Estávamos correndo pela floresta. As árvores eram altas e densas, começava a nevar um pouco. Mas nenhum de nós sentia frio, então aquela “coisa branca que caía do céu” só deixaria tudo ainda mais divertido. Um pontinho branco caiu no meu nariz, e eu ouvi uma espécie de latido-risada. Era tão engraçado o ladrar de Jake quando estava em forma de lobo.

Continuamos correndo, e correndo.

Olhei à minha volta e farejei. Água. Havia um rio ali perto. Sussurrei ao ouvido do lobo ruivo para que ele fosse até lá, eu estava com sede humana.

Tive um pouco de dificuldade para descer de seus ombros largos. Havia voltado a ser criança. E pelo visto, não era única. Tinha uma menina atrás de mim, lindos cabelos negros com cachos largos que pareciam desenhados perfeitamente. Seus olhos tinham uma linda cor chocolate, e sua pele branca como a minha. Eu diria que era irmã de Jake, mas sabia que ele não tinha nenhuma irmã mais nova. Perdi alguns minutos admirando a beleza incomparável da menininha, era tão meiga, e aquele sorriso pontudo lembrava mesmo Jacob. Uma Quileute, sem dúvida.

Ela desceu e demos as mãos. Éramos tão pequenas, comparadas ao imenso lobo ao nosso lado... Eu chutaria uns cinco anos aparentemente, ou até menos. Fomos cantarolando até a beira do lago. A água estava de doer os ossos. Bebemos só um pouquinho, nenhum de nós estava a fim e ficar muito tempo com as mãos no gelo, e no caso de Jake, com a língua.

O lobo correu, chamando nossa atenção para que fizéssemos o mesmo. Ele se jogou numa moita e voltou àquela forma humana que eu tanto amava, vestindo uma bermuda azul. Começamos outra vez. Eu estava me divertindo como nunca enquanto atravessava a floresta com uma velocidade incrível.

O vento ficou ao meu favor, jogando meus cachos pára trás. Foi aí que aquele cheiro invadiu minhas narinas. Minha garganta queimou, e senti ânsia em meu estômago. A fome me consumiu, e nem pude pensar duas vezes antes de acelerar o máximo que podia.

Foi então que o ataquei. Pulei nas costas de Jacob como um animal selvagem e cravei meus caninos afiados em seu pescoço macio. Imediatamente meus olhos ficaram vermelhos, quando caímos no chão bruscamente.

Acordei com um grito de dor.

Arregalei os olhos. Estava com o corpo por cima do de Jacob, com a boca em seu pescoço. Saltei com o susto e caí sentada de frente para ele, com uma distância suficiente. Meu coração disparou como nunca e vi uma gota de suor escorrer da testa dele, enquanto se sentava também. Deus, o que eu estava fazendo ali em cima dele?

-Droga Nessie, o que deu em você? Estava tentando me matar?

Jacob estava com a mão pressionada contra seu próprio pescoço, e a respiração irregular. Seus olhos estavam apertados, e a expressão nada boa. Dor?

-Eu... O que foi Jake? –perguntei sem entender.

-Sei que você fazia isso quando era pequena, mas poxa Ness, dessa vez doeu mesmo!

Parei de respirar, é claro que eu precisava de ar constantemente, mas conseguia ficar um bom tempo sem ele. Jacob tirou a mão do lugar, me mostrando dois furos paralelos, mas tampou rápido, pois seu sangue escorreu pela metade nua. Coitado, aquilo deve ter doído bastante.

Seth rolou de um lado para o outro, e se sentou, esfregando os olhos e forçando-os para nos enxergar melhor. Pelo visto nem mesmo um grito daqueles acordava esses Quileutes dorminhocos.

-Que foi? –perguntou, com a voz embolada.

-Nessie me mordeu.

Seth de um pulo com a resposta de Jake. Ele ficou boquiaberto, com os cabelos desgrenhados cobrindo o rosto até o nariz. Teria sido uma cena engraçada, se nada tivesse acontecido anteriormente.

-Me perdoe Jake. Eu estava sonhando com você, mas acho que acabou virando realidade... –minha voz quase não saiu.

-Tudo bem Ness. –ele sorriu vitorioso. –Bom saber que estou até nos seus sonhos.

-Idiota!

Dei-lhe um tapa leve em seu braço e ri. Senti uma pontada no pulmão. Ar! Inspirei com força. Minha garganta parecia rasgar em brasas. Será possível que até o cheiro do sangue de Jacob era quente?!

Ele fez um gesto para mim, me pedindo para limpar os lábios. Automaticamente eu passei a língua sobre eles, provando algo que jamais havia tido antes. Foi aí que o mundo acabou para mim, e quem tomou a vez foi um monstro incontrolável e esfomeado.

Céus, que gosto maravilhoso. Me senti deliciando uma pequena gota de um néctar dos Deuses. Eu simplesmente precisava daquele sangue, praticamente uma questão de vida ou morte. Nada que eu já tenha comido ou bebido era tão maravilhoso. Comecei a martelar coisas horríveis na minha mente, como atacar Jacob sem que Seth se metesse, bom, se eu fosse rápida o suficiente, o fator surpresa me ajudaria, e assim eu conseguiria sugar uma boa parte antes que o lobo mais jovem tentasse me arrancar de cima de minha vítima...

Vítima?! Por Deus Nessie?! É de Jacob que você está falando, o seu Jacob Black, seu melhor amigo e a pessoa que você mais ama nessa vida! Ele não era um animal selvagem que eu pudesse matar. Se Jake morresse, eu morreria junto, principalmente se a causa de sua morte fosse minha fome.

Cravei as unhas no meu próprio braço. Meu sangue escorreu por eles enquanto dei um forte impulso no chão e me joguei contra a parede oposta da sala. Narinas infladas, coração disparado, olhos vermelhos de um predador demoníaco, que não dava chance alguma às suas vítimas. Não era eu.

Eu nunca havia provado seu sangue antes. Pois toda vez que eu o mordia, meu pai e tio Jasper voavam na minha direção, limpando qualquer rastro de sangue que eu poderia ter feito, e principalmente jogavam um caminhão de água na minha boca, assim eu não sentiria nenhum gostinho.

Mas agora ele não estava aqui, e Alice estava completamente cega quando ao que poderia acontecer, já que dois lobisomens estavam ao meu lado. Provavelmente nem tomaram conhecimento do que estava acontecendo, visto que o Chalé era um suficientemente distante da casa.

O monstro estava crescendo, e eu novamente me joguei contra a parede. Então, Seth percebeu o que havia acontecido e se jogou em cima de mim. Me vi pressionada por uma muralha de músculos e uma parede de concreto. Não consegui me mover quando seus braços forçaram os meus, travando-os.

Perdi o controle completamente. Rosnei feito um animal e tentei me soltar, me debatendo nos braços do lobo. Claro, foi inútil.

-Corre Jacob!

Uma voz de anjo. Tia Alice e tio Jasper haviam aparecido. Enquanto ela expulsava Jake de dentro do chalé, Jasper acalmava meus instintos assassinos. Vi minha presa desaparecer. Urrei outra vez, o ódio estava tomando conta de mim, contudo, Jazz tomou conta de meus sentimentos outra vez.

-Ela está incontrolável!

Seth estava sofrendo em minhas mãos, eu estava dilacerando as costas e braços do garoto, enquanto tentava me soltar. Não queria feri-lo, mas simplesmente estava impossível parar, sentia como se meu corpo se movesse por ele, e não pela minha mente.

-Jasper faça-a parar! –implorou o garoto outra vez.

Eu abri a boca, ia mordê-lo para que me soltasse, mas antes que meus dentes afiados chegassem a seu ombro esquerdo, senti uma dor forte na nuca. E tudo ficou escuro.

Abri os olhos.

Minha cabeça estava martelando, o que aconteceu afinal? Olhei à minha volta, Jasper e Seth simplesmente se jogaram em cima de mim, segurando meus braços com uma força inigualável, nem preciso dizer o quanto aquilo doeu, provavelmente iria de mangas compridas para esconder as marcas que eles deixariam.

-Calma gente!

Alice sempre me salvava na hora certa. Olhei para ela confusa, então minha mente começou a trabalhar... Jacob, sangue, o monstro.

-Jake! –foi a única palavra que fugiu de meus lábios.

-Ele está bem Ness, a ferida está curando rapidamente. E assim que não tiver nem sinal de sangue, ele vem te ver. –Jasper, e finalmente estava afrouxando meus braços.

-Tia... O que aconteceu comigo? O que foi aquilo? ...

-Calma! Eu vou te explicar tudo, mas tente se acalmar antes de seu coração explodir aí dentro.

O nervosismo era visível no lugar até que meu tio agiu, deixando todos relaxados e tranqüilos. Entretanto eu estava completamente confusa e assustada. A linda vampira se sentou ao meu lado e passou a mão pelos meus cabelos, um pouco bagunçados com aquela confusão.

Me encolhi na cama, estávamos no meu quarto do chalé, que era idêntico ao da mansão. Olhei à minha volta, e agarrei Jackie, enquanto minhas próprias sensações lutavam contra o poder de Jasper.

-É um assunto complicado, mas vou tentar explicar direito. Nós não temos um nome exato para o que aconteceu, mas quando um vampiro encontra sua vítima perfeita, o cheiro dela é muito mais agradável para ele do que para qualquer outro. Não é algo fácil de controlar. E foi assim que seu pai e sua mãe começaram o romance. Edward sentiu o cheiro de Bella assim que ela entrou na sala de aula, e quase a atacou ali mesmo. Contudo ele tinha uma vantagem de cem anos sobre você, que seria como uma recém-criada.

-Mas tia, eu nunca quis mordê-lo assim antes e...

-Calma, me deixe explicar. –ela deu uma olhada para seu amado, e eu relaxei completamente. –Com vampiros completos não é necessário sentir o gosto do sangue, mas você não é cem por cento vampira, e provavelmente precisou sentir o gosto de seu sangue para que esse instinto aflorasse. Eu creio que continuará assim, provavelmente você não sentirá uma vontade insana de mordê-lo o tempo inteiro. Tenha cuidado, qualquer machucado mínimo que ele tenha você deve correr para bem longe, se nós estivermos perto poderemos te controlar, mas caso contrário acontecerá um briga horrível onde ele será prejudicado, Jake jamais irá te ferir.

Me encolhi ainda mais, agarrando os joelhos e escondendo o rosto no espaço entre eles e meu corpo. Por que com ele? Seria tão mais fácil se fosse qualquer pessoa que eu jamais fosse ver novamente. Mas Jacob era parte de mim, eu não poderia me afastar dele facilmente, e agora eu era uma ameaça à sua integridade física. Merda!

Estava com um ódio mortal de mim mesma. Tentei prender as lágrimas, Jasper controlara meu desespero, mas a tristeza ainda estava por aqui. Ele deixou, deve ter pensado que era melhor eu aliviar o nervosismo por mim mesma. Alice continuou a falar:

-Edward quase atacou Bella quando se viram pela primeira vez, mas ele fugiu e voltou um bom tempo depois, convicto que nunca iria feri-la. Creio que é como um imprinting para nós. Pois ele e sua mãe realmente nasceram um para outro, por mais que ela fosse apenas uma humana. Como ele costumava a dizer “O leão se apaixonou pelo cordeiro”. –ela sorriu levemente.

-Sim tia, mas o que acontece quando um lince se apaixona por um lobo? Inimigos naturais, vampiros e lobisomens, e olha só o que foi acontecer comigo! Argh! Imagine só o que vai acontecer quando Jake tiver seu imprinting?! Provavelmente terão de me trancar em casa para que eu não mate a coitada.

Todos, exceto eu e Jazz deram uma risadinha. Aquilo me incomodou, afinal que graça tinha essa relação bizarra? Juro que não consigo ver nenhum escape de piada naquela situação horrorosa que eu me meti.

-Vá tomar banho, querida, vou buscar suas roupas enquanto isso. Jazz, amor, poderia levar Seth para tomar um banho também? Preciso que vocês três estejam perfeitos para hoje.

Ela sorriu como se nada tivesse acontecido. Como Alice conseguia ser tão tranqüila? Como sempre eu esperava pelo pior... Como iria encarar Jake depois desse surto psicótico que tive há pouco tempo?

Caminhei até o banheiro, e assim que os dois homens sumiram, senti um peso enorme sobre meus ombros. Culpa, raiva, tristeza, sede, amor... Um turbilhão de sentimentos e sensações desabou sobre mim. Olhei meu reflexo no espelho. Olhos de demônio. Estavam castanho-avermelhados, mas provavelmente ela já havia providenciado lentes para que ninguém reparasse na escola.

Havia algo estranho, eu parecia mais bonita, apesar de toda aquela situação horrível. É como se aquela mínima gota do sangue de Jake tivesse me revigorado. Suspirei e comecei a me despir, deixando as roupas no chão.

Água quente, do jeito que eu gostava. Fiquei muito tempo ali, até ouvir umas batidas na porta, provavelmente minha tia estava tentando me avisar que eu atrasaria todos se não saísse imediatamente do banho.

Enrolei meu corpo numa tolha branca, curta. As roupas estavam em cima da cama, para mim, eram apenas cores preta, branca e um azul da calça jeans. Sentei-me novamente e olhei para a janela. Fechei os olhos aproveitando uma brisa fresca, até que o cheiro amadeirado invadiu minhas narinas.

-Jacob...

Sussurrei sem perceber, ainda de olhos fechados. Aquelas mãos quentes tocaram meu rosto, afastando os cabelos molhados dele. Eu estremeci com aquele toque, deixei um pequeno sorriso escapar e abri os olhos, contendo as lágrimas.

-Estou aqui Nessie.

-Me perdoe outra vez Jake, pelo visto eu ando fazendo estrago. –falei sinceramente.

-Tudo bem Ness, a culpa não é sua, afinal, creio que se pudesse escolher uma vítima não seria eu. –ele abriu aquele sorriso de lobo. –Você preferia ser meu imprinting que eu sei.

-Claro.

Eu ri levemente e olhei para baixo, escondendo o rubor ridículo que meu rosto formava. Jacob estava bonito, calça jeans um pouco mais justa do que ele costumava a usar, e uma blusa branca que lhe caiu perfeitamente. Perfeito como sempre, acho que mesmo usando trapos e estando imundo, eu não conseguiria achá-lo feio.

-Alice me contou tudo e...

-Tudo mesmo? –eu o interrompi.

-Sim, por quê? Acha que ela deveria ter escondido algo?

-Não é isso. Desculpe Jake...

-Não precisa ficar assim, eu sempre soube que você seria minha Ness.

Fiz um pequeno movimento, tentando rir, enquanto ele gargalhou com a própria frase. Duas sombras apareceram na minha janela. Eucalipto, grama fresca, mel e lilases. Resumindo, Seth e tia Alice.

-Alice! Porque não avisou o que esses dois estavam fazendo? Que droga!

Seth e suas piadas completamente desnecessárias. Alice apenas riu. E foi aí que me dei conta, eu ainda estava de toalha, e as roupas ao meu lado. Seria mais que normal as pessoas acharem que nós estávamos fazendo alguma coisa. Não que eu não quisesse... Mas não dependia apenas de mim.

 -Não tinha nada acontecendo Seth. –eu respondi seca.

-Não?! Depois daquela frase extremamente sugestiva você quer me convencer que nem um beijinho rolou aqui?

Eu fiquei roxa de vergonha. Jacob sorriu para mim e deu-me um beijo na testa, ficando de pé na minha frente.

-Vá se trocar, moranguinho. Vem garoto irritante, vamos descer.

Ele literalmente agarrou Seth pela gola da blusa. Reparei que eles estavam bem parecidos, mas a cor do da blusa do lobo mais jovem era azul, e sua calça num tom mais claro que a de Jacob. Eu sorri. Alice sempre estava aprontando pra cima de nós.

-Anda garota, vista-se, preciso ainda cuidar desses seus lindos olhos.

Fiz o que ela mandou imediatamente. Tia Alice respeitava meus gostos, por incrível que pareça, sempre escolhia coisas do jeito que eu gostava, mas lotadas de etiquetas de marcas caras. Vesti a calça jeans skinny, quase preta, marcava tanto meu corpo que achei exagero da parte dela escolher aquela. Uma blusa branca de botões, num tecido que eu jamais havia visto na vida, e um corpete preto, que modelou meu corpo.

Alice voou para cima de mim, colocou lentes marrons sobre meus olhos cor de morte, e passou lápis preto para dar um toque final. Claro, boba como era, bateu palmas e sorriu outra vez, pelo visto ou estava fingindo muito bem, ou havia esquecido o que aconteceu agora pouco.

-Boa aula garota, faça os humanos caírem aos seus pés. –disse dando um beijo na minha testa e um abraço.

-Obrigada tia, farei com que eles fujam de mim, com certeza. –eu ri.

-Vamos logo!

Minha tia foi me guiando escada abaixo, pressionando minhas costas com as mãos extremamente frias. Peguei a mochila em cima do sofá, sem encarar os garotos e coloquei-a nas costas. Falei o nome dos dois em seguida.

Jake se levantou e estendeu a mão para mim com um sorriso gentil e maravilhoso. Meu coração derreteu e eu não pude evitar retribuir. Peguei sua mão, enquanto saíamos da casa, ele me guiando, como fazíamos desde que eu nasci. Abaixei o rosto e fiquei olhando o par All Star branco, de couro, que minha Alice usou para completar o visual. Claro que ela reclamou muito eu não aceitar saltos, mas para ser sincera, aquilo me cansava.

A cena do ataque passou como um filme na minha cabeça, e sem perceber, havia dividido tais pensamentos com meu amado. Droga, eu gostaria de nunca ter nascido naquele momento, assim ele não precisaria fingir estar confortável ao lado de alguém que adoraria sugar todo seu sangue.

Perdoe-me por te amar Jacob...

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