A Saga de Ares - Santuário de Sangue escrita por Ítalo Santana


Capítulo 59
Capítulo 54 — Guerra em Atlântida: Atlântida em chamas


Notas iniciais do capítulo

A chegada do exército marinho para dar suporte a Tritão encurralou a frota de Ares, superando em número de combatentes e poder ofensivo.
Hyoga, que foi trazido pelo Capitão de Mar-e-guerra do terceiro distrito, é questionado por Éris a respeito da maldição em seu peito que o impede de enfrentar deuses sem que sofra com isso, mas Hyoga responde que vê ali a chance de derrotar Ares antes que Atena retorne do Tártaro, e ele está decidido a matar Ares a qualquer custo.
Um segundo confronto se inicia entre os dois exércitos, mas Anteros diz que enquanto o exército de Ares estiver sob o efeito da "Sinfonia final da morte", a derrota será inevitável. Dionísio discorda, dizendo que ele pode superar os efeitos da flauta divina de Sirene.
No fundo do oceano, diante de Atlântida, o trio de soldados berserkers invadem Atlântida ao receberem o segundo sinal de Deimos, avisando que a cidade estava desprotegida. O primeiro distrito é totalmente apagado do país devido o poder devastador de um dos soldados. Do palácio, Anfitrite fica surpresa ao ver chamas consumindo o lado norte e avançando em direção ao segundo distrito.
A deusa então reúne um exército de Nereidas e parte para deter a invasão.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/488642/chapter/59

Capítulo 54 — Guerra em Atlântida: Atlântida em chamas


Oceano primordial do Atlântico Norte — Outro lado do véu

— Você é... O Cavaleiro de Ouro de Aquário. — disse Ares, aparentando estar surpreso.

Os dois grandes exércitos estavam agora frente a frente, separados apenas por uma grossa camada de gelo que se formou na área, cobrindo uma extensa parte do Oceano Atlântico Norte, e prendendo os navios para impedir fugas. A chegada do exército de Atlântida de forma tão repentina deixou o exército de Ares surpreso, mas a chegada de Hyoga deixou todos atônitos, causando desconforto para ambos os exércitos.

— Como se já não bastasse o reforço do exército de Atlântida... Agora temos um Cavaleiro de ouro aqui. — disse um dos soldados berserkers, comentando com os companheiros.

— A chegada de um cavaleiro de ouro não é motivo para se preocupar. Mesmo se tratando de um lendário. Desde a era mitológica nós somos temidos por eles, e não o contrário. — respondeu o berserker responsável pelo navio. Um dos generais escolhido por Deimos. Seu rosto estava oculto pela sombra do elmo. — Nem mesmo o exército de Atlântida é um incomodo para nós. Eu sozinho sou capaz de abater um terço desse exército. Não só eu, como os demais berserkers também. Se ainda não nos foi dada a ordem para atacar, é porque o senhor Ares está planejando algo.

Deimos se aproximou de Ares.

— Temos um lendário e provavelmente o exército inteiro de Atlântida diante de nós. O que vamos fazer?

— A chegada de Hyoga foi inesperada. Mas nossa prioridade continua sendo o exército de Atlântida. — disse Anteros. — Um cavaleiro amaldiçoado não é razão para se importar.

O deus da guerra olhou para os três primeiros navios. Além do deus Chrysaor, os generais de Lymnades e Sirene estavam liderando os marinas, mas em meio aos outros tripulantes, Ares não conseguia distinguir quem era Almirante ou Capitão.

— São três distritos, então são três almirantes. Cada um é responsável por um terço de todo o exército. São eles que sempre lideram os marinas ao lado dos generais. Um está morto. Faltam dois. — disse Ares. — Deimos, descubra se os outros dois então em um desses navios. Se estiverem, significa que o exército inteiro está aqui, e que Atlântida está meramente desprotegida.

— E se apenas um estiver? — perguntou Deimos.

— Significa que o terceiro permanece em Atlântida, então a terceira parte do exército também está lá. Eles não seriam tolos de deixar a cidade totalmente exposta. Não que isso seja um obstáculo. Apenas quero ter a certeza de que a chance desse meu plano falhar, seja mínima. Garanta essa certeza para mim, Deimos. E só então daremos o segundo sinal.

— Para isso, precisamos ganhar tempo. — disse o deus do Terror.

— Quanto a isso... — Ares observou o olhar de Tritão para Hyoga. O deus marinho parecia furioso mirando um olhar cerrado, enrugando o cenho. Mas Hyoga, de costas para o exército marinho, o ignorava. Seus olhos estavam voltados para Ares, que o encarou de volta. — Não será problema. O lendário chamou a atenção de Tritão. Irei estender esse conflito ao máximo. Afinal, quem diria que ele estaria aqui?! Hyoga de Aquário. O cisne do norte.

— O que um Cavaleiro de Ouro faz aqui? — perguntou Tritão, para o capitão. O deus estava ao lado de Chrysaor, em pé na proa do navio Atlântis.

— Eu o trouxe, senhor. — Respondeu o Capitão de Mar-e-Guerra do terceiro distrito. Ele estava ajoelhado diante do deus. Vestia uma escama azul e seu elmo escondia uma parte do seu rosto. — Fui enviado à Bluegraad, para coletar informações sobre a ida de um dos deuses que servem a Ares e...

Tritão olhou para ele por cima do ombro. O capitão se calou de imediato.

— E quem lhe deu a permissão para trazê-lo?!! — perguntou o deus, com a voz um pouco alterada. — Sua missão era bem clara, Capitão. Uma missão de reconhecimento!! Apenas isso!! Cavaleiros de Atena são proibidos aqui. É uma dimensão que deveria ser inalcançável para eles, pois foram os cavaleiros de Atena que obrigaram o nosso povo a se exilar aqui, do outro lado do véu e no fundo do oceano. Honre pelo menos os esforços dos seus ancestrais que morreram lutando, e leve-o de volta para o mundo dos humanos!! Agora!!

— Sim senhor!! — disse o capitão, com temor.

— Você acha que essa guerra é apenas sua? — perguntou Hyoga, ainda de costas para o deus marinho. Ele não desviou os olhos de Ares nem por um segundo.

— Está falando comigo, Cavaleiro de Ouro? — perguntou Tritão, e senhor trovejou como sinal de sua fúria. — Não lembro de ter lhe dado permissão para falar.

— É porque eu não preciso. — rebateu Hyoga.

A resposta foi desaprovada por Tritão, que converteu sua fúria em manifestação cósmica. O céu nublado trovejou mais uma vez, como uma feroz tempestade, e o gelo rachou com o forte agito da água. Ondas gigantes se formaram e colidiram com a grossa camada de gelo, provocando movimentos bruscos e aumento nas rachaduras.

— Com quem você acha que está falando, cavaleiro? — Questionou o deus.

— Essa guerra é de todos!! — continuou Hyoga, ignorando a fúria de Tritão. — Dos atlantis e dos humanos que estão do outro lado dessa dimensão. Vim até aqui com o mesmo objetivo que vocês. Derrotar Ares. Não sei onde Atlântida está em meio a essa imensidão, e não tenho o interesse de descobrir. Minha única intenção aqui é deter Ares de uma vez por todas. E essa é a oportunidade perfeita. Ele está em menor número, com metade do seu exército, e parece estar enfraquecido. Não deveria negar ajuda, mesmo que venha de um Cavaleiro de Atena. Se Ares vencer, não será apenas Atlântida que irá sofrer com o resultado dessa guerra.

— Apesar da atrevimento, ele tem razão, senhor. — disse Sorento, em pé na proa do navio britânico Eurydice. — Ainda que Poseidon e Atena sejam inimigos, temos no momento um inimigo em comum. O Imperador Poseidon ajudou os cavaleiros na última guerra santa contra Hades. Talvez gora seja a nossa vez de recebermos ajuda, e aceita-lo do nosso lado.

Tritão olhou severamente para Hyoga.

— Não me agrada fazer alianças com gregos atenienses. Talvez meu pai tenha essa facilidade, mas eu não tenho. Se depender de mim, você volta agora mesmo para o lugar de onde veio. Mas vou seguir o conselho do meu general e lhe dar uma chance de se provar necessário. Me diga, o que um único Cavaleiro de Ouro pode fazer que seja significante para nós?

— Eu sou um homem que vale por um exército. — respondeu Hyoga, frio e direto.

Chrysaor deu um sorriso de canto.

— Ele congelou uma parte do oceano, criando uma camada de gelo apenas com o toque do seu ar frio na superfície da água. — ele olhou para o irmão. — Já é um bom argumento para tê-lo como aliado.

— Quanta baboseira! Será que eu ouvi bem, Hyoga?! — gritou Ares. Tritão e Chrysaor olharam curiosos para o deus da guerra após ouvirem o nome de Hyoga. — Você disse que vai me derrotar?

— Sim. É o momento perfeito para isso. Você está encurralado e com seu exército em desvantagem. — respondeu Hyoga. — Como eu disse, você deveria aprender mais sobre guerras com Napoleão, e assim não atacaria territórios desfavoráveis para você.

— Você apenas está falando besteiras, Aquário. — disse uma mulher, e Hyoga logo reconheceu a sua voz.

— Éris! — disse cerrando o punho.

A deusa se aproximou do deus da guerra.

— A maldição que você carrega no peito, lhe impede de levantar a mão contra um deus. Você já está morrendo, mas caso queira cometer esse crime novamente, seu coração será apertado pelos espinhos negros que o cercam, lhe causando uma dor insuportável até lhe levar a morte.

Os olhos de Éris brilharam com um brilho roxo, e o peito de Hyoga foi tomado pelo cosmo da deusa, provocando fortes dores. Hyoga cerrou os dentes com força, fazendo os músculos do rosto ficarem rígidos e saliente. Aguentando as dores o máximo que podia.

— Vejo que já se acostumou com as dores — disse a deusa, achando interessante a resistência do cavaleiro de ouro.

— Uma maldição a mais ou a menos não faz diferença. Já estou me acostumando com o abraço gélido da morte se aproximando.

Não era verdade. Éris tinha razão, ele estava blefando. A maldição fazia total diferença. Era um incomodo constante, mas por estar empenhado em derrotar Ares, seu cérebro era enganado, fazendo com que as dores não fossem notadas de forma tão intensa. Como se ele fizesse o corpo esquecer da maldição, mas a maldição lutava para que o corpo de Hyoga se lembrasse a cada segundo.

— A única coisa que me importa agora, é derrotar Ares. Farei isso antes que Atena e Seiya retornem do Tártaro.

— É inútil. — respondeu Ares.

Hyoga franziu o cenho.

— O que foi que você disse?!

— Inútil. Foi o que eu disse. O que faz você pensar que pode me derrotar? A sua armadura de ouro não será suficiente para protege-lo dos meus golpes, se é isso o que você pensa como vantagem. Eu posso pulveriza-la com um só golpe. E com essa maldição em seu peito... Considere que sua chance de me vencer é ligeiramente reduzida para zero. E para reforçar o quanto essa sua ideia é patética... Nem mesmo Ikki, usando uma armadura divina, conseguiu me derrotar e acabou sendo morto.

— Ikki está... Morto?! — perguntou Hyoga, arregalando os olhos.

Assim como Hyoga, Sorento também ficou surpreso.

— Sorento, você conhece esse tal de Ikki? — perguntou Tritão, ao ver a expressão de surpresa do general. — Esse nome... Ele me é familiar.

— Ikki de Fênix. Ele, assim como Hyoga, é um dos cinco cavaleiros lendários. Os mais poderosos a serviço de Atena atualmente. Junto com Hyoga e os outros, Ikki lutou contra o Imperador Poseidon na última guerra santa, e foi ele quem derrotou os Generais Marinas de Lymnades e Dragão Marinho. — explicou Sorento. — Antigamente ele era reconhecido como o mais poderoso do grupo. Provavelmente ele é hoje o mais poderoso do Santuário. Ou um dons.

— Ah, o fênix! Interessante. Ele sim seria de real valor nesse momento como aliado. — Tritão olhou para Hyoga, mas agora com um olhar diferente. Com interesse. — Então ele também é um dos lendários?! Já havia escutado seus nomes antes. Soube que ele era da constelação de Cisne, mas vejo que se tornou um Cavaleiro de Ouro. Esse homem... É um homem que tem uma cabeça de valor inestimável para o Olimpo. De preferência em uma bandeja de prata ou na ponta de uma lança.

— Sim, está morto. — respondeu Ares. — Partindo da mesma burrice que você, achando que poderia me vencer, ele tentou, mas falhou. Eu sou um deus Olimpiano. Não serei derrotado por um cavaleiro. Independente da armadura que esteja vestindo. Apenas um deus de igual poder pode me vencer.

Hyoga sorriu.

— Ikki não morre. Não adianta tentar mata-lo. A constelação de fênix o protege da morte, sendo capaz de trazê-lo de volta. Ikki já foi despedaçado pelo antigo cavaleiro de gêmeos, mas voltou a vida tempo depois. Sobre você apenas ser vencido por um olimpiano... Você só fala isso porque ainda não conheceu o Seiya. Mudaria sua opinião se um dia o conhecesse, mas não lhe darei essa oportunidade. Seu encontro com o Pégaso terá que ser adiado por mais duzentos anos!!

Ares deu um largo sorriso nervoso.

— Está me comparando com um simples cavaleiro de ouro? — o deus apontou sua espada rubra para Hyoga e elevou o cosmo. — Ser morto por um deus é diferente. Ele foi despedaçado e pulverizado, caindo nas profundezas do espaço-tempo. O fênix não voltará mais a vida. Pelo menos não sem a ajuda de um deus, mas... Qual deus estenderia a mão para vocês? Veja você, definhando com uma maldição precisando da ajuda de um deus. Assim como ele bateu as asas pela última vez, você também morrerá se tentar algo.

— Já chega!! — gritou Tritão, erguendo o tridente e elevando o cosmo. — Não temos tempo para ficarmos desperdiçando com conversas e provocações. Estamos em uma guerra. E Hyoga... Continuo não aprovando a sua presença aqui, mas se é um homem de verdade e está disposto a lutar, farei uma simbólica aliança de guerra. Contudo... Se o que eles disseram for verdade, que você carrega uma maldição, não tome decisões precipitadas que o torne um peso em nossos ombros. Se você agir sozinho, morrerá em vão.

— Na verdade... Estou querendo ganhar tempo. — cochichou Ares, sorrindo. — Soldados, Tritão tem razão!! — disse de forma teatral. — Por isso... Apontem as armas navais!! Mirem os canhões nos três primeiros navios!! Vamos afunda-los!!

O grito do deus da guerra fez Tritão tomar a mesma posição, ordenando o preparo dos canhões dos navios.

— Canhões? O que eles pensam que estão fazendo?!  pensou Hyoga, questionando os dois lados que estavam recorrendo a armas básicas. — Vão usar canhões? Isso é inútil!! O que esperam usando armas humanas?!

— Acho melhor você sair daí, Cavaleiro de Atena. — gritou Ares, em tom de deboche. — Caso não queira morrer. Soldados! Disparar!!

As dezenas de armas foram disparadas, com um poderoso poder de fogo, mas inútil diante do poder do tridente de Poseidon. Tritão ergueu a arma divina e levantou um escudo protetor tão azul quanto o brilho da sua escama. As bombas e misseis se chocaram com a barreira e foram reduzidas a cinzas em consecutivas explosões. Hyoga, que havia se afastado da rota de tiros, observou com o rosto franzido um patético ataque da parte de Ares. Era óbvio que aquelas armas não iriam surtir efeito. O poder de fogo dos humanos não é páreo para o cosmo dos combatentes, tão pouco de um deus. Era como uma formiga se jogando de cabeça contra um elefante.

Em sua mente ele pensava o quanto era ridículo aquilo estar vindo do sanguinário deus da guerra.

Após o ataque de Ares, foi a vez dos Atlântis darem uma resposta. Nasile, o capitão de Mar-e-guerra do primeiro distrito, elevou o seu cosmo e o expandiu, envolvendo os navios e os canhões. Aquilo era diferente do ataque de Ares. Enquanto os tiros dos navios de Ares eram apenas guiados pelo cosmo do deus da guerra, os canhões dos navios de Atlântida estavam drenando o cosmo de Nasile e solidificando balas de canhões azuis e cristalinas como oricalco.

— Isso também é pelo Almirante Moshchnost!! Morram!! Disparo de fragata!!  gritou o capitão.

Dezenas de canhões, de todos os navios presentes, dispararam tiros de cosmo contra a frota de Ares. O som dos disparos foi ensurdecedor, abafando o som das ondas turbulentas que quebravam ao longe.

Para os que estavam nos navios Atlântis, foi como estar velejando na imensidão cósmica do universo em meio a uma chuva de estrelas cadentes azuis, passando pela lateral dos navios e por cima das embarcações. O rastro de cosmo era lindo e cintilante, deixando pó de Oricalco no percurso. Uma beleza encantadora, mas também mortal. Contudo, algo inesperado aconteceu. Insanamente, Ares não fez nada.

—...—


Monte Etna, Ilha Sicília — Manhã do 3º dia

Batidas consecutivas de ferro ecoavam no interior do vulcão. O velho contador de histórias da cidade de Adrano estava vestido com uma camisa branca manchada e uma calça escura suja de pó de ferro e carvão. Por cima ele vestia um avental marrom grosso, feito de couro de animal, onde ele pendurava ferramentas no bolso.

Na mão direita ele estava segurando um martelo cor de cobre com adornos dourados, e o batia fortemente contra um mineral prateado que estava tomando uma forma triangular, o qual ele segurava com uma pinça escura em cima de uma bigorna. Ao terminar a forja, ele mergulhou a ponta na água por um tempo, liberando vapor, e em seguida jogou dentro de um cesto onde tinha centenas de outras pontas triangulares.

— Você tem mesmo que martelar isso a essa hora da manhã? — perguntou um homem que estava sentado em uma pequena ilha de rocha no meio do lago de lava.

— Finalmente você acordou. — disse o velho, colhendo mais um pedaço do mineral prateado em um poço de lava. — Se ainda estiver com fome, trouxe mais comida para você.

— Não precisa. Estou bem. Que dia é hoje?

O velho parou e olhou para ele.

— O terceiro dia após a ida do seu amigo ao Tártaro... Se é isso o que quer saber. — disse o velho. O homem respirou fundo o vapor liberador pelo calor do vulcão e soltou o ar, liberando um vapor ainda mais quentes. — Foi um bom fôlego. Vejo que está bem melhor. Talvez agora possamos ter uma conversa. 

— E o que quer saber?

— Você encontrou o que procurava? Na última vez que esteve aqui, você me perguntou a respeito da Lança de Ares. Se eu havia forjado uma e onde ela estava.

— É... E você mentiu para mim. Disse que não havia forjado nenhuma lança para ele, mas é curioso que a Onyx de Ares carregue uma lança na mão direita. — disse o homem. — Por que mentiu para mim, Hefesto?

— Eu não menti, Ikki. Ares não possui uma lança. Ele possui uma espada que muda de forma. Eu forjei duas armas para ele. Um escudo, que repele qualquer golpe, até mesmo os raios de Zeus. E uma espada metamórfica, que pode se transformar em qualquer outra arma que ele desejar. Mas uma lança... Eu nunca forjei. — explicou Hefesto. — Você me disse que estava em uma missão. Encontrar a lança de Ares... Foi essa a missão que o Grande Mestre passou para você?

— Encontrar e quebrar. — disse Ikki. — Por isso eu procurei a Onyx daquele desgraçado. Delfos me disse que ela estava escondida em algum lugar na Europa, e o mais próximo que eu cheguei foi na Alemanha. Mas acabei sendo capturado e levado até Ares. No meio da luta contra ele, eu apliquei meu golpe fantasma e descobri onde a Onyx está, mas...

— Mas você notou que não é tão fácil assim chegar até lá. — completou Hefesto. — E eu sei o motivo. A Onyx de Ares é guardada por quatro grandes guerreiros chamados de Cavaleiros sagrados de Ares ou Cavaleiros da Guerra. São quatro guerreiros imortais que possuem seus trajes ligados a Onyx de Ares, representando os quatro cavalos que puxam a quadriga do deus da guerra. Eu mesmo forjei eles. Por isso, desde o início essa missão era um suicídio para você. Além de procurar uma lança que não está na Onyx de Ares, ainda iria enfrentar os quatros cavaleiros ao se aproximar do traje divino.

— Espere... Como assim “uma lança que não está na Onyx de Ares”? Não é a espada que eu deveria quebrar? — perguntou Ikki.

Hefestou negou balançando a cabeça.

— Depois que você saiu, eu fiquei curioso com a sua pergunta a respeito da Lança de Ares. Foi então que eu lembrei de ter escutado sobre essa lança ainda na era mitológica. O que você está procurando, Ikki, não é uma arma. A Lança de Ares é uma divindade que anda sempre ao lado de Ares e que toma a forma de uma arma. De uma lança. Assim como Nick, a deusa da vitória, que toma a forma de um báculo.

— Então eu preciso encontrar essa divindade. Quem é?

Hefesto se virou e voltou a trabalhar em sua forja.

— Eu não lembro. Faz muito tempo que ouvi falar sobre isso. Talvez na primeira guerra santa contra Atena. Se Delfos não sabia sobre isso, então é porque não tem essa informação nos registros do Santuário.

— A única coisa que tem é que Ares possui uma lança que lhe garante a vitória. — disse Ikki. — Tenho que voltar ao Santuário.

— Irá morrer novamente, e dessa vez eu não irei lhe ajudar a voltar a vida. — alertou Hefesto. — Deveria parar de desperdiçar a única vida que possui. Ares não está no Santuário. Ontem ele cruzou o mar mediterrâneo com uma frota de navios russos em direção ao Oceano Atlântico Norte e desapareceu. O Olimpo está murmurando desde então dizendo que ele foi até Atlântida. Se Ares está lá, então a Lança dele também está. Então aproveite esse tempo para se recuperar totalmente. Vai precisar das suas asas inteiras se quiser se levantar mais uma vez contra um deus.

Ikki levantou a cabeça e olhou com mais atenção para Hefesto. Ao lado do deus havia vários cestos repletos de pontas triangulares e prateadas em tamanhos diferentes. Dezenas de cestos.

— O que está forjando?

O deus parou as batidas e pousou o martelo na mesa.

— Pontas de lanças e flechas, feitas de um novo material que criei.

Hefesto pegou uma haste prateada de flecha e cravou na ponta que havia forjado. Ao armar a flecha em um arco, a ponta da flecha emitiu um brilho prateado. O deus a apontou para um escudo pendurado na parede, e em seguida disparou. A flecha cruzou a caverna com um zumbido, e seu trajeto foi como um risco de luz. A velocidade espantosa e a potência do disparo atravessaram o escudo como se fosse papel e atravessou a rocha da caverna até sobrar apenas a ponta da haste.

Ikki não conseguiu esconder a expressão de surpresa. O escudo era bastante grosso e pesado, mas foi atravessado como se fosse uma folha de papel.

— Que tipo de material é esse que você está usando? — perguntou desconfiado.

— Oricalco, liga de gamânio, ouro imperial e o mais importante... — Hefesto tirou uma pedra do bolso. Ela tinha a mesma cor que as pontas forjadas e emitia um brilho fascinante. — É um novo mineral que irá dar mais energia além do que o Oricalco pode fornecer. Você já deve saber que Poseidon foi o primeiro deus a solicitar trajes para seus guerreiros. O principal material das escamas é o Oricalco, que é o que fornece energia, mas não garante resistência. Atena foi mais esperta e forjou as armaduras com vários elementos, incluindo Oricalco, mas também foi adicionado liga de gamânio que iria garantir dureza. Ares foi o próximo deus a pedir trajes, e além de Oricalco e gamânio, foi adicionado um material escuro tirado do Tártaro, que Ares chamou de Onyx, e que garantiu o dobro de resistência. Achei que essa última mistura fosse a mais nobre que eu pudesse forjar, até que Zeus me deu ouro imperial para criar as Glórias dos guerreiros celestiais.

Hefesto falava com uma demasiada empolgação, mas ao mesmo tempo com a seriedade de um velho.

— Mas agora você encontrou um material mais poderoso...

— Exatamente! Após o submundo se tornar um caos por causa da derrota de Hades, tudo se tornou um monte de terra revirada. Fui até lá com Hermes e... Foi então que eu descobri. O solo do submundo criou um tipo de mineral novo, formado por restos de almas e cosmos que os mortos perdiam durante os séculos de punição. Esse novo mineral, esse cristal, triplica tudo que os outros elementos podem fornecer.

— E você está usando ele para criar armas.

— Por isso sou chamado de Ferreiro dos deuses. Uma nova guerra se aproxima, Ikki. E os deuses vão querer estar armados ao máximo. Agora se me der licença, eu preciso voltar a trabalhar. E você precisa descansar. Se quiser, pode ficar ai ou ir para a parte mais profunda do Etna. Apenas fique longe de um grande portão de ferro. Tífon está lá, selado desde a última Gigantomaquia. Isso você deve se lembrar bem, afinal foi você quem matou a esposa dele.

—...—


Oceano primordial do Atlântico Norte — Outro lado do véu

Ares não moveu um músculo para deter o golpe de Nasile. Os outros deuses, vendo o desinteresse do deus da guerra, também ficaram parados. Indiferentes. Para eles, o golpe não passava de uma chuva de faísca que bate na pele e pinica. Mesmo Dionísio, que havia detido anteriormente o contra-ataque de Sorento, não fez o mínimo esforço para deter o ataque de Nasile.

Mas os soldados não tinham a mesma capacidade dos deuses de saírem ilesos em meio aquela chuva mortal. Os generais berserkers se defenderam repelindo alguns disparos que foram em suas respectivas direções, mas centenas de soldados rasos foram acertados e mortos brutalmente. Alguns tiveram a cabeça arrancada, outros foram mutilados em várias partes, tiveram o peito perfurado, ou morreram queimados devido as explosões causadas pelo golpe ao acertar a parte interna dos navios.

Hyoga, que ainda acompanhava a troca de disparos, ficou espantado com o poder de Nasile, e ainda mais espantado com a frieza de Ares e dos demais deuses. Os gritos dos soldados era significantemente alto, mas eles não olharam para trás. Em meio a chamas e fumaça, triunfava o sorriso de Ares e os olhos vivos em perversidade

— Você deixou seus homens morrerem. — disse Chrysaor, surpreso com Ares.

— Meus homens?! — Ele olhou para os lados e voltou a olhar para Chrysaor. — Meus homens continuam em pé. Os que caíram eram apenas poeira na minha Onyx. — Ele olhou para Hyoga e deu um sorriso sínico. — Eram apenas soldados humanos, do exército russo, trajando algumas peças de onyx emprestadas. Como eu disse, poeira na minha Onyx.

Hyoga cerrou os punhos.

— Desgraçado!!

Hyoga deu um passo à frente, estava quase avançando para cima de Ares, mas uma sensação de perigo deteve os seus movimentos. Aquilo era um sinal do seu instinto de sobrevivência, lhe alertando sobre um perigo oculto. Com o passar do tempo no campo de batalha, os guerreiros mais experientes ficam atentos a este sentido sensível, e aprendem a não subestima-lo.

E sua intuição estava dizendo que havia algo de errado ao redor de Ares e que ele não deveria se precipitar em avançar.

— Ele deixou dois terços dos seus soldados morrerem!! Mesmo que sejam soldados rasos, o que Ares ganha deixando eles morrerem? Isso só reduz o seu exército. — comentou Nasile, se aproximando de Tritão.

— Também estou nutrindo sérias desconfianças. — disse o deus. — Tem algo de errado. Desde que chegou, o máximo que ele ordenou foi que dois dos seus berserkers avançassem.

Mesmo com seu exército reunido e estando em maior número, Tritão não tinha certeza se ele estava com a vantagem. Momento algum Ares demonstrou preocupação. Ele continuava parado, apenas ordenando ataques simples. Podia enviar seus deuses, que mesmo com cosmo reduzido ainda são poderosos, mas continuava de braços cruzados.

— Tritão... — disse Chrysaor. — O que vamos fazer? Devemos atacar!

— Espere! Ares não está nos atacando de verdade. Parece estar esperando que a gente faça isso. — disse Tritão. — Nem mesmo o efeito da flauta de Sorento parece intimida-lo mais. Ele está esperando algo.

— Mas nós não podemos ficar parados, senhor. Ao que parece, ele quer apenas ganhar tempo. — disse Breda, o majestoso General Marina de Lymnades, que estava abordo de um navio fantasmagórico caindo aos pedaços chamado Flying Dutchman, também conhecido como Holandês voador. Seus longos cabelos rosas escorriam debaixo do elmo até os ombros. — Permita que um ataque seja liderado por mim e pela Almirante Cunning. Logo o efeito da flauta de Sorento irá cessar.

— Você disse... Almirante?!

Um forte bater de asas balançou as velas do navio, e uma pesada presença caiu sob os ombros dos marinas. Olhando espantados para o céu, os marinas se depararam com Nyctea, o berserker de coruja, surgindo sobrevoando a embarcação de Tritão, com seus curtos cabelos brancos sendo agitados pelo vento e com seus olhos dourados brilhando em meio a esclera negra.

Imediatamente os marinas apontaram suas lanças, espadas e flechas para o berserker.

— Está me procurando, berserker? — perguntou Cunning, uma mulher de pulso forte e intimidadora, se afastando do grupo de marinas. Seus longos cabelos loiros esverdeados estavam amarrados, e ela trazia o elmo de sua escama azul debaixo do braço. — Quem é você?

Nyctea ergueu a mão e elevou o cosmo, projetando dezenas de esferas negras.

— Seu carrasco. — respondeu o berserker. Nyctea olhou para os lados e voltou sua atenção para Cunning. — Não vejo o terceiro almirante. Onde ele está?

Tritão enrugou o cenho, com estranheza.

— Espere... Por que quer saber sobre o terceiro almirante?

— “Terceiro almirante?!  pensou Breda. — Por acaso esse berserker quer matar os almirantes?! Mas porque esse interesse?”

— Isso não lhe interessa. — Nyctea olhou para Deimos, que o observava ao lado de Ares. Os olhos de ambos brilharam.

— Nyctea está dizendo que a almirante do segundo distrito está no navio, mas o terceiro almirante está ausente. — disse Deimos para Ares. — Podemos começar?

Uma sombra cobriu o rosto de Ares e um sorriso largo se estendeu de canto a canto em seu rosto. Sua risada abafada, contida entre os dentes cerrados, e seus olhos esbugalhados como um maníaco, era a expressão perversa de um amante por carnificina que tentava se controlar diante de um novo campo de sangue.

— Deimos... — disse Ares, olhando de relance para Hyoga, que o observava com máxima atenção. — Agora!!

O cosmo do deus do terror se elevou e seus olhos brilharam com bastante intensidade. Tritão e seu exército entraram em modo de defesa, esperando um ataque. Hyoga gritou para o deus marinho, alertando para tomar cuidado, a sensação de perigo cresceu ainda mais, mas Tritão continuava sem saber o que fazer. Ares disse “Agora!”, o cosmo de Deimos se elevou, mas eles e seus berserkers continuavam parados. 

Até que Nyctea avançou contra Cunning, pronto para matá-la, mas o General Marina de Lymnades correu e saltou do navio onde estava para o navio onde o berserker se encontrava, agarrando Nyctea e saltando para longe.

Agarrado com o berserker, raios lilás invocados por Breda estalaram ao redor dos dois e desceu contra a camada de gelo formada por Hyoga, abrindo um buraco. Breda e Nyctea então caíram e afundaram nas águas quentes do Oceano Atlântico, até desaparecerem na escuridão do oceano.

Cunning virou-se para solicitar mas uma vez a ordem para avançar, mas antes que a Almirante dissesse algo Tritão ordenou o ataque e pediu para que Sorento desse cobertura aos marinas, tocando mais uma vez a sua flauta para enfraquecer Ares e seu exército.

Os marinas que estavam nos outros navios, saltaram no gelo e correram em direção aos navios de Ares.

— Berserkers!!! Avancem!! — gritou Ares. — Atlântida deve ser invadida!! Matem os marinas e o General Marina de Sirene. Se ele continuar a tocar essa maldita flauta... Iremos ficar em máxima desvantagem! O tempo de descanso terminou! Matem todos os Atlântis!! Convertam o oceano em sangue e queimem os navios!! Matem todos!!

“Sim!!”, gritaram em conjunto avançando, pulando do navio e correndo em direção aos marinas.

— Eu cuidarei de Tritão. — disse Anteros, agora empunhando uma espada prateada.

— E eu cuidarei do General. — disse Dionísio, dando alguns passos à frente. — Se concentrem nos outros marinas, em Tritão e Chrysaor. Ares! Recue por enquanto. Farei sua guarda até onde for necessário.

O cosmo de Dionísio se tornou verde como as folhas jovens de uma videira, e uma armadura da cor do seu cosmo surgiu ao seu lado. O traje divino era a imagem do próprio deus, emanando imponência. Na cabeça havia uma coroa com folhas verdes de videira e um pequeno cacho dourado de uvas em cada lado. Das costas brotavam três pares de asas semelhantes a asas de fadas e ninfas. Na mão direita ele trazia uma taça verde de alças douradas, e na mão esquerda uma flauta verde com adornos dourados.

Dionísio pegou a flauta, levando-a a boca, e em seguida o traje divino desapareceu.

—...—


Tártaro — Palácio de Oberon — Dias antes de Seiya chegar no Tártaro

As portas de ferro se arrastaram no piso de pedra, e uma mulher entrou no corredor de acesso as celas. Ela levava uma bandeja de prata repleta de frutas, em especial maças douradas fatiadas. Usava um longo vestido de seda cor de azeitona e adereços dourados nos braços e punhos. Seus olhos eram verdes com uma sutil linha dourada nas bordas. Seus cabelos eram longos e dourados, e algumas mechas eram trançadas com pequenas flores de cores diversas. Era como a própria primavera personificada.

— Senhorita, tem certeza que é uma boa ideia? — perguntou uma das harpias, parecendo estar temerosa. Ela era alta e tinha longos cabelos azuis, com alguns adereços pendurados, e seus olhos eram como chamas. Em seus braços havia asas, longas e lindas, retraídas. — O senhor Oberon...

— Não se preocupem com isso. — disse a mulher, com uma voz doce e ao mesmo tempo firme.

Ainda parecendo discordar, as harpias fecharam o portão e deixaram a mulher sozinha no corredor.

Ela caminhou até ficar diante da cela onde Atena e Delfos estavam. Com uma simples manifestação de cosmo, as trancas foram destravadas e a porta da cela foi aberta.  Parada no arco, ela avistou a deusa e seu cavaleiro caídos no chão. Cansados e com fome. Delfos estava mais castigado do que Atena. Sua pele estava seca e enrugada, e sua barba e cabelos prateados estavam longos e bagunçados.

Ao abrir os olhos e ver a mulher parada olhando para eles, Delfos rapidamente se levantou, ficando diante de Atena.

— Não precisa se preocupar, cavaleiro. Não sou inimiga. Meu nome é...

— Perséfone. — disse Atena, se levantando.

As deusas sorriram uma para a outra.

— Faz tempo que não lhe vejo, Atena. Ainda mais com essa sua versão humana. Jamais pensei que pudesse lhe encontrar aqui, nessa situação. — disse Perséfone, colocando a bandeja em cima de um bloco de pedra que servia como cama. — Trouxe um pouco de frutas que eu mesma cultivei. Vocês precisam repor as energias.

Delfos enrugou o cenho com estranheza.

— Perséfone?! A esposa de Hades e mãe de Oberon?! Por que você nos ajudaria?

— Como eu disse, não sou inimiga. Não me envolvo nas ações de Hades ou Oberon. Sempre fui amiga de Atena, mas não me cabe o envolvimento com guerras.

— E quanto a essas frutas? — perguntou Delfos, olhando com suspeita para a bandeja. Sua vontade de comer era enorme, mas ele já havia escutado histórias sobre os frutos do mundo dos mortos. Aqueles que comem daquilo que o mundo dos mortos produz, ficará preso entre os mortos para sempre. — Por acaso...

— Não são frutas que nasceram no submundo ou no Tártaro, se é isso que você está pensando. — adiantou Perséfone. — Essas frutas foram cultivadas nos jardins de Demeter, mas essa maçã... — a deusa pegou uma fatia e entregou a Atena. — É do pomar de Hera. Fiz um árduo percurso até lá, então não desperdicem. — ela sorriu para delfos. — Pode comer também. Essa fruta com o preparo correto pode até garantir a imortalidade para quem come, mas no seu caso irá apenas curar suas feridas e repelir todo o mal que o Tártaro lhe causou até agora.

Delfos agradeceu e pegou algumas frutas. Ao comer uma fatia da maça dourada, a fruta reagiu com o ikhor de Atena que ainda corre nas veias de Delfos. Seu cosmo, corpo e armadura foram curados e restaurados. Ele não parecia mais um homem na beira da morte. Estava mais vivo do nunca.

Ao ver Delfos bem, Atena segurou na mão de Perséfone e sorriu com lagrimas nos olhos.

— Obrigada. — disse a deusa.

— Não precisa agradecer. Eu temia que estivesse morta. Eu ainda estava no Olimpo quando fiquei sabendo. Os anjos espalharam a notícia pelos quatro cantos do mundo. “Atena está morta”. Sua irmã, Ártemis, ficou de luto. A lua não brilhou com intensidade durante dias.

— Você veio até aqui por minha causa? — perguntou Atena.

Perséfone sorriu e balançou a cabeça negando.

— Não. Agora que o submundo virou um caos, Hades se encontra no Tártaro, então eu tenho que descer até aqui para acompanha-lo durante os seis meses que devo passar ao lado dele. Agora que o verão terminou, eu desço ao mundo inferior e assim o Outono e o Inverno começam na Terra.

— Você poderia deixa-lo aqui. — disse Delfos. — Não precisa mais ficar presa a ele. Hades demorará séculos para sair do Tártaro.

A deusa deu um meigo sorriso.

— Mas eu não estou presa a ele. Eu fico ao lado dele porque o amo. Hades pode ter uma má fama e ser bastante duro em suas atitudes, mas no fundo ele é um deus benevolente e presa pelos bons costumes. É um deus ético, como eu costumo dizer. Lembra do Cavaleiro de Lira que foi ao mundo dos mortos? Hades ficou encantado com a música e a história de Orfeu, e permitiu que Eurídice e ele voltassem ao mundo dos humanos. Eu estava lá. Sei das brigas que Atena e ele tiveram durante séculos, mas...

— Entendo. E quanto a Oberon? Ele não vai reclamar por estar nos ajudando?

— Provavelmente, mas... Nada que eu deva me preocupar. E vocês... Vocês vão precisar de toda ajuda e força possível para saírem daqui. O mundo está um caos. Você precisa voltar antes que Ares consuma tudo.

— Perséfone, você vai...

— Ajudá-los a fugir? Não, minha amiga. Eu não posso ajuda-la nisso. O máximo que posso fazer é deixá-los dispostos para a batalha. O Pégaso está a caminho. Já deve saber disso. Caberá a ele liberta-la.

— Ainda assim... Obrigada.

— Mas Oberon não pode vê-los assim. Ele tomaria medidas drásticas para deixa-la na beira da morte mais uma vez. Por isso...

Perséfone estendeu a mão e elevou seu cosmo dourado. Flores brancas sugiram ao redor de Atena e Delfos, e entre centenas, duas brilharam com mais intensidade. Uma flor para cada. A aparência saudável e o cosmo renovado de Atena e Delfos foram drenados para as duas flores, e então eles voltaram a ter a mesma aparência cansada e quase morta de antes.

— Essas flores brancas se chamam Espinheiro branco. Ou Aubépine, em francês. Elas significam...

— Esperança. — disse Atena, segurando a sua flor com cuidado e ternura entre as mãos. — Essa flor nasceu quando o Pégaso tocou no solo pela primeira vez após o seu nascimento. Eu mesma a nomeei e dei o significado.

— Achei apropriado escolher essa flor para a atual situação. — disse a deusa. — Dentro dessa flor está toda a força que eu devolvi a vocês. Vocês não se sentirão mais cansados e com fome, mas aparentemente vocês estão feridos, cansados e beirando a morte. É assim que Oberon deve ver vocês nos próximos dias até que o Pégaso chegue. E quando esse momento chegar... vocês precisarão comer essa flor. Até lá, guardem-na bem. Contudo, preciso alertá-los de que Ares e Oberon farão de tudo para que o Pégaso não tenha sucesso em salvar vocês dois. E para garantir isso, soube que Ares enviou uma pessoa fortemente ligada ao Pégaso. Soube que graças a Oberon, Ares conseguiu traze-la de volta a vida, tornando-a de seu exército.

— De quem você está falando? — perguntou Delfos, desconfiado. Ele temia que essa pessoa pudesse atrapalhar seus planos.

— Uma mulher? — perguntou Atena.

— Sim, uma mulher que irá conseguir parar o Pégaso. — respondeu Perséfone.

Atena e Delfos arregalaram os olhos espantados.

— Sela lá quem for, está como uma berserker. Agora eu tenho que ir antes que as Harpias avisem a Oberon que eu estive aqui.

A deusa recolheu a bandeja, agora vazia, e se dirigiu até a porta.

— Perséfone... Mais uma vez, obrigada!

— Estarei torcendo por você. — disse a deusa, com um sorriso no rosto. — E você humano... É um dos mais engenhosos que eu já conheci. Arriscado, mas inteligente.

A deusa passou pela porta e em seguida devolveu todos os selos e trancas que impedem Atena e Delfos de saírem da cela.

— Atena... Você sabe de quem Perséfone está falando?

Atena balançou a cabeça negando, claramente preocupada.

...

— Minha mãe foi visitar Atena?  — perguntou Oberon

O deus estava sentado em um trono no terraço do palácio. A vista dava para as colinas escuras do Tártaro.

— Sim, meu senhor. — disse uma das harpias, ajoelhada diante de Oberon. — Ela estava levando frutas e... Tentamos impedi-la, mas...

— E não conseguiram. Minha mãe é bastante insistente quando quer alguma coisa. Deixem que ela alimente os porcos. A cela continuará a drenar a energia vital de Atena, e o tártaro continuará matando o humano. Já que você está aqui... E quanto a Rozan? Alguma notícia?

— Cileno seguiu para Rozan com um grupo de harpias, como o senhor havia pedido. Mas Ares não teve sucesso em vencer Senkyou, e os Taonias reforçaram as defesas da China após a derrota do exército do deus da guerra. O Cavaleiro de Libra retornou para Rozan, onde agora vigia a Torre Maligna onde os espectros estão selados. Se o senhor autorizar, podemos enviar um grupo de harpias para mata-lo e...

— Não! O Cavaleiro de Libra é um dos lendários. Não vai ser um grupo de harpias que irá derrota-lo. Talvez eu deva esperar um pouco mais até que surja um momento oportuno para ter acesso ao rosário.

— Tem mais uma coisa, senhor. De acordo com Cileno, não é apenas o Cavaleiro de Libra que está protegendo Rozan. Um dos quatros deuses celestiais de Senkyou também passou a proteger a área. E agora os Taonias estão querendo remover a China da Terra e leva-la para a dimensão de Senkyou, para livrar o país das ambições de Ares. Isso seria prejudicial para o senhor, pois não teria mais acesso a Rozan.

Oberon apertou forte o braço do trono negro. Suas veias saltaram em sua pele branca.

— Quanta ousadia para um povo tão primitivo. — disse se levantando. — Não vou perder um exército de espectros assim tão fácil. Me mantenha informado. Se for necessário, eu mesmo irei até lá, pessoalmente, para tomar o que é meu por direito. Avise a Cileno para que retorne ao Tártaro, mas deixe um grupo de harpias infiltradas no vilarejo de Rozan.

— Sim senhor!

—...—


Oceano primordial do Atlântico Norte — Outro lado do véu

— Dionísio irá lutar? — perguntou Tritão.

— Ironicamente, Dionísio é um deus pacifista. Ele não luta de verdade, mesmo sendo um deus que segue Ares como seu braço direito. — respondeu Chrysaor, se preparando para lutar. — Mas ele possui meios para auxiliar na guerra. Ele não matará Sorento, ele não tira a vida de humanos, mas... Irá anular o efeito da Sinfonia final da morte.

— Então eu cuidarei dele. — disse Tritão. — Enquanto isso você...

Uma espada negra desceu cortando rente ao rosto de Tritão e ficou cravada na madeira do navio.

O deus marinho recuou surpreso.

— Alguns centímetros a mais e eu cortaria a sua cabeça ao meio. 

— Deimos?!

— Onde pensa que vai, filho de Poseidon? — perguntou o deus, cara a cara com Tritão.

— Seja mais especifico. — disse Chrysaor, avançando com a lança dourada.

Deimos puxou a espada e saltou, desviando do ataque e aterrissando no mastro do navio. Uma dor aguda o incomodou na lateral do corpo, e em seguida ele sentiu um liquido quente escorrendo. Ao levar a mão ao local, a mãe do deus voltou suja de um liquido dourado.

— “Ikhor? — pensou Deimos, olhando para Chrysaor, que o olhava com um sorriso no rosto e um olhar afiado. — Desgraçado! Em que momento ele me atingiu?!

— Eu também sou um filho de Poseidon. — disse Chrysaor. — Tritão, vá na frente!! Eu cuido do Deimos!!

— Está bem! Tome cuidado!

Tritão correu e saltou em direção ao navio de Ares, acompanhado por Sorento, Cunning e centenas de marinas. Anteros, um grupo de berserkers e soldados rasos que sobreviveram, também correram e saltaram em direção aos navios de Atlântida.

Hyoga, que ainda observava o confronto em pé entre os dois grupos de navios, viu uma cena que, até o dia em que ele viver, ele jamais esquecerá.

Os dois exércitos avançando eram como duas grandes ondas prestes a se chocar. De um lado, uma onda de guerreiros com trajes azuis e dourados, armados com lanças, espadas e flechas de Oricalco. O General de Sirene avançava com uma flauta dourada divina na boca, e seu líder, o deus marinho, os liderava com um poderoso cosmo azul e armado com um imponente tridente. Do outro lado, uma onda de assassinos trajados com trevas e com uma expressão sanguinária. Armados com as mais diversas armas possíveis. Era um grupo desordenado, sedento por sangue e morte, liderados por um deus de olhos prateados e longos cabelos roxos, trajando sua onyx e armado com uma espada tão prateada quanto a íris dos seus olhos.

Se o tempo pudesse parar nesse exato momento, imagine a cena de dois navios, um de frente para o outro. O da esquerda, um navio russo de guerra de cor cinza, e o da direita um navio do século XVI de madeira azul e altas velas brancas, com a imagem do deus Poseidon na prova. Agora imagine, no espaço entre esses dois navios, Anteros, com sua espada prateada, e Tritão, com seu tridente, frente a frente em pleno ar. Deus versus deus.

Anteros girou sua espada pretendendo atingir Tritão pela lateral, mas o deus marinho bloqueou com o cabo do tridente e seguida girou, aplicando um chute mirando o rosto de Anteros. Mas o deus da manipulação interceptou o golpe usando o braço. Anteros elevou o cosmo e disparou um golpe através da espada que trazia na mão direita, arremessando Tritão em direção a camada de gelo. Enquanto caia, Tritão estendeu o braço para o oceano congelado e invocou uma tromba de água, que quebrou o gelo e atingiu Anteros em cheio. Ambos os deuses caíram, mas para lados opostos.

— Tritão!! — gritou Hyoga, correndo para ajudar o deus.

— Aonde pensa que vai?! — Éris desceu em uma coluna de cosmo e bloqueou o caminho de Hyoga. O cosmo se dissipou, revelando a deusa da discórdia vestida com um traje divino e armada com sua lança.

— Éris?!

— Está na hora de termos uma revanche, Hyoga. Uma última luta.

—...—


Arredores de Atlântida, lado norte, próximo ao primeiro distrito

No fundo do oceano, nos arredores de Atlântida, os três soldados, que aguardavam a ordem para avançar, receberam a segunda mensagem de Deimos.

— O Almirante do primeiro distrito está morto, e a almirante do segundo distrito está no navio, ao lado de Tritão. — disse o primeiro soldado, recendo a mensagem de Deimos. — O terceiro Almirante parece permanecer em Atlântida com uma parte do exército. Devemos mata-los. Vamos!

Se afastando das paredes da fenda submarina, eles seguiram em direção a Atlântida, nadando em meio as criaturas aquáticas e desviando de rochas e corais, mas o caminho foi bloqueado por um grupo de soldados marinas que estavam camuflados nos corais que cobrem os penhascos da fenda submarina. Uma curiosa habilidade das escamas, que ao toque do soldado em um determinado ambiente, a escama consegue copiar as cores e texturas, modelando-se e camuflando o soldado marina. Ocultando até mesmo seu cosmo.

— Marinas?! — disse o terceiro soldado, surpreso. — Eles estavam o tempo todo ai?

— Seguimos vocês três até aqui desde o mar mediterrâneo e já informamos ao Palácio — disse o marina que liderava o grupo.

— Entendo. Agora compreendo o porquê do terceiro almirante ter ficado em Atlântida. — disse o primeiro soldado.

— Foram tolos em achar que poderiam seguir a nereida sem serem notados. Temos olhos espalhados em todos os oceanos. Até mesmo o menor ser vivo aquático pode nos emprestar sua visão. Só não matamos vocês antes, porque não quisemos. Vocês estão presos e condenados a morte! São acusados de tentar invadir Atlântida e...

Com uma velocidade espantosa, o primeiro soldado se moveu e atravessou o peito do marina, arrancando seu coração. Atônitos, os outros marinas ficaram paralisados diante do que estavam vendo.

— Cale a boca. Você não passa de um soldado de merda falando mais do que deve.

— Ele... Ele se moveu e eu se quer consegui acompanhar seus movimentos. — disse um dos Atlântis.

— Os soldados de Ares são tão poderosos assim? — perguntou outro marina.

— Na verdade... Vocês são tão insignificantes, que eu se quer me importei com a presença de vocês nos vigiando desde o mar mediterrâneo. —  disse o primeiro berserker. — Agora... Saiam do nosso caminho!! ؅ gritou explodindo seu cosmo e derrotando os marinas.

— Os que ainda estão em Atlântida sabem a nossa posição. — disse o segundo soldado. — Já devem estar nos aguardando.

— Não importa. Deixe que venham. Mataremos todos.

Um segundo grupo surgiu, mas agora era formado por soldados rasos e marinas de patentes elevadas. Guerreiros do terceiro distrito. O primeiro soldado voltou a avançar contra os marinas e um dos Atlântis tentou golpeá-lo com um machado, mas o berserker parou a arma com uma das mãos e golpeou com a outra, despedaçando a cabeça do marina.

Os outros guerreiros marinhos avançaram, disparando múltiplos ataques. O soldado berserker então correu em direção a parede da fenda e em seguida girou, pegando impulso e explodindo seu cosmo em direção aos soldados. Ele atravessou o grupo de marinas com um só golpe, matando todos que estavam em seu caminho.

Em seguida um forte tremor de terra agitou a água, criando correntezas violentas. Tentando se equilibrar em meio a turbulência, os berserkers elevaram seus cosmos contra a correnteza, mas a força absurda estava arrastando eles.

— O que está acontecendo?! — gritou o terceiro soldado.

— Isso é... Caribdes!!

O monstro marinho que fazia a guarda de Atlântida, cercou os soldados em poucos instantes. Para um monstro de grande porte, ele se movimentava em alta velocidade. Visto de longe, Caribdes parecia uma volumosa correnteza marinha, mas dentro da correnteza estava o corpo do monstro, semelhante a uma gigantesca serpente.

Como uma cobra que encurrala três ratos perdidos, Caribdes se ergueu emitindo um som agudo, como o grito de uma baleia. Da região que deveria ser a sua cabeça, o monstro abriu sua boca, grande e redonda com centenas de dentes afiados.

— Eu cuidarei da criatura. — disse o segundo soldado.

O monstro pareceu compreender bem as palavras do berserker, pois a criatura avançou com ágil velocidade, como se seu grande peso não dificultasse seus movimentos de esquiva e ataque. O primeiro e o segundo soldado se afastaram, tomando distância e atacando com rajadas de cosmo, mas o terceiro soldado não teve a mesma agilidade e acabou sendo capturado por Caribdes, que com uma só mordida o partiu ao meio e o devorou.

Chamas romperam no braço direito do segundo soldado, dando forma a uma espada de fogo, que continuava a crescer, tomando uma forma gigantesca e aparentemente pesada. Ele avançou contra o monstro, desviou de um ataque, e o golpeou por baixo, rasgando a correnteza e atingindo o animal.

— Incinerar!! — gritou o berserker.

As chamas tomaram a correnteza por dentro, consumindo Caribdes que gritava e se debatida. Mesmo em chamas, o animal voltou a avança contra o deus. O primeiro soldado então puxou uma espada que ele trazia nas costas e desferiu um golpe que partiu Caribdes ao meio. As partes da criatura tombaram para o lado, até desaparecerem nas profundezas da fenda, e o sangue se espalhou junto com as entranhas do monstro, tornando a água escura e com um pesado gosto de ferro.

— Co-Como poder?! — disse um dos soldados marinas que acompanhava de longe. — Como dois soldados podem matar Caribdes?!

— Temos que voltar para palácio e avisar ao senhor Sehrli!

— Avisar a quem? — o primeiro soldado surgiu diante do marina e cravou a espada em seu peito. O outro marina tentou defender o companheiro, mas o berserker tomou a lança do marina e a enterrou na cabeça do Atlântis. — Sehrli... Esse é o nome do almirante do terceiro distrito?!

Abandonando o corpo do marina, o soldado berserker seguiu para Atlântida acompanhado do segundo soldado até chegarem no arco que dá acesso ao primeiro distrito. 

— Precisamos derrubar a barreira. — disse o segundo soldado. — Caso contrário não conseguiremos passar.

— Mas isso... — a espada mudou de forma e se transformou em uma lança de cabo dourado e lâmina vermelha. — Não é problema algum para nós. — O cosmo vermelho do berserker se elevou e envolveu a lança com uma grande quantidade de poder. — Basta apenas um golpe e... — Ele pisou firme, ajustou o seu corpo e arremessou a lança com força. — Essa barreira irá desmoronar!!

A lança abriu uma fenda na água enquanto fazia seu percurso e perfurou a barreira como se ela fosse papel. A barreira seguiu trincando até que uma parte dela desmoronou, e a lança continuou seu percurso, destruindo tudo o que encontrava pela frente. Casas, prédios gregos, monumentos e ruas até perder a força e parar cravada em uma encruzilhada.

Os dois soldados seguiram em direção ao buraco criado na barreira e entraram em Atlântida.


Primeiro distrito — Atlântida

— É incrível. Mesmo com a barreira danificada, a água do oceano não invadiu as ruas do país. — disse o segundo soldado. — A própria água do oceano está se tornando solida e cristalina para restaurar a barreira.

— É graças ao cosmo de Anfitrite. — respondeu o primeiro soldado. — Enquanto ela viver, Atlântida jamais será tomada pela água do oceano. E se um dia for, o povo não morrerá. Foi isso o que Anteros explicou.

— E o que devemos fazer agora?

— Queime tudo!

...


Atlântida — Palácio, centro do país

Uma sensação de perigo afligiu Anfitrite e logo em seguida gritos e tumultos foram ouvidos vindo do lado de fora do palácio. De repente a grande porta do salão principal foi aberta, e uma nereida entrou correndo e gritando.

— Senhorita Anfitrite! Senhorita Anfitrite! O primeiro distrito... Ele está... Ele está em chamas!!! Tem chamas em Atlântida!!

— Do que você está falando?!

A deusa se levantou do tronou e correu pelas escadas laterais até chegar na varanda. A imagem era inacreditável. Uma grossa e escura coluna de fumaça estava se erguendo em toda a região norte de Atlântida, cobrindo um terço do território. Altas labaredas crepitavam e avançavam consumindo tudo na região. Era algo inimaginável de ser ver em Atlântida. Casas e grandes construções estavam desmoronando.

— Eu não... Eu não acredito nisso. — disse Anfitrite surpresa. — Como eles conseguiram chegar aqui? Por acaso Tritão foi derrotado?

— Se o fogo continuar a avançar, logo o segundo distrito será consumido. — comentou uma das nereidas.

— Os soldados acabaram de informar que se trata de dois berserkers poderosos. — disse outra nereida assustada se aproximando.

— Como eles chegaram até aqui? — perguntou a deusa.

— Eles seguiram uma das nereidas que havia sido enviada para observar os movimentos dos navios de Ares ainda no mar mediterrâneo. Os soldados do terceiro distrito foram avisados e os observaram até as redondezas de Atlântida. Ele tentaram derrota-los, mas... Um dos berserkers derrotou todos os marinas e Caribdes. 

— Imprudência!! Deixaram eles se aproximarem para depois atacar? É essa a estrategia de defesa que está sendo ensinada nos distritos?! Isso é de extrema burrice!! — gritou Anfitrite, furiosa. — No primeiro sinal já deveriam te liquidado eles! Eu não acredito que vocês falharam dessa forma, permitindo que as patas dos cães de Ares tocassem esse solo sagrado!! Formem um grupo de Nereidas que nãos sejam tolos com os soldados do terceiro distrito. Iremos até lá conter a invasão.

— Não precisa, senhorita. — disse uma nereida. — O Almirante Sehrli ficou em Atlântida para fazer a guarda e já está se dirigindo com seu exército. 

Anfitrite virou-se para a nereida com uma expressão duramente séria. Em seus olhos notava-se uma fúria devastadora.

— Eu não fui clara? Eu ordenei que formassem um grupo de nereidas, pois eu mesma irei detê-los. — Anfitrite olhou para uma das guerreiras que estava ao seu lado. — Você... Assuma a liderança. Reúnas o maior número possível.

— Sim senhora! — disse a nereida, e se retirou.

— Quanto a você... Se não sabe seguir ordens em um momento crítico como esse, não desperdice armas e escamas. Entregue para quem estiver disposta a obedecer e lutar.

— Perdão, senhorita. Isso não irá se repetir.

— Encontro vocês no pátio do palácio. — disse Anfitrite, se retirando.

— Vocês escutaram! Mecham-se!!

—...—


Oceano primordial do Atlântico Norte — Outro lado do véu

Sorento aterrissou no navio como um anjo dourado, tocando sua sinfonia, na tentativa de enfraquecer os berserkers e deuses, mas uma sinfonia ainda mais bela surgiu. Dionisio, que fazia a proteção de Ares, elevou o seu cosmo barrando a música.

— Já chega General. — disse Dionísio, afastando a flauta da boca. — Recue agora mesmo, caso contrário terei que ser mais insistente. 

— O fato de você ser um deus não me intimida. — disse Sorento, falando através do cosmo. Ele continuou a tocar sua flauta e a elevar seu cosmo. — Continuarei tocando até que o meu folego acabe.

Dionísio soltou o ar e relaxou os ombros. 

— Então terei que lhe forçar a isso.

— Não diga bobagens. — Sorento avançou contra o deus usando sua flauta para um ataque físico. — Você ainda está enfraquecido pelo meu golpe e também... Não é um deus de combate!!

Dionísio sorriu. 

— De fato... Eu não sou. — o deus estendeu a mão esquerda e segurou a flauta de Sorento no momento em que o General desceu a arma divina contra ele. — Mas acima de tudo, eu sou um deus. — disse Dionísio, e seus olhos brilharam, emitindo uma cor purpura.

Com a mão direita Dionísio levou a sua flauta até a boca e a tocou. O som divino emitido pela flauta foi disparado como potentes ondas sonoras verdes que não apenas romperam o efeito da Sinfonia final da Morte, mas também destruíram a escama de Sorento, desintegrando ela totalmente até ser reduzida a cinzas. 

Sorento arregalou os olhos e se viu impotente diante de Dionísio

— Então é isso? Esse é... O poder de um deus?!

Seu corpo estava ferido e sua roupa rasgada. Só lhe restava um pouco de cosmo e a flauta divina em sua mão, mas ele não podia se dar por vencido. É dever de um general lutar até o fim. A imagem de Sorento mudou, e ele se transformou em uma horrenda Sirene. Uma criatura alada metade ave e metade mulher. Assustado, Dionísio soltou a flauta de Sorento e recuou. Só então ele percebeu que se tratava de uma ilusão.

O general aproveitou essa brecha para aplicar um último golpe. Ele levou a flauta divina até a boca e elevou o seu cosmo. O cosmo de Sorento formou um majestoso par de asas de cor purpura e a imagem de algumas sirenas surgiram armadas com flautas e harpas

— O cântico divino que entorpece até mesmo os deuses... Divina melodia!

Poderosas ondas sonoras de cor purpura foram emitidas pela flauta de Sorento e pelos instrumentos musicais segurados pelas Sirenes. O deus do vinho foi tomado por uma dor angustiante em sua cabeça, fazendo ele levar as mãos até a cabeça e se curvar. Em seguida Sorento movimentou a mão livre para cima, lançando Dionísio para o alto em um turbilhão de cosmo rodeado pelas Sirenes. O deus foi arremessado e caiu de cabeça.

Ares, que de longe observava, sorriu ao ver o deus se levantando com a honra ainda no chão. Aquilo com certeza havia manchado o orgulho e a pureza do deus do vinho. O cosmo de Dionísio explodiu e ele se levantou em rápida velocidade, se aproximando de Sorento e o atingindo com a flauta, arremessando o general contra uma das armas navais.

— Fique no chão general. Não me force a tomar decisões desnecessárias contra a sua vida.

— Não dá. — disse Sorento se levantando novamente, procurando sua flauta, mas ela havia caído longe de onde ele estava. — Como posso me dar por vencido enquanto meus companheiros ainda lutam? Mais uma vez... Darei tudo de mim!

Sorento voltou a elevar seu cosmo e as imagens da Sirenes voltaram a aparecer. Ele iria disparar novamente o seu golpe, mas dessa vez sem o auxílio da flauta.

 Então forçarei você a ficar no chão. Que a minha melodia lhe deixe embriagado. — disse o deus.

Dionísio levou a flauta até a boca e estava prestes a toca-la quando de repente ele parou estreitando os olhos. Havia alguém atrás de Sorento, como se estivesse brotando de suas costas ou surgindo da sua sombra. Quando o deus percebeu quem era, foi tarde demais. Não deu tempo de avisar ou agir para impedir. Ares brandiu a espada e cortou a cabeça de Sorento com um só golpe.

— Não!! — gritou Dionísio.

A cabeça caiu rolando, ensanguentada, e o corpo tombou no chão jorrando sangue. A morte de Sorento foi convertida em um forte tremor no oceano e no céu. Tão forte quanto na morte do Almirante Moshchnost e da General Agave.

— Ares... — Dionísio segurou sua flauta com tanta força que parecia que ele iria quebra-la. — Por que você...

— Estou lhe devolvendo a honra que esse verme lhe roubou. Como um humano como ele ousa arremessar um deus? Isso é um crime gravíssimo e a punição é a morte. — disse Ares. — Sei que você não suja suas mãos com sangue de humanos. Fiz isso por você. E também... Ele é um marina. Merecia a morte de qualquer forma.

Longe dali, lutando entre os navios Atlantis, Tritão sentiu a morte do general e em seguida ouviu os tremores que anunciavam a morte do marina. O deus marinho olhou para o navio russo, e de longe avistou Ares segurando a espada.

— Ares, seu desgraçado!! — gritou o deus furioso, batendo o tridente na camada de gelo. O deus da guerra ouviu e o respondeu com um sorriso sádico.

Anteros, que avançava com sua espada em direção a Tritão, recuou quando a camada de gelo explodiu e colunas de água ergueram do oceano em forma de turbilhão. Os olhos de Tritão estavam emitindo um brilho azul intenso. O deus marinho apontou seu tridente para o navio onde Ares estava e disparou um golpe.

A rajada cósmica liberada pelo tridente se uniu aos pilares de água que haviam sido erguidos do oceano, e avançou contra Ares na forma de uma imponente tromba de água.

O que Tritão não esperava é que Anteros fosse tentar impedir o golpe. O deus da manipulação elevou o seu cosmo e avançou contra o ataque de Tritão. Seu cosmo prateado se concentrou na espada e ele desferiu um golpe cortante. O golpe do deus marinho foi partido ao meio, mas Anteros não conseguiu pará-lo. O turbilhão seguiu seu trajeto como um duplo ataque e atingiu o navio violentamente, destruindo-o como se fosse um boneco de neve no meio de um furacão. Em meio ao golpe, uma explosão, que levantou um cogumelo de chamas e fogo.

Mas para o azar de Tritão, Ares surgiu sobrevoando o local ao lado de Dionísio. Ele estava protegido dentro de uma esfera verde cristalina feita de cosmo, criada pelo deus do vinho. Mesmo assim, Tritão notou que Ares estava ferido. Sangue escorria de sua testa e braço, mas havia algo de estranho com aquele sangue. Não parecia ikhor. Tritão enrugou o cenho, tentando lembrar da luta que teve com Ares. Ele não lembrava se o deus tinha sangrado naquele momento. Sangue de um deus emana vida, mas o de Ares parecia muito... humano.

— Ares?!

—...— 


Primeiro distrito — Atlântida

Uma parte de Atlântida parecia ser o próprio inferno. Tudo estava tomado por chamas e fumaça. Em meio as altas labaredas, podia ser ouvido os gritos dos poucos Atlântis que não abandonaram suas casas após ter sido dada a ordem para que todos saíssem de Atlântida e fossem para um local seguro escolhido pela Almirante do segundo distrito.

As pessoas corriam nas ruas desesperados, tentando salvar o que podiam. Alguns corriam com suas roupas pegando e eram salvos por outro cidadão que tentava de todas as formas apagar as chamas.

No centro do distrito, onde as chamas eram mais altas, estava o segundo berserker. O que havia incinerado Caribdes. Ele estava em pé, de braços estendidos, criando um furacão de chamas ao seu redor que espalhava linhas de fogo para todos os lados, alimentando as chamas com intensidade. 

Diante dele estava o primeiro soldado, que assistia tudo sem se preocupa com as chamas ao seu redor.

— Temos companhia. — disse o segundo berserker. 

O primeiro soldado olhou por cima do ombro e viu sombras se aproximando.

— Parece que nosso sinal de fumaça chamou a atenção do terceiro Almirante. — disse o primeiro soldado caminhando até eles.

Os exército de Atlântida tomou as ruas. Guerreiros marinas, de todos os níveis, cercaram o local armados com lanças, tridentes, espadas e machados. Diante deles estava Sehrli, o almirante do terceiro distrito. Ele possuía uma aparência formidável. Sua pele era tão negra quanto o ébano e era marcada por vários símbolos azuis cintilantes do pescoço para baixo, e seus olhos dourados brilhavam como ouro. Sua cabeça estava coberta por um turbante dourado e poucos fios de seu cabelo platinado ficavam a mostra. Ele estava trajando uma escama azul clara e havia um manto branco preso em seu ombro e que caia em suas costas.

— Você deve ser o Almirante Sehrli. — disse o primeiro soldado. — Seus homens morreram falando o seu nome.

Sehrli ergueu o braço direito e elevou o cosmo. Dezenas de círculos azuis semelhantes aos que ele tem no corpo, surgiram no céu do primeiro distrito. Os círculos brilharam e abriram um tipo de portal que entre a cidade e as águas do oceano. Uma grande quantidade de água salgada caiu sob a cidade, diminuindo os maiores focos de incêndio, e em seguida os portais se fecharam. 

Uma lança surgiu na mão direita de Sehrli, e em silêncio o almirante a ergueu e as águas do oceano que haviam entrando em Atlântida seguiram seus movimentos. Uma gigantesca onda se formou e em seguida varreu as ruas do primeiro distrito, mas sem causar prejuízo aos prédios e casas, e sem machucar os Atlântis.

O segundo soldado saltou, abrindo um par de asas verdes semelhantes a um dragão. Ele se afastou do alcance da onda, sobrevoando a cidade. O primeiro soldado não saiu de onde estava. Ele apenas ergueu sua espada e cortou a onda ao meio, fazendo com que ela passasse por sua lateral.

A água então cedeu, restando agora apenas os estragos provocados pelas chamas.

— Cometi um grave erro ao deixar vocês chegarem tão perto de Atlântida. — disse o Almirante. — Vim aqui para corrigir o meu erro. 

— Esse será seu segundo erro. Chame Anfitrite. Você não é páreo para mim. 

— Para cuidar de dois berserkers desgarrados... — Sehrli apontou a lança para o soldado, e em seguida os outros marinas fizeram o mesmo movimento. — Somos páreos o suficiente.

— Vou lhe provar que não... Está na hora dessa farsa acabar. — disse o soldados com os olhos brilhando. — Atlântida foi invadida!! 

O soldado tirou o elmo, revelando uma aparência jovem, de corpo robusto e músculos, mas com um ar muito maduro semelhante a um adulto. Um rosto sério e rígido. Ele possuía um olhar vivo com íris vermelha sedenta por sangue. O cosmo que fluía dele causou uma pressão no corpo de Sehrli, como se lhe obrigasse a se curvar. Sua pele era parda e seus cabelos eram curtos, de cor castanho esbranquiçado. 

— Você é...

O primeiro soldado ergueu sua espada para o céu e disparou uma rajada de cosmo que atravessou a barreira, o oceano e chegou na superfície como um pilar vermelho.

— Eu sou...


Oceano primordial do Atlântico Norte — Outro lado do véu

Tritão agora tinha certeza. Tinha algo de errado com aquele "Ares" diante dele, e ele estava decidido a descobrir. Tritão avançou em direção ao deus da guerra, mas Anteros tentou detê-lo. O deus marinho então usou o poder do tridente, afastando o deus da manipulação e seguindo em frente.

Tritão correu e saltou em direção a Ares, que ainda voava no céu ao lado de Dionísio, mas quando o deus estava a poucos metros dele, os olhos de Ares brilharam e um poderoso cosmos foi emanado, arremessando Tritão contra o chão em um forte impacto.

— Está na hora dessa farsa acabar. — disse "Ares", mas a voz estava duplicada. Como se duas pessoas falassem ao mesmo tempo. — Atlântida foi invadida!! 

— Invadida?! — disse Tritão enrugando o cenho. — Está louco? Do que você está falando? Você e seus soldados se quer chegaram perto de Atlântida e...

Ao longe, uma forte coluna de luz vermelha subiu ao céu, convertendo o céu nublado em um céu cor de sangue. A luz estava tão longe, que parecia estar na 'curva do mundo'. 

— Uma luz vindo do Oceano Pacifico?! Não pode ser!! Mas... Como?! — o deus estava confuso. — Como chegaram em Atlântida se você estão aqui? Como descobriram a localização? Ares! Você...

Tritão se calou ao ver algo ainda mais surpreendente. O cabelo de Ares estava mudando.

— Você... Você não é Ares!! 

— Bem notado, Tritão!! —  O cabelo curto e castanho claro de Ares cresceu e mudou de cor para um azul acinzentado, e um par de chifres negros e curvados surgiram. O corpo ainda robusto e forte, ficou com a pele acinzentada. A Onyx negra mudou de forma, se modelando e se transformando em uma nova Onyx. Ele agora trazia na mão um elmo de leão com chifres de carneiros, suas ombreiras possuíam formato de cabeça de serpentes e um par de asas demoníacas abriu em suas costas. Sua iris sumiu e seus olhos ficaram totalmente mergulhados em trevas. — Eu sou Anatole de Quimera, do exército do Medo.

— Então... Se você não é Ares, então...

— Exatamente! Nesse exato momento ele está triunfando em Atlântida, pois ele é...

—...—


Primeiro distrito — Atlântida

— Eu sou Ares, o deus da guerra!

—...—


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Grupo da fanfic no facebook: https://www.facebook.com/g roups/562898237189198/

Nesse grupo você acompanha o lançamento dos capítulos e ainda tem acesso ao perfil e histórico de alguns cavaleiros.

Contato: 81 97553813

Próximo capítulo: Capítulo 55 — Guerra em Atlântida: Adeus, meus amigos.
Sinopse: indefinida.
Data de publicação: indefinida

Não consegui postar em 15 dias (risos), mas me esforcei para fazer um bom capítulo. Agora tô entrando em época de prova. Volto antes do natal para dar motivos para chorar nesse final de ano (risos).

Enfim... Como vocês já sabem, a critica de vocês é sempre bem vinda e fundamental para a história. Estou bastante empolgado com esse arco de Atlântida.

Beijos e abraços. Vejo vocês nos próximos capítulos!! Deixem seus comentários ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Saga de Ares - Santuário de Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.