Mais um festival.Capas vermelhas dançavam pela praça,um santo em seus braços,sendo louvado em mais um festival.Mais um festival de São Marcos. O barulho da multidão e o ribombar do sino eram abafados pelas grossas paredes do castelo,a janela fosca evitando que a ralé me visse.

Suspirei atravessando a sala do trono,sentindo a presença do ser em frente à porta.Considerando que meu exército tinha sido desfalcado,meu irmão convertido e ter quase sido esmagado por uma vampira em extinção mas capaz de tudo e mais um pouco,eu já teria esmagado aquele sorrisinho sinistro da cara dele.

Andrey Vilayet era um protótipo de vampiro,vindo da Bulgária.Devia ter uns 16 anos,como uma garotinha irritante que eu conheço,e se achava o rei do mundo.Mas era um habilidoso vidente,como outra garotinha que eu conheço aficionada por compras.

“Sim,Andrey?”perguntei,me dirigindo para o garoto de cabelos louros.

“Aro,você tem que acabar com esse mal humor...”Andrey disse,revirando os olhos vermelhos.

“Eu vou acabar com o mal humor quando você parar de me enrolar.Fale logo.”respondi secamente.

“Eu estou aqui por uma causa!Eu não vou deixar você me tratar de qualquer jeito.”Andrey respondeu,dando passos largos até mim.

“Escute,garoto,eu sou seu mestre e não vai ser você que vai se nivelar a mim.Eu sou seu senhor e você vai me tratar de tal maneira.”gelei a voz,de modo que ele se comportasse.

“Você já deveria ter agido.”ele murmurou,se virando de costas para mim.

“Eu resolvo quando eu quiser agir.Você não é nada,pivete enxerido.”bufei,tirando o blazer por cima da minha camiseta.

“Eu sou seu general.Posso dar pitaco quando eu quiser.”ele bufou,evitando encostar em mim.

“De qualquer maneira,atacaremos quando eu disser que sim.”falei,acenando para Caius que se aproximava.

“Caso seu plano der errado,você se transformará em inimigo número um do mundo.Você será preso!Eles saberão nosso segredo.”Andrey gemeu,raivoso.

“Minha criança,somos vampiros,não lesmas.Eu consigo perceber quando estamos prestes a ser descobertos.Na verdade você consegue.”Caius disse,numa calma fora do comum.

“Bem pontuado Caius.Vampiros não são páreos para meros humanos. Eles podem ter bombas,mas nós temos presas e um forte desejo por sangue.”bufei,andando lentamente até meu trono de alabastro.Às vezes esse moleque consegue me irritar.

“Eu não estou falando só dos humanos.Estou falando dos Cullens, das sereias,dos magos,dos filhos da lua,das naiades e...”Andrey começou a falar,mas tive que interrompe-lo.

“E as fadas?”ri.Quem só viu uma fada pode rir de uma.São ridículas.”Dos elfos?São seres praticamente excluídos do mundo.Nunca vão sequer por os pés para fora das suas casinhas.Os Elfos,com todo aquele paz e amor,por favor!Medo de fadas!O que você é,Andrey?Um vampiro ou um cachorrinho com medo de trovão?”

“São seres antigos,Aro.São mais sábios e fortes.Mas antigos dos que os nobres vampiros anteriores a vocês.São sábios e vingativos.”Andrey respondeu,seus olhos varrendo a expressão plácida de Caius.

“Claro.E eu sou o Monstro do Lago Ness.”zombei,sorrindo entre os dentes e apoiando meu cotovelo no trono.

“Não zombe.Eu estou com uma mordida de duende no traseiro por sua culpa!Elas doem!Eles comem de tudo,até meu traseiro!Acha que eu sou o Leão de Nárnia para ficar convocando seres que não deviam mais nem existir?Ache um guarda roupa mágico!Ou a Mary Poppins!Mas deixe-os quietos!”Andrey sibilou,seus dentes perfeitos e brancos aparecendo.

“Teremos sucesso.”Caius falou pousadamente.

“Tanto faz.”Andrey respondeu bufando.

Me levantei rapidamente,caminhando até o oposto da sala de mármore.sabia que todos me olhavam confusos,quando voltei com um livro grosso,de capa de couro e poerento.

“Você terá uma idéia melhor do que queremos dizer.”falei e comecei a ler.

"O VAMPIRO

Tu que, como uma punhalada,
Em meu coração penetraste,
Tu que, qual furiosa manada
De demônios, ardente, ousaste,

De meu espírito humilhado,
Fazer teu leito e possessão
- Infame à qual estou atado
Como o galé* ao seu grilhão

Como ao baralho o jogador,
Como à carniça o parasita,
Como à garrafa o bebedor
- Maldita sejas tu, maldita!

Supliquei ao gládio veloz
Que a liberdade me alcançasse,**
E ao veneno, pérfido algoz***,
Que a covardia me amparasse.

Ai de mim! Com zomba e desdém,
Ambos me disseram então:
"Digno não és de que ninguém
Jamais te arranque à escravidão,

Imbecil! - se de teu retiro
Te libertássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!

Charles Baudelaire

*individuo forçado a fazer trabalhos forçados
**pediu uma morte rápida,a liberdade
***carrasco"

Parei de ler com dois olhares confusos em mim.

“Seus idiotas!Vampiros são o alvo preferido de poetas!Somo maus,sedutores e imortais!Você acham que se uma fada fosse perigosa o suficiente eles não fariam poemas sobre elas?Mas não fazem!Somos aniquiladores!”gritei.Andrey me tirava do sério mesmo!

“Chega,Aro!Eu já entendi,droga!Somos os mais fortes e bábláblá.Quer saber?Desisto!Eu me demito!”Andrey bufou,jogando os braços para o alto. Estendi meus dedos para impedir que ele saísse daquela sala e toquei sua pele lisa.

Imagens de um parto invadiram minha mente,imagens difusas.Uma criança chorando.Mas eu não estava interessado em uma criança qualquer.Vasculhei sua mente,procurando pelo futuro.Escutei um gemido de dor saindo dos lábios de Andrey.Ele não podia vasculhar mais do que dois anos,se não sua mente iria torrar.Mas eu precisava ver. Precisava.

Então eu vi.A garotinha linda e irritante,de 16 anos que conseguiu destruir meu exército, em um extenso gramado.Seus braços estavam estendidos,dando apoio a uma criancinha de longos cabelos negros e lisos,com um vestido branco de algodão. Ela sorria,naquela beleza e sedução que uma vampira transmorfa transpira.

“Vamos,Rosemarie.Olhe lá o Papai.”disse a garota,seus cabelos negros balançando junto com os da filha.No lado oposto,há alguns passos o garoto de cabelos bronze sorria,com os braços estendidos.

“Vamos,Rosemarie.Venha para o Papai!”ele disse,com um sorriso,batendo as mãos.

A menina olhou em volta,com dúvida.Seus enormes olhos verdes limparam o ambiente,encarando cada face.Um velho amigo estava lá,com sua esposa seus filhos. Um altão moreno deu tchauzinho para a garotinha,junto com uma loira estonteante.Uma baixinha tirava fotos sem parar,pouco se importando se o sol sobre a pele deles ofuscaria as imagens.Um louro observava com um sorriso acanhado,ao lado de meu irmão.

Traidor.

Ele sorria para a garotinha,os olhos brilhando.Fora por causa dela que ele nos tinha abandonado.E agora se deleitava com ela.

“Vá,Roza!”ele falou,piscando para a menininha que parecia confusa.

Ao lado dele,um rapaz de pele morena dava gargalhadas,fazendo caretas para a menininha e pedindo para ela ir até o padrinho,ao invés do pai feio dela.

“Pá!”ela falou em uma vozinha de soprano.

“Isso,é o papai,Roza.Você não quer deixá-lo esperando!”meu irmão falou,voltando a atenção da garota para o belo pai.Os olhinhos bonitos dela se viraram até a mãe.

“Má!”sua vozinha encheu o ambiente.

“Pode ir,Rosemarie.”a mãe incentivou,dando um empurrãozinho.

A garotinha deu um passo,as mãos da bela mãe ainda segurando suas mãozinhas.Deu outro passo,a mãe segurando gentilmente. Mais dois passinhos desajeitados e as mãos da mãe não a segurava mais.

A menina,Rosemarie,olhou para trás,com cara de preocupação para a mãe.Equilibrando-se meio mal,apontas de seu cabelo batendo no narizinho.Então deu um passo lento.Outro.E outro.E mais outro,até se jogar nos braços do pai.

“Parabéns,pequena!”o pai falou,apertando o narizinho dela e a jogando para o alto.

A menina ria alto.

Minha visão foi cortada pela expressão perplexa de Andrey.Suas mãos tremiam e ele parecia mais pálido.

“Ela é só uma criança,Aro.”ele pontuou.”Achei que fosse achar uma mais velha.Ela deve ter dias,semanas,no máximo.”ele parecia chocado.

“Por isso não vamos agir agora.Além do mais,não posso ‘achar’ outra.Ela é uma vampira transmorfa,uma das duas existentes,sendo a outra sua mãe.”respondi,os olhos vagando pelo espaço. “Ela pode ser a estreita diferença entre falhar e ganhar.”

“Eu...”Andrey começou,mas Caiu pegou no seu braço,o arrastando para fora.

Caminhei lentamente até a janela.

Mais um festival.Capas vermelhas dançavam pela praça,um santo em seus braços,sendo louvado em mais um festival.Mais um festival de São Marcos. O barulho da multidão e o ribombar do sino eram abafados pelas grossas paredes do castelo,a janela fosca evitando que a ralé me visse.

Só que agora não era só um festival.Agora eu tinha algo que esperava há algum tempo.Que nos faria ganhar meu plano bem feito.

Rosemarie.