A Guerra dos Imortais escrita por Cora, O Raposa, Camille M P Machado, PinK Ghenis, Mr Viridis, Mr Viridis, Julia, H M Stark, SuzugamoriRen, Joko


Capítulo 2
Capítulo 02 - Susan


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores. Aqui é a Camille e esta é a minha personagem. Fique bem atentos a ela, pois é uma das mais complexas na história, se não prestarem atenção em detalhes, poderão se perder em relação a ela. Apesar disso, espero que gostem dela como eu já gosto *3*. Agora, boa leitura!



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Mais uma vez ela estava lá, naquele carro, naquela noite escura. Seu pai estava ao volante e conversava com sua mãe, que estava sentada no banco do carona. Sentada no banco de trás, ela falava alguma coisa que não lembrava mais e todos riam. A noite fora divertida, todos pareciam felizes, inclusive ela.

Tudo parecia perfeito, foram a um bom restaurante, comeram uma boa comida, conversaram, divertiram-se. Jamais esperou mais de seus pais ausentes, estava acostumada a passar seu aniversário sozinha, entre as paredes frias e os corredores escuros da mansão que vivia.

Sem dúvidas, aquela era a melhor noite que vivera, pelo menos fora o que pensara enquanto estava sentada naquele carro conversando e rindo com os pais. Era o melhor dos sonhos, a melhor das emoções e a melhor das alegrias. Estar mais uma vez com seus pais era maravilhoso e encantador, sentia uma alegria transbordar de seu ser e um desejo incontrolável de continuar ali, sentada, e nunca sair todas as vezes que revivia aquele momento.

Mais uma vez aquela criatura apareceu com seus grandes olhos amarelo a fitá-la na escuridão da noite sem lua. Sentiu o peso daquele olhar sobre ela, mesmo com os vidros do carro fechados, fazendo um estranho arrepio percorrer por todo seu corpo. O estranho animal de contornos irregulares, noventa centímetros de altura, acompanhava-a pelo acostamento da estrada de Londres, apesar do veículo andar em alta velocidade.

Ele uivou. O calafrio desapareceu e deu lugar a uma estranha sensação ruim, sentiu sua cabeça rodar a medida que uma imagem se formava em sua cabeça. Por um breve momento, ela estava novamente em casa, no jardim, cercada por vários corvos que sobrevoavam toda a área ao seu redor. Apertou as mãos em seus ouvidos impulsivamente, pois o grasnido das aves era ensurdecedor. A cabeça pesou de novo e ela cambaleou para frente antes de cair sob os joelhos e encostar a cabeça na grama, pressionando os ouvidos com mais força.

O tempo em que ficou deitada na grama de olhos fechados e apertando os ouvidos com força pareceu imensurável para sua noção de tempo distorcida. Quando o silêncio reinou, ela se levantou devagar, ainda um pouco tonta. Desesperou-se ao ver as mãos ensanguentadas, mas percebeu, mais tarde, que aquele sangue viera de seus ouvidos. Ao olhar ao redor, viu todos os corvos mortos e atirados ao chão, desenhando um círculo mágico com ela exatamente no centro.

Uma voz familiar chamou sua atenção naquele cenário medonho, ela procurou de onde vinha até perceber que vinha do céu, então o fitou. A forte luz do sol de um dia ensolarado a cegou e fez seus olhos arderem, porém ela não ligou, continuou a olhá-lo tentando se lembrar de quem era aquela voz. Ela custou identificar e entender o que dizia, mas notou, por fim, que era a voz de sua mãe lhe chamando.

Antes que pudesse entender o que acontecera, ela estava de volta no carro com seus pais, e toda aquela cena dos corvos em seu jardim desaparecera. Sua mãe, Elizabeth, chamava-lhe constantemente pelo nome, estava preocupada com a filha, que estava pálida e parecia assustada. Susan, por outro lado, ouvia-a, mas era incapaz de respondê-la. A voz da mãe parecia distante para ela, pois sua mente estava distante.

Ela não conseguia entender o que fora aquilo, tampouco como passara de uma ponta do banco traseiro para o meio deste. Estava sentada no meio, de cara para o painel e para tudo o que estava à frente do carro, na estrada. Piscou os olhos repetidas vezes para se acostumar com a pouco luz da noite, então, mais uma vez, ela o viu, mas dessa vez bem à frente do carro, no meio da pista.

A luz dos faróis a ajudara desta vez, ela conseguiu ver com clareza que criatura era aquela, era um lobo, o maior lobo que já vira em toda sua vida, ou pelo menos era o que parecia. Os contornos de seu corpo eram completamente disformes, ela não sabia o porquê, mas havia algo naquele animal que lhe dava medo, como se pudesse antecipar que algo ruim estava prestes a acontecer. Aquele olhar...

Susan acordou com o coração disparado, toda molhada de suor e um pouco ofegante. Ela continuou deitada por alguns minutos até estabilizar sua respiração, depois olhou o relógio que estava em cima da mesinha de cabeceira, ao lado da cama. O relógio marcava quatro e dezenove da manhã.

Após mais alguns minutos deitada, ela empurrou as cobertas para o lado e se levantou. O ar gélido da madrugada a pegou desprevenida, seu pijama de manga comprida nada adiantou frente ao frio, sentia-se mais tonta e sonolenta. Mas isso não a impediu de se arrastar por todo o quarto e uma pequena sala de estar para chegar ao banheiro.

Parou em frente à pia, ao lado da banheira, e se olhou no espelho, estava pálida e parecia cansada. Por algum tempo, ela ficou ali, parada, divagando sobre seu sonho.

Uma brisa fria entrou por uma janela aberta e percorreu todo o recinto, acordando-a dos delírios de sua mente doentia e gelando até seus ossos. Todo seu corpo tremia com o frio intenso, mas ainda assim se forçou a esticar seu braço esquerdo e abrir a torneira.

Seus olhos viam a água cair e descer pelo ralo, mas seu cérebro não registrava o que via. Sentia o corpo todo doer e pedir desesperadamente por descanso, sua mente doente pregava-lhe peças todo o tempo, precisava dormir e revigorar a mente e o corpo, porém este privilégio foi-lhe arrancado no dia do acidente. Dia após dia, os remédios que o médico lhe dera para dormir foram se tornando cada vez mais ineficiente, seus pesadelos se tornaram mais frequentes e lhe deixavam dormir menos.

Ela sentia seu limite se aproximando e trazendo consigo a loucura. Queria lutar, mas seu corpo já não tinha mais energia para resistir. Parte dela estava tentada a se entregar e acabar de vez o que começou naquela noite infeliz.

Ouviu, bem baixinho, uma voz familiar no fundo de sua mente. Em meio a tantos delírios, demorou a perceber que aquela voz a chamava constante e desesperadamente. Ela forçou a se concentrar em tentar entender o que gritava, mesmo com todo aquele cansaço e a tentação de se entregar a tudo aquilo; forçou-se a perseguir aquela doce e suave voz que por tantas vezes a ouvira, mesmo sem saber a quem pertencia. Sentia conforto naquele timbre delicado e único.

Perseguiu aquele som que a conduziu de volta à realidade. Então percebeu que não havia apenas uma voz, havia também várias batidas na porta. Eleonor, a mulher que cuidara dela por toda sua vida e por muitas vezes assumira o papel de mãe, batia freneticamente na porta de seu quarto e gritava por seu nome.

Ela levantou a cabeça e tornou a fitar o espelho, piscou os olhos algumas vezes para se certificar de que estava de fato de volta à realidade.

− Já vou – respondeu Susan aos gritos.

Baixou a cabeça e se voltou novamente para a água que descia pela bica, rapidamente esticou os braços um pouco acima da cuba e fez menção de juntar as mãos para pegar um pouco da água em suas mãos. Entretanto, antes que pudesse realmente juntá-las, ela se deparou com sua mão direita segurando um pequeno e afiado punhal de platina que ela não sabia dizer de onde viera.

Ela exprimiu um grito de susto e, então, recuou um passo e o soltou no chão. Não se lembrava de ter pegado nenhum punhal, muito menos daquele punhal. Não o reconhecia de lugar algum, mesmo ele trazendo uma sensação familiar.

─ Susan, querida, eu ouvi gritos. O que está acontecendo?

Olhou rapidamente a lâmina, antes de respondê-la.

─ Nada. Só me espantei um pouco com a temperatura da água.

Correu novamente para a pia e lavou o rosto com a água gelada para despertar. Depois fechou a torneira, pegou o punhal do chão e voltou para seu quarto. Estava muito escuro, mas ela sabia onde estava cada um dos móveis, de modo que não foi difícil achar a mesinha de cabeceira ao lado de sua cama e abrir a primeira gaveta para guardar aquela lâmina.

Em seguida, ela abriu a porta do quarto para Eleonor, que entrou apressada e acendeu a luz, cegando a jovem momentaneamente. Susan se jogou em sua confortável cama de casal enquanto sua ex-babá revistava seu quarto.

− Ouvi você gritar algumas vezes. O que está acontecendo, minha menina?

Eleonor era uma mulher jovem ainda, apesar de ter cuidado da filha de seus patrões desde que esta nascera, tinha apenas trinta e seis anos e nunca se casara. Quando mais nova, Susan costumava se perguntar o porquê de sua babá nunca ter se relacionado com ninguém, mas parara de se fazer tais perguntas conforme fora crescendo.

Susan abriu os olhos e fitou o teto, já acostumada com a luz.

─ Estou bem, só tive um pesadelo.

─ Você deveria voltar ao seu médico, querida. Esses seus remédios não estão mais fazendo efeito.

─ Eu sei...

─ Melhor tentar dormir mais um pouco, ainda está cedo para ficar acordada. Qualquer coisa eu estarei no quarto em frente.

Susan anuiu enquanto a observava apagar a luz e sair de seu quarto.

Ela esperou alguns minutos até ter certeza de que Eleonor estaria em seu quarto, então se levantou e pegou o punhal que guardara em sua mesinha de cabeceira. Estava bastante intrigada com aquele objeto misterioso. Já estava acostumada com algumas coisas estranhas que aconteciam ao seu redor, mas o aparecimento do punhal despertara nela um sentimento familiar.

Para observar cada detalhe, ela acendeu a luz de um dos abajures que estavam ao lado de sua cama e se sentou bem perto. A pequena lâmina era completamente feita de platina e incrivelmente leve. Na coronha havia a forma de uma lua que, dependendo de que lado segurasse o objeto, poderia ser minguante ou crescente enquanto que o cabo era completamente cilíndrico e liso. Era um objeto extraordinariamente lindo e muito bem confeccionado.

Contudo, o que mais lhe chamava a atenção eram os símbolos desenhados na lâmina que a atraía de forma irresistível. Sentiu a necessidade de tocá-los, alisou a superfície do objeto com delicadeza e suavidade enquanto sentia um misto de emoções e lembranças familiares. Aquelas inscrições em alto relevo trouxeram vagas memórias de um passado longínquo e despertara alguma coisa no fundo de seu âmago.

Ela largou o objeto quando escutou o uivo de um lobo vindo do lado de fora, deixou-o em cima de sua cama e foi até a sacada para averiguar.

Lobos, pensou. Desde o fatídico dia, ela passou escutar uivos de lobos com frequência em sua casa, como se estivessem a perseguindo. Sentia-se enraivecida por eles não a deixarem em paz nem mesmo em seus sonhos e, de alguma forma, sabia que a morte de seus pais era culpa deles, mesmo não lembrando o que levou o carro a capotar dezenas de vezes.

De fato havia um lobo no limiar do pequeno bosque que circundava a casa e o jardim até os limites da propriedade. Não sabia se era devido à pouca luz ou se a privação do sono já a estava afetando severamente, mas o lobo que via era muito parecido com o de seus sonhos, fazendo-a se perguntar mentalmente se poderia confiar em sua visão.

Ele a fitou por algum tempo antes de voltar a uivar. Ela entendeu aquilo como sendo sua confirmação de que era real, então voltou ao quarto e depois foi até sua sala de estar particular, entre o cômodo onde se encontrava sua cama e o banheiro.

Sua sala de estar privada não era muito grande, tinha apenas uma televisão de tela plana presa em um pedaço próprio do armário, um sofá pequeno e um armário feito sob medida que ocupava todas as paredes livres e se dividia em prateleiras para a coleção de livros pessoais de Susan, algumas gavetas e algumas portas para guardar objetos.

Susan retirou seu precioso arco recurvo feito de madeira e fibras de vidro nas faces externas das hastes e uma aljava de flechas, que pendurou em um dos ombros, de uma das portas de seu armário, perto da janela. Depois voltou para o quarto para ir até a sacada, onde poderia ter uma melhor visibilidade do lobo.

Ela retirou uma flecha da aljava e se posicionou para atirar quando percebeu que o animal não estava mais lá. O uivo também havia parado. Baixou o arco, ainda com a flecha posicionada e a corda puxada para qualquer eventual disparo, e esperou alguns minutos na expectativa de o lobo voltar a aparecer.

Quando um novo uivo surgiu na calmaria da madrugada, ela aguçou seus olhos e o procurou. Ele estava em outro ponto do limiar do bosque com a cabeça para cima, uivando. Rapidamente ela apontou o arco em direção ao animal, ajustou a mira e soltou a corda, liberando a flecha em um disparo.

Em toda sua vida, jamais errara um alvo, tinha uma mira perfeita e apreciava isso. Sua habilidade única com o arco e flecha lhe rendeu vários troféus e uma ascensão rápida no mundo das competições. Tornara-se a campeã mundial mais jovem da história e a favorita à primeira classificação em todos os torneios que participava, além de uma horda de inimigos que se sentia prejudicado e inveja sua habilidade. Soube, inclusive, que muitos atletas fizeram festa quando ela se afastou das competições por motivos pessoais, após a morte de seus pais. Porém, apesar de toda a habilidade e o conhecimento que tinha, Susan não sabia dizer o que aconteceu naquele momento. Quando efetuou o disparo, a flecha percorreu e cortou todo o ar até o alvo como ela calculara, mas o lobo havia desaparecido. Ela poderia jurar, naquele momento, que ele estivera no mesmo lugar até um segundo antes de acertar o alvo.

Susan esfregou os olhos com os dedos de sua mão livre e aguçou sua visão na tentativa de ver algo com mais claridade, sem sucesso. Estava muito escuro e a visibilidade era pouca, mas ela não vira o animal se mexer, ele simplesmente desaparecera.

Mas o que...? pensou frustrada enquanto voltava para seu quarto. Ela colocou seu arco em cima do banco da penteadeira e encaminhou-se para sua cama, porém, para um espanto ainda maior, não encontrou qualquer vestígio do punhal que ali deixara. Será que estou ficando louca? Melhor ir dormir,disse a si mesma ao deitar-se. Apagou a luz do abajur e rapidamente caiu em um sono sem sonhos.

O barulho de cortinas se abrindo e o sol entrando pelo quarto, iluminando-o por completo, acordaram a jovem de seu sono.

─ Não me lembro de ter fechado as cortinas ontem – resmungou se virando para o lado oposto à janela.

─ Eu fechei quando você pegou no sono.

Ela olhou a hora no relógio, então cobriu a cabeça com o cobertor.

─ Ainda está cedo, Eleonor. São nove horas, deixe-me dormir mais.

─ Você tem consulta com seu psicólogo hoje às onze ─ ignorou-a.

─ Quando finalmente consigo dormir sem ter pesadelos, eu tenho que levantar cedo – resmungou.

Ela saiu de sua cama e foi até o banheiro resmungando alguma coisa incompreensível, abriu a torneira da banheira e, enquanto esta enchia, ela escovou seus dentes, então se despiu e entrou no banho.

O banheiro era relativamente grande. O piso e a metade inferior das paredes eram todos de mármore com adornos dourados, a metade superior das paredes era pintada de branco. De um lado da banheira havia uma bancada branca com duas pias e um grande espelho com adornos dourados, do outro uma porta para um pequeno cômodo com dois sanitários. Em frente às pias encontrava-se um grande boxe com um chuveiro.

Susan não fizera questão em ser rápida em seu banho, pelo contrário, demorara quarenta minutos. Ela estava sonolenta e um pouco pensativa sobre o que acontecera na noite anterior, de modo que não percebera a hora passar. Quando terminou seu longo banho, ela se enxugou rápido e vestiu seu roupão branco. Depois voltou para sua sala de estar privada e parou em frente a uma porta entre grandes estantes na qual iam desde o teto até o chão. Abriu a porta e entrou.

Em comparação com todos os cômodos da casa, seu closet era até que pequeno, mas ainda sim tinha uma quantidade considerável de roupas, sapatos, bolsas e joias. Tudo foram presentes dados por seus pais que sempre lhe dava alguma coisa toda vez que voltavam para casa para vê-la mesmo que ela não ligasse para moda, porém este era um detalhe que eles não sabiam, estavam sempre ocupados demais com seus caprichos para conhecer a filha que tinham.

Ela se arrumou rápido, vestiu roupas simples como gostava e prendeu seus longos cabelos castanhos em meio rabo. Por um lado ela sentia alívio de sua mãe não estar mais por perto, pois a teria obrigado a usar alguns acessórios e se entupir de maquiagem, o que ela detestava. Por outro, sentia-se triste por nunca mais poder vê-la.

Enquanto descia as escadas para o hall de entrada, encontrou uma visita inesperada. Sua avó que raramente vinha visitá-la entrou pela entrada principal com pressa.

─ Vovó. O que lhe devo a honra da visita?

─ Uma avó não pode visitar sua única neta?! – seu tom de voz era áspero, parecia ofendida com a pergunta de Susan.

─ Claro que pode, vó, você sempre será bem-vinda em minha casa. Tomaria café comigo?

As duas caminharam até a sala de jantar e se sentaram à mesa, Susan na cabeceira e sua avó ao lado dela. A mesa era grande e cabiam doze pessoas, no entanto, apenas metade dela estava posta com uma bela toalha e várias comidas frescas. Uma empregada colocou mais um prato e um copo para Mary, a avó de Susan.

Enquanto comiam, Mary contou-lhe várias histórias de quando seu pai, Richard, era mais novo. Algumas eram engraçadas, outras nem tanto, mas Susan não se importou muito, estava um pouco desligada.

O tempo passou rápido. Após o café da manhã, a jovem foi para seu psicólogo em Londres e sua avó voltou para casa. Ela mesma decidira se consultar com um psicólogo após a morte de seus pais, queria superar aquela tragédia e, principalmente, acabar com os estranhos pesadelos que não a deixavam dormir.

Já era tardinha quando Susan voltou para casa, em Surrey. Ela subiu as escadas correndo e foi para seu quarto, onde trocou de roupa e vestiu seu equipamento de segurança. Decidiu que iria praticar um pouco sua habilidade com o arco pelo bosque da propriedade. Aquele era seu jeito de relaxar e pensar nas diversas coisas que rondavam sua cabeça.

Dentro do armário pegou o seu primeiro arco, aquele que ela mais gostava, o recurvo. Era o mais simples de todos e com menos frescuras, como costumava dizer. Ela simplesmente detestava os arcos modernos, feitos de metal e com diversos mecanismos para acrescentar coisas ao arco. Preferia aqueles feitos com a boa e velha madeira cuja precisão não era tão boa, mas que se podia ver quem realmente tinha talento. Pendurou a aljava no ombro e saiu.

─ Vai treinar? – indagou Eleonor ao ver Susan com o arco na mão e as flechas penduradas no ombro.

Susan estremeceu ao ouvir a voz de sua governanta atrás de si. O olhar de Eleonor era uma mistura de desaprovação e preocupação. Ela nunca fora a mãe de Susan, mas tinha por ela o mesmo sentimento que uma mãe tem por um filho, por isso desaprovava a ideia da jovem de ir ao bosque à noite.

─ Preciso pensar um pouco, treinar me relaxa e abre minha mente.

Eleonor bufou, sabia que convencer Susan de não ir daria em nada, só lhe restava deixá-la ir.

─ Não quer pelo menos comer alguma coisa antes de ir? Posso preparar-lhe um lanche.

─ Obrigada, mas comi em Londres. Volto em algumas horas.

A jovem foi até a garagem, onde pegou um jipe para andar pela propriedade. Com alguns hectares de área, era impossível andar por todo o terreno a pé, de modo que necessitava de uma condução mesmo para andar pela área da casa.

Ela se esgueirou no pequeno bosque que havia dentro de sua propriedade até uma grande clareira onde havia vários alvos pendurados nas árvores. Aquele lugar era como um santuário para ela, costumava treinar ali desde menina.

No centro da clareira havia um alçapão escondido embaixo da terra e folhas, Susan o abriu e retirou mais flechas, enchendo completamente sua aljava. Ela pegou uma flecha e atirou em um dos alvos enquanto resmungava alguma coisa para si, depois retirou outra e fez a mesma coisa. Por um tempo impreciso, ela repetiu o mesmo processo até ouvir um estranho ruído na mata.

A essa altura já era noite e a lua não aparecera no céu naquela noite, a visibilidade era pouquíssima. Ela parou de gastar suas flechas com os alvos e passou a observar a floresta atenta a qualquer ruído. Estava pronta para atirar a qualquer sinal de algum animal.

O que quer que estivesse na floresta parecia rondá-la, ora o barulho vinha atrás dela, ora a sua frente. Ela foi obrigada a girar diversas vezes até conseguir ver um vulto no meio das árvores. Atirou próximo ao que seria um pé para assustar e aguardou a presa sair correndo. Porém, para sua surpresa, o vulto continuou no mesmo lugar.

─ Apareça ou na próxima vez irei acertar – bradou com uma nova flecha pronta para disparar.

O vulto não a obedeceu e continuou parado onde estava, escondido entre alguns arbustos. Mais uma vez ela disparou a flecha, mas desta vez esta raspou na bochecha da pessoa que se escondia. Ouviu alguém soltar um resmungo de dor.

─ Saia! A próxima vez que atirar, eu te acertarei na cabeça. Eu sei que você é uma pessoa.

Susan assistiu ao sujeito sair do meio das árvores com outra flecha pronta para disparar. Assistiu ao vulto ganhar contornos cada vez mais definidos e mais próximos de um ser humano, devia medir cerca de um metro e oitenta centímetros. Pela silhueta, a pessoa deveria ser, muito provavelmente, um homem.

─ Roger! – surpreendeu-se ao ver, finalmente, quem era quando o rapaz saiu por completo de dentro da mata. Ela baixou o arco, apontando-o para o chão, e afrouxou a corda.

─ Susan, a que sempre se achou a melhor de todos – escarneceu o rapaz com uma mão na bochecha onde a flecha pegara de raspão.

Ela ergueu novamente o arco na direção do rapaz e puxou a corda, preparando-se para atirar a qualquer momento caso seja necessário.

─ O que está fazendo em minha casa? – perguntou. Seu tom de voz era sombrio e seu olhar, frio.

─ Eu pensei em passar para ver como estava. Mas puxa, sua casa é tão grande que quase me perdi nesta floresta.

Ela pareceu cogitar o que seus ouvidos captaram, mesmo achando um pouco estranho da parte do rapaz. Com a guarda baixa, aquele era o momento perfeito. Ele avançou sobre a jovem rapidamente e tirou o arco da mão dela, em seguida a jogou no chão quando esta tentara pegá-lo de volta.

Roger era um rapaz ambicioso, arrogante e, principalmente, invejoso. Ele invejava o talento de Susan e a culpava por sempre sair em segundo lugar nas competições quando ela participava.

─ Veja, querida Susan, você mora num verdadeiro castelo, possui centenas de criados a sua disposição e ainda herdou uma companhia de alguns bilhões de libras. Você possui uma vida de princesa, para que continuar com este capricho bobo? – ele olhou para o frágil arco em sua mão, com fúria.

─ Do que está falando?

─ Ora, não se faça de desentendida, sei muito bem que está a par das notícias. É por isso que você está aqui fora treinando, porque sabe que o treinador a quer de qualquer forma nas olimpíadas no Brasil. Ele veio pessoalmente a sua casa te informar na semana passada.

─ O quê?!

Ela não estava sabendo de nada, sabia que foi Eleonor quem ocultou esta informação dela, nenhum outro empregado ousaria fazer uma coisa dessas. Mas ainda se perguntava o porquê. Por que ela faria isso? Susan realmente não sabia, mas sentia a necessidade de confrontá-la.

─ Você já tem tudo, por que quer mais? Volte a ser o que sempre foi, a princesinha cercada de mimos ─ Roger parecia falar sozinho. Ele andava de um lado para o outro, suava mesmo estando frio e parecia transtornado.

Susan não perdeu o tempo respondendo-o, ao invés disso, ela avançou para cima do rapaz e tentou reaver o seu arco. Eles lutaram um pouco, cada um puxando-o de um lado, até o rapaz perder a paciência e dar um soco com força no rosto Susan. Ela cambaleou para trás, tropeçou numa pedra e caiu no chão outra vez.

─ Você não me dá outra escolha! Vou te ensinar uma lição – vociferou Roger.

Ele parou de andar de um lado para outro e ficou parado em frente a jovem. Segurou o arco com as duas mãos, cada uma em uma das hastes, e forçou-o. Susan gritou, mas ele não se importou e continuou até quebrá-lo ao meio. Uma lágrima escorreu pela bochecha dela. Aquele era seu arco preferido e foi seu pai quem deu.

Roger caminhou lentamente em direção à Susan. Ela apenas o observou, observou toda a cena seguinte sem qualquer remorso. Um lobo surgiu entre as árvores e atacou o rapaz. Ele urrou de dor quando o lobo mordeu sua panturrilha e o derrubou no chão. O jovem tentou golpeá-lo com as partes de madeira do arco quebrado, mas a madeira atravessou o lobo sem desferir qualquer golpe.

Um lobo fantasma, pensou ela, assistindo toda à cena. Vendo-o tão de perto ela pôde finalmente identificar o que eram aqueles contornos irregulares que tanto a intrigara no dia do acidente de seus pais e, posteriormente, em seus pesadelos. O lobo não possuía um contorno certo simplesmente porque era um fantasma e todo o seu corpo tremeluzia.

Ela não se desesperou com o que viu, apenas continuou a ver o animal destroçar o rapaz que tentava inutilmente golpeá-lo com o arco quebrado. Não sentiu nada ao presenciar o ataque e a morte de Roger, sentia-se, pelo contrário, livre de todo o peso que há meses carregava. Sentiu seu coração se inundar de frieza e até crueldade, no fundo estava até gostando do que estava vendo. Permitiu-se sorrir.

Quando o ataque terminou, a criatura a fitou. O rapaz jazia no chão, completamente dilacerado e irreconhecível, enquanto a frieza tomava conta dos olhos de Susan. Ela estava banhada em sangue que esguichou durante as várias mordidas que o lobo dera. No fundo de sua mente, um nome ecoou. Sua cabeça começou a rodar, como em seus sonhos, e aos poucos ela perdeu a consciência, desmaiando ali mesmo.


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Notas finais do capítulo

E ai? O que estão achando da história até agora?