Hálito de Fogo escrita por Caliel


Capítulo 4
Uma tempestade de discórdia cai sobre a Terra




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Levanto-me. Que lugar era aquele? Ascalon ainda estava em minhas mãos, então a guardei em sua bainha caso precisasse. Estava em um quarto com paredes de pedra e chão de madeira, e havia um espelho grande no qual eu podia ver meu reflexo. Eu era um garoto alto, de ombros largos, olhos castanhos claros, pele um pouco morena, uma cicatriz da sobrancelha direta até a altura da boca e cabelo branco... Espera ai! Cabelo branco? Eu sempre tive cabelos negros e agora eles estavam desta cor? Como aquilo era possível? Estava olhando meu cabelo no espelho quando Sabra entrou no quarto.

– Ah! O dorminhoco acordou? – Ela sorriu para mim de um jeito doce. Trazia consigo uma bandeja com um pote de água e um pano, e trajava um vestido até a altura dos joelhos, branco e fino, sem mangas. – Sente-se. – Ela apontou para dois banquinhos.

– O que aconteceu? Eu estava caindo e eu matei o dragão, então tudo começou a rodar de repente – sussurrei enquanto me sentava, pois minha voz estava fraca.

– Bem, você realmente matou o dragão e eu sou muito grata por isso – Ela dizia enquanto molhava o pano. – Tire sua camisa.

– Por que você quer que eu tire minha camisa?! – Perguntei, enquanto a encarava por culpa da pergunta.

– Para eu poder limpar seus machucados – ela gaguejou e olhou para o chão, mas eu pude ver seu rosto cheio de sardas se envermelhar todo.

– Ah, ok. – Tirei minha camisa que estava toda rasgada e suja. – Por quanto tempo eu dormi?

– Três sóis. – Ela começou a passar o pano em minhas costas. – Que estranho, não tem nenhuma ferida, só cicatrizes.

– Então, eu posso colocar a minha camisa de volta? – Balbuciei um pouco envergonhado.

– Deixe-me só te limpar como um agradecimento por ter me salvado. - Ela realmente se embolava um pouco para falar, aparentemente estava com vergonha. – Posso te fazer uma pergunta?

– Fique a vontade.

– Por que seu cabelo está branco? No primeiro dia que eu te vi ele estava preto e com o tempo ele foi ficando mais esbranquiçado. – Ela tirou a mão de minhas costas. – Vire-se.

– Eu não faço a menor ideia. Acordei e reparei nisso. – Ela tinha começado a limpar meu tórax e meus braços, mas sem olhá-los, provavelmente por vergonha.

Nós ficamos em silencio por um tempo, então ela terminou e me jogou uma camisa e uma calça nova.

– Acho que você vai precisar. Termine de se arrumar e desça as escadas, estamos todos jantando, certo?

– Certo.

Troquei de roupa. As roupas novas caíram incrivelmente bem e eram confortáveis. Não resisti e coloquei o cinto junto com a bainha da espada apenas por precaução e desci as escadas, que, por sinal, eram enormes e em espirais. Ao chegar até o andar de baixo, vi o conde, Sabra e um homem forte, moreno e careca sentado ao lado dela que parecia incomodá-la com sua presença.

– Oh! Vejam quem chegou! Sente-se conosco, por favor! – Dizia o conde, enquanto se levantava e me arrastava até a mesa me puxando pelo braço.

– Agradeço a gentileza, mas eu tenho que ir ver uma pessoa. – Estava pensando em Jorge e queria explicações sobre a espada e sobre os Gladios.

– Oh! Por favor, sente-se um pouco e nos acompanhe, pelo menos no jantar. Depois você pode ir.

– Certo, eu vou ficar, mas só até o jantar acabar e depois eu vou partir – disse, me sentando ao lado do conde e percebi que o homem sentado ao lado de Sabra me encarava.

– Eu sou Cadmo, muito prazer. – Estendi minha mão para cumprimentá-lo.

– Este é o tal cavaleiro que salvou Sabra? Eu realmente esperava algo mais do que um pirralho com cabelo de velho. – Ele se dirigiu ao conde ignorando meu aperto de mão.

– Pelo menos eu tenho cabelo – disse sorrindo para Sabra que não resistiu e caiu na gargalhada.

– Meninos, vamos nos acalmar, não há motivo para brigas – o conde disse, um pouco aflito. – Este é Petrus, Cadmo, um lorde que anda me dando uma ajuda para cuidar da vila.

– Voltando ao assunto que falávamos antes deste moleque chegar – ele disse, dando uma garfada no frango que se encontrava em seu prato e mastigando de boca aberta. – Meu casamento com Sabra.

– Eu não vou me casar com você! – Sabra ergueu a voz irritada.

– Oh meu docinho, você uma hora vai ceder. Eu sei que a ideia não lhe agrada neste momento, mas você vai se apaixonar loucamente por mim – Petrus passou a mão no queixo de Sabra e tentou dar um beijo em seu rosto, mas ela o empurrou antes que fizesse.

Sabra parecia realmente não gostar de Petrus, então não resisti à chance de puxar uma briga.

– Mas, senhor, eu venci o dragão. Eu vou me casar com Sabra – disse, sorrindo enquanto encarava Sabra e Petrus alternadamente.

– Mas, você me disse enquanto subia a montanha que não queria se casar – o conde argumentou.

– Quem você pensa que é para querer se casar com a minha Sabra? – Petrus gritou batendo com as mãos na mesa.

– Estou apenas contestando meu direito de me casar com ela. Eu venci o dragão, não ele – disse enquanto pegava uma asa de frango de meu prato com as mãos e comia.

– Mas você quer se casar comigo? – Sabra se pronunciou em meio à discussão.

– Não... Bem, não sei. A gente nem se conhece – respondi, um pouco envergonhado e me arrumando na cadeira. – Mas, esquecendo o assunto, senhor conde, eu sei que isso é um pouco rude, mas eu não perguntei o seu nome.

– Meu nome é Alexandre e não precisa me chamar de senhor, pode me chamar pelo nome ou de você. – Ele sorriu para mim enquanto dava tapinhas

De repente um guarda entrou correndo pela sala, ofegante e assustado.

– Senhor conde! Senhor conde! – Ele parou e fez reverencia.

– Diga! O que houve? – O conde se levantou da cadeira bruscamente.

– Sete homens entraram a força pelos portões e procuram por um certo Jorge. – O guarda dizia em meio a respirações bruscas. – Eles dizem que se não o encontrarem vão queimar a vila toda!

– Jorge? – Me levantei da cadeira bruscamente. – Alexandre, eu tenho que ir.

Corri em direção à escada e desci todos os lances até chegar à saída. O casarão era enorme. O conde corria atrás de mim pedindo-me para esperar, mas Jorge estava em apuros.

Ao sair do casarão avistei algumas casas que pegavam fogo e as pessoas correndo desesperadas pelas ruas. Era noite e o vento soprava espalhando fogo pela vila toda. Fui até a cabana de Jorge o mais rápido que pude e vi vários corpos incendiados no meio do caminho. Crianças chorando sem os pais, pais chorando por suas crianças, homens brigando entre si e todo o tipo de coisa que se pode imaginar, uma tempestade de discórdia caia sobre a vila. Finalmente cheguei a cabana de Jorge e, ao entrar, o avistei sentado em sua cama olhando pela janela.

– Você matou o dragão, não matou? – Ele disse sem me olhar.

– Matei. Eu consegui, graças a você! Sem sua espada nada teria acontecido! – Disse tirando Ascalon da bainha. – Tome ela de volta.

– Não, Cadmo, ela é sua. Eu fui apenas um meio de entregá-la a você. – Ele sussurrou com uma voz triste.

– E eu tenho algumas perguntas a fazer.

– Faça-as enquanto ainda há tempo. – Ele continuou a sussurrar.

– O que são Gládios? Quem é você? Quem sou eu?

Um silêncio perturbador tomou conta da sala, então Jorge suspirou e me encarou.

Ele pigarreou antes de falar.

–Existem 7 Gladios espalhados pelo mundo todo, sua espada, Ascalon é um deles, Gládios são usados para mandar o Mal de volta para o mundo inferior. – Jorge apontou para Ascalon.

– Ascalon? Eu dei este nome a ela, como você sabia? – Perguntei surpreso.

– Você não deu este nome, Cadmo, ele já estava escrito na linha do destino. E quem somos nós? – Ele sorriu e olhou para cima. – Eu sou São Jorge, o antigo dono de Ascalon e padroeiro da Inglaterra e você, meu amigo... – Ele de deu alguns tapinhas nas costas e abriu um sorriso maior ainda. – Você é a esperança da humanidade, o Coração Flamejante, o herói prometido, você é, acima de tudo, o 8º Cavaleiro da Ressurreição.

– O que você quer dizer com isso? Essas respostas são muito vazias... – De repente o telhado da cabana começou a pegar fogo, então peguei Jorge e corri para fora. Por um triz o telhado não desabou sobre nós. Coloquei Jorge no chão.

– Me responda outra pergunta, como eu vou encontrar os outros Gládios?

– Cada Gládio possui um guardião, eu sou o guardião de Ascalon. Cada guardião tem a informação de apenas um outro guardião. Para sua sorte o próximo guardião não fica muito longe daqui, mas para seu azar é realmente difícil encontra-lo.

– Quem é esse guardião? – Jorge olhava para o céu, como se estivesse esperando que algo descesse e salvasse a vila toda.

– Seu nome é Ícaro e, para encontrá-lo, você deve seguir os pássaros.

– Seguir os pássaros? Qualquer pássaro? – Aquilo estava começando a ficar cofuso.

– Qualquer pássaro, apenas siga eles.

– Fique aqui, eu vou enfrentar os homens que vieram atrás de você.

– Não Cadmo, você ainda não pode vencê-los. Fuja, se fortaleça e um dia você poderá enfrentá-los de igual para igual. - Antes que eu pudesse dar uma resposta, sete homens apareceram. Eram todos horríveis. Todos trajavam uma capa longa, preta e rasgada, tinham chifres, dentes tortos e afiados. Menos um. Um deles era um homem robusto de cabelos lisos pretos e olhos claros, ele trajava uma capa vermelha com um broxe dourado sobre o peito que carregava a imagem de um dragão.

– Ora, ora, o que temos aqui? – O homem de capa vermelha deu um passo à frente. – Encontramos nosso bom velhinho. – Todos os outros seis riram.

– Quem é você e o que quer com ele? – Disse, entrando na frente de Jorge.

– Oh! Desculpe a minha falta de educação. Eu sou Lúcifer, o pecado do orgulho em pessoa. – Ele disse se curvando e depois se levantando rapidamente e desferindo um chute em meu peito me fazendo tombar.

– Ora, seu... – Me levantei e estava prestes a sacar a espada quando Jorge puxou meu braço.

– Não, você não precisa fazer isso. Eu vou ficar bem, agora vá. – O olhar de Jorge parecia me implorar que saísse dali, então, mesmo com remorso no coração fugi. Mas pude ouvir um pouco da conversa.

– Vamos Jorge, nos diga onde Trombetas estão! – Lúcifer gritava com Jorge, sua voz parecia ter mudado, estava mais grossa e amedrontadora.

– Eu não sei, e mesmo se soubesse, não contaria a você! – Quando Jorge terminou a frase pude ouvir um grito de dor agonizante.

Corri pela vila sem pensar aonde ia. O grito de Jorge urrava em minha cabeça, o sentimento de culpa se instalou em mim e a cada casa que eu passava o sentimento aumentava. Famílias e mais famílias perderam o pouco que tinham. Me lembrei do soldado do conde o qual eu tinha empurrado da montanha. O ódio crescia dentro de mim e estava prestes a explodir quando pude ver minhas mãos começarem a se incendiar como das vezes que lutei contra o dragão e contra Bane. Foi quando cheguei a praça da cidade, que estava cheia de pessoas desesperadas correndo de um lado para o outro, onde encontrei Sabra aos prantos sobre um corpo, com Petrus ao seu lado. Subitamente, todo o ódio sumiu.

– O que aconteceu? – Perguntei me ajoelhando ao seu lado.

– Aqueles homens, eles... mataram meu pai. – Ela se levantou e eu pude ver a quem pertencia o corpo morto. O conde tinha uma espada fincada no peito.

– A culpa é toda minha, ele entrou na frente para me proteger. Eu quem deveria estar morta, não ele. – Sabra soluçava de tanto chorar. – Eu já perdi minha mãe, agora meu pai também se foi. Estou sozinha no mundo...

– Não. Você tem a mim. – Passei a mão pelo ombro de Sabra e ela se virou surpresa. – Eu vou estar aqui sempre que você precisar.

– Cadmo... Muito obrigado, mesmo. – Ela acenou com a cabeça para mim.

– Eu vou te proteger daqui pra frente, nada de mal vai acontecer a você quando eu estiver por perto, eu prometo. – Ao dizer que prometia me lembrei de Helena e de todas as promessas que eu fiz a ela e quebrei. Essa, porém, ia ser diferente. – Eu prometo de dedinho – Estendi meu dedo mindinho, Sabra estendeu o seu também e então os encaixamos e nos abraçamos.

– Vocês dois me dão nojo – Petrus reclamou ao nosso lado.

– Você mastigar com a boca aberta também me dá nojo – eu disse, revirando os olhos.

– Sua fraqueza me dá nojo também – Petrus disse, como se fosse o maior herói de todos os tempos.

– Quem venceu o dragão mesmo? Ah é, não foi você. – Sabra parou de me abraçar e suspirou.

Petrus estava prestes a abrir sua boca de esgoto quando os sete homens apareceram de novo.

– Todos vocês, prestem atenção! Este homem ousou não obedecer Pólux, Krios, Demodra e Glad! – Lúcifer estava em meio à praça da vila e trazia consigo Jorge, que tinha os pulsos amarrados. – Agora ele irá pagar pelo o que fez! – Todos que corriam pararam para assistir.

– Ei, vocês! Parem, em nome do conde Alexandre! – Petrus sacou sua espada e caminhou em direção aos sete.

– Petrus! Volte! – Gritei, aflito. Jorge havia pedido que eu fugisse e, de alguma maneira, eu sabia que nada de bom viria daqueles homens. Quando estive perto deles foi como se todo o meu ódio e rancor aflorassem pelo meu corpo.

– Cale a sua boca, pirralho insolente, e assista como um homem lida com delinquentes. Você se acha o maioral só por vencer um dragão? Olhe e aprenda.

– Oh! E quem seria você, guerreiro? – Perguntou Lúcifer.

– Eu sou Petrus! Filho do rei Ricardo, nascido em Stultita, futuro herdeiro do tro... – Antes que Petrus terminasse de falar Lúcifer sacou sua espada e o decapitou a sangue frio. Todos na praça correram para fora da cidade enquanto Lúcifer ria.

– Esse cara estava me irritando. – Lúcifer se abaixou e pegou a cabeça de Petrus. – Eu sou o filinho do papai e mimimi. – Ele movimentava a boca de Petrus fingindo que era ele quem falava.

– Lúcifer! Seu problema é comigo! Você não pode machucar inocentes! – Jorge gritou tentando se livrar das cordas.

– Ah, cale a boca, velho idiota. – Ele apontou a espada para Jorge. – Você é o próximo.

– Eu não tenho medo de você, pois o Bem está comigo. – No mesmo instante que Jorge terminou a frase, começou a emanar uma luz forte do lado esquerdo do peito sobre o seu coração, então ele se tornou um pó dourado que subiu aos céus.

– Velho maldito! Volte aqui e lute! – Lúcifer ergueu a espada para o céu de um modo que deu a entender que Jorge havia fugido para lá. – Droga! Rapazes, terminem de queimar esta vila.

– Sabra, nós temos que ir. – Sussurrei a Sabra.

– Mas e meu pai? E o povo da vila? Agora eu sou a herdeira que deve cuidar de tudo. – Ela voltou a chorar e soluçar.

– Voltamos amanhã quando eles abandonarem a vila. – Apontei para os sete homens. Eu também tinha que voltar para a cidade para buscar minha mochila com o ovo.

– Certo. – Sabra se levantou, pegou algo do chão, segurou minha mão e começou a correr pela multidão que saia da cidade.

Lúcifer parecia pouco se importar com a multidão. Pude ver ele e os outros seis colocando chamas sobre algumas casas enquanto riam como se aquilo fosse a coisa mais divertida do mundo.

Andamos muito até chegarmos a uma floresta. Estávamos sozinhos. Todas as pessoas correram para o alto da montanha do dragão e ficamos os dois em silêncio enquanto Sabra abraçava algo.

– O que é isso que você está segurando? – Sabra olhou para seus braços.

– Um livro. – Ela esticou o tal livro, era um amontoado de folhas com uma capa dura em volta que tinha uma cruz igual à de Helena na capa.

– O que seria um livro? – Perguntei um pouco envergonhado.

– Você não sabe ler Cadmo? – Ela parecia surpresa, como se eu não soubesse a coisa mais óbvia do mundo.

– Não... O que seria ler? – A vontade de enfiar a cabeça em um buraco e nunca mais sair era enorme.

– Ler é quando você pega um amontoado de letras, junta e forma uma palavra. – Ela se sentou ao meu lado e abriu o livro. – Viu só?

– Nunca tinha pensado em deixar palavras marcadas em algum lugar.

Ela sorriu para mim e eu a encarei.

– Minha mãe... – Ela deu uma pausa e suspirou. – ...sempre lia este livro para mim. Meu nome vem dele, Sabra no livro é salva de um dragão por um dos sete anjos, parece que a história se refez e você é meu anjo.

– Anjo? O que é um anjo?

– Bem, são seres superiores com corpos de humanos, asas compridas e muita bondade no coração. – Pelo o que me parecia, ser chamado de anjo era um belo de um elogio.

Após algum tempo em silêncio Sabra abriu o livro.

– Você quer que eu leia? – Ela perguntou passando a mão no cabelo, tirando a franja que cobria seu rosto.

– Sim, por favor.

“A lenda dos sete anjos...”.


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