No qual Sophie reflete sobre sua posição

Sophie observava os pássaros que cortavam o céu azul. Estava pensativa, então não notava que Howl e Michael a chamavam para ajudar-lhes.

— O que houve com você? — Indagou Howl aproximando-se irritado. — Estamos lhe chamando há mais de meia hora!

— Ele está exagerando, Sophie — entregou Michael, juntando-se a eles.

No entanto tudo o que receberam foi o silêncio.

— O que há com ela?

— Será algum efeito colateral da magia da Bruxa das Terras Desoladas? — Arriscou Michael. — Se for o caso, talvez possamos ligar para Letty e pedir que pergunte ao Mago Sulliman algum feitiço que...

— Ora, assim você me ofende Michael! — Exclamou Howl extremamente irritado. — Eu também sou um feiticeiro, lembra? E muito talentoso — acrescentou convencido. — Além disso, não há como ser um efeito colateral. Se esse fosse o caso, teria ocorrido assim que o feitiço foi quebrado e não agora.

— Mas você já errou antes...

O mago virou-se para ele de cara fechada.

— Você não tem nada melhor para fazer? Ligar para Martha... Ver como está Calcifer...

— Já entendi! Já entendi! — Bufou o jovem, retirando-se.

Howl soltou um suspiro resignado antes de sentar-se ao lado de Sophie. Fazia muito calor em Ingary, portanto todos haviam decidido tirar o dia de folga. Não abriram a loja e agora descansavam no quintal. O feiticeiro resolveu aproveitar o dia para cumprir alguns pedidos, então todos estavam do lado de fora, inclusive Calcifer.

— Sophie, você está bem? — Perguntou Howl, segurando as mãos dela nas suas e as acariciando. Isso pareceu acordar a jovem de seu transe.

— O quê? — Indagou, voltando a si. — Ah! O que foi, Howl? Quer ajuda em algum feitiço? — Olhou o amontoado de peças que Howl e Michael estavam mexendo anteriormente.

— Não — os olhos verdes percorreram o rosto da amada —, só estava me perguntando porque não nos respondia depois de chamarmos tanto.

— Desculpe — pediu envergonhada. — Estava pensando em algumas coisas e nem percebi...

— No que poderia estar pensando para perder noção de tudo a sua volta? — Perguntou, curioso.

— Isso... Estava pensando em minha posição.

— Posição? Que posição?

— De irmã mais velha — respondeu. — Como irmã mais velha, sempre fui aquela com mais azar, para qualquer coisa...

— Oh, Sophie, não me diga que acredita nessas superstições bobas? Acha mesmo que é azarenta?

Os olhos azuis chocaram-se com os verdes. Cada um avaliava o outro, porém ambos tinham a mesma conclusão: era bobagem pensar daquele jeito.

— Fui transformada em uma velha de noventa anos, forçada a fugir de casa e... — começou ela.

— Lutou contra seu destino entrando em meu castelo — interrompeu ele. — E bagunçando a vida de todos aqui.

— Viu? Eu e meu azar atrapalhamos vocês!

— Ora, Sophie, não seja boba! Está certo que no começo você era uma velha nariguda e intrometida que chegava a irritar às vezes, porém você foi a velha nariguda e intrometida que salvou ambas as vidas, minha e de Calcifer, e ainda acabou com o demônio da Bruxa.

— Nunca fui com a cara da Srta. Angorian — disse Sophie, desgostosa. — Ela sempre me pareceu uma ameaça. Embora na época eu não soubesse o porquê — Howl sorriu levemente e apertou sua mão.

— Ter uma velha com ciúmes de mim era adorável — admitiu —, porém muito, muito estranho. E aquele negócio de jogar herbicida em cima de mim não foi nada legal.

— Entretanto por azar não lhe atingiu.

— Mas jogou! — Ele respirou fundo. — Veja só! É isso que estou tentando dizer! Observe o quanto de vidas seu "azar" salvou!

— É... Acho que está correto — admitiu por fim. — Meu azar é minha sorte!

— Isso mesmo! Agora — levantou-se e estendeu a mão para ela —, venha nos ajudar, sua preguiçosa.

Sophie sorriu e segurou sua mão, deixando-o guiá-la. Lutando contra sua posição de irmã mais velha, ela acabou achando Howl e os outros. Talvez não fosse tão azarenta assim...

— Por falar nisso, Sophie, você andou mexendo nos feitiços do banheiro novamente? Quase acabei pintando meu cabelo de gengibre novamente.

— Hum... — murmurou pensativa. — Talvez?

— Você...! Sabe o que vai acontecer se isto ocorrer novamente! — Ameaçou, e Sophie sentiu a cor sumir do rosto só de lembrar-se do limo verde.

... Ou talvez fosse sim azarenta. Muito, muito azarenta.