Hálito de Fogo escrita por Caliel


Capítulo 9
O lugar onde o Sol não toca




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Permaneci por muito tempo sentado na cama pensando no que tinha acabado de presenciar. Se aquela mulher que vi em meus sonhos realmente fosse minha mãe, tudo poderia mudar. Quem sabe meu pai também não estivesse vivo? Quem sabe os dois não pudessem me ajudar na jornada que eu tinha que seguir? Aquele sonho poderia ser uma pista para eu cumprir a promessa que havia feito anos atrás e eu iria descobrir o que aconteceu com a minha mãe.

Bane já havia me contado que ela provavelmente havia morrido logo após me dar a luz, mas eu ainda acreditava que ela, de alguma forma, poderia ter sobrevivido, então eu tinha que descobrir quem era a mulher dos sonhos. “Para poder me alcançar, Cadmo, deverá ir ao lugar onde o Sol não toca. Aí sim, eu poderei aconselhar você e seus amigos sobre o que procuram”. Onde seria o lugar que o sol não toca?

Antes que pudesse continuar me questionando, ouvi a porta ranger e, graças à luz da lua, que passava pelas janelas, vi um par de olhos me espionando. Levantei-me bruscamente, e então o dono dos olhos correu. Quando abri a porta, não pude ver quase nada.

O corredor era extenso e largo, também iluminado pela lua através de uma janela, mas infelizmente estava tudo calmo e silencioso. Não parecia que alguém havia passado correndo por ali, mas justamente na virada do corredor pude ver os mesmos olhos me observarem. Novamente, quando avancei, o dono dos olhos correu em disparada, porém desta vez eu consegui acompanhá-lo e comecei uma perseguição pelo castelo.

Tentei não fazer muito barulho, mas isso era complicado, ainda mais com o silêncio que corria por cada corredor antes de eu passar, então eu pude ouvir a voz da mulher dos meus sonhos dizendo “Fuja, Cadmo. Para longe de onde está, para longe deste castelo, para longe desta cidade! Fuja antes que seja tarde e a Peste tome conta de tudo que vive por aqui”.

Quando a voz se calou, pude perceber que a garota que eu perseguia não estava mais no castelo, então parei de correr e tentei achar o caminho de volta para o meu quarto. Enquanto voltava, pude analisar melhor os corredores do castelo. Haviam inúmeros quadros retratando dragões e construções magníficas que eu nunca havia visto antes, mas um quadro em especial me chamou a atenção.

Era uma mulher de cabelos castanhos escuros, olhos negros e um tom de pele amarelado. Suas mãos estavam uma sobre a outra e eu não conseguia dizer se ela estava com uma expressão séria ou sorrindo. Era como se o artista quisesse com que eu ficasse pensando sobre aquilo e tentando decifrar o enigma.

– Intrigante, não é? - A filha do rei, Kaila, silenciosamente se aproximou de mim. – Meu pai ama este quadro mais que tudo. Nos momentos de dificuldade, ele costuma vir até aqui para pensar.

– Realmente, mas por que ele vem pensar justamente perante algo que o deixa com dúvida?

– Certa vez eu o perguntei a mesma coisa, então ele me respondeu que a melhor decisão não é aquela que é tomada sem ter dúvida alguma. A melhor decisão é aquela que te fez pensar por muito tempo até que você se convence de que aquele seria o caminho certo – Ela respondeu com um sorriso nos lábios, como uma criança que aguardava a vida inteira para poder dizer aquilo. – Eu vou me deitar. Caso esteja perdido, para chegar ao seu quarto é só seguir reto e virar no segundo corredor à esquerda e será a quinta porta a direita.

Felizmente, durante o resto da noite, correu tudo bem. Fui acordado no outro dia pela luz solar que entrava suavemente pela janela do meu quarto.

Além da porta de saída, estava acoplada ao meu quarto uma porta que levava a um banheiro, então me senti na liberdade de tomar banho antes de descer procurar Sabra e Helena.

Enquanto tomava banho, tinha a sensação de ser vigiado, mesmo sabendo que não tinha ninguém ali no banheiro comigo. A palavra “Fuja” ecoava dentro de minha mente, como se alguém estive me avisando para sair dali correndo sem olhar para trás, mas resolvi ignorar aquilo. Provavelmente era minha imaginação que sentia medo de tudo que estava acontecendo. Como Cavaleiro da Ressurreição e portador de Ascalon, eu não poderia me deixar levar pelo medo.

Quando terminei de tomar banho vesti minhas roupas, coloquei Ascalon em sua bainha e me olhei no espelho. Meus cabelos brancos estavam bagunçados como sempre, mas aquilo não era a coisa que mais chamava a atenção em meu rosto. A cicatriz que Bane havia deixado ainda não tinha sumido, como qualquer outro dos meus cortes, e aparentemente não iria sumir nunca mais. Enquanto me olhava no espelho, pensei comigo mesmo que aquela cicatriz dava um ar de masculinidade em minha face e comecei a rir por ter pensado uma coisa tão besta.

Mas, de repente, eu ouvi um estrondo e algo que parecia ser o lança chamas de um dragão. “De novo não”, pensei comigo mesmo, e então corri para a janela ver o que acontecia. Vi Nero e Helena aparentemente treinando com os Ases dos Ares, enquanto Sabra estava sentada em um banco, assistindo tudo a uma certa distância.

Depois de me perder várias vezes dentro do castelo e ter que perguntar a inúmeros guardas para onde ficava a porta para o pátio onde eles estavam, finalmente consegui sair e ver a cena mais de perto.

– Você e o seu dragão não devem lutar separados, vocês tem que pensar como um só. Nero ainda não tem tamanho para ser montado, mas, quando tiver, vocês tem que pensar juntos. Em toda investida, em todo recuo, independente do que irão fazer, vocês devem fazer juntos. – Ravel estava montado em Zhoa e lançava pequenas chamas sobre Helena e Nero que tentavam se esquivar. Nero estava cerca de duas vezes maior do que na noite anterior. Quando Ravel disse que ele iria crescer rapidamente, eu não esperava que fosse algo daquela maneira. – Vejam só quem acordou e resolveu nos presentear com sua presença. – Ravel desceu de Zhoa e veio me cumprimentar, juntamente com os outros Ases dos Ares e Helena.

– Então, baixinho, dormiu bem? – Helena se aproximou, bagunçou meus cabelos e riu.

– Helena, você é só dois dedos maior do que eu, não tem o direito de me chamar de baixinho. Quando nós éramos pequenos eu até entendia, mas hoje em dia isso não tem mais sentido – Eu retruquei arrumando meu cabelo com as mãos enquanto ela ria de minha revolta.

– Entenda, você sempre vai ser baixinho pra mim, mesmo se você tiver a altura de um gnomo ou de um dragão rei. Uma vez baixinho, sempre baixinho.

Eu fiz uma cara emburrada, dei um empurrão de leva nela com o ombro e ela retribuiu com um soco de leve em meu braço. Me aproximei de Sabra, que parecia estar vivendo no mundo da Lua e não havia percebido que eu já tinha chegado.

– Que tal sair um pouco do mundo da Lua e me dar bom dia, senhorita Promissio? – Sabra levou um pequeno susto e então riu para mim. Me sentei ao seu lado, então ela me abraçou, beijou minha bochecha e me deu bom dia.

– Cadmo, eu queria te pedir desculpas pelo que fiz. Não queria te ofender por não saber ler nem nada do gênero, eu só... – Ela suspirou. – Me senti meio excluída quando você reencontrou Helena, como se não precisasse mais de mim. – Ela olhava para baixo tentando não me encarar, então eu sorri e segurei seu queixo com o indicador e o polegar enquanto virava o rosto dela em minha direção.

– Você não precisa se sentir excluída, eu sempre vou precisar de você. É meio estranho dizer isso, porque a gente nem se conhece direito, mas saiba que eu gosto muito de você. – Beijei sua testa e então voltei a assistir o treino de Helena.

Zhoa era realmente um dragão assustador. Suas chamas negras, mesmo quando lançadas em pequena escala, eram imponentes. Helena e Nero se jogavam no chão sempre na mesma direção, mas, em meio a uma esquivada, Helena foi atingida no braço direito por uma pequena parte das chamas. Mesmo sendo algo pequeno, a dor da queimadura de um dragão era algo horrível, então Helena urrou de dor e Nero olhou assustado para ela jogada no chão. Ele se virou contra Zhoa e eu pude ouvir ele murmurar algo como “Saia de perto dela!”. Isso foi seguido de uma labareda enorme de chamas brancas que voou em direção a Zhoa que revidou com suas chamas negras para se defender e defender Ravel.

Obviamente Zhoa tinha a vantagem naquela disputa. Ele era várias vezes maior que Nero, mas o pequenino dragão não deixava a diferença de tamanho influenciar no tamanho de seu poder. Zhoa começava a perder forças para lançar tantas chamas e eu podia sentir Nero se fortalecendo a cada grito que Helena dava reclamando da dor em seu braço. Ravel assistia tudo aquilo montado em Zhoa e os outros Ases dos Ares auxiliavam Helena que, quando finalmente percebeu o que estava acontecendo, esqueceu da dor e começou a gritar.

– Nero! Já chega! Ele não fez por mal! – Então o pequeno dragão parou de lançar chamas contra Zhoa. Ele se aproximou de Helena e viu seu braço machucado. Passou em meio as pernas da garota como um cachorro que pedia carinho e Helena sorriu com aquilo, acariciando a cabeça do pequeno dragão. – Não foi certo o que você fez. Não precisava atacá-los, eles não fizeram por mal, estamos entendidos? – Então eu pude ouvi-lo responder “Sim”. – Me sinto uma idiota falando com um dragão, ele nem deve entender o que eu estou falando.

– Ele respondeu que sim – Eu disse, enquanto me aproximava, e Helena intercalava entre me olhar com uma cara de espanto e Nero com um sorriso no rosto, aparentemente feliz por saber que o dragão a entendia.

– Nós podemos até não entender nossos dragões por meio dos murmúrios que eles dizem, Helena, mas posso te garantir que eles nos entendem. E quando você mais precisar, vai entender qualquer coisa que Nero te disser – Philip falou, enquanto estava abraçado com sua namorada. – Eu e Imperatriz, meu dragão, no entendemos quase mais do que eu me entendo com Mikha. – Ele riu, e então sua namorada olhou com uma cara feia para ele antes de acompanhar sua risada.

– Agora vamos, nós queremos mostrar algo a vocês. – Ravel esticou o braço para Helena que montou em Zhoa junto a ele. Wolfric esticou o braço para mim e Barton chamou Sabra para montar com ele. Quando estávamos todos acomodados, Ravel soltou um grito. – Segurem firme. ASES DOS ARES EM VOO!

Eu me segurei firme na sela do dragão, que trazia apoios laterais para as mãos e os pés, e todos decolaram em sincronia. De repente, Nero surgiu em meio aos céus e se juntou a Helena, deitando-se em seu colo.

– Aonde nós vamos? – Perguntei a Wolfric.

– Ravel irá lhe dizer quando chegarmos, apenas aproveite a viagem – Ele dizia se inclinando com seu dragão, Citrino.

Em meio ao caminho pude avistar uma floresta recheada de dragões. Alguns dormiam, alguns comiam e outros disputavam território, mas nenhum deles ousava atacar a formação dos Ases dos Ares.

Quando começamos a pousar, eu pude ver uma área com muita grama em volta, com uma entrada para uma pequena caverna e sem nenhuma árvore. A caverna tinha seu interior completamente escuro e silencioso.

– Não sei qual é o plano de vocês três. Se pretendem se estabelecer em Midgard, ficar algum tempo e depois ir embora, ou se já partirão logo pela manhã, mas eu quero ter certeza que mostrei a vocês este lugar. – Ravel desceu de Zhoa e ajudou Helena a descer também. – Este é o santuário dos dragões mortos. Eu e os meninos encontramos isto pouco depois de nos unirmos e formarmos os Ases dos Ares. Nós o chamamos de santuário dos dragões porque sempre há um dragão novo saindo por este buraco pela noite. Nós já tentamos fechar o buraco ou qualquer coisa assim, mas qualquer dragão consegue empurrar uma dúzia de pedras, e é frio demais lá dentro para alguém entrar. As pessoas costumam chamar o interior da caverna de “onde o sol não toca”.

Quando Ravel disse aquilo me virei bruscamente.

– Como? O lugar onde o sol não toca? – Aquelas eram exatamente as palavras que a mulher em meus sonhos usava para descrever o lugar. Helena e Sabra me olharam com um ar de desconfiança. – Ravel, posso conversar com as duas a sós por um minuto? – Ele acenou com a cabeça fazendo um gesto positivo e então eu, Sabra e Helena nos distanciamos.

– O que foi, Cadmo? Que cara é essa? – Helena me perguntou e então eu contei as duas sobre os sonhos. Elas me questionaram se seria aquele o lugar correto, então eu confirmei porque dificilmente encontraríamos outro lugar conhecido daquela maneira.

– Mas, Cadmo, nós temos que encontrar o terceiro Cavaleiro da Ressurreição antes de tentar adentrar um lugar assim, e nós não sobreviveríamos naquele frio. Seria necessário uma fogueira em cada ponto da caverna para nos aquecer. – Sabra retrucou.

– Ou eu poderia entrar no modo herói e manter nós três aquecidos. Eu só preciso me concentrar e então eu conseguiria controlar o quanto de fogo expelir e o quanto duraria.

– Você deu um nome a sua habilidade de pegar fogo? – As duas perguntaram em sincronia e então se entreolharam e riram por terem dito ao mesmo tempo a mesma coisa. Aquela era a primeira vez que eu via Helena e Sabra sorrindo uma para a outra.

– Sim, e qual o problema? Queriam que eu ficasse falando o que? – Revirei os olhos enquanto as duas riam de mim. – Nós vamos encontrar o terceiro Cavaleiro e então vamos voltar aqui, mesmo sendo algo arriscado. – Elas concordaram e então voltamos para perto dos Ases dos Ares. –Vocês já tentaram entrar com um dos dragões dentro da caverna? Eles poderiam mantê-los aquecidos.

– Nós já pensamos nisso, mas nossos dragões não gostam muito da caverna. Aparentemente tem medo do que vive nela. – Heitor me respondeu com seu ar sombrio e cordial.

De repente eu senti um calafrio percorrer meu corpo, como se todas as amarguras que eu já tinha vivido viessem à tona. E então, eu me senti podre, como se estivesse adoecendo. Eu não me aguentava mais em pé e cai sobre minhas próprias pernas.

Rapidamente Sabra e Helena se prontificaram a me ajudar.

– Vejo que já carrega consigo duas das relíquias das quais vai precisar para tentar impedir que a profecia se cumpra, mas sinto em lhe informar que não terá tempo para adquirir as outras. – Eu não tenho capacidade para descrever a voz que ecoava de dentro da caverna, era como se cada palavra dita fosse uma fenda aberta em minha honra, e minha coragem se esvaísse por ali. – Pobre, Cadmo. Terá o mesmo fim que seus pais. Corajosos, porém iludidos e tolos em pensar que poderiam contradizer as vontades dos Cavaleiros do Apocalipse. Não estou próximo o suficiente ainda para te dar um fim completo, mas estou me aproximando. Enquanto isso, posso te fazer agonizar vendo os que você tenta proteger sofrerem e urrarem perante o poder da peste.

Todas as nuvens acima de nós começaram a escurecer. O tempo ensolarado esfriou e parecia que uma tempestade estava próxima. Ratos começaram a surgir de buracos na superfície da terra, como se fossem toupeiras. Ratos negros e asquerosos que começaram a correr em direção a Midgard.

Eles nos ignoravam, sem nos atacar, então tentei matar alguns juntamente aos Ases dos Ares e Helena. Sabra se desesperou e apenas sabia gritar.

Parecia que quantos mais ratos eu matava, mais apareciam. Eu poderia incinerá-los com um lança chamas do modo herói, mas não achei que seria uma boa ideia, porque eu poderia acabar incendiando o campo inteiro e acabaria assustando os Ases dos Ares. Não é muito comum ver um garoto de 16 anos que fala com dragões e incinera ratos com uma espada.

A cada golpe desferido com Ascalon eu me sentia mais fraco, como se estivesse adoecendo. Meus braços e pernas não aguentavam mais se mover e eu estava começando a ver o mundo rodar, e tudo isso acontecia enquanto a voz que havia me ameaçado antes ria de uma maneira sádica, eu podia sentir o prazer em sua voz enquanto ria.

Quase todos os 8 dragões ali presentes se negavam a atacar os ratos, eu podia sentir o medo sendo exalado por eles, como se soubessem quem ou o que estava mandando os roedores nos atacar. Apenas um insistia em lutar, Nero.

Ele era o menor de todos, mas estufava o peito com cautela par a não incendiar o campo todo e aos poucos ia ferindo os animais. Porém, quando Zhoa grunhiu Nero rapidamente abandonou a batalha e eu pude entender Zhoa dizendo “Desista, é inútil”.

Eu olhei para todos a minha volta, todos estavam como eu, mas aparentemente em um estado pior, Helena já estava jogado no chão e apenas permitia que os ratos passassem, sem tentar impedi-los de avançar.

Antes que todos estivessem desmaiados resolvemos montar rapidamente nos dragões e voltar à cidade. Enquanto voltávamos eu conseguia ver a nuvem negra de ratos correndo pela estrada. Era impossível se estimar quantos havia ali, mas com certeza o suficiente para fazer um estrago em Midgard, qualquer que fosse o plano do Cavaleiro do Apocalipse.


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