A Saga de Ares - Santuário de Sangue escrita por Ítalo Santana


Capítulo 78
Capítulo especial: Nascida da Vingança


Notas iniciais do capítulo

A luta entre Jake de Leão e a berserker Alecto de Erínia caminha para o seu desfecho. O Leão dourado parte furioso contra a serva de Ares, mas seus olhos vão enxergar além da maldade da pequena berserker. A origem da combatente mais sanguinária do exército do deus da guerra será revelada.



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Capítulo especial: Nascida da vingança


Casa de Áries – Santuário de Atena, Grécia

Alecto foi lançada para trás por Jake, mas a berserker ficou sua foice negra no chão e rasgou o solo até conter o arremesso.

— Você realmente veio obstinado a me derrotar. Nem parece o mesmo leão que eu conheci na arena do coliseu. — disse a berserker em tom provocativo enquanto recobrava a postura. Alecto jogou os cabelos dourado para trás e apoiou a pesada foice no ombro. — Mas essa sua obsessão terminará com a sua morte.

— Não tenho tempo para as suas provocações. — disse Jake, com o cosmo elevado. Raios dourados crepitaram ao redor do seu corpo. — Vim aqui para matá-la em nome de todas as suas vítimas.

Alecto sorriu.

— Que pena, garoto. Você não viverá tempo o suficiente para vingar tantos nomes. — os olhos vermelhos da berserker se acenderam intensificando o brilho rubro de suas íris em meio a esclera negra. E lá estava aquela expressão assassina que destoava de sua aparência frágil e inocente. Alecto girou a foice que segurava em sua mão direita e elevou o seu cosmo. Círculos vermelhos com palavras em grego-antigo surgiram debaixo dos seus pés. — Então que tal você vingar pelo menos a sua família? Podemos tentar.

A berserker flexionou os joelhos e disparou na velocidade da luz contra Jake. O impulso revirou o solo e o trajeto rasgou o ar deixando um feixe de cosmo marcando seu deslocamento. Jake também agiu. O Cavaleiro de Ouro de Leão concentrou cosmo em seus punhos e pernas e partiu para o encontro com a berserker.

Alecto desferiu um golpe cortante, mas Jake se lançou no chão deslizando sobre os joelhos vendo a foice passar rente ao seu rosto. O feixe de cosmo disparado pela foice deixou um rastro de destruição, marcando as paredes da casa de Áries e partindo as colunas ao meio, desestabilizando o teto.

— A potência do seu ataque...  pensou o dourado. Jake apoiou o corpo em uma das mãos e girou disparando uma rajada de cosmo com os pés — Sinto que seria capaz de partir o meu corpo ao meio.

A berserker saltou desviando do ataque e desceu desferindo um golpe de foice. Jack desviou, reunindo uma grande quantidade de cosmo em seu punho, e atacou:

— Cápsula do poder!

— É inútil!

Alecto ergueu sua foice e golpeou a esfera de cosmo com a intenção de parti-la ao mesmo, mas ao invés de ser anulada, a orbe de cosmo explodiu e sua energia destrutiva se expandiu. A berserker foi golpeada em cheio e foi lançada violentamente contra a parede.

Jake atravessou a coluna de poeira e girou aplicando um chute. Alecto bloqueou com seu braço pequeno e repeliu o dourado. Ainda no ar, Jake disparou incontáveis socos, mas a berserker desviou dos punhos do Cavaleiro de Ouro e pegou impulso, intensificando o seu salto. Ela passou por Jake em uma velocidade espantosa e tentou atacar por trás, mas o dourado acompanhou o movimento da pequena assassina e deteve a foice usando a manopla de leão como escudo. Com a outra mão livre, Jake concentrou uma poderosa descarga elétrica e disparou contra Alecto, mas a berserker estendeu a mão e conteve o golpe, ao mesmo tempo em que alterou o trajeto dos raios e manuseou a foice mais uma vez, dessa vez mirando o abdome de Jake.

Alecto achou ter acertado o alvo, mas o que ela golpeou foi apenas uma ilusão projetada pelo Cavaleiro de Ouro. Jake havia saltado milésimos de segundos antes e desceu desferindo um chute que lançou a berserker contra o chão.

— Eu não vou perder. — disse Jake.

O dourado fez movimento de zigue-zague e insistiu em novas investidas diretas a fim de golpear Alecto em uma brecha na medida em que ela fosse se cansando, mas para a surpresa do Cavaleiro de Ouro a berserker estava sustentando o embate com maestria.

— Já matei muitos Cavaleiros de Ouro que disseram a mesma coisa.

Em uma de suas investidas, Jake reuniu novamente um aglomerado de cosmo e raios entre as mãos e disparou uma rajada concentrada como se fosse uma variação da Capsula do Poder. Alecto girou a foice e golpeou partido a rajada ao meio, mas a lâmina da berserker começou a apresentar rachaduras na medida em que ia sustentando a técnica de Jake.

— Ela bloqueou!  pensou Jake, surpreso. — Essa garota... É uma assassina e deve ser detida a qualquer custo!

Notando a formação das trincas, Jake concentrou cosmo na ponta do dedo e investiu para um ataque direto. Vendo a aproximação do seu inimigo, Alecto saltou e desferiu mais um golpe, mas o percurso da lâmina foi bloqueado pelo dedo de Jake. O dourado descarregou uma poderosa rajada de cosmo e raios que penetraram nas fissuras da foice e a destruíram completamente, desencadeando uma explosão.

O cavaleiro de ouro e a berserker foram arremessados pelo deslocamento de cosmo e colidiram nas paredes da Casa de Áries.

— Muito bem, Jake. Você quebrou a minha arma. — disse Alecto se erguendo e jogando o cabo da foice no chão. — Pena que isso não lhe dá vantagem alguma.

— Agora será o meu punho contra o seu. — disse Jake, também de pé.

— Sim e você vai se arrepender disso.

Alecto disparou com o cosmo rodopiando em seu punho e atacou Jake, que se defendeu erguendo os braços frente ao corpo, mas a berserker continuou a golpeá-lo. Eram socos fortes e pesados. Parecia que os punhos da berserker pesavam toneladas.

Jake estava sendo forçado a recuar. Seus braços estavam no limite do cansaço e a armadura de ouro estava começando a apresentar rachaduras.

— Tenho que reagir!  pensou o dourado.

Jake elevou o cosmo e abriu os braços, repelindo Alecto. A berserker pousou e ao tocar no chão sua sombra se agitou e se espalhou, cobrindo todo interior da casa com trevas. Jake teve a impressão de ver um gigantesco par de asas se abrindo, mas não havia nada nas costas da berserker. Contudo, algo estava se escondendo na escuridão. Alecto sorriu e deu três passos para trás, até ser engolida pelas trevas.

— Na Grécia Antiga, os atenienses temiam pronunciar o meu nome. Eles tinham medo de que pudessem invocar a minha cólera. — disse a berserker. Sua presença não podia ser notada, mas sua voz escoava por todos os lados. — Então eles me deram um eufemismo. Semnai Theai!  sussurrou a berserker.

Dezenas de olhos vermelhos se abriram nas sombras e das trevas surgiu Alecto acompanhada por várias erínias. Espíritos com corpo de mulher, asas de morcego e garras afiadas. Elas grunhiam e proferiram maldições em grego antigo enquanto avançavam contra Jake a fim de retalhar o seu corpo e devorar sua alma.

— Relâmpago de plasma!!

Milhares de socos foram disparados por segundos na velocidade da luz criando incontáveis feixes cósmicos. Os punhos de Jake conseguiram deter o avanço das Erínias, mas Alecto desviou de cada soco e concentrou cosmo em suas garras.

— Eu já lhe disse, Cavaleiro de ouro. Eu conheço essa sua técnica!

A berserker atravessou os feixes de luz e desferiu um chute. Jake se lançou para trás se esquivando e Alecto então saltou para descer em seguida com uma segunda investida. O Cavaleiro de Leão então foi tomado pelo seu cosmo dourado e se esquivou como se fosse um raio. E para a surpresa da berserker, Jake se posicionou acima dela com os braços erguidos e concentrando entre as mãos uma gigantesca esfera de cosmo rodeado por raios

— Diferente dos atenienses, eu não tenho medo de você. — disse ele. —  Rugido real!!

— Uma técnica nova?!

O aglomerado de cosmo caiu sobre Alecto e explodiu. A explosão abriu uma profunda cratera e liberou uma rajada de cosmo que atravessou o teto da casa de Áries e lançou a berserker em direção ao céu. A descarga elétrica rasgou o solo e desencadeou um forte abalo na região, abrindo fendas profundas e desmoronando estruturas da Casa de Áries.

...


Entrada da Casa de Áries

— Grande Chifre!  disparou Ápis de Touro contra Bronte de Gytrash, um dos berserkers subordinados de Alecto.

Bronte tinha mais de dois metros de altura e corpo robusto. Seu rosto barbudo era repleto de cicatrizes e seus olhos eram vermelhos como sangue. Ele havia ficado para trás junto com o berserker Tier de Shagfoal para deter o avanço de Ápis de Touro e Chertan de Girafa, mestre de Jake.

Bronte estendeu os dois braços na tentativa de segurar a técnica em forma de touro dourado disparado por Ápis, mas apesar de todo o seu esforço ele não foi capaz de suportar. O berserker teve seus braços quebrados e a rajada de cosmo acertou em cheio o seu peito, causando danos na Onyx.

O subordinado de Alecto foi arremessado rasgando a escadaria que dá acesso ao início das Doze Casas e desabou sem vida.

— Bronte?! — disse Tier de Shagfoal, que lutava contra Chertan.

Tier era alto e magro, de corpo esquelético um pouco curvado para frente, seus cabelos marrons eram ondulados e sua pele tinha um tom esverdeado. Seus braços e pernas eram tão finos que davam a impressão de que iriam se quebrar com o peso da Onyx. Seus dedos eram compridos e suas unhas eram longas e afiadas. Seu rosto tinha contornos profundos, ossos salientes e olhos profundos em olheiras pesadas.

O combate foi interrompido quando o teto da casa de Áries explodiu e uma coluna de cosmo subiu até o céu.

— Esse cosmo... É o Jake. — disse Chertan, reconhecendo o cosmo do seu pupilo.

— O cosmo da senhorita Alecto está se distanciando. Será que ela...

— Não se preocupe. Você será o próximo. — disse Chertan elevando o cosmo.

— Cavaleiro de Bronze, você pode ser resistente, mas não tem poder suficiente para me derrotar. Peça ajuda ao seu amigo Cavaleiro de Ouro. — disse o berserker. — Mandarei você para o que restou do submundo. Viagem para o inferno!!

Tier disparou uma rajada de cosmo avermelhado que tomou a forma de uma besta horrenda. Uma criatura esquelética que parecia um híbrido de cão e mula.

— Não me subestime por causa da minha patente. — Chertan elevou o seu cosmo e para a surpresa de Tier se tratava de um cosmo tão poderoso quanto o de um Cavaleiro de Ouro. — Lança de Pardolis!

Chertan concentrou cosmo em seu punho e avançou disparando uma rajada de cosmo que cruzou o campo de batalha como se fosse uma lança prateada. O golpe transpassou a besta demoníaca de Tier, anulando a técnica, e perfurou o peito do berserker, dilacerando o seu coração.

— Ápis... — disse Chertan, ofegante. — O cosmo de Jake...

— Eu senti. Mas eu acredito nele. O Jake pode dar conta. Agora nós dois temos algo maior para nos preocuparmos, Chertan. — disse Ápis virando-se e olhando para o céu. — Por que a frota marinha de Poseidon surgiu no céu do Santuário? 

...


Interior da Casa de Áries

Cansado e arfando, Jake cedeu de joelhos e retirou o elmo.

— Exausto demais para continuar a luta?

A voz da berserker sussurrou no ouvido de Jake, que se levantou em um salto para tomar distância. Alecto estava de volta e para a surpresa de Jake ela sofreu apenas algumas escoriações.

— Mas como?! Como é possível que você ainda esteja viva?

Alecto sorriu.

— Não vou negar que fiquei impressionada em saber que você ainda tem todo esse poder. Mas você realmente achou que aquilo iria me matar? — As sombras se agitaram atrás de Alecto mais uma vez e dezenas de Erínias surgiram mostrando suas garras. — Você só está vivo ainda porque eu tenho interesse em brincar com você, mas sendo bem sincera... Você não é uma ameaça. Semnai Theai!

As erínias grunhiram e partiram para o ataque mais uma vez, mas Alecto não se moveu. Ela ficou parada observado Jake se defender. O cavaleiro de ouro bloqueou as garras das criaturas e então voltou-se para a berserker, mas Alecto havia desaparecido. Nem mesmo a sua presença podia ser notada. Até que Jake foi surpreendido por uma inesperada aproximação da berserker que usou as trevas para se ocultar e se locomover.

Alecto desferiu um soco no rosto de Jake e o agarrou pelo pescoço, girando e o arremessando violentamente contra uma fileira de colunas.

— Semnai Theai!

Antes que Jake pudesse se erguer, as erínias voaram para cima dele e o golpearam cravando as garras entre as brechas da armadura de ouro.

— Você é fraco. Sua velocidade não me impressiona. Seu poder é uma piada. Você é inútil. — disse a pequena berserker.

— Fale o que quiser. Eu não ligo. De um jeito ou de outro, você vai morrer. — disse Jake tentando se levantar. Ele cuspiu sangue e cambaleou. — Sinto o meu corpo mais... pesado.

— Sabe o que é uma Erínia, cavaleiro de ouro?! É a personificação da vingança. As erínias estão encarregadas de castigar os crimes de ira, cólera e soberba. O peso no seu corpo é um reflexo dos crimes que você cometeu em toda a sua vida.

— Interessante. — disse Jake cerrando o punho. — Então acredito que meu corpo irá ficar mais pesado daqui pra frente.

Jake elevou o seu cosmo ao máximo e o expandiu, solidificando-o em centenas de cristais pontiagudos que emitiam um forte brilho como se fossem estrelas.

— Conheço essa sua técnica também. Isso não vai me intimidar. — disse a berserker.

— Não é para lhe intimidar. — os olhos de Jake se acenderam com o seu cosmo dourado e ele enxergou a áurea perversa que rodeada Alecto. — É para lhe matar.

Os cristais emitiram um brilho ainda mais forte e raios dourados crepitaram entre eles.

— Seja retalhada! Rugido este...

“Jake”

Disse uma voz sussurrante. Parecia voz de criança. O cavaleiro de Ouro se conteve.

Jake”

Novamente uma voz doce sussurrou o seu nome, mas não havia ninguém ali além deles dois. E parecia que Alecto não estava ouvindo, pois ela olhou para ele sem entender por que o dourado se conteve.

Jake olhou para Alecto desconfiando que fosse um truque da berserker, então foi aí que ele notou. Em meio a toda aquela áurea sombria que cercava Alecto, havia um ponto branco que emitia um fraco brilho. E mais uma vez ele ouviu um sussurro.

“Você consegue me ouvir? Você consegue me ver? Venha até mim.”

— O que está fazendo aí parado, cavaleiro? Por acaso está com medo e decidiu desistir de lutar?! — questionou Alecto, mas Jake não respondeu. Ele estava prestando atenção no que aquela fraca voz estava falando, mas quanto mais Alecto falava, mais a voz ficava abafada. — Já que é assim, não tem problema. Eu encerrarei essa nossa luta de uma vez e em seguida matarei o seu mestre e o seu amiguinho. Semnai Theai!

Alecto avançou contra Jake, mas o dourado não se moveu. Ele permaneceu imóvel aguardando uma determinada aproximação da berserker para então poder agir. Concentrando uma descarga elétrica na ponta do dedo, Jake avançou, desviou das garras de Alecto e disparou um feixe de raio no ponto luminoso da áurea sombria da berserker.

A descarga elétrica pareceu atingir Alecto em um ponto fraco, pois a berserker se contorceu de dor e em seguida ficou paralisada. O ponto luminoso então brilhou com mais intensidade e puxou a alma de Jake para dentro da áurea de Alecto. O cavaleiro viu seu corpo ficando para trás e de repente estava em um ambiente escuro e vazio.

— Onde... Onde eu estou?

— Que bom que você ouviu a minha voz. — disse uma garotinha atrás de Jake.

O cavaleiro de ouro de leão virou-se e se deparou com a pequena Alecto diante dele, mas era diferente da versão que ele conhecia. Era uma garota sem malicia nos olhos e sem um falso sorriso de pureza. Era uma criança doce e inocente, de cabelos dourados e olhos verdes.

— Você é...

— Sou apenas um resquício de quem um dia eu já fui. Um fragmento de alma e memória que a parte “berserker” não conseguiu devorar. Meu nome é Alecto.

— “Parte berserker”? Como assim?

— Ninguém nasce berserker, Jake. Apenas se torna um. Deixe-me lhe mostrar... — A pequena Alecto deu um passo à frente e segurou na mão de Jake. Os olhos do Cavaleiro de Ouro se abriram arregalados quando sua mente foi inundada com memórias. — Como tudo começou.


Era de Prata (Era dos homens) – Tempos Mitológicos

Após a Era de Ouro comandada pelo deus-titã Cronos, veio a Era de Prata comandada por Zeus. Conhecida como a Era dos homens. E foi aí que o sofrimento da humanidade começou. Zeus e os deuses do Olimpo, e isso inclui a sua deusa Atena, se uniram para soltar a maldade na face da Terra através da caixa de Pandora como um castigo. E assim corromperam os humanos. Mas ao olharem para a Terra, os deuses não gostaram do que viram. Exceto Ares.

Atena desceu para a Terra na intenção de ajudar e proteger os humanos.  Mas Ares, que antes era apenas um chefe da guarda do Olimpo, desceu à Terra para se tornar o deus da guerra sangrenta dos homens. Ares se aproveitou do pior que a humanidade podia oferecer e dos conflitos que a ambição e a violência podiam causar.

No início, os homens brigavam por pedaços de terra, mas a ganância foi aumentando e eles passaram a guerrear por riquezas e reinos. E sempre rezavam à Ares pedindo a benção do deus. E Ares, que sempre foi ambicioso e perverso, apoiava as guerras na intenção de causar mais caos e se tornar mais poderoso com a adoração dos homens. Ele sempre queria uma guerra maior. Queria causar mais destruição e ganhar mais sacrifícios e espólios.

Os homens abençoados por Ares não faziam distinção entre um pequeno vilarejo e um império. Eles invadiam, saqueavam, matavam, destruíam e dominavam tudo o que eles encontrassem pela frente. E assim como Atena e Poseidon, Ares começou a montar seu próprio exército para conquistar impérios. E um dia o meu vilarejo ficou no caminho do exército do deus da guerra.

Os guerreiros de Ares invadiram o vilarejo onde eu morava e mataram todo mundo na calada da noite. Eu acordei com os gritos desesperados de homens, mulheres e crianças correndo na rua. Meu pai, que era um simples agricultor, correu até mim manchado de sangue e pediu para que eu saísse de casa pelas portas do fundo. Sem entender nada, eu corri. Mas quando eu passei pela sala vi o corpo da minha, já sem vida, caído em uma poça de sangue. Eu fiquei paralisada. Meu pai me segurou nos braços e correu até a porta, mas fomos surpreendidos por um soldado de Ares.

Meu pai me colocou no chão e ficou na minha frente para me proteger enquanto pedia misericórdia, mas o soldado não teve piedade. Com uma mão ele cravou uma lança no peito do meu pai, e com a outra ele desembainhou uma espada e cortou a cabeça. E mais uma vez eu fiquei paralisada. Encharcada de sangue e tremendo de medo vendo o corpo do meu pai no chão. O medo cresceu dentro de mim, mas outros sentimentos também vieram à tona, como raiva e vingança, e meus olhos refletiram isso. Eu estava prestes a ser morta também, quando...

— Espere! — disse um homem entrando na casa. Ele era magro, tinha cabelos verde claro curtos, olhos dourados mergulhados em uma esclera negra, pele pálida e vestia um tipo de armadura escura como as trevas. Uma Onyx. A joia escura que Ares havia nomeado como presente para Afrodite. — Garotinha, o seu ódio me atraiu. Tão nova, mas com um olhar tão perverso. Pena que não seja um garoto. Você seria um bom soldado.

— Então me leve. — disse a pequena Alecto.

— Lhe levar?! Garota, você seria lançada na guerra. Os homens devorariam você.

— Me leve. Me torne um soldado.

O berserker estreitou os olhos para Alecto, mas ela não hesitou e manteve seu olhar firme. Convencido, o berserker deu de ombros.

— Está bem. No fundo, eu vejo potencial em você. Só precisa de um pouco de treino e tempo. Vou lhe levar para o Senhor Deimos. Acredito que você tenha perfil para se juntar as tropas dele. — disse o berserker dando as costas. — Me acompanhe. Ah! Sou Hugo de Corvo, do exército do Medo do Senhor Phobos.

Eu tinha apenas 10 anos de idade e o exército de Ares despertou ódio e um profundo desejo de vingança em mim. Dois sentimentos que uma criança jamais deveria sentir, pois isso pode moldar o tipo de pessoa que ela irá se tornar futuramente. A linha tênue entre ser a pior ou a melhor versão de si mesmo é muito frágil. Mais frágil que o orgulho dos homens. Principalmente quando se é uma criança. A pessoa perversa de hoje pode ter sido uma criança violentada e traumatizada no passado.

A minha intenção naquele momento era me aproximar de Ares e me vingar. E para isso acontecer eu estava disposta a fazer qualquer coisa. Eu precisava de uma oportunidade, apesar de não saber como eu tiraria a vida de uma deus. Mas eu queria tentar, pois diante do meu ódio tudo parecia possível. Até mesmo matar um imortal. E em seguida eu mataria o soldado que tirou a vida do meu pai. Eu estava disposta a me tornar aquilo que eu mais odiava. Uma berserker. Mas tudo isso não passava de ingenuidade minha.

Após a chacina na minha cidade, o exército de Ares acampou do lado de fora dos limites do vilarejo. O caminho até o acampamento estava repleto de corpos, sangue, choros e gritos de pessoas agonizando. Eu me esforcei para não chorar, pois constantemente Hugo me olhava por cima do ombro para avaliar a minha expressão diante de tanta desgraça. Por fora eu mantive uma expressão de indiferença, mas por dentro meu corpo estava no limite do desespero. Não me pergunte de onde eu tirei forças para isso. Até hoje eu não sei. Então geralmente eu digo que foi apenas a raiva. Eu estava prestes a ceder quando avistei três grandes tendas vermelhas no centro de tantas outras tendas escuras. E daquelas três fluía uma presença soberana e pesada. Eu tive a sensação de ficar com dificuldade de respirar. Ares com certeza estava em uma delas.

— Por aqui mocinha. — disse Hugo, caminhando para a tenda do meio. Das três vermelhas, a do meio era a maior, e trazia no alto a bandeira do deus da guerra. Um tecido vermelho sangue com a figura de um elmo emplumado, uma lança e um escudo dourado no centro.

O interior da tenda era tão grande quanto se podia imaginar. Havia mesas com mapas abertos e banquetes. No canto da tenda estava o pouco da riqueza do vilarejo que os soldados haviam saqueado. E no centro havia um trono onde Ares estava sentado, acompanhado por Phobos e Deimos. O deus da guerra estava bebendo uma taça de vinho enquanto conversava sobre o ataque da noite. De longe ele parecia um simples soldado de guerra. Cabelos curtos castanhos, pele clara, olhos vermelhos e trajava uma simples armadura de guerra.

— Senhores, perdão por interrompê-los, mas acredito que eu tenha encontrado alguém de grande valor para o exército do meu senhor Ares. — disse Hugo, fazendo reverência.

— O que é que você tem para mim, Hugo? — perguntou o deus da guerra. — Você já me presenteou com bons soldados, mas agora me traz uma garota? Deveria ter levado essa menina para a ilha das amazonas. Mande-a para a berserker Hipólita de Estinfálides. A rainha das amazonas. Ela saberá o que fazer com essa menina.

— Eu vejo prodígio nessa garota, meu senhor. Acredito que transformá-la em uma berserker irá aflorar os seus dons e torná-la mais útil do que uma amazona.

— Mulheres devem se juntar ao exército das Amazonas. — disse Deimos. — Não há espaço para essa menina entre os homens.

— Espere um momento, Deimos. — disse Phobos. O deus fitou Alecto com um olhar frio e profundo.

Eu não sabia, mas nesse momento eu estava me tornando um brinquedo para os deuses. Eu fui tola ao achar que podia enganar a todos fingindo ser forte, fingindo ter interesse em servir a Ares e seus propósitos, mas nada fugia dos olhos de Phobos. O deus encontrou o meu medo debaixo da minha farsa e usou como porta de entrada para ler a minha mente e a minha intenção. Ele folheou toda a minha curta vida em fração de segundos.

— Eu acho que Hugo tem razão. — disse Phobos, dando um leve sorriso. — Ela realmente tem potencial. Sinto uma forte determinação nela, mas seu perfil violento não condiz com a minha tropa. Acredito que ela se encaixaria melhor nas suas fileiras, irmão.

Deimos estava prestes a protestar quando Ares falou:

— Você não vai dizer nada, menina?

Eu não conseguia responder. Eu queria, mas eu não tinha forças. Meu corpo foi tomado pelo medo. Phobos manteve a minha boca fechada apenas com sua força de vontade.

— Coitada. Deve estar sem palavras diante dos deuses. — disse Phobos. — Talvez precise de uma dose de coragem. — O deus pegou um cálice de vinho e entregou a Deimos. — Você sabe o que precisa ser feito. Aceite-a.

Mesmo sem ser de bom grado, Deimos pegou o cálice e depositou uma gota do seu sangue, e em seguida entregou a Ares, que também depositou uma gota de seu sangue divino, conhecido como Ikhor.

— Venha até mim. — disse Ares. — E beba.

Meu corpo se levantou contra a minha vontade e então eu caminhei até Ares e segurei o cálice.

— Com isso você estará ligada a mim e ao deus que você irá servir como subordinada. — disse Ares. — Suas emoções e sua personalidade irão moldar e refletir para fora do seu corpo a criatura que representará a sua Onyx. E ela será forjada para proteger o seu corpo. Agora beba.

O gosto era amargo e quente como sangue fervente. O líquido queimou a minha boca e uma dor aguda e angustiante percorreu todo o meu corpo. Eu caí no chão e me contorci achando que ia morrer. Parecia que algo estava se formando dentro de mim na medida que o líquido descia pela minha garganta. Eu tinha a sensação de que algo iria me rasgar por dentro na tentativa de sair. Meu corpo então se lançou para trás e do meu peito saiu uma luz vermelha dando forma a uma criatura com corpo de mulher, asas de morcego, garras afiadas, pés de demônio e armada com uma foice afiada. Aquilo era uma Erínia, um ser que simboliza a personificação da vingança.

Eu comecei a ouvir batidas de martelo. Como se fosse uma forja. O som parecia estar distante, mas ao mesmo tempo perto o suficiente ao ponto de meus ouvidos sangrarem e minha cabeça doer como se fosse explodir. Aquele som era a minha Onyx sendo forjada no submundo simultaneamente com a minha conversão.

— Você foi uma tola, menina. — disse Phobos. — Hugo tem razão. Você tem potencial, mas é uma tola. Você veio aqui com a intenção de vingar a morte dos seus pais e das pessoas do vilarejo. Você queria uma oportunidade para se aproximar do Senhor Ares e matá-lo. E para isso estava disposta a entrar para o exército, mas foi uma idiota ao achar que seria assim tão fácil. Não passou de uma imaginação fértil de uma criança tola. Se você soubesse o que é ser um berserker, não teria vindo até aqui e teria implorado pela morte junto aos seus pais. Ao beber desse cálice você sentenciou a sua vida a um sofrimento eterno.

— Como assim?! — perguntou Alecto, gemendo de dor.

— Você agora é imortal. Graças ao acordo do senhor Ares e do Imperador Hades, você, assim como todos os berserkers, está sentenciada a viver e morrer durantes os séculos como uma subordinada do deus da guerra. Para aqueles que se unem ao Senhor Ares de bom grado, isso é uma dadiva, mas para alguém como você será um inferno. O sangue que corre em suas veias será como correntes ligando você aos seus senhores e você jamais conseguirá se voltar contra o deus da guerra. Logo grande parte da sua alma será devorada pela berserker que você irá se tornar. E o resquício dessa sua miserável alma mortal não será forte o suficiente para exercer vontade própria, mas terá consciência. — Phobos sorriu. — Consegue compreender agora, menina? Você sofrerá calada pelo resto da vida observando de forma impotente enquanto tira a vida de outras pessoas da mesma forma que fizeram com a sua família. Você se tornou aquilo que você mais odiava e estará fadada a cometer os mesmos crimes que você um dia quis vingar.

As palavras de Phobos se concretizaram mais rápido do que eu esperava. Apesar de querer rebater, minha boca não se movia. Eu não conseguia formular qualquer palavra de revolta ou ofensa. Só me restava sentir. Era como se outra pessoa estivesse tomando o controle do meu corpo. Eu me curvei contra a minha vontade. Eu fiz reverência sem querer. Eu falei “Compreendo, meu senhor.” sem ter a mínima intenção. A forja ficou pronta e a Onyx cobriu o meu corpo. Eu estava sendo devorada por dentro pela minha própria vingança. E foi assim que eu me tornei a berserker de Erínia.

Os deuses da guerra passaram a me usar como estratégia de batalha. Eu era enviada como uma diplomata. De vestido branco, simbolizando pureza, e segurando um pergaminho na mão, que não passava de um falso acordo de paz. Os reinos me recebiam e me hospedavam, mas na calada da noite eu eliminava todos os soldados e ocultava seus corpos nas sombras. Quando o exército de Ares chegava ao nascer do sol, o reino procurava pelos seus guerreiros, mas não os encontravam. E na ausência dos guardas, eram os agricultores e crianças que assumiam a batalha, mas eles não tinham chance e eram facilmente subjugados.

Ares não precisava fazer isso. Seu exército já era poderoso o suficiente para vencer qualquer um que se erguesse contra suas ambições, mas ele gostava de brincar com o desespero de suas vítimas. E foi assim que eu passei a ser chamada de “a falsa diplomata” e “o anjo da morte”. Era retratada como uma criança tingida de sangue no topo de uma pilha de corpos. Sempre que uma menina de cabelos dourados e vestido branco era avistada na entrada de uma cidade, era um sinal de que Ares estava chegando e com ele... A morte. 

Com o passar do tempo a berserker de Erínia foi subindo na hierarquia de relevância do exército. Se tornou uma das mais poderosas a serviço de Ares, ficando no mesmo patamar de Hayato de Abutre, Anatole de Quimera, Kami de Wendigo e Hugo de Corvo. Os outros berserkers temiam e obedeciam.

 Já eu, a parte a humana, fui reduzida a isso que você está vendo agora. Um pequeno resquício de quem eu já fui um dia. É necessário uma grande força de vontade para ir contra Ares, mas com o passar do tempo eu fui ficando cada vez mais presa nessas trevas de sangue e guerra. Hoje em dia eu apenas observo em silêncio o desenrolar do tempo. Já vi centenas de cavaleiros sucumbirem pelas minhas mãos. Meus sentimentos e minha determinação se tornaram poder para alimentar a força da berserker. O poder e a violência refletem o que eu sentia no momento em que fui transformada.

Guerra após guerra durante as batalhas eu gritei na intenção de que alguém pudesse me alcançar e me ajudar, mas ninguém foi capaz de me ouvir. Até você aparecer. Você foi capaz de me enxergar. Eu sei que a minha versão berserker lhe causou muita dor. Acredite, eu chorei e gritei tanto quanto você implorando para que ela parecesse de machucar a sua família. Eu lamento muito pelo seu irmão e pelos seus pais. Sei que não estou em uma posição muito favorável para lhe pedir um favor, mas eu imploro a você, me ajude.

— Mas como eu posso lhe ajudar? — perguntou Jake. As imagens se dissiparam na sua mente, e ele estava de volta ao interior obscuro da berserker.

— Me destruindo por dentro. Eu sou a vitalidade da berserker que você conhece. Eu sou o resquício de alma ligada ao contrato com Ares e Deimos. É a minha existência que a torna imortal. Se eu for destruída, as correntes do contrato serão rompidas. Eu irei morrer e a berserker se tornará mortal, pois restará apenas a alma sombria que nasceu de mim e se ligou a minha alma como uma parasita.

— Você tem certeza disso?

— Sim. Por favor. Me liberte desse sofrimento. Esse é o único meio de dar um fim definitivo a um berserker. O que Atena e o antigo cavaleiro de Câncer estão tentando fazer para conter os berserker é algo temporário. É apenas uma medida de contenção

— Mas agora eu sei como matar um berserker. Com a ajuda dos Cavaleiros de Câncer que possuem a habilidade de remover a alma do corpo, nós poderemos...

Alecto balançou a cabeça negando.

— Não. Não seria assim tão fácil. Você teve acesso a mim porque eu nunca fui subordinada de Ares. E provavelmente eu sou a única nessa situação. Lembre-se do que Phobos disse para mim. Existe uma diferença entre quem se torna um berserker por escolha própria, e quem se torna contra a própria vontades. Todos os outros berserkers se tornaram guerreiros de Ares por livre escolha. Suas almas mortais se uniram em perfeita harmonia com a alma berserker, se tornando uma só. De forma que é impossível separar uma da outra. Então nem mesmo os Cavaleiros de Câncer conseguiriam separar as duas almas. Jake... Por favor.

Jake cerrou o punho.

— Eu entendo. E eu sinto muito por tudo isso que você viveu. Eu lhe prometo que Ares será derrotado, assim como todos os deuses que brincaram com você. — o dourado elevou o seu cosmo e o concentrou no punho. — Alecto... Eu desejo que você descanse. Que a luz dourada do meu cosmo lhe guie para um lugar melhor. Muito obrigado.

Alecto sorriu com os olhos cheios de lagrimas.

— Jake...

O cavaleiro de ouro fechou os olhos, chorando, e atacou:

— Relâmpago de plasma!

— Obrigada. — disse a pequena Alecto abrindo os braços.

O resquício de alma foi destruído, mas o lado berserker parecia ter notado que algo havia acontecido. As trevas expulsaram a alma de Jake para fora do corpo da berserker, e o dourado voltou para o seu corpo.

— O que foi que você fez comigo? — perguntou a berserker. Ela caiu de joelhos e levou a mão até o peito. — Eu não... Eu não consigo sentir a presença daquela menina insuportável. Miserável! O que foi que você fez? — gritou ela. — Você... Você a enxergou, não foi?! 

— Eu libertei uma alma inocente que Ares e Phobos torturaram por tanto tempo. Agora a única coisa que restou foi você. Um demônio. Olhe bem para as estrelas. Essa será a última noite. — Jake voltou a elevar o seu cosmo e o solidificou em centenas de cristais pontiagudos que brilhavam como se fossem estrelas. — Alecto... Não. Erínia! Esse é o seu fim!  

A berserker sorriu.

— Eu não vou morrer aqui. Não mesmo! Eu irei matar você, Leão! Rasgarei o seu corpo e a sua alma. Eu vou espalhar suas entranhas por todo o Santuário. Morra!!

Erínia elevou o cosmo e avançou com as garras afiadas mirando o pescoço de Jake. 

— É o seu fim. Rugido estelar!!

O golpe foi disparado como se fossem milhares de estrelas pontiagudas emanando raios. A berserker foi golpeada em cheio e teve seu corpo retalhado até não sobrar qualquer resquício do seu corpo, alma ou onyx.

— Descanse em paz... Alecto


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Notas finais do capítulo

Olá pessoal! Tudo bom?

Para finalizar o ano trago o desfecho da luta entre Jake de Leão e Alecto de Erínia. Acredito que com esse capítulo eu tenha agregado um pouco mais na mitologia que envolve a origem do exército de Ares no universo que eu criei.

E assim eu finalizo os meus trabalhos em 2021, mas com certeza eu retorno em 2022 com o capítulo 71 "Armas de Libra". Desejo boas festas e saúde a todos vocês. Obrigado por me acompanharem por mais um ano. Peço perdão pela minha demora em postar os capítulos e ao mesmo tempo eu agradeço pela compreensão de todos. Até 2022!!



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