O Colar do Parvo escrita por Marko Koell


Capítulo 10
O herdeiro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/521498/chapter/10

Ali estava cinza, como num filme preto e branco. Tudo parecia ser mais sombrio do que já era. As nuvens no céu indicavam que uma forte tempestade viria. Do meu lado surgiu meu pai e minha mãe, podia-se ver nobreza em seus olhares.

– Não tenha medo, estamos com você. – disse meu pai – O Colar do Parvo irá lhe dar as respostas que ele puder lhe dar.

Então eu caminhei até a porta da mansão e pude ver uma criança, um menino de aparente oito anos e roupas antigas saindo da casa com uma pipa.

– Papai, você me ajuda ergue-la? – disse o garoto.

Atrás saiu um homem altivo, também com roupas antigas, uma camisa branca e calça preta, eu acho. Ele se aproximou do garoto e pegou a pipa de sua mão, fez um movimento com a mão e a pipa simplesmente ergueu vôo. O menino ficou feliz e corria para um lado a outro segurando a linha da pipa. O pai, também ficou feliz e ria muito com a felicidade do filho. Atrás veio outra mulher, parecia ser a mãe do menino. Ela surgiu com um belo vestido junto de sua filha, aparentemente do mesmo tamanho do menino.

– Rubens, irá chover, tome cuidado para que um raio não acerte nosso menino...

– Acalma-se Antonieta, não deixarei que nada aconteça.

Uma velhota de roupas pretas e volumosas apareceu na porta.

– Esse tempo está a me irritar... – ela segurava uma varinha disforme e apontou ao céu, logo as nuvens começaram a se dissipar.

– Mamãe, não use magia contra o tempo, os outros podem ver. E nossa relação com eles já não é a mesma.

– Mortais! – disse ela num tom debochado e entrou.

A família ficou ali aproveitando o sol cinza que se formou durante algum tempo e depois o pai fez um movimento com a mão e a pipa caiu no chão. O garoto a recolheu e então todos entraram.

–Uma família perfeitamente feliz. – disse meu pai.

– Mas tinham que perturbá-los. – disse minha mãe, ainda com tristeza na voz – Vamos entrar!

Começamos a caminhar e entramos na casa. Com móveis da época. Tudo de madeira, provavelmente. Caminhei até a sala onde todos estavam conversando.

– Crianças vão brincar lá em cima, precisamos conversa agora.

Antonieta era linda e sua voz a deixava sedutora. As crianças logo subiram e eu pude sentir certo desespero rondar aquela família.

– O que faremos? Não podemos mais encantar nossas terras contra eles, logo eles não serão mais enfeitiçados, nossas forças estão se esvaindo.

– Antonieta, filha. Receio que essa seja a vontade dos deuses. Nós feiticeiras e magos estamos cada vez mais fracos. É a vontade deles, o que podemos fazer? – disse a velhota.

– Mamãe, eles não são deuses. O fato de estarem no governo há tanto tempo não os torna imortais. – disse Antonieta, sentando na poltrona.

– Essa guerra contra as forças das trevas... isso sim está nos esgotando. – disse Rubens.

– E nossa família esta sendo visada por eles. Logo saberão de nosso segredo, e então o que iremos fazer?

– Nós temos que ficar calmos, Antonieta. Estamos fazendo mais do que devíamos para eles não penetrarem a nossa vila com suas maldades. Entretanto eu devo confessar que já não sei mais de quem tenho que me defender. Esses não-mágicos estão fazendo perguntas. Sabemos que nossas magias já não penetram em muitos deles. – disse Rubens apreensivo, de pé ao lado de sua esposa.

– Tempos bons aqueles em que podíamos vir e ir, realmente, sem nos preocupar... – disse a velhota.

– Essa caça a bruxas é ridícula. O que nós fizemos de errado?

– Não os julgue Antonieta, eles são ignorantes, não entendem que estamos aqui apenas para ajudar.

– Mais que culpa nós temos, se fomos os escolhidos, se nascemos já destinados a ser quem somos? – disse Antonieta olhando para o lado, como se sentisse vergonha de ser quem era.

– Minha filha, você sempre se questionando, - disse a velhota – no entanto não deveria se sentir assim, nós somos privilegiados por saber o que sabemos.

– Sim e devemos respeitá-los acima de tudo. Se mantivermos o respeito nossa dignidade será mantida e nossa família ira sobreviver através dos tempos.

– Eu tenho medo de que isso não seja possível...

– Nunca desacredite do possível, minha filha. Isso sempre pode se tornar um mau presságio.

Uma forte dor no estômago vez eu voltar à realidade. Logo me vi novamente em casa, com o colar, misteriosamente nas mãos e meus pais na minha frente.

– Eles tinham medo, não eram maus. – disse minha mãe.

– Eu gostaria realmente de estar entendendo tudo isso. – eu disse ainda que incrédulo.

– Apenas o que deve saber é que existem histórias, e muitas delas são mal contadas. – disse meu pai olhando para os papéis que eu havia deixado cair no chão, que falavam sobre a família Taurino e sobre o Colar do Parvo.

– Eles foram perseguidos e então armaram uma cilada. E o final não é preciso ser nenhum vidente para prever. – disse minha mãe sentando novamente nos degraus da escada.

Meu pai foi até a janela, olhou na rua e logo após fechou a cortina, apagou algumas luzes e voltou até a escada, eu estava sentando próximo a minha mãe, segurando o Colar do Parvo e o avaliando, tentando entender aonde eu me encaixa naquela história. Ainda chovia muito, e era tarde. O tempo pareceu passar rapidamente, estava quase escurecendo.

– Os Taurinos eram boas pessoas e sempre ajudavam as outras, mas bruxos das trevas queriam acima de tudo saber aonde se encontravam os três artefatos de sumo poder. Somente assim, seu poder jamais seria arrancado de sua alma. Os Taurinos viviam bem sem usar magia, mais em seus últimos dias, a coisa começou a ficar complicada. Começaram a ser caçados tanto por bruxos como pelos não-mágicos.

– Artefatos de poder? – eu indaguei – O Colar do Parvo, seria um então?

– Sim, fora esse, existe a Taça dos Eruditos e a Espada do Soldado Derrotado. – complementou minha mãe.

– E o que acontece se alguém achar os três artefatos?

– Ganham mais poder, mais sabedoria e sorte.

Houve silêncio então. Eu pensei em algo e por mais que eu hesitasse saber acabou sendo comentado.

– E o que eu tenho haver com isso?

– Filho, você é o tataraneto de Rubens e Antonieta Taurino.

– Sim o último herdeiro dos Guardiões do Colar do Parvo. – disse meu pai.

– Por parte de quem? – eu perguntei ainda mais incrédulo do que antes.

– Minha!

Nunca pensei naquilo, obviamente até então, devido aos acontecimentos recentes, jamais iria suspeitar de que minha mãe seria da família Taurino. Jamais soubera seu nome de solteira e agora fizera sentido.

– Sou Julia Goes Taurino. Edvan Taurino era o filho de Rubens e Antonieta Taurino.

– Impossível, não foram todos mortos? – eu perguntei.

– Ainda tinham força para conjurar crianças semelhantes a seus filhos, para proteção. Eles ficaram durante muito tempo, trancafiados na mansão até que tivessem tamanho o suficiente para saírem e se depararem com o mundo horrível ao qual viviam.

“Estavam ali e aqui sempre usando outros nomes, para jamais serem reconhecidos. Os poderes que tinham eram usados apenas para proteção e nada mais. Fugiram da mansão dos Taurinos e se mudaram para uma cidade ao norte. Lá encontraram com seus futuros amores. Casaram-se. Marian, irmã de Edvan morrera de uma doença antes do casamento, e meu bisavô ficou responsável por levar o nome da família adiante. E com a promessa de que mais voltaria aqui, para sua antiga morada. Ele nos contava historias de bruxos, feiticeiros, magos e sobre a historia dos artefatos mágicos. A questão é que quando ele me contou isso, eu tinha apenas sete anos de idade e ele já tinha cento e quinze. Logo ele faleceu, e a família seguiu seu percurso até o dia que eu e seu pai nos encontramos.”

– Veja meu filho, - dizia meu pai – a questão é que você sendo o herdeiro e ainda cru de sentimentos errôneos, você acabou tendo o privilégio de encontrar aquilo que os bruxos das trevas mais desejam.

– E eles sabem que é você, pois vem perseguindo nossa família há décadas.

– OK, estou cada vez mais confuso... nos perseguindo?

– Você foi levado até a casa não foi? – perguntou minha mãe.

– Sim.

– Por quem?

– Eu vi o nome da família se formando na parede do meu quarto, então hoje pela manhã eu e Matheus resolvemos ir até lá.

– E não tardou até achar o colar, não foi?

– Não!

– Justamente porque você é o último da nossa família. – falou minha mãe – Acredita que achou tão fácil? Outros já invadiram aquela casa e nenhum deles se quer cogitou tal coisa.

– Mais eu não sou um bruxo...

– Poderá a vir a ser. Obviamente que com a ajuda do Colar do Parvo os seus poderes poderão se aflorar. – disse minha mãe.

– Entenda meu filho, - continuou meu pai – O Colar do Parvo era de um velho homem que há muito tempo atrás sofreu por amar tanto uma pessoa que ao ser rejeitado pela mesma caiu num exílio profundo. Não que fora expulso, mais um exílio da alma. Ele era um poderoso feiticeiro, chamado Adamastor, o único na época com poder suficiente para repelir qualquer criatura da escuridão.

“As histórias contam algo apenas para amedrontar. A verdadeira é que Adamastor sentia-se tão enojado de ver sua situação, o de amar e não ser amado, que arrancou teu coração e jogou a uma serpente para que o envenenasse. Logicamente que ao coração ser picado pela serpente, o velho Adamastor sucumbiu a morte e lançou tanto no coração quanto na serpente todo o seu poder, criando então o Colar do Parvo, ou colar do tolo. Muitos foram em busca do poder de Adamastor, mais apenas a família Taurino fora capaz de manter esse segredo sem usar o colar. Era um poder puro, por isso tantos são os que a desejam.”

– Mais se vocês sabiam dessa história, porque não me contaram antes? Porque mamãe não foi em busca do colar?

– Filho, não podíamos contar nada, pois não seria certo colocar em você tanta responsabilidade. Você ainda era jovem quando soubemos de toda a história. – minha mãe estava começando a se tranqüilizar, mesmo com a história ficando cada vez pior – E eu já era velha, sendo assim meu coração já tinha sido corrompido, e jamais o Colar do Parvo iria se submeter a mim.

– E porque a mim?

– Você ainda é jovem, e devido ao que houve naquele dia... – acabei interrompendo meu pai.

– O que isso tem haver com o acidente?

– Eles causaram isso, pois com a sua morte, eles poderiam sentir o colar, já que o mesmo, ligado a você desde que nasceu, se sentiria perdido.

– Mãe! Meus amigos morreram... muita gente morreu por causa desse colar... – eu estava inconformado com aquilo. Eu balançava o colar com as mãos toda hora, e nesse momento eu já estava de pé, não acreditando naquele conto de fadas.

– Sabemos disso...

– E vocês sabendo disso não podia ter feito nada contra eles? – eu disse começando a chorar – Vejam, agora eu estou falando como se eu realmente acreditasse nessa conversa fiada...

– Não tivemos tempo... – disse minha mãe, sua voz começou a tremer novamente – Nós tínhamos que garantir a sua segurança, acima de tudo...

– A questão é que o colar salvou a sua vida, e é isso o que importa no momento, - disse meu pai – sentimos muito pelo que houve com todos naquele acidente...

Eu não acreditava que eu pudesse ser herdeiro de uma família de bruxos, nem em contos de fadas eu acreditava. No entanto eles eram meus pais, e eu sempre confiei muito neles, e por mais que toda aquela história ainda não fizesse sentido, eu tinha que me esforçar para, tentar, acreditar.

Meu pai estava bravo, isso era evidente. Tanta responsabilidade jogada em cima das minhas costas em tão pouco tempo. Aquilo tudo era ridículo, mais de certa forma fazia sentido. Meu estômago ainda doía, resolvi deixar toda a história de lado e fui para o meu quarto. Obviamente por mais que eu não quisesse, chorei muito. Segurando o colar com tanta força que o cordão de ouro marcou minha mão. Eu olhava aquele coração negro dentro da boca daquela serpente e não tinha medo, sentia que realmente ele me pertencia.

Deitado na cama, eu tentei de todas as formas entender o que estava acontecendo, e com um pouco de calma e baldes de lágrimas depois, as coisas foram fazendo sentido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Colar do Parvo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.