Waisenkind escrita por HarpiahAvalon


Capítulo 10
Capítulo 10 - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Depois de quase um ano sem escrever resolvi ressuscitar. Dividi o capítulo em duas partes por que eu já tava louca de ansiedade pra postar logo. Até semana que vem (ou menos, que é o que eu espero =D) eu termino essa fic. Obrigada a todos vocês que acompanharam.



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                Sharon ficara minutos intermináveis na casa completamente solitária esperando por notícias. Sentou-se na cama e abraçou seus joelhos chorando compulsivamente. Sentia ódio de si mesma, por que de alguma maneira não conseguia impedir aqueles sonhos macabros que tanto a assustava. Mas... Mas... Talvez tivesse um jeito de impedir. Talvez se ela lutasse e se recusasse de todas as maneiras essa situação pudesse ser revertida.  Num átimo a pequena pegou sua bolsa, seu diário, colocou uma peça de roupa mais decente e saiu daquele lugar de cabeça erguida. Correu o máximo que pôde, temendo o desfecho daquele sonho maldito.

                Cerca de meia hora depois, ela chegou ao seu destino. A casa de Simone estava completamente deserta. Não havia vivalma em cômodo algum. Temendo pela vida dos amigos, a judia correu ainda mais. Gritando pelas ruas como louca e surpreendeu-se: não tinha ninguém. Nenhuma fofoqueira na janela, nenhum vendedor, nenhuma criança empinando papagaio na rua... Shari estremeceu. O que tinha acontecido com Nove Mesto? Era uma cidade tão viva! Decidida, Sharon continuou caminhando por entre ruas, avenidas e praças, sempre atenta a qualquer movimento.  A noite caía. O frio estava castigando, então resolvera invadir uma casa em busca de cobertores e passar uma noite até recomeçar a sua busca. Escolheu a que menos lhe parecia ofensiva – sem nenhum vestígio da existência do Führer Hitler como suásticas e objetos que representavam o menor sinal de preconceito – e entrou para se aquecer e dormir. Procurou algo pra comer e só encontrou alguns pães em cima do armário (estavam duros como pedra, mas quando se está com fome, não se escolhe o que vai comer) que se serviu com moderada satisfação. Logo depois da rápida ceia, a garota se acomodara numa das camas. Observou o teto encardido por alguns instantes e a precária decoração da casa e lentamente caiu num sono profundo.

                Os dois garotos estavam acampados em um lugar mais remoto da beira da estrada, onde pouca gente frequentava por ser bastante perigoso. Havia diversas árvores frutíferas e infrutíferas enfeitando o lugar e sombreando cada centímetro possível. Era bonito e ao mesmo tempo sombrio:

                – Estou preocupado com a Sharon – disse Bill, passando a mão em seus cabelos enquanto comtemplava a paisagem monótona e pacata onde se instalou provisoriamente.

                - Eu também estou – disse Tom tentando parecer calmo – mas aposto que ela está bem.

                - Eu queria muito acreditar nisso Tom. Mas não vou descansar enquanto não vê-la.

Tom ficou de costas para o irmão e fingiu contemplar o horizonte, enquanto na verdade estava evitando contato visual com o Bill. Por mais que nutrisse um amor incondicional pelo irmão ele sentia ciúmes pelo amor que a garota tinha por sua cópia. Por um instante imaginou o mais novo tendo uma noite de amor com a garota e empalideceu. Não iria permitir isso de maneira nenhuma. Sharon seria pra sempre sua. Uma onda de raiva tomou conta do corpo do gêmeo mais velho, fazendo iniciar uma discussão:

                - Eu sei o quanto você está preocupado com ela. Você quer roubá-la de mim, eu sei disso. Aproveitando-se da inocência que ela tem. Seduzindo-a com sua índole de Don Juan incorrigível...

Bill ficou instante apenas observando a reação do irmão, incrédulo com o que ouvira. Don Juan o cacete! Não era ele que desvirginava menininhas indefesas de 12 anos! Por um instante ele desejou pular em cima do irmão e dar-lhe uma surra muito bem dada, mas se conteve por que sabia o real motivo do sofrimento de Tom: Sharon Andrea.

                - Você está se ouvindo? Está mesmo supondo que eu roubaria sua namorada? Não seja ridículo Tom. – dizendo isso pegou um pequeno graveto e pôs-se a desenhar no chão, escrevendo pequenas frases tentando desvencilhar-se de tal conversa desconfortável. Os esforços foram em vão por que o gêmeo mais velho riu debochadamente e continuou:

                - Eu já percebi como você a observa... Já vi como seus olhos ficam desejosos quando ela passa perto de você...

                - T-T-Tom... – o mais novo começou a gaguejar – você enlouqueceu. Eu ainda amo a Allaine, esqueceu? Mesmo que ela esteja... Morta.

Tom engoliu em seco. Sentiu um balde de água fria caindo-lhe sobre a cabeça. Na verdade nem ele mesmo sabia por que estava acusando o irmão daquela maneira, mas... Ele tinha que fazer algo. Por alguns instantes se colocou no lugar do irmão. A Sharon estava apenas desaparecida (ele pelo menos se esforçava pra acreditar nisso), mas a Allaine... Ela não voltaria nunca mais. Um misto de vergonha e tristeza entalou em sua garganta por alguns instantes mas que logo foi liberado em forma de um singelo pedido de desculpas:

                - Desculpa Bill... Eu tô muito estressado... Eu não consigo parar de pensar nela.

                - Eu sei – disse o outro enquanto sorria – Você está muito apaixonado.

Tom deu um sorriso com o canto da sua boca. O irmão tinha acertado mais uma vez:

                - Estou com medo.

                - Medo de quê?

                - Medo de ela não voltar nunca mais.

Bill engoliu em seco. Não imaginara que o irmão pensaria isso em algum dia:

                - Eu só queria – continuou Tom – ter uma vida feliz e tranquila. Assim como a mamãe teve com o papai um dia... – uma lágrima sem vergonha ousou escapulir dos olhos do garoto, que foi enxugada tão rapidamente como ela escorreu – mas parece que nada nunca dá certo... E-Eu amo a Shari. Adoro o sorriso dela, seu corpo, sua inocência... Aquela candura... Mesmo com aqueles sonhos esquisitos eu adoraria ter uma vida com ela. Uma vida normal com filhos, brigas, palavrões e desentendimentos... Assim como eu também queria chegar em casa depois de um longo dia de trabalho, beijar meus filhos e minha esposa enquanto eu espero a janta ser colocada no meu prato e...

                - TOM! – interrompeu Bill, farto de ouvi-lo falar de coisas que lembrem seus pais. E por uma fração de segundo, ele se lembrou do que aconteceu em sua casa, há algumas horas atrás...

                - O que eu fiz? – perguntou o irmão inocentemente.

                - N-Nada... Eu é que estou com a cabeça em outro lugar...

                - Tá pensando na morte da mamãe não é?

Essa frase soou como um soco no estômago. Sentiu algo revirar por dentro de si, provocando uma ânsia de vômito que foi contida:

                - Sim. – Respondeu secamente após um pigarro – Não quero voltar a falar nisso.

Tom consentiu com um gesto na cabeça e sentou-se ao pé de um tronco de árvore enquanto observava o irmão andar de um lado para o outro, preocupado com Shari. O dia já estava amanhecendo e em algumas horas eles voltariam para buscá-la quando de repente um deles vê um vulto deslizar por entre a paisagem calma.

                - Tom... O que foi isso? – indaga Bill, intrigado com o vulto passando lentamente por entre as árvores.

                - É só o vento – respondeu Tom.

                - Não, isso não é vento. Preste bem atenção...

De repente, escuta-se o barulho de algo caindo no chão. Pensaram ser um fruto que acabou de amadurecer e caiu da árvore. Infelizmente, nem chegou perto do real objeto caído. O vulto tinha acabado de jogar uma granada que detonou quase instantaneamente fazendo os gêmeos irem ao encontro de sua mãe e seu pai de uma vez por todas.

                Uma tempestade violenta caía sem piedade sobre o chão solitário de Nove Mesto. Sharon suava na cama, devido ao atribulado sonho que tivera. Desmanchou-se em lágrimas ao perceber que o pesadelo era mais real do que imaginava. Gordon morto. Simone morta. Tom morto. Bill, seu grande e verdadeiro amor, estava morto. Gritos descontrolados ecoavam por toda a casa, enquanto ela derrubava os móveis, jogava os objetos no chão na vã tentativa de aliviar todo o seu ódio. Depois de dar um escândalo digno de filmes de Hollywood, a garota resolve dar um fim em tudo isso. Cansara de viver. Ela não havia mais motivos para continuar. Tinha medo de dormir e fazer mais uma vítima inocente. Não permitiria mais isso.

                Shari foi à cozinha em busca de uma faca. A maior e mais afiada fora escolhida para sacrificar a si mesma. Antes de dar o último suspiro ela pegou sua bolsa, tirou alguns objetos e ficou relembrando toda a sua vida, e de como ela tinha sido infeliz desde os doze anos. De repente ela tocou em seu diário, dado com tanto carinho pelos gêmeos.  Mais lágrimas brotaram de seus olhos, pingando nas páginas do caderno manchando algumas linhas escritas. Folheando algumas páginas, a menina percebera que tinha uma folha solta, em meio a tantas outras que ainda estavam em branco. Um texto pequeno, escrito numa caligrafia caprichada tinha sido feito pelo Kaulitz mais novo, na época em que eles pararam de ser ver, pelas restrições ao contato de um alemão com um judeu:

                                               PARABÉNS POR MAIS UM ANO, SHARI!

Desejo-te muitas felicidades nesse momento tão difícil pra todos nós e que você aproveite esse diário que foi lhe dado de todo o coração. Mesmo que agora a gente não possa mais se ver como antes, eu quero que com esse diário, toda vez que você escrever ou até mesmo olhá-lo, se lembre de que tem um amigo que te ama muito e que não quer que você desista. Continue lutando e não deixe que uma lei imbecil ou que algum problema da vida lhe impeça de sonhar e recomeçar uma nova fase em sua vida. Aproveite.

                                                                                                                             Com carinho... Bill.

A judia entrou numa crise profunda de lágrimas após ler o bilhete que Bill escrevera. Por alguns minutos ela alisou o papel, apalpou, beijou, cheirou e deu graças a Deus por ter algo pra se lembrar de Bill. Imaginou sua mão quente passando por ali, como se ele um dia adivinhasse que ela sucumbiria. Sharon pegou a faca que seria usada para suicidar-se e passou apenas em um dos seus pulsos e deixou o sangue escorrer no lado contrário do bilhete para que servisse como um juramento de sangue. E enquanto fazia esse ritual ia proferindo as seguintes palavras:

                - Eu, Sharon Andrea prometo nunca desistir. Por você Bill.

Instantes depois alguém bate furiosamente na porta do seu quarto, observando cada centímetro da casa à procura de alguém. A pequena escondeu-se atrás de alguns móveis que outrora revirara pela casa e, petrificada de terror, ouviu a pessoa dizer o seu nome em voz alta:

                - Eu sei que você está aí Sharon.

Ela quase desmaiou de susto. Nunca tinha visto aquele ser antes! Era uma mulher alta, de olhos bem claros e de feições nada amistosas. De repente seus olhos encontraram-se com os da menina amaldiçoada, enquanto seus lábios sorriam na mais pura satisfação:

                - Ah... Olá Sharon. Você se lembra de mim?

Shari não lembrava de jeito nenhum. Não tinha a mínima ideia pra dizer a verdade. Então fez um gesto com a cabeça indicando sua negativa:

                - Eu conheci sua mãe e seu pai, há 12 anos. Eu fiz seu parto. – disse ela, sorrindo tranquilamente.

Sua mãe tinha comentado algumas vezes que sua gestação tinha sido muito complicada. O trabalho de parto tinha sido exaustivo o suficiente para não se pensar mais em filhos naquela casa.

                - Eu te amaldiçoei – completou seriamente, e apesar do seu esforço em conter seu sorriso, a polaca continuou falando – seu destino já tinha sido selado desde sua infância.

A garota ficou em choque. Quis avançar no pescoço daquela vadia imprestável que acabou com sua vida. Quis xingá-la, gritar, chamar Deus e o mundo para testemunhar a terceira guerra mundial que aconteceria naquele quarto se aquela filha da puta continuasse na sua frente. Mas inexplicavelmente a garota conteve-se. E deixou aquela mulher terminar:

                - Eu também sou como você. Quando eu tinha a sua idade eu tinha sonhos macabros e todos os desfechos eram horripilantes. Lembro-me de chorar todos os dias quando sonhei que minha mãe morreria numa manhã de domingo. Passei a semana inteira com ela, como se eu quisesse compensar todo aquele tempo que eu deixei aproveitar com ela enquanto estava na escola ou brincando com meus amigos. Naquela mesma semana tiraram minha mãe de mim. E eu nunca mais fui a mesma pessoa – ela respirou fundo, como se aquilo lhe doesse mais que tudo para lhe ser dito e explicado – levei anos para sorrir novamente. Tornei-me uma pessoa dura, amarga e rancorosa e isso ao decorrer dos anos me matou aos pouquinhos.

Uma sensação horrorosa de pavor envolveu todo o corpo da pré-adolescente. Cada curva, cada centímetro e cada parte do seu minúsculo corpinho sentiu um arrepio invadir até o fundo da sua alma. Seu estômago se revirou todo, e enquanto virava-se para o lado a pequena vomitou o máximo que conseguiu. A polaca esperou pacientemente que ela melhorasse para que terminasse de dizer tudo o que tinha em mente:

                - Até que um dia eu conheci alguém que me fizesse sorrir. Ele era um homem bom, honesto e trabalhador. Eu o amava. Mas infelizmente, ele não sentia o mesmo por mim. Esse homem era seu pai.

Sharon sentiu essas palavras como se fossem facas penetrando a sua carne.

                - Eu senti uma ira e uma profunda mágoa dele durante muitos anos. E nunca desisti de me vingar. Até que um dia eu cansei e resolvi livrar-me da maldição e vingar-me dele com um golpe só. Eu depositaria minha maldição em você. Seu pai me conhecia e sabia que eu fazia partos, então quando ele me procurou para ajudar a sua mãe eu pensei ser a oportunidade perfeita. Mas eu não deixaria você sofrer como sofri. Dei o chá pra sua mãe antes de conceber você na tentativa de te fazer nascer com a maldição quando estivesse mais velha. Engano meu. Eu devia ter pegado uma xícara maior – ela realmente parecia sincera ao declarar isso – mas infelizmente uma vez dado o chá, não poderia ser revertido o efeito.

                - Você tem mais três anos até ter que escolher entre passar a maldição adiante ou se tornar uma escrava dos seus pesadelos pro resto de sua vida. Eu escolhi a segunda alternativa pensando que algum dia eu pararia de sonhar... Mas só piorava. Eu tenho mais de setecentos anos. Vi de tudo um pouco nesse mundo e cansei de sofrer com isso. E o único jeito de se livrar dessa maldição é passa-la adiante. Eu tinha 25 anos quando eu tive o meu momento para escolher. Como eu decidi não deixar mais ninguém sentir isso, fiquei setecentos anos com a aparência congelada nessa idade. Muitos me chamaram de bruxa. Tive que fugir diversas vezes para escapar da igreja católica. Vivi muitos anos infeliz, mas isso pareceu mudar quando eu finalmente encontrei alguém que amasse profundamente... Mas não era correspondida. Por isso eu quis parar de uma vez por todas. Escolhi você por ser algo que o atingiria.

                - E mais uma coisa Sharon, fiz algo pra te proteger, algo que eu me arrependi instantes depois de ter feito...

A pequena sentou-se no chão, sentindo que algo muito ruim estava prestes a ser revelado. Depois de respirar fundo e dar um pigarro, ela finalmente disse:

                - Eu matei os gêmeos Kaulitz.


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