A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 11
Não importa onde, eu estarei lá


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura *-*



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As aulas finalmente acabaram. Hoje seria o último dia de aula escolar, dando início às férias de final de ano. A única coisa boa é ficar sem aula, porque nunca há nada de interessante para fazer nessa cidade durante esse descanso.

Enquanto eu estava arrumando meus materiais, Rafael virou para trás, apoiou o queixo na cadeira e sorriu carinhosamente para mim.

— Vamos, Lina? Estou ansioso.

— Quê? Ansioso pra quê?

Ele deu risada, não respondendo a minha pergunta e saiu em direção à porta. Acompanhei-o e permanecemos quietos até chegarmos na montanha.

— Tá, agora me conte o sonho ruim que você teve comigo, estou curiosa.

— Bom... Não estávamos em lugar nenhum... Tudo estava escuro, como se fosse um buraco. Eu estava andando, gritando o seu nome. De repente, você apareceu em minha frente com as mãos ensanguentadas; seus olhos expressavam raiva, prazer e descontrole. Você ergueu as mãos pingando sangue e olhou para mim, rindo descontroladamente. Mais nada... Depois disso eu acordei.

Pela sua descrição, era exatamente assim que eu estava no meu sonho. Descontrolada, com raiva e machucando por prazer. Então lhe contei sobre Elizabeth e que eu realmente tinha matado a dona Mercedes.

Quando terminei, olhei desanimada para a cidade que dava pra ser vista da montanha. Já esperava que o Rafael ficasse horrorizado e com medo de ficar perto de mim, mas me surpreendeu quando tratou com tranquilidade.

— Meu Deus... Então era verdade. E como você está?

Suspirei de alívio por estar enganada sobre a reação dele — Eu, teoricamente, já superei. No dia que sonhei isso, corri para a floresta e fui para o lugar que o sonho me mostrou. Havia sangue... Era realmente ali que a dona Mercedes havia falecido. Foi aí que eu já havia colocado na minha cabeça que tinha sido eu, porque não havia como eu sonhar com um lugar que eu nunca tinha ido e, por coincidência, ser o local do assassinato. Obviamente, me senti muito mal. As cenas do meu sonho rodavam na minha mente, sem parar. Foi aí que eu rezei pela alma de dona Mercedes e, do nada, senti uma calma, uma paz. Senti-me perdoada, sabe? Por isso hoje já estou bem melhor quanto a isso.

Depois lhe contei absolutamente tudo o que havia acontecido e descoberto ultimamente: o incidente em casa, o nome no coelho de pelúcia, os jornais... E com certeza Rafael teria muitas perguntas.

— Uau. Nossos pais não foram os únicos que morreram no incêndio? — olhou para mim, assustado. Quando respondi com um olhar vazio e sem palavras, continuou com as perguntas. — Sério que a sua casa foi construída em cima de um cemitério? E aquele coelho de pelúcia realmente não era seu... Mas por quê será que ele estava no meio dos seus brinquedos antigos?

— Isso que eu queria saber... Estou ficando louca. Há tantas pontas sem nós as quais não consigo ligá-las entre si ou comigo — suspirei, abraçando as pernas — Só queria sair um pouco daqui... Dessa cidade... Talvez essa mulher me dê um pouco de paz, nem que seja só um pouco.

— Ah, era sobre isso que eu estava ansioso para te contar! Minha vó tem uns amigos próximos que têm uma casa na praia. Eles sempre deixam a chave com a minha vó e ela tava pensando em ir hoje... Sei que é repentino, mas você sabe que minha vó presta serviços comunitários, certo? Então ela iria aproveitar que ainda não estamos tão perto do Natal. Queria saber se você não quer ir conosco...

— Hum, me parece ótimo! Mas não vou incomodar? Já falou com a sua vó de você estar me chamando?

— Mas é claro que não vai incomodar, você conhece a minha vó e ela te adora. Aliás, ela mesma mandou eu te chamar. Então vamos, é a oportunidade perfeita para você espairecer um pouco e sair dessa cidade por quatro dias. Topa? Sairemos hoje às 22 horas.

— Vou ver com a minha tia, tá? Mas adorei o convite, obrigada. Isso vai me fazer muito bem.

Senti vontade de abraçá-lo, mas achei melhor não. Apenas sorri, levantei, limpei a calça com as mãos e voltei para casa.

Quando cheguei, como sempre, minha tia e seu Lorenzo estavam na sala, tomando uma xícara de chá. A pilha de livros estava agora no chão e o estraçalho da mesa já havia sido limpado.

— Oi, Lina. Bem vinda! Quer tomar um chá conosco? O almoço irá demorar um pouco...

— Claro, tia, mas depois... Antes preciso te perguntar um coisa.

Vi sua mão enrijecer, segurando a alça da xícara com mais força. Sua voz se tornou trêmula e insegura.

— Diga, querida...

— Só queria perguntar se eu não podia viajar com o Rafael...

Ela então relaxou os ombros, quase suspirando de alívio. Largou a xícara e a sua voz voltou ao normal.

— Com o Rafael? Para onde?

— Uns amigos da vó dele têm casa na praia. Como a dona Virgínia é voluntária para ações caridosas, ela estará ocupada quando as festas se aproximarem, por isso eles irão hoje.

Minha tia olhou para seu Lorenzo, que pareceu consentir fechando vagarosamente os olhos e balançando a cabeça.

— Praia?! Nesse frio?

— Não tem problema, tia... É só pra sair um pouco de casa, mesmo...

— Hum... Vocês irão hoje e voltarão quando?

— Daqui quatro dias, o Rafael disse.

— Pode ir, Lina. Você tem que descansar, também. Aproveite bem esse tempo!

— Obrigada, tia!

Quando eu já estava no meio da escada, indo para o meu quarto, só ouço ela gritando: "aproveite o tempo com o Rafael, querida!", seguida de uma risadinha. Fui correndo para o meu quarto por causa da situação constrangedora, mas não segurei a risada envergonhada.

Estou ansiosa para essa viagem. Faz muitos, muitos anos que não saio dessa cidade... E agora preciso mais do que nunca sair daqui. Pela ansiedade, já comecei a arrumar minhas malas.

.

O dia parecia estranhamente normal. Já eram quase 22 horas e nada anormal havia acontecido ainda. Perdida em meio aos meus pensamentos com todos os fatos que descobri recentemente, ouvi a campainha tocar.

— Lina, desça! Rafael já está aqui!

Desci atropeladamente pela escada, almejando cada vez mais a minha saída dessa cidade.

— Tudo pronto para irmos, Lina? — Rafael sorriu, apoiando o ombro na batente da porta.

— Pegou tudo? Escova de dente, toalha, biquíni, remédios, protetor solar...?

— Peguei, tia, peguei... Fiz uma lista das coisas que eu deveria levar, então está tudo bem, não se preocupe. E não preciso de biquíni, está frio e estou com machucados, lembra?

— Ah, é verdade... Mas passe um pouco da água do mar neles... Dizem que essa água cura tudo por causa do sal.

— Tá bom, tia.

Abracei-a e fiz o mesmo com seu Lorenzo e meu tio Benjamin, me despedindo.

— Boa viagem, Lina! Divirtam-se! — os três falaram quase que em um uníssono, acenando da frente da casa

Acenei de volta e entramos no carro que a dona Virgínia havia pego emprestado com um conhecido.

— Lina, meu bem, você se importa de se sentar no meio? O banco da direita está com um buraco... Desculpe...

— Imagina, dona Virgínia, por mim tudo bem!

— Apertem os cintos, crianças! A Virgínia é perigosa no volante! — o marido calvo sentado no banco do carona gargalhava enquanto segurava a barriga proeminente.

— Quieto, Osmar!

O carro se preencheu com risadas enquanto ela dava tapas no braço dele. Eu achava lindo o fato da dona Virgínia namorar com o seu Osmar. Ela ficou viúva há quatro anos e, mesmo assim, aos seus 70 anos, ela não deixou de viver e conheceu seu Osmar, sete anos mais novo e viúvo igualmente.

A viagem de carro duraria em torno de cinco horas e meia. Em um silêncio constrangedor entre eu e Rafael, ele resolve quebrá-la meia hora depois.

— Lina, deixa eu ver uma coisa... Me dá a sua mão.

Não fazia ideia do que ele iria fazer, então só estendi minha mão para ele. Então entrelaçou seus dedos aos meus; eu o olhei com cara de dúvida esperando o resto e o mesmo apenas sorriu confortavelmente. Ficamos assim, de mãos dadas até que peguei no sono.

.

— Ei, acorda Lina, chegamos!

Ouvi uma voz calma acariciando meu rosto. Abri os olhos lentamente, ainda sonolenta e percebi que eu estava com a cabeça encostada no ombro do Rafael. Levantei quase que em um pulo, assustada e envergonhada.

— Hã?! Chegamos?

Saímos do carro e Rafael não desgrudou sua mão da minha. O cheiro do mar inundou meu pulmão e pude sentir o cheiro da liberdade; fechei os olhos e senti o vento congelante e salgado batendo em meu rosto.

Em um momento, senti Rafael apertando a minha mão.

— Rafa? O que foi?

— Como você está se sentindo?

— Bem, oras... Por quê? — em um estalo, entendi o que ele quis dizer. Eu apenas me sentia aliviada por respirar outros ares, mas não havia nada de excêntrico referente àquela situação — É muito cedo para te dizer isso... Mas estou bem, apesar de não sentir nada fora do normal.

Ele relaxou a mão e sorriu, aliviado. Descarregamos o carro e levamos as malas para dentro. A casa era térrea e apresentava um simpático portão de madeira pintado de azul marinho. Ao passarmos por um jardim mal cuidado, mas com uma variedade impressionante de flores, entramos na casa simples, com apenas dois quartos. Ao deixar as malas em um deles, percebi que havia apenas camas de casal. Senti-me um pouco desconfortável por ver que não havia camas de solteiro ou simplesmente colchões avulsos.

— Ok, vamos arrumar as camas? Todos estão exaustos... Osmar, você pode pegar os lençóis e as cobertas na mala verde? Eu e a Lina dormiremos nesse quarto da direita, você e o Rafael naquele da esquerda.

— Ué, por que, vó? Não é como se eu fosse fazer algo indecente — sorriu de canto de boca, meio envergonhado e despreocupado ao mesmo tempo.

— Não seja idiota, rapaz. Ande, vá ajudar o Osmar.

— Vó, é sério...

Não é como se eu precisasse de proteção, mas obviamente eu me sentiria mais confortável com ele. Porque, se algo acontecer, eu jamais acordaria a dona Virgínia, mas o Rafael já não teria tanto problema.

Ela olhou para mim, como se estivesse pedindo permissão.

— Tudo bem, dona Virgínia. Se o Rafael tentar algo estranho, eu quebro o braço dele.

Ela deu risada — Se tudo bem pra você, então tá bom. O importante é você dormir bem, viu, chuchu?

Agradeci, dando risada. Em um instante depois, ela veio com as roupas de cama. Nos arrumamos e preparamos para finalmente dormir tranquilamente e aproveitar a praia de manhã, apesar do frio.

— Qualquer coisa, qualquer coisinha, me acorde, tá? — saiu do banheiro e ficou parado diante do interruptor.

Concordei e ele apagou a luz, correndo para a cama. Ele puxou a coberta até o peito, deixou de lado e sorriu, esticando um dos braços para acariciar minha bochecha. Nos desejamos boa noite e ele continuou deitado de frente para mim, me observando com aqueles olhos redondos iluminados pela luz da lua como se estivesse esperando eu fechar os olhos.

Fechei os olhos apenas para não tê-lo me encarando e, pelo nervosismo de estar partilhando a cama com Rafael e ele estar me observando, demorei um pouco para pegar no sono. Abri os olhos lentamente e o vi dormindo com uma expressão serena estampada em seu rosto em meio à fraca iluminação da lua invadindo pela janela. Foi aí que pensei em como seria, como eu estaria se ele não estivesse por perto. Só de pensar nisso, meu coração se apertou um pouco e eu percebi que seria extremamente difícil para mim... Mais do que já está sendo. Inundada em sentimentos incertos, quase pegando no sono, fechei os olhos. Segundo depois senti algo como um sopro em meu ouvido.

— Para, Rafael, deixa eu dormir...

Senti novamente o sopro, então abri os olhos, pronta para brigar com aquele idiota. Mas ele estava dormindo em um sono profundo, de boca aberta.

Meu coração começou a bater mais rápido.

Virei lentamente na direção em que o sopro veio e vi a noite que eu achei que seria normal se despedaçando diante de meus olhos.

Lá estava ela.

Relaxou a cabeça para trás e gargalhou. Em um ato que me causou frio na espinha, virou o rosto rapidamente para mim e, com os seus olhos assustadoramente arregalados, sussurrou bem perto do meu ouvido.

— Pensou que ia escapar?


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Notas finais do capítulo

Não pensem que esse título foi no sentido romântico HUAHAUHA

Obrigada por ler =3=