Segurei o celular entre o ouvido e o ombro, escutando voz alterada da criatura histérica que me colocou no mundo, e movimentei o braço em direção a porta de um dos armários da cozinha. A bancada velha debaixo dos meus pés rangeu outra vez, dando sinais de que não iria me aguentar por muito mais tempo e eu, automaticamente, prendi a respiração.

– Heather, eu disse pra me ligar assim que saísse daquela droga avião. – não consegui deixar de revirar os olhos, mesmo que eu já tivesse pedido desculpas um milhão de vezes, ela continuava brigando comigo.

Potes coloridos, um escorredor de macarrão, panelas que pareciam nunca ter sido usadas, mas nada de comida. Pelo visto, nenhum dos meus colegas de quarto tinha o habito de encher a despensa.

– Eu esqueci, mãe. – respondi, tentando não me desequilibrar. – Desculpa.

Recebi um suspiro muito irritado como resposta.

– Tudo bem. – ela disse por fim. – E como é o alojamento?

Como era?

Além de cheirar a cigarro e vodca barata, o lugar era, sem dúvidas, bem diferente do que a secretaria mal educada tinha descrito como um alojamento limpo e espaçoso onde eu me iria me sentir acolhida e confortável.

– É ótimo. – me obriguei a mentir.

Houve alguns segundos de silêncio e eu sabia que ela estava analisando a minha resposta, tentando descobrir se o que eu dizia era verdade.

– Jura? – ela pareceu desconfiada. Engoli em seco, eu iria para o inferno por mentir desse jeito. – Por que se isso não for verdade, eu atravesso o país agora mesmo e te coloco no primeiro avião de volta para Washington.

Não, não e não.

Minha barriga roncou constrangedoramente e eu fique na ponta dos pés, me contorcendo igual a uma daquelas acrobatas do Cirque du Soleil, para alcançar a prateleira mais alta.

– Mãe, eu sei me cuidar, então não precisa ficar ligando a cada cinco minutos. – tentei soar firme o bastante. – Falo com você mais tarde, te amo.

– Espera, eu ainda não...

Desliguei a chamada antes de escutar mais uma bronca. Coloquei o celular no bolso de trás e encarei o pacote de amendoins que reluzia ali. Na fome, qualquer coisa servia.

Eu estava prestes a puxar a embalagem plástica quando o som alto da porta batendo me assustou. Instantaneamente, eu fechei os olhos me preparei para a queda.

No entanto, ao invés de aterrissar no chão gelado da cozinha, dois braços me seguraram com bastante força, e eu fiquei sem saber se deveria me sentir culpada por tentar roubar comida de um desconhecido ou por ter sido, literalmente, pega em um flagrante vergonhoso.