Sophie McRoyal

– Aqui está querida – diz Tia Anastácia ao colocar o conjunto de toalhas brancas por cima da minha nova cama. – Chama-me se precisares de mais alguma coisa. – E sai, depois de dar um sorriso enjoativo de tão simpático.

Sento-me na cama, enquanto me descalço e tiro o colete de cabedal que uso todos os dias.

Não chego a ter dois minutos de paz até que alguém me bate à porta novamente:

– Sophie! – Chama a voz de Amethyst do outro lado da porta – Vamos fazer biscoitos de chocolate! Queres ajudar?

– Agora não. Estou demasiado cansada – respondo desinteressada.

– Vá lá! Não tem mesmo de ser biscoitos – insiste, abrindo a porta e espreitando sem autorização – Podemos fazer um bolo, ou uma tarte! E o meu pai faz uns bolinhos de mirtilo de comer e chorar por mais!

– Já disse que não me apetece. – Digo, irritada por ter de repetir.

A minha prima fica com uma expressão abatida que a faz parecer uma criança a quem roubaram o doce, e sai do meu novo quarto.

Olha, que pena que tenho da menina! Não tem ninguém com quem brincar às casinhas!

Por amor de Deus, era o que me faltava agora andar por aí a fazer bolinhos e bolachinhas como a mãe da Capuchinho Vermelho. Sinceramente.

Irritada, e com a falta de melhor coisa para fazer decido que o melhor é arrumar as minhas coisas no armário que Amethyst me deixou disponível.

Como este quarto costumava ser o dela, as coisas dela estão espalhadas por todos os lados. As paredes estão revestidas com um papel de parede cor-de-rosa; há peluches de cachorrinhos e ursinhos a cada canto, e mil jarras com flores por cima de cada móvel.

Ou seja, é tudo o que eu menos gosto numa só divisão.

Mesmo assim, não me arrependo de ter pedido aos meus pais para ficar aqui, em vez de voltar com eles e com os meus irmãos para Wonderland. Nunca mais lá quero voltar. Nunca mais.

Ainda não percebi como é que mudaram de ideias sobre Encantia tão rapidamente.

Antes de voltarmos diziam que ia ser espetacular. Que o meu pai tinha readquirido um cargo no governo, e a minha mãe ia trabalhar na padaria do tio Henry durante uns tempos. Depois íamos voltar a ter a nossa casa junto ao rio, com uma família de patos para cuidar, e um estábulo novinho me folha para os nossos cavalos. E tudo voltaria a ser como antes.

Pois sim. Era um bom plano. Não fosse o papá ter sido dispensado duas semanas depois de ter voltado a trabalhar. O que eu achei muito estranho, já que foi o próprio Presidente Florian que ordenou a expulsão, e desde sempre que ele e o meu pai eram quase melhores amigos. Pelos vistos agora já nem se falam. Mas eu prefiro não especular muito pelo assunto, já que não me interessa particularmente.

Pergunto-me se vou aguentar ficar tanto tempo longe dos meus pais, mas principalmente dos meus irmãos. A verdade é que já sinto uma enorme saudade da Anne, e da Isabella, mas não percebo bem porquê. Quando vivíamos juntos, quase nunca estávamos juntos em família. Não me lembro da última vez que jantamos todos juntos, ou fizemos alguma coisa em conjunto. Não consigo perceber porque é que só agora sinto falta de uma coisa que já não estava lá há muito tempo.

Quando dou por mim, verifico que dobrei e desdobrei o mesmo par de calças três vezes por estar distraída a pensar nisto.

Bufo, sentando-me novamente na cama. Chega de tarefas domésticas por hoje – penso.

Puxo o meu caderno de esboços de dentro de uma das minhas malas, assim como o meu estojo de lápis de cor, e faço um pequeno rabisco de um vestido de baile.

Sempre me perguntei porque é que não existem modelos góticos ou de cores escuras para roupas de baile femininas. O preto também é uma cor sabiam, Ó Senhores da Moda?! Há quem se sentisse muito melhor num vestido vintage, com rendas pretas sobre um corpete branco, e uma saia pouco volumosa.

Mas claramente, o facto de ser filha de uma antiga princesa de costumes tradicionais, obriga-me a usar sempre o mesmo tipo de vestido. Sempre com o mesmo tom de azul. Todos os bailes. Todos os anos.

Abandono os meus devaneios quando ouço alguém bater à porta novamente.

– Entre!

– Olá Soph, sou eu outra vez! – diz Amy animada, e cheia de farinha no avental. Mas não é nisso que reparo. Em vez disso, concentro-me em não explodir ao ouvir a minha prima chamar-me pelo meu apelido. Aquele que só ele usava – Meu pai praticamente que me expulsou da cozinha só por eu ter entornado o frasco da farinha algumas vezes. Não o percebo, passa o tempo a dizer que quer passar mais tempo comigo e com a Ruby, mas quando tento ajuda-lo na cozinha expulsa-me sempre que pode! É inacre…

– Afinal estás aqui por quê? – Pergunto, interrompendo-a a meio da palavra.

– Ah…- diz desconcertada ao perceber a minha irritação – A Ruby vai ao shopping daqui a pouco, então pedi-lhe que me desse boleia a mim e a ti se quiseres vir também.

Penso um pouco na oferta antes de responder:

– Tudo bem, só tenho de vestir qualquer coisa antes.

– Oh, claro! Queres que te empreste alguma roupa minha? Tenho uma saia rodada cor-de-rosa que tenho a certeza que… – interrompe o discurso ao perceber o meu olhar de censura – Ou talvez queiras apenas a usar a tua própria roupa. Vou avisar a Ruby de que também vens.

Quando Amethyst sai, viro-me para procuram alguma coisa bonita o suficiente para não ter de me sentir provinciana ao lado das minhas duas primas lindas de morrer. Estranho como mesmo aparentando não terem os melhores genes, conseguiram sair-se melhor no quesito de beleza do que eu.

Como diria a Isabella: Enfim.

Alyssa Montgomery

Detesto segundas-feiras. Quase tanto como estar brigada com a minha irmã. Ninguém quer ter Lena Montgomery zangada por nossa causa. Ninguém mesmo.

A loirinha não me dirige a palavra desde ontem à tarde:

‘‘Vai para o inferno’’ – disse ácida nem me dando tempo de pedir desculpa.

Depois disso ficou fechada no quarto até hoje de manhã.

Mesmo assim, saiu mais que eu e foi para a escola de cavalo, deixando-me ir sozinha na carruagem.

Primeiro sem o Ed, agora sem a Lena... A minha vida não para de melhorar.

– Deseja que a escolte até à porta menina Montgomery? – Pergunta Anthony, o meu novo guarda costas.

– Não é necessário, obrigada – digo educada. Apesar de tudo, não é culpa dele que o meu pai seja um maníaco pelo controlo.

Avanço pelo pátio graciosamente, tentando não me mostrar minimamente afetada pelos meus problemas. Afinal, poderia ser pior. O papá poderia ter obrigado Anthony a seguir-me também dentro da escola. Acho que isso já não conseguiria mesmo suportar.

– Hey! – Diz alguém atrás de mim. Viro-me reconhecendo a voz do meu melhor amigo.

– Hey – devolvo, enquanto Seth chega perto de mim.

– O Mason disse que a lista do elenco para o musical ia ser divulgada hoje. Queres ir espreitar para ver se já está afixada?

– Tudo bem – Digo sem grande ânimo.

Seth puxa-me pela mão, ignorando o meu estado de espírito pouco animado, e dirige-se ao placar de cortiça junto à secretaria, onde costumam ser afixadas as notas e os horários.

– Não há nada ainda – constata depois de analisar o placar.

– Ainda é cedo. Talvez só divulguem os resultados depois do almoço ou assim.

Seth concorda. De seguida despede-se pois combinou encontrar-se com Mason antes da sua aula de ‘‘Estudos das Criaturas Mágicas – Nível III’’.

Isso relembra-me de que se não for imediatamente para o balneário vou chegar atrasada à aula do Professor Phill outra vez.

Ando pelos corredores em direção ao pavilhão desportivo, encontrando Katherine encostada ao seu cacifo com ar distraído.

– Bom dia Kath – digo, tentando soar simpática, espantando o meu mau-humor de vez.

– Hum?! – Vira-se sobressaltada – Ah...Bom dia.

– Está tudo bem?

– Ah...sim, tudo bem – suspira – Bem, mais ou menos.

– Queres falar sobre isso? – ‘‘Por favor diz que não! Volta ao teu estado natural de menina simpática e divertida, e diz alguma piada que me faça rir até partir os ossos! ’’

– Na realidade não – responde – mas obrigada. Vais para o pavilhão? – Pergunta fechando o cacifo e começando a andar comigo.

– Sim. Não quero levar uma advertência outra vez – e não quero mesmo. Seria a terceira. E três advertências somadas, são um total de uma hora e meia de castigo (=detenção) no final das aulas.

Enquanto andamos lembro-me de algo que apesar de tudo me deixou curiosa o fim de semana inteiro:

– A festa de sexta foi uma loucura não foi? –Pergunto para quebrar o silêncio.

– É verdade.

– Ouvi dizer que a Hannah até teve de ir para o hospital. Sabes se está melhor?

Kath encolhe os ombros desinteressada, e eu constato que as coisas entre elas ainda não se devem ter resolvido.

Hannah, Katherine e eu somos da mesma turma desde pequenas. Mesmo assim nunca fomos propriamente chegadas. Suponho que isso se deva ao facto de Daina sempre ter sido minha melhor amiga, mesmo sendo um ano mais nova. E como Hannah não simpatiza minimamente com ninguém da família Snow... Eu fui por consequência das minhas amizades posta de parte do seu círculo social - assim como de Katherine.

No entanto, não escondo que sempre quis ser amiga delas. Principalmente quando eram mais nova. Por vezes brincar aos penteados com a filha do presidente parecia muito infantil comparado com as idas ao shopping com a ama, que Hannah e Kath faziam todos os sábados. Elas faziam tudo juntas. Literalmente tudo. Por isso é que é tão estranho vê-las agora, sem se falar, e sem querer ouvir falar de uma da outra. E apesar de eu também ter Seth, com quem faço um milhão de coisas divertidas, ter uma melhor amiga feminina é diferente. Sei disso porque senti a falta das minhas conversas com Daina, depois de ela se ter afastado para se tornar em mais uma discípula da Keira Frost.

– Alyssa – começa Kath do meu lado, quando já estamos à porta do balneário da nossa aula – Tu... sabes se o Caleb e a Era andam (NA: andam é uma expressão que se usa em Portugal. É +/- o meio termo entre ficar e namorar)?

– O Caleb e a Era? – enfatizo o nome Era, por causa da minha incredulidade. – Acho que não. Quer dizer, a Mohamed troca de namorado muito depressa, mas... O Caleb não me parece do tipo que gostaria de andar com ela.

A Frost do meu lado não diz mais nada, mas percebo que está perdida em pensamentos outra vez.

Entramos no nosso balneário para trocar de roupa, e espanto-me ao ver que está vazio, à parte de Amethyst Tremaine que se sobressalta ao ouvir-nos entrar:

– Ah, são vocês! – exclama aliviada – Pensei que fosse o Will outra vez! O idiota já tentou entrar para aí umas três vezes! Tive que me vestir na casa de banho com medo que ele entrasse de rompante e me visse sem roupa!

– Sabes que a porta se pode trancar por dentro Amy – digo risonha, fazendo isso mesmo depois de pousar o meu saco de desporto.

Amethyst faz uma cara de espanto e indignação e vai analisar a fechadura da porta por si própria como se não acreditasse em mim.

Volto para perto do meu saco de roupa e preparo-me para a horrenda seção de desporto. Cinco minutos depois, eu e as meninas vamos para o pavilhão esperar que a campainha toque.

– Oh não – diz Katherine quando chegamos. Olho na mesma direção que ela tentando perceber o que é que queria dizer com a quilo, mas a única coisa que vejo é a turma do último ano à espera do professor assim como nós.

– ‘‘Oh não’’ o quê? – Pergunto estranhado cada vez mais o comportamento da Loira Gelada.

Olho novamente para a turma do outro lado do pavilhão desportivo, que conversava relaxadamente e reparo que Caleb Safiris, de quem eu e Katherine tínhamos estado a falar mais cedo, também repara em nós e começa a correr em nossa direção.

– Katherine! Temos de falar – diz já ao pé de nós. Kath não diz nada e limita-se a olhar para o chão. – Kit Kat, por favor…

Katherine olha para ele subitamente como se a tivessem insultado da pior forma possível.

– Não me voltes a chamar isso – diz com um tom de voz cortante e virando-se correndo para a porta de saída.

Caleb prontifica-se a ir atrás dela, e eu e Amethyst ficamos lá paradas sem fazer ideia do que acabou de acontecer.

*** *** ***

Depois de uma aula de super cansativa – à qual nem Caleb, nem Kath se dignaram a comparecer – estou de volta ao balneário, ansiosa por um duche rápido que escorra todo o meu suor nojento.

Sim, as damas também suam.

Sou rápida o suficiente para chegar a tempo à porta da sala de aula de Seth, mesmo antes de soar a campainha que anuncia o fim da primeira aula.

– Oi – cumprimento quando o Malefic aparece à porta, seguido por Mason.

– Oi – respondem ao mesmo tempo. – Preparada para ver os resultados loirinha? – Pergunta Seth, passando o braço direito por cima dos meus ombros e apertando-me contra ele, enquanto nos encaminhávamos novamente para o placar ao pé da secretaria.

Mesmo contra minha vontade, senti a minha barriga revirar de nervoso a cada passo que dávamos.

Quando finalmente chegámos ao final do corredor, havia já um grupinho de gente à volta da pequena folha A4 onde o elenco de ‘O Gato das Botas – Uma versão Musical Moderna’’ estava inscrito:

Integrantes do elenco:

Gata – Lysbelle Frost

Bruxa – Hannah Safiris

Pai/Moleiro – Jason Savage

1º Filho – Seth Malefic

2º Filho – Jake Hood

3º Filho – James Notre Dame

Princesa – Alyssa Montgomery

Rainha – Lena Montgomery

Rei – Thomas Pontus

Aldeão 1 – Seth Malefic

Aldeão 2 – Jake Hood

Substitutos:

Connor Reindeer

Clark

Letícia Dunbroch

Staff:

Assistente cenográfica – Letícia Dunbroch

Assistente de Som – Eric Hood

Maestro/Coordenador Musical – Killian Smith

Coordenadora do Projeto – Ariel Pontus

Projeto dirigido e coordenado pela professora Ariel Pontus.

Percorri a lista com os olhos tão rapidamente, que precisei de reler tudo duas vezes para digerir completamente a informação:

‘‘Eu sou a princesa! A princesa! Exatamente o papel que eu queria!’’

Ao que parece, nem tudo corre mal.