Dean estava com medo.

A estrada se desdobrava em sua frente e Led Zeppelin tocava baixo no rádio, com Sam em silêncio ao seu lado. O ambiente tinha tudo para ser familiar, mas não era.

A imagem se repetia em sua cabeça, a cada vez que ele fitava o asfalto, olhava para o lado. Parecia persegui-lo, torturá-lo...

O sangue ardente pingando do corte na pele fria, sendo esfregado em sua boca. O cheiro metálico e putrificado de sangue, sujeira e morte. Acima de tudo isso, pego num relancear de olhos quase acidental, Sam.

Parado, o facão negro ensanguentado descansando em sua mão. Observava, imóvel, seu irmão sendo transformado, enquanto uma sentença de morte era posta sobre sua cabeça, um sorriso de lado nos lábios. Um sorriso estrategista, de um caçador que sabe que já tem sua presa, um sorriso satisfeito de um trabalho perto a ser concluído. Um sorriso frio, esculpido em pedra.

Ele não se importou, sussurrava uma voz em sua cabeça. Ele sabia o que ia acontecer, mas ele não se importou. Ele não se importou se você iria morrer.

As palavras se repetiam em miríade na sua cabeça, tomando dez mil formas diferentes, mas com a mesma essência, se misturando a imagens, momentos, vozes, sentimentos, um filme confuso correndo em frente aos seus olhos. As horas em que Sam não se importou, quando ele foi frio demais, todos aqueles momentos em que ele não foi seu irmão em tudo.

A expressão livre de culpa ou arrependimento na menção de Dean de poder contar com ele. O semblante condescendente tão perfeito que foi difícil achar a falsidade… O arquear tímido de lábios, o levantar de sobrancelhas.

Ele criou o garoto. Cuidou dele, o alimentou e brincou com ele quando John ficava dias fora numa caça. Espantou os valentões que se atreviam a mexer com ele na escola e o provocou sobre a garota que ele achava bonita. Esteve lá, uma presença silenciosa e desajeitada, depois das brigas com John. Não o abandonou mesmo depois de todas as coisas erradas que ele tinha feito, a partida para Stanford, a relutância em caçar... Mesmo depois do sangue de demônio, da liberação de Lúcifer. Ele tinha se disposto a morrer por seu irmão mais vezes do que poderia contar, e uma vez até fez isso, e passou quarenta anos no inferno por ele.

Sabia que algo tinha mudado em Sam depois do tempo que passou na gaiola de Lúcifer, por mais curto que foi. Afinal, ele tinha o conhecimento em primeira mão de como uma temporada no inferno podia transformar uma pessoa.

Mas descobrir que seu irmão tinha mudado tão profundamente ao ponto de não se importar com a vida ou morte de Dean, isso o assustava.

Aquele não era o seu Sam.

Desviou o olhar da estrada e fitou o irmão,que olhava distraído para a janela, a postura relaxada. O rosto que ele conhecia tão bem não parecia diferente em tudo, mesmo que agora Dean tivesse a certeza de que algo tinha mudado. O sorriso frio relampejou mais uma vez na frente de seus olhos.

“Oh, Sammy… " Pensou, com amargura. “ O que aconteceu com você?”