O clima de Narem sempre variava de acordo com as emoções de seus habitantes. E, naquele dia, uma neve fina caía dos céus. Fazia muito frio, era impossível esboçar um sorriso. Estava ocorrendo os funerais de todos os que morreram na guerra contra as fadas. Todos receberam em seus caixões, lindas flores que mudavam de cor. Mas um sepultamento foi especial, o da rainha Lydia. Seu corpo estava coberto por um pedaço de renda azul, a sua cor favorita. Mesmo morta, a rainha permanecia bela. Seus cabelos ainda eram macios e brilhantes, seu corpo ainda reluzia. Parecia que Lydia estava apenas dormindo, e muitos tinham esperança de que ela abrisse os olhos e lhes mostrasse seu belo sorriso de sereia. Mas não era algo tão simples assim.

Seu corpo foi velado, juntamente com todos os outros. Os únicos seres que não estavam presentes na despedida eram as fadas que restaram do exército de Naomi. Inclusive, a líder das fadas estava sendo velada pelas suas próprias companheiras, no Vale das Fadas. Após toda a cerimônia, Sammy guiou todos para o grande lago que se localizava no centro de Narem. Uma pequena plataforma fora colocada bem ali, como no dia da leitura do testamento da rainha Ruby. O mesmo pequeno duende de cabelos brancos, que leu o pergaminho naquele dia, lia agora o testamento deixado pela então rainha, Lydia.

“Queridos seres de Narem, se vocês estão lendo este pergaminho, é porque morri pelas mãos de minha irmã, líder suprema das fadas, Naomi. Não imaginam quantas e quantas vezes, reescrevi esta minha escritura. Esta foi minha última, então prevejo que a visão de nossa querida sereia estava correta. Um aperto invade meu coração quando me imagino longe de vocês, longe das flores, longe do lago. Espero ter lhes dado, pelo menos, um último abraço. Não sei se meu desejo poderá se realizar, mas gostaria muito que meu querido amigo, Sammy, seja o rei de Narem nos próximos séculos”.

Ao olharem para Sammy, Sofia e Miguel perceberam que as bochechas dele ficaram rosadas. Todos o aplaudiram, não só por ele ter se tornado rei, mas também por toda a bravura que demonstrou contra Naomi. O duende prosseguiu:

“Sinto que devo deixar a cada um de vocês, um presente especial. Algo que os fará lembrar-se de mim para todo o sempre. Bem, espero sinceramente que todos gostem de mim a ponto de aceitar um presente meu. Amigos duendes, creio que não irão acreditar. Mas, consegui encontrar a algum tempo atrás, um novo tecido da qual nunca ouvimos falar. Estão em meus aposentos no lago. Acredito que com aquele tecido, conseguirão produzir belas botas. Amigos centauros, deixo à vocês alguns esquilos e toupeiras especiais. Eles foram encontrados com uma boa pele, adoraria que fizessem mais daqueles casacos. Guardei eles com Lecos, sintam-se a vontade para aproveitar os animais. Amigas sereias, sempre tão fiéis e conselheiras. Encontrei uma magia para que pudéssemos reconstituir nossas guelras que ficam nas orelhas. Vamos combinar, elas não nos valorizam nem um pouco. Os ingredientes para a poção estão na primeira gaveta de minha mesa, espero que a apreciem com sensatez”.

Todos os seres pararam para comemorar. Os duendes ficaram agitados. Tecido novo que nunca antes fora encontrado? Isso seria a revolução das botas! E os centauros ficaram também exaltados. Uma pele especial? Com certeza, dariam belos casacos de toupeiras. E um modo de retirar as guelras horríveis das orelhas? Isso sim que era presente! E então, o duende continuou:

“E, por fim, Miguel e Sofia. Meus devotos amigos humanos. Primeiramente, preciso agradecer a vocês por tudo que fizeram por nós. Por terem tirado um pouco de seu tempo para nos visitar. Por ter lutado conosco até o fim, por nunca terem desistido de nos ensinar a como utilizar aquele tal de aparelho celular. Há muitos anos atrás, minha querida mãe me deu uma pequena esfera. Dentro dela, centenas de estrelas brilhavam. Como se estivéssemos olhando para o céu. O que eu não sabia, era que as estrelas eram verdadeiras. Meu próprio pai, em sua juventude, buscou em pessoa algumas estrelas para minha mãe no céu de Narem. Um ato de amor que ficou marcado para sempre. E quero que fiquem com ela, como prova do imenso amor e gratidão que sinto por vocês. Enquanto a esfera brilhar, e as estrelas demonstrarem vida, Narem estará segura e em paz. E a guardei com o próprio Sammy, podem buscar com ele. E aqui, povo de Narem, eu lhes dou adeus. Meu amor por vocês será eterno”.

Por várias horas, todos consolavam uns aos outros. Os seres de Narem pegaram os presentes deixados pela rainha, mas todos se sentiam desanimados demais para começar a usá-los. Após um longo período de tempo, fadas surgiram. Vindas do Vale das Fadas. Mas não queriam guerra. Uma pequena fada acanhada, seguiu frente às outras. Precisava falar com eles. Sammy, agora rei, tomou frente ao povo de Narem e parou para escutar a fada.

– O que desejam? Já dissemos a vocês para não ousarem aparecer por aqui – disse ele.

– Senhor, viemos pedir perdão – respondeu ela.

Os olhos de todos se arregalaram, não imaginavam isso vindo das fadas. Mas, o olhar da fada parecia sincero.

– E por que estão pedindo por perdão? – continuou Sammy.

– Porque estamos cansadas de viver em guerra. Nossa líder sempre nos induziu a fazer o mau, sempre nos pediu para matar. Claro que algumas eram como ela, gostavam do mal que faziam. Mas nós, que sobrevivemos, nem sequer entramos na batalha. Nunca queremos isso. Por isso, senhor, eu imploro por paz. Pelo seu perdão.

– Para que tenhas nosso perdão, pequena fada, tens que nos contar como Naomi conseguiu ultrapassar pelo escudo protetor.

– Um tipo de magia muito poderosa. Ela descobriu um livro de um mago antigo, e conseguiu praticar os feitiços por três anos. Ensinou às fadas que se alistaram para a guerra, e decidiram invadir.

– E você, ou alguma de suas companheiras que estão aqui agora, aprenderam algumas dessas magias poderosas?

– Não senhor. E destruímos o livro.

– Pode nos provar?

A fada buscou um punhado de cinzas e o mostrou a Sammy. O rei fez uma pequena magia e pôde ver o que era o objeto antes de o mesmo ter sido queimado. E viu o livro em um holograma mágico. As fadas falavam a verdade.

– Pedimos, senhor, que nos deixe renovar o nosso Vale das Fadas. Que possamos reconstruir nossas antigas amizades, que possamos viver em paz.

Os olhos da fada estavam marejados. Ao olhar para as outras que restaram, cerca de cinqüenta fadas, Sammy percebeu que eram sinceras as suas palavras.

– Nós aceitamos o vosso perdão.

Realmente, demoraram séculos. Mas, finalmente, o povo de Narem vivia em plena trégua. Em plena paz.

**

– Acabou... Finalmente acabou – relatou Sofia.

– Eu ainda não acredito que ela se foi. Sabe, ainda acho que vou lá amanhã e Lydia vai me receber como sempre fazia.

– Eu também penso assim. Vejamos pelo lado bom, Sammy agora é rei. Nós sobrevivemos e as fadas deixaram de ser piradas.

–Seria melhor se ela estivesse comemorando junto – disse ele.

– Seria mil vezes melhor.

Sentaram na fofa grama de Sonho Azul, e observaram as estrelas. Pegaram o presente que Lydia os deixou.

– É bonito não, é? – perguntou ele.

– É lindo. Lindo também o que o pai da Lydia fez. Buscar as estrelas pra mãe dela. Não se vêem coisas assim hoje em dia.

Miguel ergueu-se do chão, ofereceu a mão à Sofia. E os dois ficaram frente à frente. Tantas vezes se encontraram naquela situação, mas agora parecia tão... diferente.

– Eu buscaria as estrelas pra você. Pegaria a constelação de gêmeos inteira – disse Miguel.

– Você faria isso?

– Sem pensar duas vezes...

Chegaram mais perto, mais perto. Sofia podia ouvir o coração de Miguel batendo forte. Ela sentiu que o seu também estava batendo rápido. Miguel abaixou um pouco a cabeça, Sofia ficou nas pontas dos dedos. Mas o beijo não veio. Miguel abriu os olhos. Sofia olhava atentamente para ele.

– Qual o problema? – ele perguntou.

– Eu não te alcanço – respondeu sorrindo.

A resposta dele foi imediata. Ele a ergueu do chão, e a rodopiou no ar enquanto trocavam o melhor beijo sob as estrelas que já se teve notícias.