Um menino no espaço - 2ª parte escrita por Celso Innocente


Capítulo 6
Vontade própria da nave.




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Algumas vezes alegre e às vezes triste, ao me lembrar de minha Terra, nossa viagem seguia normal. Algum tempo, no aposento. Às vezes só e muitas vezes, com o senhor Rud me fazendo ser alegre. Outras vezes, só ou acompanhado, passeando pelos diversos pontos daquela gigantesca espaçonave. A maior parte, ali na cabine, protegido por temperatura agradável e espiando as diversas fazes do quase congelado, espaço sideral, que mudava constantemente de formas e espectros, que a nossos olhos, pareciam muito distorcidos devido a um efeito chamado de dobles[1], por causa das altíssimas velocidades, com temperaturas chegando perto do zero absoluto em graus Kelvin, em torno dos duzentos e quarenta graus Celsius negativo. Muitas vezes, escuro; outras claras, de cores exorbitantes. Azulado, esverdeado, amarelado, rosa... De acordo com o lugar, por onde passávamos: planetas, asteróides, satélites naturais e até mesmo cometas. Alguns deles, de cauda tão grande, que levava várias horas, para deixá-lo; pois, segundo o senhor Rud, alguns cometas têm a cauda iluminada, tão grande, que chega ser maior do que a distância entre a Terra e outro planeta (Marte, por exemplo) e às vezes se locomovendo no mesmo sentido, paralelo ao nosso, demorava em ser ultrapassado.

— Sua cauda é de puro fogo! — Insinuei admirado.

— Na verdade é de puro gás! — Explicava Rud.

O relógio da espaçonave acusava então: quinze horas e sessenta e cinco minutos (lembrando que em Suster, o dia é formado por trinta e duas horas; cada hora, oitenta minutos e cada minuto, oitenta segundos). O relógio acusava ainda, faltar, duzentos e cinquenta e nove horas e cinco minutos susterianos; ou seja: Vinte e três e meio anos-luz, para chegarmos a Suster. O senhor Rud, com uma calculadora infalível descobriu, que ainda teríamos quatrocentos e sessenta horas, trinta e trêsminutos e vinte segundos terráqueos de viagem; ou seja: pouco mais de dezenove dias.

De repente, ao mesmo tempo em que uma luzinha azul, ascendeu no painel, um alarme sonoro, foi acionado. O senhor Rud, rapidamente, apagou o alarme sonoro, acionando uma tecla. Porém, a lampadinha continuava acesa.

Trinta segundos depois, o senhor Tony entrou na cabine, perguntando:

— O que houve?

— Não sei! — Negou o companheiro. — Há um alarme de defeito.

— Continua o alarme?

— Continua.

— Passa pro automático!

Bastou Rud, passar para o automático e o alarme desapareceu.

— Volte ao manual! — Pediu Tony.

— Acha que convém?

— Claro!

O senhor Rud obedeceu.

O alarme não voltou.

Passado dois minutos, quando Tony, já ia se retirar, novamente, em forma de luzinha azul e cigarra, o alarme, tornou a chamar a atenção. O senhor Rud, tornou a acionar o automático e assim deixou, enquanto o senhor Tony, seguiu para a casa das máquinas, que ficava quase junto à cabine, no corredor, a observar alguma falha.

— Precisa de ajuda? — Perguntou-lhe o senhor Rud.

— Acione novamente o manual.

Após acionar o comando manual, ele passou a pilotar a espaçonave, por um período de uns cinco minutos sem o alarme, que então, retornou, com a luzinha e a cigarra.

Voltou a acionar o automático, se levantou, indo ajudar o companheiro, na procura do possível defeito.

Durante uns dez minutos, continuou assim e eu, em silêncio, continuava sentado; agora, na poltrona do piloto.

De repente, me assustei, quando o alarme voltou a disparar. O senhor Rud veio depressa, chamando minha atenção:

— Não mexa aí, Regis! Deixe no automático!

— Ainda está no automático, senhor Rud. Não mexi em nada!

— Hum! Então está piorando!

— O que está acontecendo? — Perguntei indiferente.

— Um pequeno defeito! Não se preocupe!

Desligou o alarme sonoro, voltando a ajudar o parceiro e lhe explicando, o que se passara então.

Dez minutos depois; como nada se resolvia, Tony, voltou ao comando, sentando-se a meu lado, na poltrona do co-piloto e me pedindo:

— Regis, acione o manual.

Obedeci, apertando uma tecla. A nave voltou a ser pilotada manualmente; porém a luzinha azul continuava acesa. Usando o rádio, ele chamou o senhor Frene, que o atendeu rapidamente.

— O que houve Tony? Regis resolveu falar comigo?

— Não é isso! É coisa séria!

— O que está havendo?

— Estamos com um alarme de defeito e não estamos conseguindo localizá-lo.

— Já tentou dar reset no alarme?

— Já! Mas ele torna a voltar!

— Tentou deixar a nave no automático?

— Não adianta!

— Foi Regis, quem mexeu?

— Não mexi em nada! — Neguei chocado.

— Desculpe-me! — Pediu ele. — Não quis ofendê-lo!

— O que devemos fazer senhor Frene? — Perguntou-lhe Tony.

— O que vocês notaram de anormal?

— Nada de anormal!

— Vou providenciar um técnico e trazê-lo aqui. Continuem em contato comigo.

— Continuamos procurando o defeito?

— Dêem uma olhada! Eu observarei vocês daqui.

©©©

Aproximadamente uma hora depois, Rud e Tony, continuavam procurando pelo defeito. Eu continuava sentado na poltrona do piloto e a nave seguia no automático.

Neste tempo, eu já havia acompanhado os dois pilotos, já havia estado em meu quarto e andado pela nave inteira. Agora, sentado na poltrona, estava despreocupado; ao contrário dos homens, que começavam a ficar bastante irritados, com aquele estranho defeito.

De repente, observando nossa posição, através dos diversos velocímetros e altímetros quadrados e uma bússola esquisita, percebi que a nave estava se desviando de nossa rota. Calmamente me levantei, fui até o senhor Tony, chamando-o:

— Senhor Tony, venha ver uma coisa!

— Agora não Regis, por favor! — Negou ele nervoso.

Fiquei chateado, pois só pretendia ajudar. Segui para meu quarto, sem falar mais nada. Deitei-me de bruços e fiquei desejando que a nave caísse em um planeta cheio de monstros.

Poucos minutos depois, entrou Rud, sentou-se em minha cama e pediu:

— Desculpe o Tony, ele está preocupado com o alarme.

— Não tem importância!

— Não precisa se preocupar. Não é nada grave!

— Não estou preocupado!

Então ele sorriu dizendo:

— É isso aí! Logo tudo se resolverá e em poucos dias estaremos em casa!

— Acho que não! — Neguei.

— Por quê?

— Estamos indo cada vez mais longe de casa!

Ele colocou a mão em meu peito e disse:

— Nós iremos compensar isso, Regis! Pense nas vantagens!

— Por que vocês não fazem diferente?

— Como assim?

— Ao invés de roubarem a mim; por que não pegam um garoto abandonado? Ele lhes agradeceria.

— Não é a mesma coisa!

— Eu tenho um amiguinho de nove anos, que adoraria ir pra Suster, em meu lugar!

— Como assim?

— É o Erick! Ele não tem pai e a mãe dele, não liga nenhum pouco pra ele; vive no mundo, com outros homens, deixando o coitado abandonado com estranhos. Ele é bonito, senhor Rud! É bom, educado... meu amigo e disse que gostaria de vir até seu planeta, morar com vocês.

— Não é assim Regis! Isso não é simples! Você foi escolhido e preparado para morar conosco!

— Não precisa ser preparado! — Neguei. — Basta ser uma criança, igual a mim! Não é o sorriso de uma criança, que vocês estão querendo?

— Quando a gente ama alguém, esse alguém passa a ser único pra gente. Você é único, Regis! Diferente e mais especial do que qualquer outra criança!

— Vocês iriam gostar do Erick! Eu garanto!

— Acredito! Passaríamos a amá-lo também! Só que mesmo assim, jamais o esqueceríamos também! Você continuaria dentro de nós!

Nesse momento, entrou Tony, chamando:

— Rud pode me ajudar? Depois você conversa com o garoto!

— Já estou indo!

E se levantou.

Tony saiu primeiro.

— A propósito: o que você queria mostrar ao Tony, àquela hora na cabine? — Perguntou-me o senhor Rud.

— A nave está se desviando da rota pra Suster! — Informei-o

— O que? — Se espantou ele.

— Estamos indo em direção errada, senhor Rud!

— Quem falou isso, Regis?

— Eu vi nos relógios!

— Não pode ser!

E saiu para a cabine da espaçonave.

Levantei-me e o acompanhei.

Na cabine, ele percebeu que eu tinha razão e apavorado, chamou o senhor Tony e pelo rádio, tentando controlar a nave, chamou o senhor Frene:

— Senhor Frene: Rud chamando! Emergência!

— Fala Rud. O que está havendo? — Atendeu rapidamente o senhor Frene.

— A nave não obedece nossos comandos e está fora de nossa rota!

— Aguenta algum tempo! Os técnicos já estão chegando!

— Mas estamos nos desviando de nossa rota! O que fazer?

— Tente fazer a nave parar, ou seguir mais devagar!

— Não consigo! — Negou ele. — Já estou tentando! Ela não me obedece!

— Não conseguiram localizar nenhum defeito?

— Ainda não!

Virou-se para mim, que continuava tranquilo e disse:

— Por que você não falou antes, Regis?

— Eu tentei! — Dei de ombros. — Não quiseram me ouvir!

— Regis, quando a gente tem razão em algo, a gente grita e se faz ouvir!

— Na Terra não é assim, senhor Rud!

— Claro que é assim, garoto!

— Não! Não é! Papai disse que criança, tem que respeitar os mais velhos! Os mais velhos sempre sabem das coisas! Crianças nunca dão palpite!

— Não! Não está certo! Criança é gente também!

— Se eu fizesse Tony me ouvir e tivesse razão, ele me agradeceria! Não é verdade?

— Claro que sim!

— Mas se eu me enganasse! Ele, nervoso, diria que sou mal-educado! Não é verdade?

— Claro que não! Todos podem se enganar! As crianças também!

— Na terra, criança ainda não tem vez, senhor Rud!

— São sarcásticos assim?

— Sar... Sarc... O quê? — Me perdi.

— Hipócritas! Malvados!

— Não! Os adultos amam as crianças! Mas precisa-mos ser santinhos! Não interferimos em suas idéias!

— E assim mesmo, você ainda quer ficar lá! Não é?

— Lá é meu lugar! É onde nasci! Nem o senhor, nem o senhor Frene, devem mudar o meu destino!

— E agora Regis? — Perguntou-me o senhor Tony. — Estamos vagando pelo espaço, sem saber pra onde! O que fazer?

— Pra mim, o senhor pergunta? — Me admirei.

— Lembra-se da outra vez, em que você se perdeu no espaço? — Perguntou-me o senhor Rud.

— Como não?

— Você não teve medo?

— Fiquei apavorado! Mas tudo se resolveu!

— E se dessa vez não se resolver? — Perguntou-me Tony.

— Não sei!

— Você não está com medo?

— Nem um pouco!

— Como não? — Admirou-se o senhor Rud.

— Tanto faz seu planeta, ou outro qualquer! Estarei fora de casa, do mesmo jeito!

— Mesmo assim, acho que iria preferir um local conhecido, a outro, que pode ser muito estranho! — Riu de leve Tony.

— Pode ser verdade! — Insinuei sério.

— De que você teve mais medo da outra vez?

— Daquela aranha monstruosa. — Respondi calma-mente. — Quase morri só de pavor! Ah se não fosse o pai de Mira!

— Então, garoto! — Insinuou Rud. — Já pensou se a gente cair em um planeta cheio de monstros?

— Regis: — Chamou-me o senhor Frene, que continuava na escuta. — Procure nos ajudar! Eu farei de tudo pra que você seja muito feliz! Prometo!

— Só quero voltar pra casa, senhor Frene! — Pedi com lágrimas.

— Primeiro vamos tentar chegar até aqui; depois a gente conversa. Tá?

©©©

Três horas depois, com a chegada em Malderran de um grupo de cinco técnicos, Tony e Rud apesar de serem doutores em mecatrônica, passaram a receber novas instruções, de como operar certos instrumentos eletrônicos da espaçonave. Os técnicos ouviam e viam tudo o que acontecia ali dentro, mesmo que estivéssemos distante do microfone do rádio. Da mesma forma, nós víamos e ouvíamos tudo o que eles falavam lá no controle, a trilhões de quilômetros de distância.

Uma das primeiras insinuações dos técnicos foi:

— Nós iremos trabalhar com suas mãos. Ou seja: diremos o que fazer e vocês farão. E não precisam se preocupar, pois traremos todos de volta, sãos e salvos!

E assim se passou: eles instruíam e nós mexíamos. É isso mesmo: nós mexíamos. Até eu, entrei na luta, para repararmos o estranho defeito, que estava nos desviando de nossa rota original.

Os equipamentos da nave eram tão estranhos e complicados, que acredito, jamais terem sido vistos, por outro terráqueo qualquer. Eram aparelhos totalmente eletrônicos; uma vez, que os susterianos sendo imortais, vivendo a milhares de anos, em um planeta muito avançado, conseguiram desenvolver.

A nave era como um ser vivo, viajando pelo espaço, a uma velocidade incrível, totalmente automática e consumindo pouquíssima energia. Parecia que ela tinha vontade própria e quando ficava emburrada, assim como eu, não obedecia a mais ninguém; e acho que ela se emburrou em solidariedade a mim. Seu combustível era o dióxido de carbono, mais conhecido por gás-carbônico, que ela recolhia sozinha, quando nós, os seres humanos, expirávamos de nossos pulmões. Ao mesmo tempo, ela, assim como, quase igual uma planta, em processo de fotossíntese, eliminava o oxigênio, que então, conservava a população viva[2].

Sendo assim, tal nave contrariava todos os estudos da física humana, segundo as leis da relatividade, descoberta com muito cuidado pelo grande francês Albert Einstein, que diz que nada é capaz de ultrapassar a velocidade da luz, principalmente porque, caso isso ocorra, a energia empregada para levar tal objeto, precisa ser tão alta (em números de giga watts) que destruiria o próprio objeto.

Para não contrariarem o famoso Einstein, que quando menino, sequer aprendia a ler e em dias atuais seria chamado de dislexo, os escritores de ficção científica criam formas de se viajar pelo cosmos, criando a tal velocidade de dobra, que vem a ser, quase o mesmo que pegar o universo, transformando-o em um pedaço de papel e o dobrando ao meio, diminuindo drasticamente as grandes distâncias de centenas ou milhares de anos-luz entre as galáxias.

O defeito que então surgiu, pegou Tony e Rud de surpresa e mesmo os técnicos de Malderran estavam tendo grande dificuldade para saná-lo.

A correria e o nervosismo dentro da nave eram visíveis e para não sofrer repreensão de Tony, procurei me afastar, não estorvando e nem mesmo fazendo perguntas. Viajando assim, várias horas, em verdadeiro silêncio, ouvindo tudo o que era falado em Malderran e por meus dois algozes.

Já cansado, daquele rotineiro nervosismo, segui para meu quarto, onde, apanhei um livro escolar de Linguagem e Literatura, sentei-me em minha cama e comecei a ler pequenas fábulas como: A coruja e a águia, A vespa e o leão, o lobo e o carneirinho, festa no céu...

De sentado, acabei deitado, continuando a ler: O que você vai ser quando crescer, o poema da pequena bailarina...

[1] É o mesmo efeito que qualquer um de nós, mesmo na Terra, vemos ao estar dentro de um trem ou carro, em altíssima velocidade; ou gravarmos um vídeo fazendo movimentos bruscos com a câmera.

[2] É preciso ponderar que a planta, assim como todos os seres vivos, respira o oxigênio. Mas ela recolhe o gás carbônico, como forma de alimento na fotossíntese e expira oxigênio na atmosfera.


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Notas finais do capítulo

Puxa como é difícil conseguir um simples comentariozinho!
Como saber se as pesssoas estão gostando da aventura?



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