Winter Soldier - Retomando o Passado escrita por Vendetta23


Capítulo 15
Eu


Notas iniciais do capítulo

No qual Bucky se lembra...
(Em Itálico - passado
Em Negrito - Soldado)



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Os dias passaram a ser confusos naqueles anos finais do colégio. “Vai pra casa” eu repeti mais alto enquanto apontava na direção da rua, passando pelo olhar assustado de Steve. Fazendo pressão no meu nariz, eu cambaleei pelo corredor vazio da escola até empurrar com o ombro a porta do banheiro e me debruçar sobre a pia, deixando o fluxo vermelho correr livre com a água da torneira até o ralo. Quando o sangue coagulou, eu limpei os machucados que cobriam meus lábios e a minha bochecha, encarei meu olhar cansado no espelho e recuei, apoiando as costas em uma das portas das cabines do banheiro. Eu estava cansado, os hematomas da semana passada mal haviam sarado, e aqui estou eu de novo.

E aqui estou eu de novo. Em um lugar escuro no qual eu já estive tempo o suficiente para que o conheça como a palma da minha mão. Nesse estado de semiconsciência, eu ouço o meu coração batendo tão lentamente como se só fosse para me lembrar de que eu não estava morto, eu não consigo me mexer, eu sou arrastado o tempo todo para um nada absoluto ou para as minhas memórias mais antigas,

Eu sabia que a guerra estava prestes a estourar, se não fosse fora do país, seria dentro dele. O desemprego disparou, assim como os preços, a fome e o crime, e eu passava dias procurando empregos dos quais poderiam me despedir na tarde seguinte, e madrugadas me arrastando de bar em bar.

Mais secretas,

Eu chegava em casa fedendo à bebida, e geralmente era recebido pelo olhar ou preocupado ou decepcionado que Steve me lançava do sofá, enquanto se recuperava de mais um ataque de asma. Às vezes eu nem sequer conseguia olhar pra ele. Às vezes eu me encolhia ao seu lado e, com a coragem e a desculpa que o destilado me dava, deitava a cabeça no seu ombro ou segurava sua mão. Outras, que foram ficando mais frequentes à medida que a guerra rastejava para mais perto de nós, eu me forçava a marchar por ele até o quarto ou o banheiro, e enterrava meus punhos várias vezes na parede.

As mais vergonhosas.

A guerra começou a borbulhar assim como o meu sangue. Eu me alistei sem dizer uma palavra para Steve. Eu me via nos cartazes como um daqueles soldados carregando o fuzil e salvando o país, salvando Steve e, talvez, a mim mesmo. Mas eu também me via fugindo. Na madrugada anterior ao meu primeiro embarque, Steve teve uma crise e passou horas lutando para que o ar entrasse em seus pulmões. A culpa me devorava por dentro, mas a dor e a raiva acumuladas no meu peito me fizeram agir com indiferença. Eu sentia como se tudo aquilo que eu descontei nos valentões ao longo dos anos estava se empilhando e fazendo eu perder a cabeça. O gatilho seria a minha válvula de escape. Então, de manhã, eu me encontrava atravessando o batente da porta e colocando um cigarro entre os lábios. Sem olhar para trás, eu puxei a fumaça para meus pulmões e mantive a escolha de caminhar até a destruição de algo, de mim ou de um outro, eu não sabia. E eu também não ligava.

Eu não devia ter ido, ter deixado Steve sozinho, eu não devia, não devia.

Eu relaxei o dedo do gatilho e encerrei meu dia com o quinto desgraçado morto. Depois do terceiro mês eu já me sentia desligado a maior parte do tempo e o tio Sam pintava os alvos na minha frente e eu só precisava mirar e atirar, mirar e atirar, mirar e atirar, ignorar o garoto ao meu lado levando um tiro, mirar e atirar, mirar e atirar, mirar e atirar. Eu quero ir pra casa. Eu fui acumulando tanto ódio de mim mesmo por ter acreditado em tudo aquilo que tinham dito, não havia nada de heroico em deixar para trás centenas de jovens mortos, em não saber por que diabos nós estávamos lutando. Não, mais do que isso, eu fui me odiando cada vez mais por sentir um pouco da pressão que pesava em mim indo embora cada vez que eu acertava e o inimigo caía. Eu lembrava daquelas brincadeiras que eu e Steve fazíamos, nas quais ele se recusava a puxar o gatilho não importa qual fosse a situação. Mas eu estava aqui justamente por isso, porque Steve não conseguia puxar o gatilho, então eu puxava. Mirar e atirar, mirar e atirar, mirar e atirar, mirar e atirar.

Eu havia voltado do meu segundo embarque só para encontrar Steve encurralado em um beco por um merdinha que queria brigar. Eu peguei leve com o garoto porque não queria estragar a aura que a cidade criou entorno dela, fazendo com que seus moradores esquecessem que havia uma guerra em andamento lá fora. Mesmo depois que voltamos para casa eu não conseguia pegar no sono, ou era a preocupação com Steve, ou as memórias de tudo o que tinha acontecido, ou a preocupação com a outra metade do meu batalhão que continuava em missão. E era esse tipo de gente que estávamos defendendo, merdas que gostavam de tirar uma casquinha do mais fraco. Numa das noites eu me debrucei sobre a cama aonde Steve estava dormindo e fiquei horas lá sentado, ouvindo a respiração dele. Se ele estivesse no meu lugar, ele iria fazer a coisa certa, eu tenho certeza disso. Ele iria ser um herói. Eu não. ‘Mire e atire’.

Era meu terceiro embarque, e eu tenho certeza de que tem algo errado comigo. Mais do que mirar e atirar, eu em campo busco ser cada vez mais eficiente, cada vez mais cruel. Um sorriso sádico me vem ao rosto ao acertar propositalmente o joelho de um soldado antes de atirar em sua cabeça. ‘O soldado eficiente’.

Por favor, para. Eu não aguento mais ver.

‘Ver o quê?’

O que eu criei.

Pegamos cinco tanques e fomos abrindo passagem na floresta para invadir a base da HYDRA, tal como ordenado. Nos atacaram pela retaguarda, atirando em vários homens que eu conhecia há anos. Antes de engatar minha arma eu recebi um baque na cabeça e tudo ficou escuro até que eu acordasse completamente drogado e rindo enquanto me batiam para tentar me fazer revelar informações. Entre um soco e outro, uma cuspida de sangue no chão e uma gargalhada.

“Então nos mandaram pra morrer. Nossa gloriosa pátria nos mandou para morrer... h-hahahahah...” eu disse antes de apagar.

Então eu vi que experimentaram em Steve. Mexeram e aplicaram e tornaram ele um super soldado imbatível. Quase o mataram. Nós passamos a ser o inimigo, pelo menos aos meus olhos. Ah, o ódio...

Eu acordei me sentindo anestesiado, era arrastado por trás e deixava um rastro de sangue na neve que saía do meu braço. Esporadicamente eu voltava à consciência, ou em mesas de cirurgia ou em cadeiras de interrogatório.

“Vamos precisar dele vivo” era uma frase que eu frequentemente ouvia, apesar de o esforço para cumpri-la parecesse ser mínimo. A imagem da mão de Steve falhando em segurar a minha me vinha cada vez mais à cabeça. Talvez eu finalmente esteja morrendo e toda a minha vida esteja passando diante dos meus olhos. A imagem voltava junto com a sensação desesperadora de mergulhar no abismo. Eu estou com frio.

“Eu sei exatamente o que fazer com ele” uma voz distante carregada de sotaque ecoou nos meus ouvidos “Mas vamos precisar ser cuidadosos”

“Isso pode mata-lo” outra voz mais grossa respondeu.

“Ah, assim eu espero. Somente através da morte podemos renascer” sinto mãos geladas segurando meus braços.

“Vai ser difícil controlá-lo depois”

“Nós precisamos somente dar a faísca, impulsionar o desejo dele. Ele não vai fazer nada que ele não queira, e o que nós queremos ele vai querer também”. Eu tento em vão murmurar algo, um nome. Eu sinto uma agulha perfurando o meu peito e o líquido injetado faz minhas veias arderem em chamas. Eu continuo tentando gritar aquele nome mas nenhum som sai. Meu coração vai batendo cada vez mais lentamente, lentamente, e para. Ele para, mas eu ainda estou pensando, lembrando da mão dele esticada falhando em me puxar pra cima “A guerra já se encarregou do resto”.

Então um choque percorre todo o meu corpo e contrai os meus músculos. Meu coração dá um primeiro batimento e eu arquejo em busca de ar. Uma sombra que há muito andava se esgueirando nos fundos da minha mente sobe à tona.

Eu abro os olhos.


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Notas finais do capítulo

... que ele próprio criou o Soldado.



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