Jogos Vorazes - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 32
Parte 32




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Katniss dorme há algum tempo. Ela parece mais relaxada a cada hora que passa, esse descanso veio a calhar, ela não iria aguentar muito mais tempo bancando a durona. Eu não me mexi nem um centímetro, e embora o combinado fosse eu ficar alerta, não consegui desviar meu olhar dela. De repente ela abre os olhos, em seguida senta-se abruptamente.

— Peeta, você deveria me acordar depois de algumas horas – ela diz, brava.

— Para quê? Nada aconteceu aqui. Além disso, eu gosto de te observar dormir. Você não faz cara feia. Melhora muito sua aparência.

Quando digo isso, ela faz cara feia, o que é claro, me faz rir. Ela tenta ficar séria, enquanto verifica se estou com febre. Eu sei que estou, mas não digo nada, afim de sentir suas mãos em seu rosto. Nunca fui cuidado por alguém, e a sensação de ter Katniss fazendo isso por mim, é reconfortante. Eu digo que bebi um pouco de agua, mas está claro que não, pelo fato de minha posição não ter se alterado, e a garrafa estar aparentemente cheia. Ela parece realmente chateada, após ver que estou quente, e me dá mais pílulas para baixar a febre, fazendo eu beber uma quantidade considerável de agua. Ela olha meus ferimentos menores, que estão todos bem melhores. Mas eu sei que minha perna não está melhor. Eu sei disso pela dor, que parece aumentar cada vez mais. Ela começa a desatar minha perna, enquanto eu me preparo para o que verei. Quando ela termina de retirar o curativo, minha respiração para. O inchaço dobrou ou triplicou de tamanho. É óbvio que toda a pele ao redor está inflamada, mas o que me deixa mais triste são as listras vermelhas que começaram a subir em minha perna. Não precisa ser médico, ou curandeiro para saber que isso é envenenamento sanguíneo. E se isso não parar, irá me matar mais rápido do que eu imagino.

Katniss parece tão desconcertada quanto eu.

— Bem, há mais inchaço, mas o pus se foi — ela diz, tentando parecer calma, sem sucesso.

— Sei o que é envenenamento sanguíneo, Katniss. Mesmo que minha mãe não seja uma curandeira.

— Você só tem de sobreviver aos outros, Peeta. Eles vão te curar na Capital quando nós ganharmos — ela diz, confiante.

— Sim, é um bom plano. Mas sinto que isso é mais para meu benefício.

— Você tem que comer. Mantenha sua força para cima. Vou fazer sua sopa.

— Não acenda o fogo. Não vale a pena.

— Vamos ver – ela diz, saindo da caverna carregando um pote com ervas, pedaços de carne e raízes.

Como pode ser tão teimosa? Fico sozinho mais uma vez. Ultimamente ficar sozinho, tem sido uma coisa apavorante para mim. Só me resta torcer para os tributos restantes estarem bem longe daqui. Não sei o que faria se escutasse um canhão enquanto Katniss estivesse fora. Com certeza meu coração não aguentaria. Parece que faz muito calor lá fora, mesmo assim eu sinto frio as vezes. A dor em minha perna, já não me incomoda tanto. Parece que eu já me acostumei com ela. Parece que eu já me acostumei a sofrer. Esse conformismo resulta de anos, de um amor não correspondido. Depois do que parece uma eternidade, Katniss volta, trazendo sopa, e o cheiro está bem agradável. Fico feliz assim que a vejo, mas ao mesmo tempo sinto vergonha pelo rumo que as coisas tomaram. O plano era eu cuidar e defender Katniss, mas tudo o que eu consigo fazer é ficar estirado aqui, esperando pelos seus cuidados. É claro que é bom, mas de tão bom chega a ser ruim. Não faz sentido algum, mas é assim que me sinto em relação a minha inutilidade.

— Você quer algo? — ela pergunta, se aproximando.

— Não, obrigado – digo, pois o que mais eu poderia querer? Ela já está fazendo tanto por mim. Mas aí uma ideia surge. Talvez possamos ter uma conversa sem brigar. - Espere, sim. Conte-me uma história.

— Uma história? Sobre o quê? – ela pergunta como se eu tivesse pedido algo absurdo demais.

— Algo feliz. Conte-me sobre o dia mais feliz que você pode se lembrar — digo, lembrando que o dia mais feliz que consigo me lembrar, foi aqui, foi com ela. Foi graças a ela.

Ela bufa, parecendo irritada.

— Eu já te contei como consegui a cabra de Prim? — ela pergunta, depois de um tempo.

Balanço a cabeça, dizendo que não, e a olho com expectativa. Talvez eu venha finalmente a saber mais coisas sobre essa garota tão misteriosa, que conseguiu fazer eu me apaixonar por ela, sem nunca dirigir uma palavra a mim.

Ela começou a contar que tinha vendido um medalhão de prata, que havia encontrado nas coisas de sua mãe. Só que eu não consegui mais prestar atenção no que ela dizia. Além de minha mente estar longe dali, eu estava lutando para não apagar mais uma vez. Ficar acordado, significa viver um pouco mais, no meu caso. E vendo as expressões de Katniss, como a forma como seus lábios se mexem e seus olhos ficam acesos, quando ela fala o nome da sua irmã, me fizeram ficar num estado inebriante de apreciação. Katniss parecia ter esquecido que eu estava ali, acho que escutei o nome de Gale, decidi me focar e prestar mais atenção na história, agora. Antes de entregar a cabra, ela comprou um lacinho rosa para colocar no animal, e eu ri disso. Ela falava animada de como Prim riu e chorou ao mesmo tempo quando viu a cabra, enquanto rapidamente se juntou a sua mãe para cuidar do animal que estava com uma séria infecção no ombro. Um cachorro, ou sei lá o que a mordeu. Quando ela terminou a história seus olhos estavam tão vivos.

— Elas parecem você — digo, me referindo ao fato dela estar cuidando de mim também.

— Ah, não, Peeta. Elas trabalharam com mágica. Aquela coisa não poderia morrer mesmo se tentasse —ela diz, mas em seguida percebe que o comentário me atingiu em cheio.

— Não se preocupe. Não estou tentando — digo, num tom de brincadeira, para não demonstrar que me incomodou. — Termine a história.

— Bem, é isso. Só lembro-me que naquela noite, Prim insistiu em dormir com Lady no cobertor próximo ao fogo. E antes de dormirem, a cabra lambeu sua bochecha, como se estivesse dando a ela um beijo de boa noite ou algo assim. Já era louca por ela.

— Ainda estava usando a fita rosa? — pergunto.

— Acho que sim. Por quê?

— Estou apenas tentando imaginar — digo, pensando que foi realmente um golpe de sorte essa cabra ter sobrevivido. Assim como será pura sorte o fato de eu sobreviver. Eu e essa cabra temos muito em comum. Sorrio, com minha própria ironia. — Posso ver porque esse dia te deixou feliz.

— Bem, eu sabia que aquela cabra seria uma pequena mina de ouro.

— Sim, é claro que eu estava me referindo a isso, não ao último presente que você deu a sua irmã que ama tanto que tomou seu lugar na colheita — digo, com um tom mais seco do que pretendia.

— A cabra se pagou por si só. Muitas vezes — ela diz num tom superior.

— Bem, ela não ousaria mais nada depois de você ter salvado a vida dela — retruco, percebendo que já estamos brigando. — Tenciono fazer a mesma coisa.

— Sério? O que você vai me custar de novo?

— Muitos problemas. Não se preocupe. Você ganhará tudo de volta.

— Você não está fazendo sentido — ela coloca a mão em minha testa, verificando a febre. —Você está mais frio, entretanto.

O som de trombetas nos assusta. Katnis se levanta e vai até a boca da caverna. Claudius Templesmith, o locutor, parece estar nos convidando para um banquete. É claro que nós não iremos, afinal, não precisamos morrer por causa de um pouco de comida. Nem se estivéssemos passando fome, não iriamos, visto que eu não consigo me levantar. Mas de repente, ele diz:

— Agora esperem. Alguns de vocês podem já estar rejeitando minha oferta. Mas não é um banquete ordinário. Cada um de vocês precisa de algo desesperadamente.

Eu preciso de algo desesperadamente, penso.

— Cada um de vocês vai encontrar esse algo numa mochila, marcada com o número do seu distrito, na Cornucópia, ao amanhecer. Pensem bem sobre recusar a aparecer. Para alguns de vocês, essa será a última chance — diz Claudius.

Droga, penso. O que mais pode haver lá? O remédio, que eu preciso para viver.

Se Katniss estiver pensando a mesma coisa, ela vai se arriscar e vai até lá. Me arrasto, e agarro seu braço por trás.

— Não — eu digo, claramente desesperado. — Você não vai arriscar sua vida por mim.

— Quem disse que eu ia?

— Então você não vai? — pergunto, aliviado.

— Claro que não vou. Dê-me algum crédito. Você acha que vou correr direto para alguma competição livre contra Cato, Clove e Thresh? Não seja estúpido — ela responde, me ajudando a deitar. — Vou deixá-los lutar, e veremos quem estará no céu amanhã de noite, e vamos planejar daí.

Mas eu sei que ela vai. Ela é teimosa. E mesmo que isso signifique sua própria morte, ainda assim ela vai.

— Você é uma péssima mentirosa, Katniss. Não sei como você sobreviveu por tanto tempo. — começo a imita-la. — Eu sabia que aquela cabra seria uma pequena mina de ouro. Você está mais frio, entretanto. É claro que eu não vou. — eu balanço a cabeça, me sentindo exausto de repente. — Nunca jogue baralho. Você vai perder até sua última moeda.

Ela ruboriza.

— Certo, eu vou, e você não pode me parar! – Ela dispara.

— Posso te seguir. Ao menos metade do caminho. Posso não chegar à Cornucópia, mas se eu gritar seu nome, aposto que algo pode me encontrar. E então vou estar morto, com certeza — retruco, começando outra briga.

— Você não conseguirá andar cem metros daqui com essa perna — ela responde, jogando a verdade como um soco em meu rosto.

— Então vou me arrastar — digo, convicto disso. — Você vai e eu vou, também.

Ela fica em silencio. Analisando a situação. Eu sei que não tem como eu ir com ela. E sei também que jamais permitirei ela ir sozinha, se arriscar por algo para mim.

— O que eu deveria fazer? Sentar aqui e ver você morrer? – Ela fala de repente, parecendo abalada.

— Não vou morrer – respondo. - Eu prometo. Se você prometer não ir.

Eu sei que isso é uma coisa estupida de se prometer, quando se está à beira da morte. Mas isso é tudo que eu posso fazer. Promessas vazias, torcendo para que ela acredite que minha vida depende de mim, e fique aqui comigo. Prefiro morrer com a felicidade de ter vivido momentos tão especiais com ela nessa caverna, do que morrer com a dor, de ter sido o único culpado da foto dela ser mais uma, a aparecer estampada no céu.


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