Fix You escrita por Anacchan


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! ^^



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A semana começava normal como todas as outras. Claro, tirando o fato de que eu estava atrasado. Não, MUITO atrasado para minha entrevista de emprego. Tudo por causa da minha querida vizinha, ela havia começado a se sentir mal em casa e estava sozinha. Bem, ela nunca gostou muito de mim, mas não custa nada ajudar... Eu acho. Agora estou aqui, correndo rua a fora na esperança de conseguir chegar a tempo. As pessoas estão me olhando, mas não ligo tudo o que quero é chegar à empresa onde aconteceria a entrevista. Penso que já perdi grande parte da chance que tinha, mas, não vou desistir agora.

— Bom dia. – falei ao chegar à recepção do prédio.

— Bom dia. – disse a recepcionista com a cara fechada... Será que todos são simpáticos assim por aqui? – O senhor deseja...?

— Vim para uma entrevista de emprego.

— Ao final do corredor, sala três. – ela me indicou o local, pegando o envelope que eu tinha em mãos. – Já o estão aguardando.

— Obrigado. – agradeci e segui pelo caminho que me foi indicado.

Chegando em frente a porta, dei uma batida e obtive permissão de entrada.

— Com licen- fui interrompido.

— O senhor está atrasado, Hanamiya-san.

— Peço perdão, mas aconteceu um imprevisto quando estava saindo de meu apartamento.

— Entendemos, mas imprevistos não são bem-vindos em nosso grupo. – o entrevistador disse com um sorriso sarcástico. – Não posso confiar um projeto de minha empresa a alguém que se quer consegue chegar no horário estipulado, sendo assim, suas chances de conseguir o emprego já se reduziram.

— Entendo perfeitamente, senhor.

Já não gostei dele de cara. Sei que estou atrasado, mas imprevistos acontecem, não é como se conseguíssemos sempre que as coisas corram da forma como queremos.

— Vamos à entrevista Hanamiya-san.

— Sim senhor.

***

Após várias e várias indiretas em relação ao atrasado, a entrevista finalmente havia terminado. Eu sei que preciso de um emprego, preciso muito, mas eu sinceramente fiquei aliviado por não ter sido escolhido pelo carrasco.

— Foi um prazer conhecer o senhor, Hanamiya-san. – Pena que não posso dizer o mesmo... Ele esticou uma das mãos em minha direção e sem muita escolha, o cumprimentei. – Boa sorte com sua procura. – apenas agradeci e saí da sala.

Atravessei o corredor pensando que talvez eu não conseguisse o emprego mesmo se não tivesse me atrasado. É, é isso. Não conseguiria mesmo chegando no horário marcado! Bem, acho que isso me consola.

Passei pela recepcionista e ela me lançou um sorriso debochado, provavelmente já sabia da minha não admissão. Segui meu caminho ignorando aquela provocação.

Continuei andando pela rua. Não tinha nada para fazer agora mesmo.

Senti-me mal. Não sei direito o motivo. Acho que é porque eu queria o emprego. Eu precisava dele. Mas, como não deu, devo seguir em frente.

Estava tão imerso em pensamentos que quando percebi havia chegado a uma praça. Essa praça já existia? Não me recordo. Era uma praça bonita, não havia como eu esquecer. Andei mais um pouco e me sentei em um banco próximo a um pequeno jardim com flores diversificadas. A brisa fresca da manhã tornava o local um pouco frio, mas mesmo assim, continuava agradável.

Fechei meus olhos, deixando-me sentir o leve toque em meu rosto e fiquei assim por um tempo, aproveitando a sensação de carinho que aquele vento gélido me proporcionava. Carente, não? Ri de meu próprio pensamento e logo abri meus olhos, prestando atenção no balançar das folhas das árvores a minha volta. Foi quando percebi que havia uma música ao fundo, uma música suave e lenta, que estava em total harmonia com a paisagem do local. Procurei de onde esta vinha. Olhei em volta e nada. Era uma música conhecida, estava sendo tocada por um violão e tinha o acompanhamento de uma voz masculina, uma voz grave e agradável. Olhei novamente em volta e pude notar, no canto da praça, um homem. Ele estava sentado em um banquinho com um violão no colo, tocava suavemente enquanto cantava a tal música.

Fiquei admirado. Ah, era só o que me faltava, ficar impressionado ao ver um estranho cantando em uma praça! Isso é algo completamente normal! Por que o estou endeusando tanto? Pelo visto já passou da hora de voltar para casa!

Após ponderar sobre minha permanência naquele ambiente, levantei-me e dirige-me de volta para casa, precisava descansar.

***

Droga. Eu realmente não acredito que estou aqui de novo!

Sim, eu havia voltado para a praça e estava no mesmo banco. Ontem, após chegar em casa, não consegui parar de pensar naquele estranho tocando violão e na música, eu tenho certeza de que a conheço, mas não faço ideia de qual seja o nome, ou quem a cante, só tenho a certeza de já tê-la escutado em algum lugar.

E como eu imaginei, ele estava lá de novo. Dessa vez cantando uma música diferente, um pouco mais agitada, mas que ainda combinava com o local. Algumas pessoas paravam para ouvi-lo, o que era de se entender, já que ele cantava bem, muito bem e tocava o violão como um acompanhamento perfeito. Aquele homem realmente tinha talento.

Fiquei lá por mais ou menos uma hora, até que ele parasse de tocar e começasse a guardar seu instrumento.

***

É realmente sem noção não conseguir parar de pensar em uma pessoa que só se viu uma vez na vida, não? E nem o rosto da pessoa em questão eu havia visto direito! Por que isso estava acontecendo?

Já passava da meia noite e eu não conseguia dormir, aquela primeira melodia ecoava em minha mente. Eu precisava descobrir que música era aquela.

Virei para um lado na cama, virei para o outro e nada de conseguir dormir. E assim se passaram as próximas quatro horas, virando e revirando na cama. Então, quando pude ver a luz do sol atravessar a pequena fresta aberta entre as cortinas, levantei-me dando-me por vencido. Não conseguiria dormir mais.

Tomei um banho morno, fiz meu café e depois minha higiene bucal. Sentei-me no sofá e liguei a TV na esperança de achar algo interessante. Nada, absolutamente nada. Retornei a desligá-la e encostei-me ao sofá, virando o rosto para o teto. Novamente aquela melodia me veio à cabeça. Eu devo estar enlouquecendo! Não é possível!

Levantei-me, fui até o quarto e peguei um agasalho, estava de saída.

***

Estou irritado comigo, nunca pensei que algum dia faria isso, eu deveria estar procurando um emprego ao invés de vir até essa praça para vê-lo cantar.

Sim, estava na praça de novo. Ele estava lá, naquele mesmo canto com aquele mesmo violão, cantando outras músicas, tanto animadas, quanto calmas. É... Ele poderia cantar qualquer coisa... Tudo ficava bom na sua voz, pelo o que pude perceber.

Igualmente aos outros dias, fiquei naquele lugar até que ele parece de tocar e logo voltei para casa.

***

Os próximos dias se seguiram da mesma forma. Levantava-me pela manhã, tomava meu café, fazia minha higiene matinal e depois ia até a praça. Ficava lá o ouvindo tocar, bem de longe. Os dias então se tornaram semanas e eu comecei a reparar sua aparência. Ele era alto, tinha os cabelos, quase sempre bagunçados, castanhos claros e olhos também, seu rosto tinha feições inocentes e estava sempre sorrindo, parecia alguém realmente feliz. Era um homem bonito e aparentemente agradável, já que sempre havia pessoas em sua pequena plateia, sorrindo e parabenizando-o pelo o seu trabalho. Ou seja, ele era o inverso da minha pessoa. E assim ficava lá até que sua apresentação terminasse e ao chegar a tarde, eu ia atrás de um emprego, coisa que precisava com urgência.

Após cinco meses. Cinco longos e demorados meses, cheguei à praça e pude perceber que havia algo errado. Ele não estava lá. Tudo estava muito silencioso e estranho. A princípio, pensei em retornar à minha casa, mas, algo me dizia que eu não deveria fazer isso. Então, escutando minha intuição, sentei-me no banco e passei a observar o movimento de pessoas na praça.

Senti aquele vento agradável acariciar minha pele novamente e fechei os olhos para aproveitar a sensação, quando de repente, sinto uma presença ao meu lado. Abro meus olhos lentamente e percebo que sim, tem alguém ao meu lado. É um homem e é alto, bem alto.

Ele se sentou ao meu lado e só então fui perceber de quem se tratava.

— Olá. – disse sem olhar para mim, tirando seu violão da capa. Sim, era ele! O cara do violão!

— O-o-o-oi! – respondi, gaguejando, mas respondi. Merda, ele com certeza percebeu!

— O que foi? Te assustei? – os olhos castanhos agora se focaram nos meus, coisa que me deixou ainda mais nervoso, mas, após ver seu rosto tranquilo, consegui controlar minha fala. – Me desculpe.

— Tudo bem... É que... Não tinha te visto. – Ufa. Ele não percebeu que eu fiquei nervoso, achou que me assustou.

Dando um singelo sorriso, ele começou a dedilhar uma música, esta que reconheci na hora, era Yellow da banda Coldplay.

Ele começou a cantar as primeiras palavras e não pude deixar de fechar os olhos, sua voz era perfeita. Uma combinação maravilhosa havia sido feita naquele momento. O vento, o balançar das árvores a nossa volta, o som do violão e a voz suave próxima a mim.

Sem perceber, a letra da música saía por meus lábios também. Claro, eu cantava baixo, não igual ao homem ao meu lado.

Ao terminar a música, ele se vira para mim e fala:

— Teppei Kiyoshi. – ele esticou a mão em um breve cumprimento, eu apenas fiz o mesmo.

— Makoto Hanamiya.

— Você canta bem, Hanamiya. – meu rosto ganhou um leve rubor ao ouvir aquela frase. Realmente não queria que ele tivesse me escutado.

— O-obrigado... Você também canta muito bem, Kiyoshi...

— Agradeço também... – Kiyoshi disse, dando outro sorriso amigável e começando a guardar seu violão na capa novamente. – Tem algo pra fazer agora?

Fiquei meio pensativo quanto a essa pergunta, eu mal o conhecia.

— Bem... Não, por que a pergunta?

— O que acha de me acompanhar em um café? – levantou-se e esticou a mão para me ajudar a fazer o mesmo.

— Acho que... – pense bem, Makoto. Você não o conhece. – Acho que não seria ruim. – Droga!

— Ótimo!

Seguimos então para uma cafeteria próxima à praça onde estávamos. O local tinha poucas pessoas, era agradável. Kiyoshi me guiou até uma mesa mais ao fundo, onde tinha uma mesa de madeira com lugar para duas pessoas e ao lado um pequeno jardim com flores em tons de rosa, roxo e vermelho. O estabelecimento tinha um cheiro doce e a vitrine estava cheia de doces, tortas e pães diversificados. Sentamo-nos e uma atendente veio a nossa mesa.

— Bom dia Teppei-kun! – a garota sorridente disse ao ver o meu acompanhante. Ela era baixa, tinha a pele branca, seus olhos eram levemente puxados e negros, assim como os fios lisos que desciam por seus ombros. Ela usava um vestido de manga curta na cor rosa bebê, na altura dos joelhos e um avental branco por cima do mesmo. No pé estava uma sapatilha branca e na cabeça, um pequeno lenço amarrado.

— Bom dia Aya-chan! – ele respondeu sorridente.

— O que desejam?

— Quero o de sempre, Aya-chan. – Teppei falou. – E você, Makoto?

— Um café puro, por favor.

— Ok! – ela anotou nossos pedidos e foi andando até o local onde parecia ser a cozinha.

Ao desviar meus olhos da moça e voltá-los para o homem a minha frente, pude perceber que ele me encarava, parecia analisar-me e senti meu rosto esquentar.

— O que faz da vida, Hanamiya?

— Bem, sou web designer e no momento, estou trabalhando em uma pequena empresa.

— Hum, entendo.

— E você?

— Sou músico. – aah, claro. Acho que percebi isso. – Toco à noite em alguns bares aqui da área.

Aya, a atendente, chegou trazendo nossos pedidos, meu café e o capuccino de Kiyoshi. Agradecemos e ela saiu, deixando-nos sozinhos outra vez.

— Gosta de música, Makoto?

— Sim, bastante. – respondi, sorvendo um pouco do líquido escuro na caneca em minhas mãos.

— O que te traz a essa praça? – ele bebeu um pouco de seu capuccino e continuou falando. – Digo, por qual motivo veio até aqui? – ele tinha um sorriso no rosto e não parava de encarar-me.

— Não tinha nada para fazer em casa de manhã, meu serviço é apenas na parte da tarde. – eu não estava gostando do rumo que aquela conversa estava tomando, mas o respondi. – É um local agradável também.

— Sim, concordo. Venho até aqui todas as manhãs, mesmo morando do outro lado da cidade, é um ambiente que me deixa bem. – o comentário me chocou. Do outro lado da cidade? Qual o problema desse cara? – Já até me acostumei com as pessoas pedindo músicas.

Após alguns minutos conversando sobre coisas banais, Kiyoshi e eu nos despedimos e seguimos nossos caminhos, cada um para sua casa. Ele havia me contado um pouco sobre sua vida. Tornou-se músico contra a vontade de seus pais e por isso, estes o expulsaram de casa, agora morava sozinho em um apartamento no centro da cidade e ganhava sua vida tocando em bares pela cidade. A praça havia se tornado seu local preferido, já que cativara seu lugar entre as pessoas que ali viviam, todos o conheciam e gostavam dele, então, ia até lá todos os dias e mostrava um pouco de seu talento para os que passavam em troca de sorrisos. Após isso, falei um pouco mais sobre mim também.

A conversa com aquele homem havia me perturbado, agora, além de não esquecer a melodia ainda desconhecida por mim, não esquecia seu rosto e a forma como me encarava. Acho que estou ficando louco.

***

Depois daquele dia, voltei outras vezes à praça e lá estava ele, me esperando naquele banco onde eu costumava ficar. Sempre com o violão em suas mãos. Conversávamos por alguns minutos e depois ele tocava algumas músicas, às vezes conhecidas, às vezes não. Tudo corria bem, sentia que a cada dia me aproximava mais dele.

— Oe, Hanamiya. – ele me chamou.

— Hum?

— Posso te fazer um pedido? – ele me olhava parecendo um pouco em dúvida sobre fazer ou não o pedido.

— Faça.

— Cante uma música comigo de novo? – o olhei surpreso. Não esperava que esse fosse o pedido. Para falar a verdade, esperava qualquer coisa, menos isso. Ele me encarava com um olhar pidão esperando a resposta.

— T-tudo bem... – concordei e ele sorriu abertamente. – Mas não aqui.

— Ok! – Kiyoshi guardou seu violão e me puxou. – Venha comigo.

***

Ok, não sei se foi uma boa ideia acompanhá-lo. Neste minuto estamos dentro do carro dele, indo para sua casa. Meu único pensamento agora é: se for preciso, como irei fugir? Ele é bem maior do que eu, isso será um problema. Apesar de estarmos conversando há três meses, acho que ainda não nos conhecemos o bastante para tal.

Ele entrou com o carro na garagem do prédio e estacionou, saindo e abrindo a porta para eu o acompanhar. Guiou-me em direção ao elevador e subimos até o sexto andar, onde ficava seu apartamento.

O prédio parecia novo, a pintura ainda nova das paredes acusava isso. Era absolutamente limpo. Tudo, desde a garagem, até a porta de Kiyoshi.

— Fique à vontade, Miya-chan. ~ - Kiyoshi falou de forma doce e quase cantada, o que me fez rir um pouco. Abriu a porta e entrou, me puxando junto dele pelo corredor de entrada.

O cômodo era grande, dividido em dois ambientes por uma pequena bancada. Depois do corredor, estava uma pequena copa e do outro lado da bancada a sala de estar. No meio da copa, havia um lustre na cor preta, bem discreto e logo a baixo estava a mesa de apoio transparente e pés também na cor preta, acompanhada de quatro cadeiras, da mesma cor. As paredes desta eram todas brancas.

Já do outro lado da bancada branca e preta, que atravessava o local, estava a sala de estar, onde existia um sofá preto. Na frente, uma mesa de centro em tons de marrom bem escuro, sobre um tapete de tecido espesso e branco. E, logo na frente, uma televisão estava sobre uma estante encostada à única parede em cor diferente do cômodo inteiro. Ao lado da bancada, havia uma porta e a sua frente também, julguei então que deveria ser o caminho para se chegar à cozinha e ao quarto.

— Aceita algo? Uma água, um suco... – ele me ofereceu.

— Aceito água.

— Sente-se ali no sofá que já trarei sua água! – Kiyoshi sorriu e saiu, deixando-me na sala.

Pude reparar, que ao fundo da mesma, havia uma grande janela com uma cortina também em tom escuro. Fiquei observando o ambiente. Ele tem um gosto refinado, pelo o que pude perceber. Notei também, que ao lado da estante, tinha um violão preto encostado à parede.

— Aqui. – colocou o copo em minhas mãos e foi em direção ao violão, pegando-o e sentando-se no sofá. O acompanhei.

— É uma pena seus pais não aprovarem sua escolha. – falei e sorvi um pouco do líquido no recipiente em minhas mãos. – Você tem talento.

— Obrigado. – ele agradeceu, dedilhando algumas notas. – Eles gostariam que eu tomasse conta dos negócios da família no lugar de meu pai, por isso não aprovaram. De qualquer forma, não os culpo e nem sinto raiva.

Isso me chocou um pouco. Acho que eu não reagiria da mesma forma.

— Isso é bom, apesar de me deixar impressionado.

— Eu nunca fui de guardar rancor ou sentir ódio das pessoas, entende? – disse, encostando o instrumento na parede ao seu lado e virando-se para mim.

— E-entendo. – gaguejei um pouco e comecei a desconfiar do que viria a seguir ao vê-lo tirar o copo vazio de minhas mãos e depositá-lo sobre a mesa de centro.

Com uma das mãos, ele segurou meu rosto e o virou para olhá-lo. Encarava-me de forma intensa e estava começando a me sentir envergonhado.

Desviei o olhar e ele fez uma leve carícia em minha bochecha, logo subindo para meus cabelos e ali deixando sua mão, distribuindo um suave carinho.

— Kiyoshi... Eu... – tentei me afastar um pouco, virando-me para frente e ele se aproximou mais, segurou meu queixo e o puxou delicadamente em sua direção novamente.

— Makoto...

Seu rosto começou a se aproximar do meu e antes que eu pudesse perceber, nossos lábios estavam colados.

O beijo era calmo. Até então, nossos lábios só estavam encostados, porém, isso durou pouco. Ele aprofundou o beijo, sem saber o motivo, eu cedi e quando me dei conta, ele já havia me encostado no braço do sofá e estava quase por cima de mim, beijando-me como se sua vida dependesse disso.

Assustado, o empurrei rapidamente e levantei-me do sofá o olhando. Assim como eu, ele pareceu assustado e quando vi que levantaria para me impedir de ir embora, corri em direção a porta e sem me despedir, saí pela mesma, deixando-o sozinho em seu apartamento.

***

Já longe de seu prédio, dentro de um táxi voltando para casa, estava eu. Ofegante e pensando no que havia acabado de fazer. Quem ele pensa que é pra me agarrar assim? E por que eu correspondi? Qual é o meu problema?! Eu mal o conheço! E... Bem, eu não sou gay... Não é?

Não voltarei mais àquela praça, será melhor assim.

Dias se passavam e eu não havia voltado à praça. Também não tinha notícias de Kiyoshi, uma vez que não trocamos telefone ou ele não sabia onde eu morava.

De qualquer forma, acho que não era pra ser.

***

Após duas semanas sem ao menos passar perto da praça, aqui estou eu de novo. Daqui a pouco ele deve aparecer. Acho que errei, não dei chance dele se explicar ou pedir desculpas. Creio que possamos ser amigos ainda e esquecer o que houve aquele dia. Eu posso esquecer aquilo... Tenho certeza de que posso...

Fiquei esperando por trinta, quarenta, cinquenta minutos e nada. Uma hora, uma hora e meia, nada dele aparecer. Pensei comigo que talvez ele tenha tido algum compromisso. Voltaria para casa hoje e amanhã viria procurá-lo e foi o que fiz.

No dia seguinte, ao chegar à praça, ele não estava. Esperei e nada. Convenci-me de novo que ele havia tido algum compromisso e decidi que retornaria no próximo dia.

E os dois meses seguintes foram a mesma coisa. Eu chegava lá e ele não estava. Esperava, esperava, esperava e nada. Ele nunca estava e eu sempre voltava para casa pensando que ele estaria lá quando o próximo dia chegasse, mas ele nunca estava.

***

Quatro meses. Sim, no quarto mês eu desisti. Ele não apareceria mais. Cheguei até a ir ao seu apartamento, mas o porteiro sempre dizia que havia dias que ele não aparecia, coisa que me fez entrar em desespero, mas claro, tive que me conter. Não poderia fazer absolutamente nada, apesar de tudo, eu mal o conhecia.

Fui até aquela cafeteria onde Aya trabalhava, ela parecia saber um pouco dele, mas tudo que consegui foi o que já tinha conhecimento, ela também não fazia ideia de seu paradeiro.

Acho que devo parar de pensar nisso... Eu nem o conheço.

Isso, vou esquecer isso tudo e seguir com minha vida!

***

Eu estava deitado em minha cama, afinal, já se passava das dez da noite e mesmo que o dia seguinte fosse um sábado, eu estava acostumado a deitar-me cedo e acordar cedo também. Mas, essa sexta-feira foi diferente. Eu não conseguia dormir, não conseguia de jeito nenhum. Levantei-me e andei até a janela, precisava de um ar, de olhar o movimento na rua em que morava. Não fazia ideia de como era a cidade à noite, apesar de já ter saído algumas vezes. Simplesmente não conseguia lembrar. Todas as vezes que saí, acabei voltando bêbado para casa, então não me lembrava de nada. Beber... Faz bastante tempo desde a última vez que fiz isso... Que tal...?

***

Acho que é bom fazer isso de vez em quando.

Neste momento estou em um bar de estilo retro. Decoração quase inteiramente de madeira escura, incluindo as paredes, o teto e o chão. A iluminação era baixa, apenas o pequeno palco ao fundo recebia atenção total desta. Em volta, as mesas estavam lotadas, pelo o que me pareceu, haveria algum show naquele dia. Eu estava sentado no balcão, havia decidido que iria beber. Pedi uma dose de vodka e apenas fiquei prestando atenção ao meu redor. Algumas mulheres chegavam perto tentando puxar papo, mas eu dava um jeito de encerrar o assunto e elas acabavam indo embora.

Eu dava atenção à minha bebida, quando algumas palmas preencheram o local e uma voz conhecida me chamou a atenção.

— Olá pessoal... – era ele! Com um sorriso doce no rosto, Kiyoshi havia subido no palco e era tomado pelos olhares de todos. – Primeiramente gostaria de agradecer a presença de todos aqui. – com seu violão em mãos, sentou-se no banco que estava ao centro do palco. – Espero que gostem do show... Bem, essa primeira música não é de minha autoria, mas, eu dedico ela a uma pessoa, que provavelmente não está aqui... Eu fiz uma coisa a ela e acho que não lhe agradou muito, gostaria de me redimir, mas acho que não será possível, então, dedico essa música a ela.

Dizendo isso, ele começou os primeiros acordes de The Scientist, da banda Coldplay. Como eu já disse, ele tem um gosto refinado, principalmente para a música.

Ouvindo essa letra, pergunto-me: quem será essa pessoa? E o que ele fez a ela? Por um momento passou por minha cabeça que talvez eu fosse a tal pessoa, mas logo esqueci essa ideia louca.

A primeira música acabou. Ele agradeceu o público em meio aos aplausos e passou para a segunda música, depois a terceira, a quarta e assim por diante.

— Pessoal, gostaria de dedicar essa última música àquela mesma pessoa... Era ela que eu estava tocando à primeira vez que a vie acho que ela se encaixou perfeitamente no momento, não sei explicar, só sei que jamais esquecerei aquele dia. – Kiyoshi fitava algum ponto qualquer a sua frente enquanto falava, sempre sorrindo.

Reconheci aquele ritmo na mesma hora. Era ela! Era a música que não saía de minha cabeça há meses! Ele havia começado a cantar e todas as pessoas no bar cantavam junto, inclusive eu.

Eu preciso descobrir o nome dessa música...

Após o término da mesma, Teppei agradeceu o público com uma pequena reverência e saiu, enquanto outra música, dessa vez gravada, preenchia o ambiente.

Eu deveria falar com ele... Mas acho que não conseguiria. Eu já havia decidido que esqueceria isso, não havia?

Discutia mentalmente comigo mesmo enquanto bebia minha segunda dose de vodka, até que ouvi aquela mesma voz de antes bem próxima de mim, fazendo um pedido ao barman.

— Uma cerveja, por favor.

— É pra já, Kiyo! – respondeu o barman indo atrás do pedido do outro.

Ele estava praticamente ao meu lado, me impressionava não ter me visto ainda.

— Vodka não combina com você. – claro que ele havia me visto, ele não é cego. – Você devia procurar outro disfarce, te vi lá do palco.

— Não tem disfarce nenhum, idiota! – rosnei, lançando-lhe um olhar de reprovação e virei novamente para encarar meu copo. – Não implique com a minha bebida.

— Não impliquei, só acho que não combina com você... Seria uma pena se você ficasse bêbado a ponto de não conseguir chegar em casa, não?

— Cale a boca, não vou ficar bêbado! – o encarei novamente e ele riu, estava se divertindo com certeza. Fiquei em silencio e voltei a fitar o líquido a minha frente. – Oe, Kiyoshi...

— Hum?

— Que música era aquela?

— Qual? – me virei para ele e este estava com um olhar confuso. – Qual delas?

— A última... Qual é o nome?

— Hum... – ele pareceu pensativo, tinha a cabeça pendendo um pouco para trás, uma mão no queixo e a outra segurava o copo que o barman já havia lhe trazido. – Te falo com uma condição.

— Qual? – já estava me irritando com aquilo, era óbvio que ele estava se divertindo as minhas custas.

— Cante comigo.

— Hãm?! – agora eu estava confuso. – Como?!

— Você se esqueceu? – os olhos semicerrados dele me acusavam. – Você disse que cantaria comigo aquele dia, estou esperando até hoje.

— A culpa é sua!

— Minha por quê?! Minha nada! – ele protestou. – Não fui eu quem saiu correndo feito um doido!

Era verdade, eu fugi dele. Senti-me um pouco envergonhado no começo, mas depois me lembrei o motivo de eu ter corrido e baixando o tom de voz, falei:

— Você me beijou! O que eu queria que eu fizesse?

— Mas você gostou. – falou como se fosse o dono do mundo e senti meu rosto queimar. Eu havia gostado? Sim, havia. Até o correspondi. – Não havia motivo pra sair correndo!

Fiquei quieto. As palavras não vinham à minha boca e eu sabia que estava vermelho.

— Você... Você me... Pegou de... Surpresa... – de cabeça baixa, eu disse e pude sentir sua mão fazer um breve carinho em meus fios negros.

— Eu pensei que você não queria mais falar comigo, mas me parece que está normal. – levantou meu rosto e sorriu.

— Eu... Eu estive... Procurando por você...

— Oh, esteve? – arregalou os olhos. – Eu não imaginava.

— Voltei até a praça esses meses todos, mas você nunca estava... O que houve?

— Tive alguns imprevistos na casa de meus pais... Meu pai, que já é um senhor de idade, esteve mal de saúde e eu fiquei por lá para ajudá-lo.

— Ah... – me surpreendi, era a prova de que ele realmente não guardava rancor. Eu deveria aprender um pouco com ele.

— Então, você vai querer saber qual é o nome da música ou não?

— Eu... Sim, eu quero. – dei-me por vencido. Paguei a conta e o segui até seu carro.

Ele disse que iríamos até sua casa. O trajeto foi tranquilo, conversamos sobre as coisas que fizemos nesses últimos meses e ri bastante das expressões de espanto que ele fazia enquanto eu falava sobre o tanto de vezes que fui àquela praça, ou até mesmo a casa dele. Ele disse que conseguiu reajustar sua relação com seus pais, que após vê-lo tocar, passaram a pedir um show particular pelos menos uma vez por semana. Ri da forma como ele falava, parecia mais feliz do que o normal.

Chegamos a seu prédio. Ele estacionou em sua vaga na garagem, subimos de elevador e logo estávamos novamente dentro daquele grande cômodo dividido em dois ambientes.

— Está com fome ou quer algo pra beber, Miya-chan? – ele encostou seu violão na parede ao lado do sofá.

— Não, obrigado.

— Ok... – pegou aquele outro violão que usara há alguns meses e começou a andar em direção a porta que julguei ser caminho de seu quarto. – Venha comigo.

Assenti e o segui.

O corredor era de tamanho médio. No meio havia um banheiro, após este, havia outra porta fechada, penso que deva ser um quarto de hóspedes ou algo do tipo. No final do corredor, estava uma terceira porta, também fechada, que foi aberta pelo homem a minha frente.

A luz do mesmo era baixa, havia uma porção de instrumentos músicas de corda espalhados e pôsteres de bandas famosas pela parede. Uma cama de casal no canto e uma cômoda com um notebook, um aparelho de som e um abajur, estava paralela à mesma. Ao lado da cama, tinha uma janela que estava fechada.

— Sente-se. – disse, sentando-se na cama e vendo que eu ainda estava um pouco receoso, continuou. — O que foi? Eu não vou fazer nada. – o olhei desconfiado. – Nada que você não queira...

— Pare com esses comentários maliciosos. – sentei-me ao seu lado. – Você me assusta.

— Não precisa ficar com medo, Miya-chan. ~

— Vamos logo ao que interessa!

— Tudo bem! Você é muito apressado! – disse com tom magoado e fez um bico. – Quero que você me acompanhe! – assenti e ele começou a dedilhar as primeiras notas daquela música.

Quando a primeira palavra saiu pela boca de Kiyoshi, de forma automática, a letra começou a surgir através da minha também. Era incrível como eu sabia a letra e não sabia o nome da música.

Eu estava envergonhado, ainda mais com os olhares sugestivos que recebia dele. Com certeza estava vermelho e Teppei sorria o tempo inteiro enquanto cantava.

Um tempo depois, terminamos a música e ele depositou o violão ao lado da cama, escorando-o na parede.

— Fix you, da banda Coldplay.

— Hum?

— Fix you, é o nome da música. – sorriu.

— Ah... Sim. – estava tão imerso em pensamentos que até me esqueci do motivo de estar ali.

— Achei impressionante o fato de você saber a letra e não saber o nome da música.

— Minha memória não é muito boa pra nomes.

— Entendo. – Kiyoshi se encostou a cabeceira da cama. – Sabe, aquele dia, quando eu estava na praça tocando essa música, eu te vi.

Não entendi direito no começo, mas depois ele continuou:

— Foi a primeira vez que te vi... Você parecia mal... Algo ruim parecia ter acontecido, logo associei a letra dessa música a você... Aí, um tempo depois, você me contou que foi dispensado na entrevista de emprego, imaginei que esse fosse o motivo do desanimo.

— Sim... - falei, até que minha ficha caiu. Ele associou a música a mim? – Espera... A pessoa da música... Não sou...?

— Sim, é você. – o olhei boquiaberto. Não podia acreditar que meu pensamento daquela hora havia se confirmado.

— Mas... Por quê?

— Não sei... Eu acho que... Que gosto de você. – me encarava, olhando no fundo de meus olhos enquanto disse aquilo. Foi algo tão verdadeiro, algo tão... Sincero. – Desde a primeira vez que te vi, te achei diferente, me interessei por você. – eu ainda estava chocado e ele falava de forma despreocupada. – Por isso te beijei aquele dia.

Eu e minha mania de fazer as coisas sem perceber... Em menos de segundos, estávamos eu e ele nos beijando. Sim, beijando. Ao terminar de ouvir aquela frase, meu corpo se moveu sozinho e o beijei. Agora estou eu, embaixo dele, novamente aos beijos. O que eu posso fazer? Acho que empurrá-lo e sair correndo agora não irá funcionar, já que fui eu quem começou e, bem, eu nem mesmo quero fazer isso. Posso apenas... Esperar.

***

Na manhã seguinte, acordei e estava sozinho na cama e nu. Sim, nu. Eu... Ele... Nós... Ah, você sabe! Olhei pelo quarto e confirmei que realmente estava sozinho. Puxei o cobertor, que cobria parcialmente meu corpo, até meus ombros e me aconcheguei melhor no travesseiro que, claro, tinha o cheiro dele. Ouvi um barulho de passos pelo corredor e a porta se abriu, revelando a figura de Teppei que estava apenas com uma boxer preta.

— Bom dia, Miya-chan. ~

— Bom dia, Teppei. – sentei-me na cama e ele sentou-se ao meu lado, abraçando-me e depositando um beijo em minha bochecha.

— Dormiu bem? Você pode deitar mais um pouco se quiser.

— Dormi sim e não, não quero deitar de novo, já estou descansado. – retribuí o abraço e afundei meu rosto em seu peito.

— Tudo bem... Então venha, eu preparei café. – se levantou e andou até a cômoda, abrindo uma das gavetas e retirando uma camisa branca e uma boxer, também preta. – Aqui, se vista. Vou te esperar na cozinha, ok?

— Ok. – peguei as roupas, vendo-o sair do quarto, deixando-me sozinho.

Levantei com um pouco – lê-se: muita MUITA- de dificuldade, pela dor no quadril, mas consegui chegar sem cair até a cozinha, onde ele me aguardava com o café.

Passamos a tarde juntos e após esse dia, muitos outros vieram. E a cada dia que passava, posso dizer que me tornava mais feliz e mais apaixonado por ele. Nunca pensei que isso aconteceria comigo, nunca esperava, mas eu gostei e só tenho de agradecer a ele por me fazer feliz. Não conseguiria e nem queria me afastar dele mais, havia se tornado parte de mim agora e não iria deixá-lo ir por nada. Não sei o que seria de mim se não tivesse ido até aquela praça aquela praça, aquele dia.

Começamos a ir até lá juntos e sempre que podia, ia a seus shows, o acompanhava em todas as suas atividades, coisa que ele fazia muita questão e eu não reclamava, afinal, adorava ficar próximo dele.

Ah e antes que eu me esqueça... Pensei que nunca diria isso, mas...

Nunca gostei tanto de ser dispensado de um serviço.


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que leram! :3



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