A Fórmula do Amor escrita por Gabriel Campos


Capítulo 14
A Serenata Virtual


Notas iniciais do capítulo

Agradeço a todos que continuam acompanhando a história. E vamos conhecer mais a Valentina :3



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Passaram-se alguns dias e nada da Valentina dar as caras no colégio. Fiquei bastante preocupado, porém quando a vi online no bate-papo do Orkut e no MSN, sosseguei um pouco. Um pouco, porque sabia que de um jeito ou de outro ela ainda não havia abandonado as drogas. Eu era muito orgulhoso, então não falei com ela. Mas fiz melhor. Preparei meu violão e afiei minha língua e o meu inglês. Ah, naquele tempo eu já tinha ganhado o meu PC, o que me fazia ficar horas e horas vidrado na internet.

💜

Diário da Valentina

Caramba, quando vi o convite do Berg para aceitar a chamada da webcam no MSN meu coração disparou. Por impulso eu fui logo aceitando.

Quando vi o rosto dele, lindo, com aquele sorriso metálico, pedindo que, por favor, não cancelasse a chamada, quase morri! Vestia uma camisa do Nirvana (minha banda preferida) e tinha um violão nas mãos. Aqui está a conversa:

Berg Araújo diz: Me escuta!

Valentina Cobain diz: O que vc vai fazer? Por favor, esquece que eu existo!

Berg Araújo diz: Presta atenção. Só essa vez. Se não for por mim, que seja por vc.

Ele começou a tocar e cantar a minha música preferida do Nirvana, About a Girl. Como ele sabia?!

I need an easy friend

I do... with an ear to lend

I do... think you fit this shoe

I do... won`t you have a clue.

I`ll take advantage while

You hang me out to dry

But I can`t see you every night

Free.

I do...

Quando ele terminou de tocar, pegou uma folha de caderno, escreveu e mostrou pra mim. Dizia:

"Volta a falar com a gente? Nós somos amigos, e estaremos com você!"

Ai, com que ódio eu fiquei! Pensei que ele realmente ia dizer que gostava de mim. Talvez ele não gostasse. Pra quê toda aquela porra de romantismo? Por que ele tocou a minha música favorita da minha banda preferida? Acho que ele me deixou pior do que eu já estava.

💜

Diário do Berg

Por que ela desligou?! Será que a Valentina não gostou da serenata que eu fiz pra ela? Nossa meu, acho que talvez ela estivesse me odiando. Será que eu não cantei a música favorita dela direito? Talvez ela não visse que eu gostava dela, não como amiga, mas sim como namorada. Mas agora nem chegar perto dela eu iria mais, nem isso. Por que tem que ser assim? Por quê?! Por que essas porcarias de drogas existem?

💜

Diário da Valentina

Naquela noite meu pai chegara em casa mais uma vez bêbado. Como de costume, pulei a janela do meu quarto, que dava direto para a rua e saí. Não queria de modo algum cruzar com algum membro da minha família. Eu não queria que ninguém me visse chorando.

Eu ficava sentada numa calçada que tinha como vista o nada, o vazio, ou melhor, um matagal. Gostava de ver os coqueiros balançando e os gatos famintos caçando carniça dentro daquele terreno abandonado. Eles tinham liberdade; eu, não.

Não mais depois do dia em que me ofereceram crack. Foi uma experiência legal, confesso que a sensação é surreal. E depois? Minha aparência (coisa que eu nem ligava) estava indo de mal a pior. Eu era corpulenta, diziam que eu era “popozuda” e daria para o funk. Estava eu ficando cada vez mais magra e com saudades das comparações do meu corpo com o de uma funkeira. Meus cabelos eram podres a uma fumaça fedida a qual eu sabia de qual cheiro se tratava. Meus lábios ressecados e, digo a vocês que mesmo eu me achando feia, minha imagem horrível no espelho não me fazia parar. Eu queria fumar tudo, tudo. O pouco dinheiro que eu tinha só dava pra comprar um cigarro vagabundo na bodega, mas mesmo assim eu comprei e fumei cada pedacinho dele com os olhos cerrados, borrados de uma maquiagem pesada, escura, e claro, lágrimas. Eu sabia que o crack me levava pra um lugar longe dos meus problemas e que depois me vinha a penitência de ter que voltar ao meu mundo de merda. Aquele cigarro vagabundo de um boteco de beira de esquina não era o bastante. Eu precisava de pedra, mas não tinha dinheiro. Naquele dia fiz o meu primeiro assalto. Portava uma faca enferrujada que eu havia encontrado no lixo de um restaurante. Aquele inox brilhando na sacola amarrada no pé da parede me dera a ideia. Por pouco não desabei e chorei quando abordei aquela senhora no meio da rua e exigi num tom hostil que ela me desse sua bolsa. Ela me deu, e eu corri. Catorze reais e algumas moedinhas. Era o que eu precisava.

💜

(Música)

Depois daquela serenata, hesitei muito mais em aparecer na escola. Mas achei que minha mãe já estava desconfiando. Estava matando aula demais e eu precisava ir aqueles dias para realmente não dar na telha dela. Que roupa usaria? Precisava no mínimo de um disfarce. Quem sabe uma roupa diferente das que eu vestia normalmente? Não, não... Fui no meu estilo roqueira de sempre (não que eu gostasse disso, não me considerava uma ‘poser’), mas disposta a não dar de cara com o Berg e os outros. Tarefa difícil, já que era sexta feira e o uso de uniforme não era obrigatório e ainda mais porque o prédio do colégio era minúsculo.

“Às vezes se eu me distraio

Se eu não me vigio um instante

Me transporto pra perto de você

Já vi que não posso ficar tão solta

Me vem logo aquele cheiro

Que passa de você pra mim

Num fluxo perfeito...”

Ah, ver o Berg ali e não poder chegar perto dele. Nem dizer um oi. Por que eu sou tão orgulhosa? Que serenata linda ele fez pra mim! Se realmente ele tivesse feito pra mim, pra mim mesma entendem? Parece que aquele garoto não tem sentimentos ou não entende os nossos. Sentimentos... Até eu mesma renegava os meus! Se ele me correspondesse eu não estaria nem aí se as pessoas ririam da minha cara, de estar com o garoto mais esquisito do colégio, ou até mesmo do bairro. Mas eu sou daquelas que não vê aparência, e sim caráter. Mas será que ele não percebia que eu o amava a ponto de me enfiar na frente de um valentão que planejava quebrá-lo numa surra? De certo, o tipo de garota que o atrai é o da Madalena. Intelectual, séria, como ele é. Agora eu tenho que ir. Depois daquele inferno que é a escola eu tenho que voltar para outro inferno que é a minha casa. Não sei por que os meus pais não se separam logo. Ficam naquelas brigas e discussões, saem entram pela noite naquilo. Depois cada um vem e desconta tudo em mim do jeito que pode. E eu desconto tudo em pedra.

💜

Diário do Berg

Vi que a Valentina foi pra aula naquele dia, mas não falei com ela, pois percebi que ela não queria conversa. Será que ela não percebia que eu a amava, a ponto de me enfiar numa favela, quase dentro de uma boca de fumo pra tentar, de uma maneira fútil, que ela não usasse drogas? Porra! Que droga que é a vida! Às vezes dá vontade de me matar, acho que só assim resolveria todos os meus problemas. Mas quem cuidaria da minha heroína? Heroína... Quem estava precisando de um herói era ela. E esse papel tinha que ser meu. Eu fazia o que podia, mas tinha que fazer além da minha capacidade para ajudá-la.

💜

Diário do Rafa

Cara, eu tinha certeza que o Berg estava escondendo o jogo sobre a Valentina. Aquela menina tão gente boa andava muito perturbada. Mas depois que descobri o motivo, saquei porque ele não quis contar pra gente.

Vinha eu, voltando do centro da cidade, onde fui pagar umas contas, quando a vi no terminal de ônibus. Parecia uma mendiga e eu quase não a reconheci. Em vez de chamá-la, fiquei observando. Por fim, quase não acreditei, achei mesmo que não era a Valentina, mas foi quando um senhor passou e ela pediu encarecidamente:

— Senhor, me dá um trocado? Por favor!

Quando ele foi puxando a carteira, Valentina a tomou de sua mão e saiu correndo, como se fosse um cão faminto roubando um osso, enfiando-se no primeiro ônibus que vira. Que horrível foi ver aquilo!


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Notas finais do capítulo

Será que a galera vai conseguir tirar a Valentina dessa? :/