Hálito de Fogo escrita por Caliel


Capítulo 1
Meu pequeno bebê




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Levanto-me no meio da noite. Tinham roubado meu cobertor de novo, para variar. O vento soprava forte fora da tenda, mas, para nossa sorte, Bane tinha encontrado pedaços de couro mais grossos para cobrir a tenda. Estava prestes a sair para meu passeio noturno quando alguém me puxou pelo braço.

– Você não pode sair à noite sozinho. – Era Helena.

– Então venha comigo, assim não vou estar sozinho. – Ela pegou sua espada, uma caixa de fósforos e uma vela. Ao caminhar para fora da tenda, percebo que Helena ainda carregava aquilo em seu pescoço. – Você nem sabe o significado disso, por que ainda leva com você? O Bane já mandou você jogar fora.

– Em primeiro lugar, o nome disso é cruz. Em segundo lugar, o Bane não manda em tudo. Ele pode mandar na gente na hora de caçar, racionar água e dividir roupas, mas não pode querer mandar em tudo na nossa vida. Minha avó ganhou esse colar da avó dela e a avó da minha avó ganhou da avó dela, ele não tem o direito de me mandar jogar fora.

Sorri. Eu gostava do jeito rebelde e ao mesmo tempo certinho de Helena.

Depois de caminhar alguns minutos, avistei um prédio completamente destruído. Vinhas cresciam em volta dele, esmagando-o aos poucos. Sinceramente, não acredito que esses tipos de construções tenham sido feitas por humanos.

– Acho que não deveríamos entrar aí... – Helena recuou alguns passos. - O prédio está prestes a desabar.

– O que pode ter de tão especial? – Dei um passo para dentro do prédio. – Dragões?

Quando entrei, um cheiro horrível invadiu meu nariz. Helena conseguiu acender a vela com o último fósforo que tinha na caixa. Havia várias carcaças, todas de animais. Todas menos uma. Uma não era uma carcaça, era um corpo. Me aproximei, estendi minha mão e senti o corpo ainda quente, não tinha sido morto a muito tempo.

– Cadmo... Acho que deveríamos chamar o... – Antes de Helena terminar a frase, escutamos algo roncando. Algo realmente grande que parecia estar no último andar.

Dei dois passos para frente e senti a mão de Helena segurar meu braço. Quando me virei, sabia por sua respiração que ela estava chorando, mesmo que seu rosto não desse nenhum sinal. A cerca de três semanas atrás, a avó de Helena, dona Elizabeth, tinha sido atacada e morta por um dragão. Acho que Helena não estava preparada para ver um dragão pessoalmente. Na verdade, ninguém nunca está. Estendi minhas mãos no escuro e as senti tocando seu rosto, sequei suas lagrimas e sorri.

– Vá chamar os outros, eu vou montar guarda. – Saquei meu arco e puxei uma flecha.

– Promete que não vai sair daqui? – O silêncio tomou conta do lugar, a não ser pelo ronco que vinha do último andar. – Cadmo!

– Tá, eu prometo. – Cruzei os dedos e vi Helena se afastar.

Helena sabia que eu ia quebrar a promessa, mas sempre tinha esperança que eu mudasse. Caminhei em direção a uma escada em espiral, grande o suficiente para passar três dragões ao mesmo tempo. Enquanto subia, o cheiro e o barulho aumentavam cada vez mais. Cheguei a um ponto do prédio com um rombo na parede, pude ver Helena chegando à tenda, completamente aflita.

Cheguei ao último andar e vi o dragão. O primeiro dragão que eu vi frente a frente, mesmo sendo pequeno, era espetacular. Suas asas eram majestosas, sua pele, mesmo à noite, cintilava, sua respiração era profunda e fria, chegava a causar medo de tão alta, suas pálpebras, transparentes, aumentavam a vermelhidão de seus olhos, ainda sim Helena e eu teríamos dado conta dele sozinhos facilmente.

Saquei o arco e mirei em sua cabeça enquanto caminhava. Me aproximei e estava prestes a soltar a flecha quando vi um objeto arredondado próximo a barriga do dragão.

– Um ovo... – Suspirei. Eu não teria coragem de deixar um filhote de dragão sem sua mãe, eu sei como é a vida assim. Por mais que esse dragão crescesse e matasse a mim e a meus amigos, eu não teria coragem de fazer isso com o pobre coitado.

Dei meia volta e estava prestes a descer a escada quando ouvi o grito de Helena chamando por meu nome. Ela parecia enfurecida. Quando olhei para trás, o dragão se levantava. Corri para trás de uma pedra. Ele olhou ao redor e prendi minha respiração. Se ele me escutasse seria meu fim. Ele deu alguns passos, farejando, então desviou sua atenção para seu ovo e lançou uma pequena brasa nele, como se fosse um beijo de despedida. No momento que ele lançou as chamas, eu pude jurar que ouvi “Adeus, meu pequeno” sendo dito por uma voz feminina. Devia ser coisa da minha cabeça.

Soltei a respiração e segui o dragão de longe, quando ele topou de frente com meus amigos, não teve chance. Foi feito em pó em menos de 5 minutos. Por mais poderoso que fosse o sopro do dragão, nada abalava Bane. Com sua lança em mãos, dava ordens ao grupo. Primeiro ferindo os pés do dragão, em seguida as asas foram amarradas, tirando seu equilíbrio. O dragão tentou abocanhar meus amigos, mas sua tentativa falhou e sua boca foi amarrada antes que pudesse fazer algo. Em sua ultima tentativa de escapar o dragão expirou o máximo de ar que conseguiu, soltando as cordas da boca e usando-as para rasgar as cordas que prendiam as asas. Ele tomou impulso, então saltou pela parede e começou a voar, cada vez mais alto, mas para seu azar, Bane estava liderando o grupo. Com uma lança, acertou o dragão em pleno voo, fazendo-o cair. Ao tocar o chão, o corpo do dragão rompeu em chamas, se transformando em cinzas.

Pobre filhote de dragão.

Subi a escada e vi o ovo. Não sabia o que fazer. Não podia deixá-lo ali, a mãe dele tinha morrido por culpa minha. Eu tinha de fazer algo por ele. Escutei Bane gritar pelo meu nome. Peguei minha capa e cobri o ovo. Caminhei em direção a escada, mas voltei e, por impulso, beijei o ovo e disse “Eu vou voltar”. Bane gritou mais uma vez por meu nome. Era melhor eu ir logo.


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