61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 18
Capítulo 18 - Triunfos e derrotas


Notas iniciais do capítulo

Hola, aqui estou eu!

Finalmente consegui me adaptar para escrever um capítulo por semana, e agora a fanfic toma seu rumo final. Esse é o último capítulo da arena, onde sabemos quem é o vencedor. Foi complicado escrever algumas mortes, espero que tenham ficado boas. Aproveitem a leitura!



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O gás venenoso me traz algumas imagens na cabeça enquanto vou perdendo a consciência.

Vejo pernas e mais pernas passando à minha frente. Encolhido no chão, protejo-me da chuva em minha caixa no Distrito 5. Isso aos treze anos, idade em que fugi do orfanato, portanto era pequeno, magro, indefeso e, principalmente, confuso por lidar com o desconhecido. Meu cabelo não era comprido como é hoje, eu não tinha essa aparência acabada. Aquele foi o início de tudo. Quando aprendi a me virar.

E os anos se passam rapidamente. Continuo na mesma situação precária, com dias insuportáveis e ruins, porém nada bom acontece. Em algum tempo, tenho a companhia de um cão branco, e logo adiante, sou sorteado para um massacre. Nisso, vejo a oportunidade de conquistar uma casa, com uma condição: sair vivo.

Somente nesses últimos dias, minha vida deu um giro de 180 graus. De um simples garoto de rua, tornei-me um assassino venerado pela Capital. Tirei vidas inocentes, coisa que nunca faria antes. No que me tornei? Que tipo de pessoa suja e doente sou eu?

E a garota incrível dos olhos verdes? Estou perdendo-a. Nunca encontrei ninguém como ela, e jamais acharei igual. A única garota que se importou comigo, que me enxergou nesse mundo de ignorância.

Não tenho mais uma mente sã. Nunca conseguirei tirar esses dias da minha cabeça, terei que conviver com isso até o final. Mas não posso desistir agora, não posso...

Abro os olhos, enxergando Astrid caída num canto e Leonard tentando se levantar à minha frente. Mando uma mensagem ao meu cérebro, movendo primeiro um músculo da perna e depois outro, lentamente me pondo em pé. Minha garganta arde como se estivesse rachando por dentro, e meus olhos lacrimejam tanto que tudo está embaçado. Finalmente consigo manter meu peso em equilíbrio, ficando de pé. Sem nenhuma arma na mão, fico à frente de Leonard.

— Aonde pensa que vai? — pergunta ele, apertando a espada na mão.

— Pergunto o mesmo para você — sorrio amarelo, ignorando a sensação de estar respirando areia.

— Tá se achando o respondão, não é? Pois saiba que, desde o início, estou destinado a sair daqui com dinheiro, fama e glória para o Distrito 1. E para isso, qualquer um que estiver em meu caminho será dizimado. Meu maior problema é você, Geoffrey. E por isso, vou te fazer sofrer, e fazer Astrid sofrer também.

— Você só vai conseguir meu sofrimento se eu permitir, o que não vai acontecer.

— Isso não é problema.

Ele ergue sua espada, apontando em minha direção. Estou tonto demais para procurar o meu facão. Suo frio, pensando na possibilidade de esse ser o fim, mas mesmo assim determinado a escapar da situação. Já passei por tanta coisa na vida, não posso ceder a um simples garoto mimado.

Encaro-o e o vejo suando, os cabelos escuros grudando na face encharcada. O vermelho de seus olhos o faz lacrimejar, e isso não o impede de me mandar um olhar mortal de volta.

Não, não há nada que eu possa fazer. Ele tem uma espada, e eu tenho minhas mãos abanando.

Acho que é isso. Só posso ficar olhando.

Meu corpo reclama de cansaço, e isso só piora com o passar do tempo, quando o gás venenoso me infecta cada vez mais.

Seria o fim?

Não.

Astrid se levanta e, cambaleando, joga seu braço para atingir Leonard com um soco. E ele se vira, furioso, antes dela sequer tocar nele.

— A-Astrid, não! — minha voz soa rouca, fazendo minha garganta queimar.

Por um momento, o tempo congela, como se eu pudesse parar Astrid, mas só consigo ficar plantado com os pés no chão. Permaneço em estado de choque, paralisado, com descargas elétricas fazendo meu corpo entrar em pane.

Leonard afasta Astrid para longe com sua espada. Aquele golpe da lâmina, certeiro, atingiu-a em cheio e a lançou para trás, fazendo-a se curvar de dor e soltar um uivo doloroso. Sinto o quente de seu sangue voando em minhas roupas e o ouço batendo nas paredes, mas não consigo olhar. Minha mente não consegue processar tanta informação de uma só vez. Todos os meus sentidos escorreram pelo ralo.

Automaticamente aproveito a situação para dar um soco na cabeça de Leonard com toda a força do mundo. Ele cospe sangue e cai no chão, sem se levantar depois. Em seguida, corro até o corpo de Astrid e, ignorando a horrível visão de sua garganta aberta pela espada de Leonard, ponho-a no colo e carrego-a para fora. A dor do meu pé quebrado não parece em nada com a dor que sinto ao vê-la com o corpo esticado, o rosto sem cor, os olhos verdes sem o típico brilho. A sensação de ter ar limpo invadindo meus pulmões é ótima, mas isso não importa; Astrid está morrendo e é culpa minha.

Aquele rastro de sangue que vai escorrendo por sua garganta me traz ânsia de vômito. Todo o chão e o interior do celeiro estão pintados de vermelho. Vê-la naquela situação, perdendo todo o sangue de seu organismo, me traz a sensação de que falhei como amigo. E é minha culpa, se eu não tivesse a ideia de levantar para enfrentar Leonard, isso não teria acontecido.

Repouso-a na entrada da floresta, descansando a cabeça sobre minha jaqueta. A chuva encharca seus cabelos e se mistura com o sangue.

— Geoff... — sua voz soa tão baixa que nem consigo ouvir direito. O sangue continua se esvaindo pela garganta, fazendo-a se engasgar e tossir. — Olha a b-bagunça que eu fiz.

Um tiro de canhão indicando a morte de Leonard por envenenamento soa como música para mim.

— Que bagunça? — pergunto de volta. Gotas escorrem pelo meu rosto, e não é chuva. — A culpa toda é minha. Se eu não tivesse o enfrentado, isso não teria acontecido.

— Não seja idiota.

— É tudo culpa minha, é sim...

— V-você é um idiota até o final — Astrid tosse mais um pouco. — Vá lá e conquiste a vitória. Seja o campeão.

Sequer consigo enxergá-la. As lágrimas borram toda a minha visão, e mentalmente agradeço por não vê-la nessa situação. Seu peito, antes movimentando-se rapidamente, agora sobe e desce devagar. Ela para de se mover pouco a pouco. Me encara como se estivesse perdendo a consciência. Agarro sua mão, gelada, e aproximo-me de seu rosto, acariciando-o com a outra mão.

— Q-quero ver minha família... — ela sussurra, olhando para o céu. — Pai, mãe, Felicia... Geoff. O-obrigada por tudo.

— Eu estarei ao seu lado para sempre.

— E-então te reencontrarei algum dia. Prometo...

— Eu também prometo, Astrid. Não importa onde ou quando. Eu prometo.

Ela movimenta o peito para cima e para baixo uma última vez, lentamente. Seus olhos parecem feitos de vidro quando os vejo. Quando o canhão toca, aprecio suas íris cor de esmeralda pela última vez antes de deslizar suas pálpebras e fechá-las.

Sua mão fica fraca e desliza para fora da minha. As lágrimas não param, é como se o meu chão tivesse desaparecido e eu estivesse flutuando no espaço, agora sozinho. Eu amava - e ainda amo - Astrid, mas não disse isso uma vez sequer enquanto estava viva. Parecia que nos conhecíamos há décadas, e é isso o que importa. Ela sabia que eu me importava muito, e esse sentimento era mútuo.

Soco o vento, grito para os céus e choro. Choro muito. Como uma criança. E nada disso trará Astrid de volta.

Meu nariz funga diversas vezes antes de eu deixá-la. A dor do meu corpo volta como um tsunami, atingindo todas as partes violentamente. Meu pé dói tanto que mal consigo me movimentar, mas agora é necessário. Tenho que enfrentar Trina e vencer por Astrid.

Não possuo nenhuma arma à disposição e agora estou por conta própria. É o pior jeito que alguém pode enfrentar uma Carreirista sedenta por vingança. Tenho a opção de retornar ao celeiro e buscar o meu facão de volta, mas só de relembrar o odor nojento daquele gás, mudo de ideia.

Cambaleio para longe com meu pé torto, evitando ao máximo pensar em Astrid. Se ela estivesse ao meu lado, me sentiria invencível, mas agora estou sozinho. Continuo sem acreditar no que aconteceu. Ouço o motor do aerodeslizador vindo buscar o corpo, então evito olhar.

Um bipe me alerta. Um paraquedas prateado vai descendo lentamente até o meu lado, onde pousa. Abro-o e deparo-me com um bilhete feito de um papel que é impermeável pela chuva.

Geoffrey,

Sabíamos que chegaria longe, estamos todos torcendo por você, junto com outras milhares de pessoas na Capital. Pedimos as mais sinceras desculpas por não enviar nenhuma dádiva até então. A questão é que optamos por enviar um presente especial nesse momento final, de tanta necessidade, para que pudesse obter o sucesso. Então boa sorte, garoto, e torcemos por você.

PS: Sentimos muito pela garota.

Taylor, Bree e Dominique.

Dentro do paraquedas, há um embrulho pequeno, que desenrolo. Uma faca prateada, muito bonita e com meu nome cravado na lâmina. O detalhe mais bonito, sem dúvidas, é o cabo, que faz uma homenagem ao meu apelido de A Serpente. As cobras foram cuidadosamente desenhadas ali, com olhos de esmeralda como minha pulseira. Passo a lâmina de leve pelo meu dedo e um fio de sangue escorre, demonstrando a qualidade boa da arma. Sorrio.

Ponho-me de pé, deixando a chuva molhar meu cabelo. Espanto qualquer sensação ruim colocando a determinação na frente. Agora estou mais perto que nunca de ganhar isso. É só mais uma pessoa para derrubar, e então cumprirei a promessa de Astrid: ganhar os Jogos Vorazes.

Praticamente arrastando meu pé ruim, volto aos celeiros, segurando a faca com um ar de confiança. Daquele celeiro em que batalhei com Trina, vejo a criatura de cabelos azuis saltar pelo buraco do teto com uma espada na mão.

Ela salta de lá e aterrisa bem na minha frente, limpando o sangue do nariz com as mãos e sorrindo com o canto da boca.

— Finalmente — falamos em uníssono.

Não digo nada, apenas dou um passo para frente com minha faca. Trina inclina-se para trás e segura minha mão com a faca. Uso o braço livre para acertar um golpe em sua barriga, e ela curva-se para baixo. Arremesso meu cotovelo em sua cabeça e o seu nariz sangra ainda mais.

Trina então ruge de fúria e desfere diversos golpes em minha direção, mas consigo escapar correndo para trás, forçando meu pé a se movimentar. Tenho a sensação dele estar caindo com tamanha dor. Quando olho para trás, Trina me aponta sua espada. Ela me manda uma risada maníaca.

Quando penso que vou conseguir correr mais, meus pés me traem e tropeçam em uma pedrinha inútil. Solto todos os palavrões que sei, e Trina pula com a lâmina apontando para baixo. Rolo para o lado e ela encontra o chão. Aproveito a oportunidade para jogar todo o peso de meu corpo acima dela, prendendo-a no chão e impedindo-a de se debater. Sua espada continua na mão, e ela consegue abrir um corte no meu ombro direito antes que eu me livre de sua arma.

Seus olhos, vermelhos e preenchidos por lágrimas de raiva, suplicam a vida por dentro. Isso torna o ato de matá-la ainda mais complicado. Trina então usa meu momento de fraqueza para reverter a situação e ficar por cima. Como ela é leve, fujo por baixo, mas ela corta com sua espada a minha perna ruim. Debato-me de dor, e ela arranca minha faca das mãos e a arremessa para longe. Como um último ato, chuto a espada dela para os ares.

Torno-me furioso, batendo em sua face várias e várias vezes. Arranho suas bochechas, arrancando pedaços da carne enquanto choro de raiva. Raiva de tudo. Fúria desses malditos Jogos e ódio desse sofrimento. Trina começa a me estapear também.

Nunca me senti tão determinado antes. Uma chama dentro de mim se acende com tanta força que faz meus músculos trabalharem.

Minhas mãos voam ao pescoço de Trina, enforcando-a. Ela arranha, bate, faz de tudo em minhas mãos para tentar me soltar, mas ignoro a dor e o sangue que sai e acabo apertando com mais força. Ela perde toda a cor dos lábios, e sinto com meus dedos o ar tentando passar por sua garganta, só que faço de tudo para não deixar. Seus olhos começam a virar para cima e então suas mãos cessam o movimento.

A chuva continua caindo. O último canhão da arena soa e Trina cai em cima de mim. Afasto-a e, rastejando, vou até a minha faca de serpente.

Então é isso. Eu sou o campeão.

Exibo um rápido sorriso de triunfo, mas logo o desfaço.

Meu corpo se manifesta e não move mais nenhum músculo. Fico apenas deitado ali na grama, respirando profundamente e sentindo cada vez mais sangue sair pela minha perna recém-machucada.

O aerodeslizador vem e recolhe o corpo de Trina. Vejo as marcas de unhas e dedos em seu pescoço enquanto ela é levada para longe. O céu clareia aos poucos, formando um arco-íris com cores muito fortes.

E os trompetes soam. Soam em uma felicidade estúpida, celebrando o final de mais uma edição desses Jogos Vorazes. Choro uma sensação estranha, um alívio misturado com felicidade e tristeza. A voz de Claudius Templesmith ecoa pelos ares:

— Senhoras e senhores, apresentamos o campeão da 61ª Edição dos Jogos Vorazes: Geoffrey Stanley Monroe!

Não tenho forças nem para sorrir.

O aerodeslizador final voa bem acima de mim. A garra desce e, lentamente, passa por baixo de meu corpo, levando-me para cima. Sinto o sangue da minha perna direita pingando no chão, alguns metros abaixo. Finalmente poderei sair daqui. Mas por que não me sinto nada feliz?

Confuso demais para processar a minha subida ao aerodeslizador, fecho os olhos devagarinho. Chego cada vez mais perto e sou absorvido pela luz intensa do interior da nave.

E então apago.


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Notas finais do capítulo

E é isso. O que acharam?

Farei mais um ou dois capítulos contando sobre a vida do Geoff depois da arena, e mais algumas coisas acontecerão. Até o próximo o/