber. Só sabiam que ele morava ali, escondido na viela entre duas casas altas, e que não fazia a menor diferença na vida da comunidade.

Exatamente o tipo de morador que eles preferiam ter. Não atraia a polícia, não atraia a mídia; atraia um pouco de azar, mas isso era somente folclore.

- Boa tarde _cumprimentou a mulher do alto da janela _...Matt, boa tarde! _repetiu, agora aumentando o tom de voz.

- Oh... boa tarde Sra. Keehl _acenou _como está?

- Como sempre _sorriu de maneira leve, balançando os cabelos no vento.

A loira simpática pediu para que esperasse um minuto e sumiu cômodo adentro, ela gostava de conversar com o ruivo sempre que o encontrava, nascida e crescida no morro, conhecia cada morador; sempre era bajulada e retribuía com carinho.

- Fiz um bolo hoje cedo... guardei um pedaço para comer depois, mas resolvi da-lo a você _estendeu o pacote pequeno deixando o outro encabulado.

- Não... não precisava _aceitou.

- No geral não te ajudo, pois ainda é jovem e forte, mas hoje seu rosto leve está um pouco tenso, achei que mimar você um pouquinho faria bem.

- Obrigado... ah... obrigado mesmo _respirou fundo relaxando os músculos do rosto.

- Bom, vou voltar lá ‘pra dentro, o toque de recolher está bem rígido essa semana _ergueu o rosto para o alto sentindo a brisa do entardecer.

- Mais uma vez obrigado, tenha uma boa noite _se despediu da mulher com um sorriso, a esperou tomar a segurança de seu lar antes de virar as costas e continuar a caminhada.

A ladeira deixou o fumante sem ar, como fazia todos os dias, olhou para trás e acendeu um cigarro. “Ainda consigo te vencer” pensou orgulhoso, os 10 anos de fumante ainda não foram necessários para tirar totalmente a vitalidade de seus pulmões.

Adentrou o barraco, não antes de tirar os sapatos sujos de terra, gostava de manter o chão limpo a fim de evitar ratos e baratas; era pobre, mas não era burro – como diz a crença dos ricos. Morrer de alguma doença “evitável” seria o mesmo que esmurrar seu orgulho. A única coisa realmente detestável era o sofá: encardido, mofado e rasgado, entretanto ainda era um móvel confortável. Era isso ou ficar no chão; o usava como cadeira e cama.

O dia estava quase no fim, precisava se livrar do suor, colocar as roupas de molho, comer e só então dormir. Assim que deitasse, sua obrigação diária de sobreviver teria chego ao fim; um grande alívio. Felizmente hoje ele não teria que se preocupar com o jantar, graças a bondosa vizinha, teria o que comer.

A mulher de antes é conhecida por todos como Catarina, mas um dia, conversando com o ruivo, descobriu que seu sobrenome difícil era de origem alemã e ela achava que isso era a única coisa legal de sua vida humilde. “Sou pobre, mas pelo menos meu sobrenome é cheio de glamour” se gabou certa vez, de brincadeira; infelizmente era complicado de mais para se pronunciar e os moradores logo esqueceram. Matt adotou carinhosamente essa forma de chamá-la em retribuição a atenção que ela lhe dava. Com seus 39 anos, vivia sozinha numa kitnet de dois cômodos; por sua beleza rara naquele pedaço de terra, muitos homens tentavam uma chance e por sorte nunca chegaram a fazer-lhe mal quando rejeitados; ela mantinha os cabelos loiros e longos sempre soltos, corpo esguio, pele branca e macia. “Como conseguia tal proeza vivendo debaixo do sol forte e má alimentação?” Pensava o garoto toda vez que a via. Com a aparência de 20 e poucos anos, até ele se deitaria com ela... uuh, não, melhor tirar aqueles pensamentos infames se não quisesse levar um tiro.

Marcas de violência já tinha de sobra, uma bala perdida atravessara sua perna anos atrás, quando era apenas um garotinho. Também tinha outras cicatrizes feitas por objetos cortantes, bom... sempre acontecia nas brigas de rua.

Agora deitado, devidamente limpo e quase totalmente alimentado – era um homem de 1,75 comia bem mais do que um pedaço de bolo – fechou os olhos para descansar; amanhã voltaria ao trabalho na serralheria do Senhor Edgar como se nada tivesse acontecido. Ele perguntaria como fora a visita ao consultório médico... e então diria que estava apenas com pressão baixa ou algo do tipo, mentir de vez em quando não matará ninguém...

...

“Mail... Mail por favor... eu não quero morrer sem dizer a minha história... meu pequeno Mail Jeevas”.

Os olhos verdes arregalaram no meio da madrugada, logo as lágrimas vieram com força e escaparam molhando a almofada que servia diariamente como travesseiro. O ruivo tapou a boca a fim de conter a náusea, que dessa vez estava bem fraca, um alívio.

- ...droga... odeio esses sonhos _murmurou para si mesmo.

Ficou mais um minuto ou dois tentando enxergar algo na escuridão para enfim mudar a posição no sofá e voltar a dormir. A partir de agora, passaria seus dias com muita ansiedade e medo, a qualquer momento sua previsão se tornaria realidade.

E esse era o motivo dos moradores acharem que ele trazia azar: eles não sabiam sobre seus sonhos, mas as pessoas iam até ele para conversar, não importava se o conheciam, era como se o ruivo atraísse a atenção delas num dia qualquer; durante a conversa, elas contavam suas vidas, mesmo sem terem uma razão pra isso e logo após, na mesma noite ou semana, morriam. Causa natural ou não, elas apenas cruzavam a linha e iam embora. Não demorou muito para perceberem, então muitos fugiam de sua presença; quanta bobagem... o garoto não tinha culpa ser um pouco médium e nunca quis ser o salvador de ninguém. Ele apenas ouvia a ultima confissão delas e sempre fora assim – acabou se acostumando.

O dia começou as 7:30 para Matt, trabalha perto de casa das 8:00 às 17:00. Não ganhava mais do que o suficiente para comer e pagar o aluguel do barraco, às vezes sobrava dinheiro para o transporte público e fliperama. Jogos era a sua única distração.

O fliperama da padaria duas quadras abaixo fez sua alegria diversas vezes, gastava as moedas em fichas para passar a tarde toda atirando em naves extraterrestres. Era bom nisso, ninguém nunca quebrou seu recorde; se sentia orgulhoso toda vez que via seu nome no topo da classificação.

Seu único orgulho eram quatro letras (MATT) no topo de uma lista na máquina velha de jogos da padaria.

Sim, ele tinha que admitir que não era grande coisa... aliás, que não era coisa nenhuma, mas sua vida era assim mesmo. Sem ambição, sem animo, sem “querer” ou “não querer” nada. Passaria mais quantos anos fossem precisos dessa forma, da forma Matt de ser.

- Está tudo bem, Matt? _perguntou seu chefe ao vê-lo entrando no estabelecimento.

- Sim, desculpa por faltar ontem... foi só um susto _olhou um pouco encabulado _me sinto mal por faltar apenas por isso.

- ...pare com isso garoto, vamos! Pegue um pão e café nos fundos, depois começaremos o trabalho _bateu em seu ombro sem muita delicadeza, como um homem de 1,90 faria.

- Obrigado _sorriu.

Edgar AlgumaCoisa Filho era o patrão, Matt realmente não sabia seu sobrenome inteiro e isso não fazia diferença. O homem lhe dera o emprego quando tinha 16 anos e se acomodou; bem educado como era de sua personalidade, fora bem aceito. As vezes era difícil para um cara magrelo como ele dar conta do trabalho pesado, mas não tinha motivação suficiente para procurar outra coisa para fazer; acabaram tornando bons amigos.

O moreno corpulento aproximou com duas peças serradas nas mãos, o físico invejoso o permitia carregar tudo que Matt deixava para trás; as madeiras pareciam plumas consigo.

- Vou deixá-las lá na frente, cuide delas depois, ok?

- Sim senhor _respondeu da melhor forma possível por causa da boca cheia.

- Bom.

O dia começou como qualquer outro, como se nada tivesse acontecido – de repente, nada aconteceu mesmo... afinal, se livrara do papel e dos sentimentos daquela tarde no hospital na lata de lixo da saída – Fez o trabalho que lhe foi dado sem reclamar, não que estivesse satisfeito com a vida, nada disso, só que lhe era mais cômodo aceitar do jeito que está. Gostava de ser gentil e educado sem esperar nada em troca, estava bem com aquilo, e ainda de quebra, poderia ser a sua passagem para o paraíso quando finalmente ele próprio atravessasse a linha.

Religião não era a base da sua vida, diferente de como sugeria o nome da comunidade – Fé e Esperança – não tinha nenhum dos dois; mas as vezes pensar em Deus era reconfortante nas horas difíceis...

Matt dedicou a hora do almoço para brincar com a pequena Rosa, uma criança de sete anos e meio filha mais nova de Edgar. Ela sempre ia à loja do pai e adorava os cabelos cor de fogo do empregado.

- Quando você crescer, iremos nos casar _disse baixinho para a menina que abriu um sorriso largo.

- Meu príncipe! _ela ria sendo levada pela brincadeira.

- Como está a escola? Não está tirando notas baixas né?

- Não! Fui bem em matemática, mas uh... ciências é tão difícil _reclamou _a professora fala de coisas nojentas também _fez uma careta.

- Não diga isso, ciências é importante.

- Hum... _fez um bico _quando iremos tomar sorvete?

- Talvez na semana que vem, preciso receber primeiro _afagou seus cabelos longos _você espera?

- Claro, então trabalhe direitinho, príncipe pobretão.

O ambiente foi preenchido por uma risada alta, Rosa era extremamente inteligente para sua idade além de saber de muitas coisas. O ruivo ficara encantado pela menina logo no começo, a loirinha conseguia deixá-lo entretido por horas; era quase como se realmente estivesse esperando-a crescer, infelizmente não passava de um pequeno ser humano...e oh, ele não era pedófilo, de forma alguma! Tinha acompanhado o crescimento da pequena a partir de seu 1 ano de vida, o sentimento de carinho era respeitoso e zeloso.

Por falar nisso, mulheres as vezes frequentavam seu sofá, uma transa aqui e outra ali para tirar o stress – quando tinha dinheiro para comprar camisinhas, mais uma vez, ele não morreria de doenças evitáveis, como costumava dizer – mas nada que ele pudesse afirmar que fora a melhor experiência de sua vida. Muito pelo contrario, sexo era algo que fazia por pura frescura, nunca chegara a sentir real necessidade daquilo. Amar alguém então estava longe, jamais conheceu alguém que se interessasse por ele, não que elas fossem interessantes também.

- Até mais tarde _se despediu de Matt, já de mãos dadas com o pai.

- Vão com cuidado _afagou mais uma vez os cabelos macios da menina.

- Você também, o sol está se pondo mais rápido esses dias _comentou o senhor perdendo alguns segundos no horizonte.

O ruivo sorriu e girou os calcanhares, iria direto para casa, mas teria que passar por aquela casa novamente. Até ontem teria o maior prazer, mas depois daquele sonho... O cala frio percorreu toda a espinha; droga de sonho. Queria poder fazer alguma coisa, talvez avisar que estava destinada a morrer em breve... não, interferir na vida das pessoas era um erro.

Caminhou lentamente morro acima, aquela subida seria mais fácil se tivesse bêbado, tudo fica mais fácil quando os sentidos estão borrados; as dores somem, o cansaço dá lugar a uma energia incrível! Infelizmente até morando em uma comunidade era preciso dinheiro para comprar álcool e drogas; outra coisa que não faria com certeza era dívidas com traficantes.

- Matt!

A voz que menos esperava ouvir chamou por seu nome, em alto e bom tom. O garoto ergueu o rosto para cumprimentar a senhora que estava debruçada no alto da janela.

- Olá Sra. Keehl _acenou _como está?

- Como sempre... _respondeu como o habitual, seus olhos desviaram para o céu já laranja _ei, acha que vai conseguir subir antes de escurecer?

- ...uh, nunca tenho certeza _balançou os ombros.

- Pode acabar levando um tiro _comentou sem real preocupação _o toque de recolher... sabe.

- É uma experiência bem ruim _deu um tapinha na perna esquerda _não gostaria de passar por ela novamente.

- ...entre, fiz o jantar para duas pessoas.

- Não, não, está esperando alguém _afirmou.

- Não estou _disse um pouco ansiosa, mexendo nos cabelos _as vezes eu faço, sinto saudades do meu filho e esqueço... sabe, acho que estou ficando velha.

- Não sabia que tinha um filho, ah...

“Droga” pensou, acabara dando atenção desnecessária para a mulher e tinham entrado no assunto da vida dela, então parece que realmente seu sonho ia ser concretizado. Seu coração deu um solavanco, até hoje não tinha perdido pessoas importantes para si, ouvia as história apenas por curiosidade; mas aquela história ele teria que ouvir com mais afinco.

O cigarro preso entre os dedos queimou até o fim, atirou a bituca em qualquer canto antes de passar pelo portão que dava acesso a escada seguindo até o segundo andar. O metal enferrujado fez um barulho ruidoso devido ao peso, quase no topo, pulou o ultimo degrau com medo que desabasse; a ferrugem laranja estava em toda a plataforma dando um aspecto grotesco de insegurança.

- Entre, não se importe em tirar os sapatos _o precaveu uma vez que deixara um tapete na porta para que limpasse o calçado indicando que aquilo era o suficiente.

- Com licença... oh...

Apesar de supostamente todos os barracos serem mal construídos e desajustados, os dois cômodos da mulher eram pintados de bege sem nenhuma marca escura, os móveis eram poucos – um sofá-cama, uma mesa com duas cadeiras, fogão e armário de cozinha, geladeira, máquina de lavar e uma tv apoiada a um criado mudo – mas conservados e o chão coberto por piso marrom. Aconchegante, foi a palavra que Matt conseguiu para se expressar.

- Obrigada, o banheiro também não é ruim _apontou para uma porta fechada _...sente-se, vou passar um café até ficarmos com fome.

- Não precisa se preocupar _disse envergonhado _mas me conte sobre seu filho.

- Ele deve ter a sua idade, quantos anos você tem? _disse de costas para ele, procurando uma caneca no armário.

- 22

- Oh... ele tem 23, seu nome é Mihael, Mihael Keehl... bonito não acha? _disse orgulhosa.

- Sim, um nome muito bonito _concordou com um aceno de cabeça.

- Nasceu aqui mesmo na comunidade... na época eu fazia parte dos catadores de lixo para reciclagem, então nos ajudou desde muito jovem, suas mãozinhas eram tão pequenas que ele mal conseguia segurar as caixas de papelão _disse com nostalgia _mas meu filho é muito determinado, ele fez de tudo um pouco, sempre trabalhava até o sol se por. Seu sonho era juntar dinheiro para nos tirar daqui, eu, seu pai e ele. Vê essa geladeira? Mihael comprou para nós quando morava aqui, não é boa? Ele era um menino bom de verdade, lutou por nós sem medo, sem hesitar... ele nunca questionava por que não conseguimos sair da pobreza quando tínhamos saúde e inteligência. Era um menino realmente bom.

A loira suspirou ao final da frase, passou uma xícara de café para o amigo e sentou ao seu lado.

- Tomando as dores de uma família caída...

- ...e onde eles está agora? _perguntou receoso vendo que a mulher não continuaria a falar.

- No centro, em algum lugar do bairro chique. Ele guardou dinheiro para estudar, disse que alugaria uma casa perto da faculdade, bom... não tem dinheiro para pagar a faculdade, claro, mas ele é tão inteligente que entrou na federal sem precisar estudar! Faz medicina. Dr. Keehl.

- Oh... _exclamou sentindo uma pontada de inveja _ele realmente deve ser incrível.

- Sim _apesar da afirmação, seus lábios não repuxaram para um sorriso.

- Aconteceu alguma coisa, não?

E como se esperasse pela pergunta, continuou.

- Seu pai foi assassinado, não sabemos por quem ou por que, mas um dia ele saiu para trabalhar e não voltou. Passamos cinco dias procurando até que um PM bateu aqui em casa e pediu para irmos reconhecer o corpo... Mihael foi, mas quando voltou, não era mais o mesmo. A polícia disse apenas que foi um tiro na perna e outro no peito, que a arma não foi de um policial, acusou meu marido de ter se envolvido com drogas; não era difícil de acreditar nisso, porém ele... meu filho, que acreditava tanto no seu pai, ficou perdido. Ele perdeu a fé no único ser humano que acreditava... entende, Matt? Mihael desistiu de trabalhar com honestidade, foi construir seus sonhos da forma mais rápida possível, traficou drogas e armas.

Em menos de dois meses, fez tudo o que planejou fazer em 1 ano, queria me levar junto, mas eu jamais aceitei...

Matt olhou para ela com ar de duvida, ela então explicou.

- Eu mal posso dormir a noite pensando em quantas vidas ele pode ter tirado com seus atos desmedidos. Sou pobre sim, mas minha conduta nunca será arranhada por nada nesse mundo, drogas e violência... não posso aceitar dinheiro assim. Então ele se foi.

O ruivo não sabia bem o que dizer, alcançou a mão pequena da mulher que estava repousada no colo e a acariciou.

- Não tenha dó de mim, querido. Eu nunca me esforcei para sair daqui, Mihael nunca questionou isso, mas sempre fiquei com pesar dessa situação... sou uma pessoa que se acomodou, minha alma é muito pequena.

- Não diga isso... a senh-

- No começo, eu ficava com muita raiva de você.

- De... mim? _se assustou, soltando a mão da mulher.

- Jovem, saudável, inteligente... mas tão conformado, se judiando nesse lugar _balançou a cabeça _usando drogas e ao mesmo tempo sendo gentil com todos. Pelo certo ou pelo errado, Mihael teve coragem de subir um degrau, eu o comparava com você o tempo todo... mas... tenho que admitir, somos iguais meu pequeno, você e eu. Se eu te odiar, também tenho que me odiar, quanto mais eu te desprezava, mais eu me sentia na obrigação de me desprezar... e eu quero viver em paz.

- ... _abriu a boca duas vezes, mas não soube o que falar.

- Oh, desculpe essa senhora tola, está falando sem parar não é? _sorriu gentil e tomou a xícara de sua mão _isso foi antes, hoje estou bem.

- Ah... sim.

O purê de batatas foi servido com carne assada e arroz, Matt se sentiu no céu ao poder desfrutar de um prato com sabor tão agradável, no geral comia apenas salsicha e frango. Quando tinha dinheiro para outras carnes, só sabia fazer carne moída e bife e que geralmente serviam de recheio para o pão.

Cada garfada foi dada com muito zelo, ao final da refeição, um tanto silenciosa, o ruivo se acomodou no sofá cama – agora aberto – para ver tv. Outra regalia que não tinha em casa. Escolhera um filme qualquer, não ia perder seu tempo vendo mortes e roubos, disso sua rua estava cheia.

- Não sei por que não te convidei antes _sentou ao seu lado após lavar os pratos.

- ...eu não sou muito sociável _mordeu os lábios.

Até ontem, jamais se imaginou na casa da loira simpática, ainda mais deitado na mesma cama que ela vendo TV. Estava para acontecer justo o que ele não queria, se relacionar com a figura mais cobiçada daquele pedaço de morro. Mas os olhos azuis e o perfume dos cabelos recém lavados estavam o deixando atiçado, ela também se mexia desconfortável ao seu lado.

“Calma Matt, mantenha sua ideologia de vida” disse para si mesmo em pensamentos.

Em vão, a troca de olhares foi o suficiente para o beijo começar já de forma intensa. Deitados debaixo do cobertor, no frio daquela noite de sexta-feira, o desejo veio incontrolável e assim foi atendido imediatamente.

Para uma mulher de meia idade, seu corpo ainda tinha a vitalidade de uma adolescente. Madura, não deu ao luxo de fazer sua voz ultrapassar as paredes finas da casa, mas ao mesmo tempo, fez com que o rapaz se sentisse estar fazendo um excelente trabalho; e estava, até aquele momento não tinha apostado suas fichas num sexo a altura de sua experiência, errou. Matt era, como descrever..., muito bom de cama.

- Isso... você sabe realmente o que faz... Matt _disse entre sugadas de ar.

O ruivo soltou um ruído de satisfação, estava satisfeito por ser capaz de deixá-la feliz, era o mínimo que podia fazer na condição de saber que seu fim estava próximo...

Devido a interação calorosa, a primeira rodada virou duas, que virariam três se o dia não estivesse para nascer: “melhor dar o fora antes que atirem na minha cabeça” disse o ruivo entre sussurros, ganhando um afago gentil.

- Até logo _despediu-se do garoto, não o acompanhou pela janela, preferiu ficar deitada sobre o lençol sentindo a preguiça lhe invadir.

Matt praticamente se arrastou até o topo da ladeira, estava com sono e preguiçoso, ainda eram 4:30 da manhã! Não levar um tiro custava tanto assim?! Aversão a acordar cedo, isso fazia parte do seu ser. Ao chegar jogou-se no sofá para dormir novamente, mas a sensação foi horrível; não tinha mais o conforto da cama, nem o aroma cítrico, além disso, estava frio e silencioso.

- ... _pensou num palavrão, mas nada que fosse o suficiente, por fim, acabou dormindo.

A manhã de sábado não existiu para Matt, acordou de fome perto das 13 horas, comeu o que viu pela frente e mais uma vez pôs-se a dormir, sendo assim a tarde também não existiu para ele. Passou o dia todo dormindo, babando, sonhando; nada fora do normal, desde que se entendia por gente, era assim que passava o ultimo dia da semana. Quase como um ato religioso.

A noitinha se levantou para acender a luz do lado de fora do barraco, iluminar a entrada era sempre importante para que as pessoas não atirassem na construção – ou pelo menos podiam pensar duas vezes antes disso. Assim que ligou o interruptor da sala, viu uma movimentação suspeita na rua.

- O que aconteceu? _perguntou ao menino olhava curioso para baixo do morro.

- Parece que alguém morreu _disse simples.

- ...que horas? _disse após algum tempo em silencio.

- Não sei, meu pai desceu correndo faz uma meia hora.

O ruivo saiu de casa e avançou alguns metros, lá em baixo, podia ver um aglomerado de pessoas no pé da ladeira; mas eles estavam no sentido contrário da rua, então ainda tinha uma chance de não ser Catarina. Que bom.

- Acho que é um homem, aquele que morava no barraco verde _disse o garotinho antes de partir para encontrar seu pai.

“Tsc, que ansiedade horrível”. Esperar pela morte de alguém não lhe fazia bem, voltou para dentro afim de se distrair.

No fundo do cômodo havia uma pequena estante de livros, bons livros! Escolheu reler Demian, de Hermann Hesse, uma leitura rápida e amável. Isso seria perfeito para tirar os sentimentos ruins e de quebra sonhar um pouco. O conto era dedicado a vida de um garoto, da sua infância à sua morte, já adulto. Junto dele o melhor amigo, Demian. Uma história reservada, sim, mas cheia de passagens belas que deixou o ruivo com duvida se Demian realmente amou o amigo, entretanto guardou isso para si ou tudo fora apenas uma amizade verdadeira.

- Tão lindo... _imaginou o personagem na vida real _tão culto... tão gay Matt.

Riu de si mesmo, sua opção sexual sempre fora ser hetero, mas não tinha nada contra uma experiência no outro time. Sexo seria sexo do mesmo jeito e amor seria amor do mesmo jeito. Simples. Se encontrasse alguém bonito e interessante como Demian com certeza tentaria alguma coisa.

- Aposto que você é bom de cama também _disse para o nada enquanto lia mais uma página.

Matt se permitiu pular algumas partes da leitura decorada, gostava de repassar apenas as cenas mais interessantes. Ao final do livro fitou o teto sem animo: mais um dia chegando ao fim, mais um dia começaria amanhã e assim sua eterna rotina se estendia.

Fechou os olhos, queria se imaginar em algum lugar bem legal, com praia, prédios altos, pessoas bem vestidas... não, ainda mais, queria estar no topo, talvez chefe de máfia! Largaria suas botas sobre a mesa e teria um charuto nos lábios. Uh... isso era bem tentador; deixaria qualquer traficantezinho no chão, todos iam servir aos seus desejos.

- Que delicia _balbuciou.

A corrente de vento gelada que invadiu a sala fez o ruivo estremecer e voltar a realidade, com um suspiro, largou o livro em qualquer canto e entrou no banheiro, sem porta, afim de um banho rápido e como sempre seria, congelante.


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Notas finais do capítulo

Obrigada ;*