Um menino no espaço - 2ª parte escrita por Celso Innocente


Capítulo 17
Pequena viagem.




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Já se passara vinte dias, do acidente de Paulinho, que então, já estava completamente restabelecido, em uma recuperação milagrosa e nós, ainda o observávamos todos os dias, porém, por apenas alguns minutos. Então, minha vida começava voltar à rotina.

— Agora que está decidido sua permanência conosco, precisamos renovar seu quarto. — Disse-me o senhor Frene.

— Meu quarto está ótimo, do jeito que está!

— Amanhã mesmo iremos a Orington, fazermos algumas compras.

— Por que Orington?

— Em partes de móveis, é a melhor cidade de Suster. É lá que a gente costuma fazer compras.

— É muito longe! Não é?

— Longínquo! Está a quase oito mil quilômetros daqui!

— E por que precisamos ir tão longe?

— Quero que você a conheça! Depois, lá existe tudo de melhor!

— Preferia ir para Merlin!

— Por quê?

— Agradecer os médicos que cuidaram de Paulinho!

— Não será preciso! Eles sabem que você está agradecido! Mas se quiser, a gente dá um jeito!

Dali, segui direto a meu quarto, onde me despi para tomar um banho, acompanhado de Luecy, que ficou na saleta, antes do chuveiro, próximo ao armário de roupa.

— Leandra, virá lhe dar banho! — Insinuou Luecy.

— Vem nada! — Neguei.

— Espere e verás!

Realmente, Leandra acabou de entrar e eu, tímido, segui para o banho, tentando me esconder.

— É bom passar acreditar em mim! — Caçoou Luecy.

— Não precisa ter vergonha, Regis! — Insinuou Leandra. — Só vim lhe ajudar no banho!

— Já lhe disse outras vezes, que não sou mais bebezinho e tomo banho sozinho! — Reclamei zangado.

— Ela só quer vê-lo peladão! — Continuou Luecy.

— Pare de ser fofoqueiro, sua lata velha! — Reclamou Leandra.

— Fofoqueiro, é sua língua de trapo!

Deixando os dois discutirem, liguei o chuveiro automático e fui me banhar, com aqueles braços eletrônicos esquisitos e tudo.

Como ninguém podia vencer Luecy, Leandra se retirou brava e eu no banho, ria dos dois.

— Você não pode maltratar a moça, Luecy! — Pedi ainda no chuveiro.

— Estava lhe defendendo!

— Coitada! Ela é boazinha e cuida da gente!

— Queria vê-lo em trajes de Adão!

— O que tem isso? Já não me importo tanto!

— Sem vergonha!

— Não tem nada demais! Afinal, também fico pelado perto de você.

— Somos homens! — Alegou o robô.

Saí do banho e comecei me enxugar:

— Você é uma máquina! Lembra-se?

— Diferente de uma mulher!

— E diferente de um homem!

— Fui construído com traços masculinos!

— Claro que sim! Mas a Leandra é minha amiga!

Vesti uma cueca limpa, voltei ao quarto e me sentei na cama. Luecy ficou bem perto e reclamou:

— Banho de gato!

— Só resolvi tomar uma ducha!

— Ducha de gato!

— Isso é plagio!

— Banho de gato!

— Já repetiu muito isso!

— Banho de gato!

— Cala a boca!

— Cala a boca já morreu...

— Plagio!

— Banho de gato!

— Você vai conosco pra Orington, amanhã? — Perguntei-lhe, tentando mudar o assunto.

— Robô não faz compras!

— Passear!

— Não tenho necessidades de passear!

— Vamos assim mesmo! Você não gosta de estar comigo? Não me ama como os outros?

— Robô não ama! Robô não tem sentimentos!

— É! Você não tem coração! Mas uma vez, você disse que me pertencia! Sendo assim, ordeno que você vá conosco!

— Irei com você! Mas não porque estás me mandando!

Levantei e o abracei dizendo:

— Quem é que entende você? Meu amigo de lata!

— Metal muito bem trabalhado!

©©©

Após dormir por pelo menos oito horas, Luecy, com suas mãos compridas, me chacoalhou dizendo:

— Garoto Regis: hora de levantar!

Virei-me de lado, me espreguicei e com muito custo, me levantei. A estrela Brina, que surgira a pouco, mostrava ser quase uma hora da manhã. Exatamente: em Suster, as estrelas marcavam o dia assim; das zero às quinze horas, setenta e nove minutos e setenta e nove segundos, o planeta era iluminado pela estrela Brina; das dezesseis horas, até as trinta e uma horas, setenta e nove minutos e setenta e nove segundos, o planeta era iluminado pela estrela Kristall. Porém, como este negócio de astronomia é muito complica-do, ficava difícil realmente entender, seus processos de rotação e translação, sendo que em dado período do ano, a estrela Brina, tem um período maior de rotação, ou seja: chega a ter duas estrelas iluminando certa parte do planeta ao mesmo tempo. Ou seja, o que estou mencionando, é válido apenas nas proximidades de Malderran; ou seja: Merlin, que fica praticamente do lado oposto no planeta, a situação é completamente o oposto. Agora, quase uma hora da manhã em Malderran; em Merlin são quase dezessete horas.

Despi-me daquele pijama suave, com short e camiseta, entrei no chuveiro, tomando apenas uma nova ducha bem rápida, retornei ao quarto, me enxuguei e me troquei, vestindo, um lindo macacãozinho susteriano e uma botinha, ambos em cores brancas.

— Outro banho de gatos! — Caçoou novamente Luecy.

— Já sei! — Confirmei com jeito de “basta disso”.

Acompanhado por ele, retornei ao banheiro, escovei os dentes, abri o zíper do macacãozinho e enquanto urinava, ele voltou a caçoar:

— Está vazando novamente!

— Deixe de ser um robô bobo! Esta baboseira já perdeu a graça!

— Bobo quem me chama!

Tornei a lavar as mãos, só com água e seguimos à copa, onde encontramos Leandra, que sorriu dizendo:

— Como você está bonito com essa roupa, Regis!

Sorri, me exibindo.

— Quer se casar comigo? — Brincou ela, me beijando no rosto.

— Só se você esperar eu crescer!

— Crescer? — Caçoou Luecy. — Você será sempre nanico!

— Nanico é a vovozinha! Tá bom? — Fiquei bravo de verdade.

— Robô não tem vovozinha! — Negou ele.

— Então, nanico é você mesmo, seu enlatado!

Leandra se retirou, indo buscar uma refeição matinal.

— Garoto Regis, eu lhe desintegro!

— Vou mandar o senhor Frene, te desligar pra sempre!

— Ninguém pode me desligar!

— Então mando o senhor Frene, reprogramar você, te transformando em uma galinha!

— Galinha garnisé! Có-co-ri-có... Eu lhe mandarei de volta ao planeta dos alienígenas em trajes de folhas de mato!

— Se você continuar caçoando de mim, não te levarei a Orington!

— Não tenho necessidades em ir até lá!

Leandra retornou com uma bandeja, cheia de alimentos: o famoso suco azul, com sabor de amora e muitos alimentos à base de carne e leite de soja, que crescia aos montes naquele lugar.

— Se vocês dois não pararem de brigar, vou pedir ao senhor Frene, para separá-los. — Ameaçou Leandra.

— Ah! É esse enlatado que só vive caçoando de mim!

— Esse pivete terráqueo, abusa de meus poderes eletrônicos!

— Poder eletrônico!? Você não passa de uma lata enferrujada!

— Mais uma gracinha e lhe mandarei para o espaço sideral!

— Mande logo!

— Podem parar vocês dois! — Ordenou Leandra, se fazendo de séria. — Regis, sente-se e coma!

Sentei-me a saborear aquela ótima refeição da manhã. A estrela Brina, que surgira a pouco mais de uma hora, já trazia uma temperatura de uns trinta e quatro graus centígrados.

— Robô não dá trabalho! Robô não dá despesa! Robô não se alimenta!

— Seu engraçadinho! E o preço de sua construção? Dá pra alimentar uma criança, a vida toda!

— E o preço de sua fabricação? — Caçoou ainda.

— Seu analfabeto! — Caçoei. — Não fui fabricado! Não custei dinheiro!

— Veja quem fala! O hospital em que nasceste não cobra honorários? Materiais cirúrgicos, descartáveis… O médico não cobra o parto? O táxi não cobrou honorário?

— Seu burro! Eu não nasci em hospital! Não precisei de médico, nem de táxi!

— Suas fraldas de montão, não custaram uma nota preta? Sua chupeta!

— Nunca chupei chupetas!

— O registro civil, não custou…

— Basta! Vocês dois! — Se irritou de verdade Leandra. — É pecado brigar durante as refeições.

©©©

Uma hora mais tarde, a bordo de uma pequena espaçonave para dez tripulantes, seguia com o senhor Frene no comando e Luecy a meu lado direito. A espaçonave, também de forma arredondada, mais para uma bola de futebol americano, controlada manualmente por computador e um enorme visor, por onde podíamos ver a claridade da estrela Brina, as nuvens e alguma coisa do solo que ficara lá embaixo. O altímetro (acho que esse era o nome) acusava estarmos a cinco mil metros de altura e o velocímetro (pelo menos, os de carro tinha esse nome), acusava uma velocidade de um mil trezentos e cinquenta quilômetros por hora. Parecia muito, mas se levarmos em consideração que a hora susteriana equivale a uma hora, quarenta e seis minutos e quarenta segundos terráqueos, não era tão veloz assim.

Existia também outros tantos de marcadores e teclas de acionamento de alguma coisa da tal nave. Entre eles, o cronômetro, que acusava a distância já percorrida; o cronógrafo, que criava a média percorrida; marcadores de nível de temperatura, oxigênio, combustível...

— Quanto tempo essa viagem vai demorar, senhor Frene? — Perguntei.

— Aproximadamente seis horas!

— Por que a gente não usou a nave que me buscou na Terra, pra essa viagem?

— Você viu o tamanho dela se compararmos com essa? — Riu o senhor Frene.

— Pelo menos nossa viagem seria mais rápida!

— Nem tanto!

— Os dois astronautas, me disseram que ela viaja a milhões de quilômetros por... segundo!

— Sim! — Confirmou o senhor Frene. — Mas no espaço sideral! Não em órbita estelar!

— O que quer dizer?

— Que mesmo aquela nave, em uma órbita onde há atmosfera, não pode atingir altas velocidades.

— A tá! — Dei de ombros, sem, contudo entender nada.

— Você precisa aprender muito ainda! — Riu ele. — Mas vai aprender! Você ainda é muito jovem!

— Comparado ao senhor, sou apenas um bebê! Por que é que vocês não geram mais filhos?

— Já lhe expliquei isso Regis, mais de uma vez!

— Não consigo compreender! Fizeram alguma cirurgia?

— Nada disso! Você sabe que não!

— Como foi então? — Acho que estava querendo assunto.

— Quando isso ocorreu, eu era mais jovem do que você; tinha treze anos de idade, oito, se fosse na sua Terra. Houve uma grande explosão no espaço, em uma estrela, que se transformou em supernova, liberando grande quantidade de raios cósmicos, a bilhões de quilômetros daqui. Bilhões não! Trilhões! Cinco anos depois, a radiação causada por aquela explosão, inundou todo nosso sistema estelar, atingindo nosso organismo, criando mutação em nosso de-ene-a e nos privando de ter filhos...

— Luecy disse que foi explosão nuclear! — Interrompi.

— Não deixa de ter sido! Só que não foi em nosso planeta! Eu já lhe contei que as estrelas também irão morrer? Uma dessas danadas explodiu. Eu era apenas uma criança e todos julgavam que seria o fim de nossa espécie. Foi aí, que começamos a construir espaçonaves e tentar habitar outros planetas. Algumas dessas naves retornaram alguns anos depois, outras, provavelmente, se perderam ou morreram no espaço e nunca mais retornaram. Pode ser também, que encontraram um planeta ideal! Quem sabe! A nave em que meu pai estava conseguiu chegar até Mercúrio, em seu sistema solar; só que era um planeta deserto e sem vida. Não pousou, continuando viagem até encontrar a Terra. Seu planeta era excelente, pois era muito parecido com o nosso; então meu pai, mais quinze tripulantes permaneceram por lá durante quinze anos, depois resolveram voltar, pra ver o que teria nos acontecido...

— E ele o deixou aqui? Entregue aos riscos de morrer por radioa... radioat... Radi...ação!

— Não só a mim! Mas minha mãe e meus dois irmãos mais velhos! Mas o que ele podia fazer? As naves eram pequenas e poucos foram os escolhidos praquela missão...

— Só homens?

— O que importa? Era uma missão!

— Pra salvar a espécie?! Homens sozinhos não salvam a espécie!

— Não sei se você é inteligente, ou é safadinho!

— Inteligente! — Ironizei.

— Algumas mulheres fizeram parte de todas as tripulações!

— E por que demorou tanto pra voltar?

— Eles nem esperavam que a gente tivesse sobrevivi-do! Voltaram mais, por curiosidade, em ver ao longe, o cruel destino de seu mundo. Mas chegando aqui, já mais idosos, me encontrou do jeito que sou hoje. Nosso povo mais idoso, realmente havia falecido, os bem jovens, envelheceram um pouco; as crianças chegaram até a fase adulta e deixaram de envelhecer. Durante dezenas de anos analisando e estudan-do, inclusive eu, descobrimos que o nosso planeta não estava condenado. Descobrimos que éramos estéreis, porém imune a quase todas as doenças, nos tornando assim, quase que imortais.

— Por que imortais?

— A mesma radiação em nosso organismo, criou uma camada protetora, em torno de nossas células, evitando assim que elas envelheçam…

— E as novas células?

— Não há novas células!

— Como não? Células se multiplicam todas as horas!

— O que são novas células? Você sabe?

— Não senhor! Nunca estudei isso! O senhor nunca me deixa estudar! Me rouba sempre de minha escola! Só vi falar em um filme!

— Novas células, é a divisão de uma em duas, fazendo elas se multiplicarem constantemente, como você disse…

Acenei com os ombros, duvidoso, pois realmente nunca estudara isto, que vem a ser matéria didática de biologia, estudada provavelmente no segundo grau, ou ensino médio, como queiram.

— A célula não envelhecendo, não se divide, não se multiplica, não morre! Basicamente, sendo assim, somos imortais!

— O senhor disse que as crianças continuaram crescendo até a idade adulta! Como eu não cresço?

— Provavelmente nossos organismos começaram a sofrer tal proteção ou mutação, com o início da radiação que nos atingia. O organismo de uma criança se desenvolve de maneira diferente a do organismo de um adulto. Talvez por isso, a radiação inicial não as atingia. Agora a situação é diferente, pois o planeta já está totalmente coberto. Resultado: você será sempre bonitinho!

— Não existe nenhuma morte aqui?

— Claro que sim! Lembra-se do lhe que falei outro dia? Se eu, por exemplo, jogar esta nave contra uma montanha, ela explodirá e nós dois, poderemos dar adeus à nossa bela vida imortal.

— Até quando?

— Até quando, o que?

— Até quando vocês serão imortais? Até quando haverá radiação?

— Acreditamos Regis, que durante milhões de anos, a radiação ainda vai continuar.

— Quando eu voltar pra Terra, à radiação sairá de meu organismo? Ou mesmo estando lá, serei criança pra sempre?

— Se você voltasse à Terra, seu organismo continuaria o mesmo, por um período de uns dois anos, depois aos poucos, se readaptaria e voltaria a envelhecer normalmente.

— Não há perigo de na Terra eu não ter filhos... quando crescer?

— Acho que há! Sua maturidade levaria muitos anos pra voltar ao normal. Então você já estaria velho!

Fiquei triste e preocupado.

— Não te preocupeis, menino Regis! — Disse Luecy. — Você jamais retornará à Terra!

Concordei calado.


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