Niffie estava sentada ao lado direito de Meridius em uma mesa extensa feita para acomodar diversas pessoas que possuíam asas, naquele momento apenas os dois ocupavam as cadeiras, mas quando o arcanjo decidia dar um jantar para seus irmãos e amigos, ela pensava que necessitaria de um microfone para falar com as demais pessoas que se sentavam longe dela.

Eles tomavam o café da manhã em um silêncio incomodo que estava deixando a imperatriz insana por querer saber o que estava acontecendo com seu marido, ainda mais quando sabia que o anjo ao seu lado era amador da primeira refeição do dia.

Naquele instante Meridius estava com um cotovelo apoioado na mesa, enquanto sua mão, fechada em um punho, era mantida a frente da sua boca. E seus olhos escuros estavam fixos no centro da mesa, tão vazios e imóveis quanto os de uma pintura bem feita.

Era uma pena que a angelical já não pudesse dizer que venderia sua alma para saber o que ele pensava.

No entanto, como Meridius disse que não podia compartilhar seus segredos, Niffie continuou agindo normalmente, mesmo que o silêncio dele a irritasse. Mas foi impossivel continuar levando o garfo até sua boca quando os olhos do anjo se moveram até encontrar o olhar dela. A imperatriz do paraíso congelou naquele momento e não se importou de ter mantido sua boca aberta para abrigar a comida que estava em seu talher.

— Imagino que chegou o momento para dizer o que Gaia veio fazer no castelo.— Meridius falou de maneira fria.

Fria demais até mesmo para ela.

Niffie arrumou sua postura e abandonou seu garfo cheio de pequenas frutas em seu prato para que pudesse ter toda a sua atenção depositada em Meridius. Por mais que a comida fosse tentadora, o arcanjo sempre venceria nesse quesito.

Sempre.

— Tão rápido?— A imperatriz do paraíso se odiou por ter que perguntar aquilo, mas era acostumada a saber sobre os segredos do seu arcanjo apenas depois que o problema era resolvido, o que levava algum tempo, pelo menos mais do que dois dias.
— O que trouxe ela até aqui esta prestes a ser resolvido.— Ele disse como se tivesse lido sua mente e Niffie teria acreditado nisso se não fosse impossivel agora que sua alma estava desaparecida.

A angelical estendeu seu braço e inclinou seu corpo para frente com a intenção de alcançar a mão fechada em punho, que ainda era mantido em frente da boca do anjo, quando seus dedos tocaram a pele quente dele, ela pode ver o quanto de força que Meridius usava para manter sua mão fechada e isso a preocupou, mas não o suficiente para forçá-la a desistir de empurrar o punho do arcanjo para baixo até encontrar a madeira fria da mesa.

— Estou ouvindo.— Falou depois de voltar a se sentar corretamente.

Meridius acompanhou cada movimento dela com seus olhos e mesmo depois dela ter se afastado, ele não levou sua mão em direção da sua boca novamente, mas Niffie esperou que seus olhos se tornassem suaves como sempre ficavam quando ela fazia esses gestos pequenos e significativos, mas naquele instante tudo o que via no seu olhar escuro era o nada.

— Gaia veio trazer um recado dos anciões.— Seus lábios se moveram ligeiramente para cima em um pequeno sorriso amargo e cheio de ódio. A angelical não gostou nada daquilo, ainda mais quando o tom usado por ele não era nem um pouco amigável.— Eles desejam a anulação do nosso casamento.—

Niffie piscou de maneira lenta, não conseguindo encontrar nenhuma palavra para descrever o que sentiu naqueles segundos que seu cérebro processava a notícia do seu marido... Não, isso era uma mentira.

Seu cérebro não estava processando aquelas palavras, pois se negava a acreditar.

— Isso é verdade?— Sua pergunta era tola, mas Niffie não conseguia pensar em algo melhor. Na verdade, nem mesmo seu corpo parecia estar funcionando de maneira correta.
— Sim.—

Uma única palavra fria, sem nenhuma explicação.

A imperatriz tentou respirar fundo para se acalmar, mas seus pulmões travaram no momento em que sentiu raiva por Meridius agir de maneira tão insensível quando ela precisava de respostas sem ao menos precisar fazer perguntas. No entanto, a angelical não podia culpá-lo desde que esse pedido não foi uma criação da sua mente.

— Por quê?— Ela perguntou a única coisa que importava, pronta para sacudir o anjo caso ele se negasse a dar uma justificava aceitável.
— Os anciões querem que eu produza um herdeiro para que no futuro ele alcance a mesma quantidade de poder que tenho hoje.— O arcanjo desviou seus olhos para o centro da mesa novamente, fazendo com que Niffie desejasse que ele não tivesse feito isso.— E você não pode me dar um filho.— Seu tom foi mais baixo, mais insignificante.
— Minhas probabilidades são muito baixas, mas não impossiveis.—
— Eles não querem mais esperar.—

Por que os anciões estão se intrometendo no meu casamento? Ela desejou gritar, enquanto seu lado psicopata queria quebrar tudo o que estava a sua frente.

— O que irá fazer?— Niffie perguntou. — Você disse que o problema esta prestes a ser resolvido.—
Meridius deixou que um riso amargo escapasse dos seus lábios, tal atitude apenas fez com que o coração dela batesse ainda mais lento.— Sabe que meu dever não envolve ir contra os anciões.—
— O quê?— Ela levantou da sua cadeira.— Você está simplesmente desistindo?—

Meridius também se levantou para que seus olhares ficassem na mesma direção e o anjo se movimentou de forma tão calma que a angelical desejou acertá-lo com algo pesado.

— Eu não estou desistindo.— Seu tom era cruel, o tom de um arcanjo.— Estou cumprindo a ordem dos meus superiores.—
— Ignore-a.— Niffie falou de forma frustrada.
— Não posso.—

Niffie sentiu lágrimas se formarem em seus olhos, mas as espantou rapidamente. Ela, definitivamente, não choraria na frente dele.

— Isso é cruel até mesmo para você, Meridius.— A imperatriz disse, não sabendo ao certo o que deveria falar devido a confusão que estava sentindo.— Você não pode desistir de uma estúpida regra por mim?—
— Não.—

Niffie vacilou.

Sua resposta era “Não”. Simplesmente não.

Ela não podia acreditar no que estava escutando e se tivesse que escolher apenas um sentimento que a consumia naquele momento, a imperatriz não poderia. Eram tantos que se explodiram dentro dela que toda a mistura a fez se sentir vazia.

— Meridius, você...— Niffie começou a falar, mas desistiu no momento que percebeu que estava prestes a implorar.

A imperatriz não faria isso, não imploraria por alguém que não estava se demonstrando capaz de lutar por ela.

O arcanjo em sua frente já havia tomado sua decisão e nada poderia fazê-lo mudar de ideia, nem mesmo a sua própria humilhação pedindo para que ele desistisse dessa ideia ridícula.

— Nosso casamento acabou? Apenas por que os anciões desejaram assim?—
— Sim.—

Niffie suspirou para conter o tremor do seu corpo, pois ela não sabia ao certo se estava pronta para chorar, correr para longe ou se lançar nos braços do seu marido para se humilhar.

— Você me fez prometer na manhã passada que eu não esqueceria o fato de que nunca tinha a intenção de me machucar.— Ela o lembrou, tão calma que chegava a ser assustador.— Você quebrou sua promessa primeiro, Meridius, pois está me machucando intencionalmente.—
— Não posso ignorar minhas regras.—
— Você pode, apenas não quer.—

Ela tinha que ir embora.

Agora.

Niffie não precisava mais ouvir respostas crúeis para se sentir ainda mais traída e destruída.

— Todo o amor...— A angelical vacilou com suas palavras... Todo o amor que ele dizeu sentir por ela era uma mentira?— Tudo o que você disse que sentia sobre o nosso relacionamento, para mim, acabou agora.—

Niffie deu alguns passos para trás e Meridius a acampanhou, dificultando ainda mais sua partida.

— Você precisa saber,— Ele disse de maneira lenta, lhe dando pequenas fagulhas de esperança.— que em breve irei me casar novamente.—

Isso era o suficiente.

A angelical deveria ter saído daquela sala, deveria ter abandonado o castelo naquele mesmo instante, mas acabou sendo surpreendida quando se deu conta que estava caminhando para se aproximar do anjo a sua frente para acertá-lo em seu rosto com um tapa.

Meridius permitiu que aquilo ocorresse, mesmo que tivesse diversos modos para pará-la, ele permitiu que ela o acertasse. E mesmo que aquele ato não ajudasse nada em seu orgulho ferido, mesmo que ele não tivesse sentindo dor, tudo o que a imperatriz conseguia pensar era que merecia ainda mais.

— Eu espero que você seja feliz.— Niffie sorriu de maneira amarga.— E tenho pena dessa nova cobaia que estará em suas mãos.—

Niffie se afastou dele e passou a caminhar em direção da porta para ir embora, assim como o arcanjo do paraíso e os malditos anciões desejavam.

— Niffie, espere.— Ela parou, mas não se virou para encará-lo. A angelical se sentia ferida demais para olhar aqueles olhos frios.— Você não tem nenhum lugar para ir, pelo menos me permita arrumar algum.—

Niffie sorriu com toda a sua tristeza pela situação patética em que se encontrava.

— É apenas com isso que você se preocupa?—

A angelical desejou esperar por uma resposta, suas tolas fagulhas de esperança não haviam morrido ainda e elas diziam que o arcanjo poderia mudar de ideia, mas Niffie teve que ignorá-las. Já era demais ter seu coração arrancado do seu peito, ela não precisava que Meridius pisasse em cima dele.

Deixando para trás todas as esperanças que pareciam insistir no assunto, deixando para trás toda a sua vida e o homem que sempre amou, Niffie saiu daquele castelo.

E o que mais fez seu coração doer foi o fato de que Meridius não foi atrás dela para impedí-la de se afastar.