Probabilidades apaixonadas escrita por Tenie


Capítulo 1
Probabilidades apaixonadas


Notas iniciais do capítulo

Dedicada à Nádia Sra. OuroPreto Só-Nádia. Nem Lima, nem Torres. Só Nádia, que já é rotulador demais! ;)Vai ficar sem fic de aniversário por sua própria culpa, peste! Haha



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Índio entrou correndo na sala, passou na frente da mesa que Cai dividia com Capí e se encolheu junto à sua lateral.

Cai debruçou-se para o lado, enquanto Capí apenas virou um pouco a cabeça.

–Tá se escondendo do quê, curumim?

–Ajam como se eu não estivesse aqui! Volta já para o lugar, Caimana!

–Você tá bem, Índio? – Capí estava procurando algum tipo de lesão que pudesse denunciar que Virgílio havia sido agredido por alguém – Tá tão nervoso.

–Ótimo, ótimo! – respondeu, fazendo um gesto rápido de pouco caso.

Resmungou baixinho algo sobre ouvir a risada dela dali e, lamentavelmente, Caimana ouviu.

–Mas não é que nosso jovem apaixonado já reconhece a alma gêmea pela risada? – zombou Cai, a saia comprida e solta de crochê se movendo pesadamente conforme ela voltava a sentar-se ereta em seu espaço do banco.

–Índio, você não acha que seria legal se você desse uma chance... – começou Capí, suavemente, como que para não espantá-lo dali.

Índio fuzilou-o com o olhar, sua expressão dizendo claramente “Pare de usar essa voz de adestrador comigo!”.

Ítalo recostou-se e deixou os olhos vagarem, detendo-se em um par de olhos escuros que, ao serem pegos, esconderam-se atrás de um livro encapado com papel escuro e decorado com linhas coloridas que brilhavam magicamente.

Cai deu uma risadinha e acertou as costelas do amigo com uma cotovelada leve.

–A música de vocês dois deveria ser “Can’t take my eyes off you”, porque eu vejo na carinha dela que ela te acha bom demais pra ser verdade e todos podemos ver que ela não consegue tirar os olhos de você! Nem sei como o seu vasto fã-clube não matou a pobre ainda!

–Gostô dessa agora? – provocou Índio, escondidinho em seu lugar.

–Isso não tem nada a ver! – Capí defendeu-se, escorregando um pouco no banco.

–E a outra música d’ocês deve de ser “Eu não sei dizer te amo”.

–Boa, curumim! Tu tá escolado no amor, hein? – riu-se a loira.

–Você está muito arisco! Deve ser o amor! – o capixaba provocou-o de volta, escorregando um pouco mais na esperança de que a Pixie não visse o rubor leve em seu rosto.

–Eu num tô arisc...

Silêncio súbito.

–Ela chegou! – Cai cantalorou, divertindo-se demais com tudo aquilo.

Nádia entrou na sala, os All-Star vermelhos apressando-se em direção aos dois Pixies sentados em uma das carteiras da frente.

–Oi vocês! Viram o Viny? Porque, onde há Viny, e eu realmente lamento por você – disse, fitando uma Caimana de cenho levemente franzido – Há Lucas. O pilantra tá sumido, tô pensando até em chamar a polícia!

A Pixie teve a sensação de que Virgílio estava, naquele exato momento, rindo dela.

Pois deixe estar! Deixe estar que ele não sabe o que o espera!, pensou.

–Pois é. – suspirou, dando de ombros – O que eu posso fazer, não é?

–E o meu Índio, vocês viram?

A loira encarou Capí, com um sorriso maroto, e virou para Nádia.

–Saaaabe que não? – ela disse, mas, enquanto isso, fazia um sinal discreto apontando exatamente onde ele estava – Mas, ‘cê sabe que ele anda ridículo ultimamente? Nem parece ele. Deve ser o amor.

–Então tá. Eu vou aproveitar que estou adiantada e vou atrás do Lu, vai que eu dou sorte! – respondeu, com um sorriso de vitória.

Contornou a mesa de mansinho e, uma vez atrás dele, jogou-se com tudo sobre suas costas e os dois foram ao chão com estardalhaço. A maioria dos alunos se levantou para ver e logo a sala explodiu em risadas – com alguns resmungos de reprovação pontuados aqui e ali.

–AHÁ! Achou mesmo que ia se esconder de mim?!

Ele praguejou bem baixinho, inconformado! Tanto esforço para que ela não pulasse em cima dele naquele dia... Tudo foi pelo ralo!

Cai cantarolou, em alto e bom som, o refrão de “Is this love”, de Bob Marley, e Índio bufou, estatelado no chão.

–Mas não tinha nada melhor pra você cantar, não? – Viny acabara de chegar, as mãos nos bolsos.

–Cadê seu namorado?

Aquela pergunta tinha o intuito de alfinetar Beni, que apenas virou-se em sua cadeira e piscou para a loira.

–Eu deixei o Lucas na sala dele, são e salvo. – ele respondeu, sorrindo – Como você tá bem acompanhada, eu vou ali. Porque eu quero ver o casal mais bonito e pacífico da Korkovado sentados juntos! – segredou-lhe ao pé do ouvido, fazendo-a rir.

–Todo seu, Beni! – ela soprou para o rapaz, com um sorriso maléfico e divertido, beliscando o bumbum de Viny, que virou na mesma hora, sem saber se ria ou se ria muito daquilo.

Enquanto isso, Índio tentava espantar Nádia, que sentara em um banco vazio e fazia sinal para ele sentar-se ao seu lado.

–Pelo amor de Deus, você não pode me deixar em paz? – sibilou, farto.

–Sabia que você fica uma fofurinha quando você tá bravinho? – perguntou, sorridente, como se não estivesse ouvindo nada do que saía da boca do mineiro.

Ele arfou, exaurido, pegou suas coisas e foi em direção à Viny, apenas para lembrar que a configuração de agrupamento dos Pixies havia mudado. Viny, quando não estava com um namorado ou uma namorada, estava com Cai, que, quando não estava com Viny, estava com Capí.

Apertou a ponte do nariz, respirou profundamente e foi à cata de um lugar.

Mas já tinha dado o horário e todo mundo estava sentado. Sobraram dois lugares. Um ao lado de Nádia, que o observava com um sorriso de vitória, e um ao lado da garota de livro encapado. Por acaso, era para elas estarem sentadas juntas, mas as duas deveriam estar de brincadeira.

–Vamos, Sr. OuroPreto, rápido! – apressou-o Aretta, passando por ele.

Índio aproximou-se da “admiradora do Capí” e foi surpreendido com o fitar implacável do par de olhos escuros, nem um pouco amigáveis agora. Ela jogou a mochila no lugar vago.

–Tá ocupado. – disparou, fechando a cara.

Ele retribuiu o olhar fuzilante.

–Não tem ninguém aí.

–Tem, sim. A Natasha, meu Eu-Freudiano e extensão do meu ego. Infelizmente, sua mente não está aberta a esse tipo de visão. – retrucou, séria – E a minha mochila, claro.

Houve um murmúrio zombeteiro pela sala, mas os dois fingiram não ouvir.

Eu-freudiano? Extensão de ego? Ela estava só enrolando-o, na certa!

–Não brinca comigo, garota! – sibilou.

–Se eu fosse você, Índio, vinha aqui comigo! – sugeriu Nádia, ainda mais convencida do que antes, batendo sugestivamente no lugar vago a seu lado.

Ele lançou um olhar irritado para ela, que apenas deu de ombros e apoiou o queixo nas mãos, doida para ver o que vinha a seguir.

–Estou falando sério. Se você sentar aqui, vai se arrepender – a outra garota alertou-o novamente, mexendo em seu livro como se não se importasse.

Ele riu, descrente e desafiador, e empurrou a bolsa da garota para o lado. Na mesma hora em que encostou, foi como colocar uma chave no buraco de uma tomada.

Ela tirou sua mão de cima da mochila e largou-a para longe, com um sorrisinho quase cruel.

–Eu te avisei pra não se aproximar.

Ele encarou a professora, que tinha acabado de se virar.

–E então, moço?

–Você usou magia contra mim! Me deu um choque!

–Eu não tenho culpa que você tem problemas com eletricidade estática.

Houve um silêncio súbito. Ninguém falava daquele tipo de coisa por ali, era azêmola demais.

Não era eletricidade estática!, ele pensou, possesso.

–Você vai me fazer te investigar, menina? – Aretta perfurou-a com o olhar, mas ela não parecia ligar.

–Eu não fiz nada, professora. Se o corpo dele estava carregado de energia, não é minha culpa! – defendeu-se – A senhorita pode vir aqui e ver tudo.

A mulher encarou-a com desconfiança, uma sobrancelha erguida. Suspirou e caminhou até a carteira. Impediu a aluna de retirar a bolsa do lugar, fazendo isso ela mesma. Sentou-se ao lado dela, pediu que trocassem de lugar.

–Deve ser isso mesmo. Ninguém fica feliz em levar um choque de graça, mas acontece. – concluiu.

–Eu me recuso a sentar ao lado dele depois disso – sibilou a garota, possessa.

Aretta rolou os olhos, mas sabia bem que também não iria querer aquilo no lugar da garota, ainda que mantivesse uma ponta de desconfiança quanto à autenticidade da eletricidade estática.

–Querido, você não pode, por favor, sentar pra lá? A Nádia está sozinha e ela não vai ousar atrapalhar minha aula, vai? – a professora sorriu, piscando para a garota de All-Star vermelhos.

–Sim, senhora. Desculpe. – suspirou ele, vencido.

–Não acostume.

Arrastou-se para o lado de Nádia, que recebeu-o com um cômico subir e descer de sobrancelhas. Ele sentou-se na ponta do banco e assim ficou, rígido, até que a garota empurrou-lhe um pedaço de pergaminho.

Eu não quero que você tenha um ataque. :( Eu não sou assim tão chata!

É sim. É sim!

Ai, como você é!

Ele não respondeu mais, pegou o papel e meteu no bolso da calça.

Não que aquilo tenha encerrado a conversa. Suas mãos se esbarravam a todo momento, não por acaso, nem por destino, mas porque Nádia ficava esperando a ocasião. Quando não era isso, ela o cutucava discretamente, mas ele não iria fazer uma cena. Ah, nunca!

E, como se aquilo não bastasse, ela ainda conseguiu desenhar coraçõezinhos a caneta nos cantos de seu pergaminho! Parecia uma rata, fazia aquilo no segundo em que ele focava sua atenção em Aretta.

Foi o segundo horário mais demorado de sua vida!

Quando finalmente acabou, para fechar com chave de ouro, Nádia espreguiçou-se como se estivesse só ela sentada ali e recostou-se nele, que ficou parado, bem quieto, sem querer sair porque seria muito rude e deseducado.

–Nádia, saia. Por favor.

–Calma, só mais um pouquinho.

Ele congelou, sentindo a quentura subir pela nuca e se espalhar pela face. Ela tinha cheiro de algum perfume azêmola bem suave. Ou talvez fosse só de sua cabeça.

Por que mesmo estava prestando atenção naquilo? E por que mesmo estava atento aos cabelos dela em seu braço e ao peso de seu corpo e...

–Sai já, Nádia! – sibilou, quase em desespero.

–Ai, como você é fresco! – rebateu, juntando suas coisas espelhadas com lentidão antes de se erguer.

Na mesma hora, Índio saiu, mas não sem antes perceber Nádia sentar ao lado da garota de livro encapado, sem que sofresse um dano que fosse.

Aquela pilantra! As duas!, pensou, possesso.

Encontrou Caimana e Capí no corredor. Ela não parecia muito feliz, e o movimento enérgico de seus passos furiosos fazia com que a barra da saia ondulasse violenta e pesadamente ao redor de seus tornozelos.

–Os Anjos ganharam um ponto! De onde saiu aquela budega de ponto?

–Do choque que aquela garota esquisita me deu! Como ela se chama?

Capí murmurou alguma coisa e obteve como resposta uma virada rápida de Cai em sua direção.

–Mande-a resolver esse problema!

–Mas não é possível! Ela... A gente estuda com ela desde o primeiro ano. Quando ela foi excepcional a ponto de fazer um feitiço sem varinha, sem pronúncia e sem sequer se mover do lugar?

–Ela deve ter azarado a bolsa!

–Índio, se ela tivesse, a Aretta teria tomado um choque também e ela não tomou! – a loira argumentou – Mas ela fez alguma coisa ou os Anjos aprontaram e não estamos sabendo!

Toparam com Abel no pátio e algo no sorrisinho dele fez Caimana ameaça-lo com o punho erguido.

–Aquele idiota – ela cuspiu, irada, seguindo para a praia como se fosse puxada por uma força maior – Aquela cara de “Eu sou melhor que você”!

A garota sentou-se na areia, aborrecida, sendo acompanhada pelo capixaba. O mineiro permaneceu em pé, as mãos nos bolsos, ainda revoltado.

Capí passou algum tempo tentando apaziguar a situação, mas todos os seus esforços foram definitivamente para o lixo quando Viny chegou, cuspindo marimbondos porque, de alguma forma, os Anjos haviam conseguido três pontos de vantagem.

–Custava você ter ido sentar com a Nádia?

Índio não soube dizer se foi a loira ou o loiro quem lhe disparou aquilo, só captou as palavras e sentiu o choque.

–Como? Ocês num sabe que eu num suporto aquela garota? – questionou, sua voz aumentando sem que ele percebesse.

Aquela garota o tirava do sério!

Houve um momento de silêncio tenso, em que Capí e Cai ficaram olhando por sobre os ombros de Virgílio e Vinicius, com os semblantes de “Fuuuu...”.

–Ela num tá atrás de mim, eu sei que não.

Viny virou o pescoço, o que quase fez com que o mineiro o acompanhasse no movimento. Conteve-se bravamente, mesmo quando a voz dela chegou a seus ouvidos.

–Eu também te amo, Índio! – gritou para ele – Não precisa ficar inseguro!

O mineiro se calou e permaneceu parado, duro, como se estivesse subitamente petrificado.

–Por que você faz isso? Porque ela gosta muito de você ou porque você gosta muito dela e não quer admitir?

As palavras de Caimana caíram sobre ele como bombas.

–Eu n...

–Você deveria pedir desculpas, Índio. – Ítalo sugeriu com firmeza.

–Ela fica me perseguindo, eu...

–Viny, tem uma moeda? – a garota interrompeu-o sem remorso.

Ele assentiu e, vasculhando os bolsos, tirou um galeão e entregou-lhe.

–Se der cara, você continua com essas desculpas idiotas pra sua covardia.

–Eu não sou covarde! – protestou, mas ela não lhe deu bola.

–Se der coroa, você vai atrás dela, pede desculpas e marca um encontro.

–Ocê perdeu o juízo? – engasgou – Eu num vô apostá nada!

Vai! Tá com medo? – ela provocou.

–Ele deveria se desculpar de qualquer forma – interveio Capí – Tenho certeza que ele fará isso.

–Eu nunca escondi que a achava insuportável!

–O Capí lança o galeão, pra não haver dúvidas quanto à legitimidade do resultado. Ou vai me dizer que ‘cê não confia nas probabilidades? Quer checar a moeda?

–Minha moeda é honesta, eu juro! – disse Viny, fazendo um X no lugar do coração. Como ele queria rir, mas estava temendo por sua vida naquele momento.

Índio respirou fundo e pediu paciência aos céus antes de responder.

–Eu perco muito mais se sair coroa!

–Perde o quê? Umas horas em um encontro com uma menina legal? Depois disso ela vai ver que você é chato demais e vai desistir!

O mineiro cruzou os braços e fuzilou-a com os olhos.

–Vai! Eu não tenho o dia todo! – ela pressionou-o.

–Joga, Capí, vamos ver! – incitava Viny, já não aguentando mais aquele suspense.

A garota colocou o galeão na palma da mão do amigo e cruzou os braços, tão irredutível em sua posição quanto o mineiro.

–‘Cê acha que o quê, Índio? Que ‘cê vai destratar ela assim sempre e que ela nunca vai ficar chateada contigo? É assim, então? – ela disparou, severa.

–Qual é o seu problema, Caimana? TPM?

A garota segurou o impulso de lhe socar a fuça.

–Não jogue meus motivos para os meus ovários, como se eu não fosse capaz de pensar ou de me irritar racionalmente! – arguiu – Eu ando com os Pixies porque me recuso a andar com babacas. Se você não sacou isso, é melhor colocar o rabinho entre as pernas e ir pedir abrigo no QG do inimigo!

–O que ocê... Como é que... – ele começou, irado.

Algo na postura dela fê-lo esmorecer. Quando Cai havia defendido alguém que não merecesse defesa? Uma vez ou outra, talvez?

E quando ela o havia atacado sem motivo? Menos vezes ainda.

Deixou os braços caírem e descansarem ao logo de seu tronco.

–Joga isso aí. – ele grunhiu, quase ininteligível.

–Pode mesmo?

Índio respondeu ao amigo com um sinal de pouco caso.

50% era bastante. Ele não era tão azarado assim. Tampouco as estatísticas ficavam contra ele.

Ítalo jogou a moeda e capturou-a entre as costas de uma mão e a palma da outra. Todavia, não teve tempo de ver ao certo o que era, porque Gislene esbarrou nele, após ter se desequilibrado em meio a sua corrida desabalada até o grupo. A moeda caiu tão pronto ele havia retirado a mão, o que fez Viny ganir, chateado porque queria saber no que ia dar aquilo.

–Alguém acaba de ser levado pela Dalila por ter nocauteado o Abelardo. – arfou de uma só vez – E eu acho que foi o... Onde está aquele pilantra?

–O adendo? – Viny arriscou.

–É, ele mesmo!

–Não deve ser. O adendo tá estranho, sumido, não acho que esteja muito interessado nos Anjos.

–A menos que ele tenha sido provocado – Gislene pontuou e Índio concordou com a cabeça.

–Há a possibilidade de não ter sido o Hugo, visto que... Há a possibilidade. – Índio corrigiu-se rapidamente – Mas, a julgar pela simplicidade do ato, não foi ele.

–Não importa. Eu vou lá. – Ítalo falou de imediato – Atrás do Hugo.

–Pra quê? Vamos direto ao coração do problema. – Caimana falou, passando por entre Virgílio e Vinícius – Se for ele, vamos saber logo.

Gislene seguiu-a na mesma hora, como Capí também, que deixou a Índio um olhar indecifrável. Viny saiu por último, correndo para alcançar a loira.

–‘Cê me deve uma moeda! – o loiro falou assim que emparelharam-se.

–Eu pago. Não sou de dever um galeão. – respondeu, com um sorriso perverso – E eu já tenho planos.

Ele riu.

–Que bom pra você! Não vai me esquecer, vai? – perguntou, fazendo beicinho.

Ela rolou os olhos, segurou seu rosto com uma das mãos e deu-lhe um selinho rápido.

–Não dá, ‘cê é mó chato. – ela riu.

Índio ficou sem reação por um momento. Depois, virou para Cai e forçou sua voz a sair mais alta:

–Caimana!

Ela girou nos calcanhares e fez deu de ombros de forma a dizer “O que há?”. Ele correu para alcançar o grupo, apesar de Capí e Gis estarem disparados na frente.

–O que é? – ela pressionou-o, seca.

–Ocê viu o resultado?

–Isso não importa, não é mesmo?

Sem mais o que dizer, ela virou e foi em frente, deixando-o só.

Ficou sentado lá, emburrado, enquanto a escola pegava fogo porque alguém tinha eletrocutado um Pixie e socado um Anjo em um só dia. Só conseguia pensar em Nádia e em como aquela garota insuportável parecia ter cativado todo mundo!

Ele inclusive, apesar de o próprio estar tão indisposto a admitir aquilo que rejeitava a ideia totalmente!

Passou um tempo ali até que finalmente decidiu que precisava ver a pessoa que menos queria ver no mundo naquele momento.

Procurou juntar toda a coragem e paciência que tinha, mas não conseguiu fazer isso rapidamente. Ensaiou sair dali várias vezes, mas logo desistia e voltava.

Não costumava voltar atrás em suas convicções, mas sabia reconhecer quando estava errado. A única coisa que o impedia de reconhecer aquilo mais rápido era seu ego, já ferido por antecipação.

Finalmente, depois de muito enrolar, ele ergueu-se e caminhou, decidido a fazer a volta até a diretoria, porque sabia que ela estaria lá, tentando defender a amiga que, de súbito, parecera ter se tornado uma potencial delinquente juvenil.

Mas já era tarde. As portas da diretoria estavam desertas, a atração já havia passado.

Bufou, irritado, e desceu as escadarias, rumo ao dormitório masculino. Viny deveria estar perdido em algum outro quarto, pensou.

Perdido em pensamentos, por muito pouco não esbarrou em alguém que limpava algo nos últimos degraus. Ouviu duas exclamações, uma de Fausto e a outra, um guincho fininho e ofendido, que ele tomou por conhecido, apesar de não saber quem era.

Ele caiu sentado nos degraus atrás dele. Soltou uma exclamação revoltada e voltou os olhos para a dupla diante de si.

–O senhor não olha para onde anda? – Fausto ralhou.

–O Senhorzinho OuroPreto não liga pra ninguém. Só pro próprio nariz.

Ah, não. Não ela., pensou.

–O que oc... – ele pigarreou antes de continuar – Tá fazendo o que aqui?

–Adivinha? Fiquei tão culpada por ter resultado em um ponto pros Anjeloides que, quando a Musa do Verão veio atrás de mim, eu me irritei e soquei a cara dele. Com tudo. Quase quebrei dois dedos, mas o nariz dele ficou torto. – falou, cheia de orgulho.

Ele poderia jurar que ouvira uma risada de Fausto, que lhes dera as costas. O tom daquela risada sugeria humor. Eles deveriam estar se dando bem, o Rabugentão e a Rabugentinha.

–O que aconteceu com você? – perguntou a ela, antes de conseguir se conter – Você era uma aluna boa...

–Eu sou uma boa aluna. Isso contou muito a meu favor. Na verdade, quase que quem tomou castigo foi ele, porque o conselho considerou que, de acordo com meu histórico, eu só reagiria assim em situação de grande pressão. Consideraram que ele cometeu algum tipo de abuso de poder. Digamos que eu peguei um mês de serviço “comunitário”. – finalizou, com uma piscadela marota, voltando ao que fazia antes de ser interrompida.

–Você é uma feiticeira voodoo por acaso? Vai reerguer os mortos também? – zombou, erguendo-se, perplexo.

–Os haitianos nunca reviveram os mortos. A morte era... Quer saber? Passa daqui!

–Eu tenho cara de cachorro?

Ela não ligou.

–Senhor Fausto, preciso de uma espátula, que isso aqui tá encrustado e não sai de jeito nenhum.

Fausto apenas deslizou a espátula de metal para ela.

–Obrigada! – disse, vivaz, mas só recebeu mais resmungos em resposta.

Índio ficou lá parado, recusando-se a sair, porque não queria parecer que estava obedecendo-a.

–Ela não vai te dar bola, garoto. Vai embora, ela tem que estar dispensada antes de anoitecer.

–E não quero deixar muito trabalho sobrando pra amanhã – ela disse, soltando uma exclamação baixa de comemoração ao conseguir realizar o que se propusera – Odeio isso aqui, mas é melhor que uma suspensão ou uma expulsão.

Índio bufou um “Aff” e desceu os últimos degraus.

–Vou embora porque quero.

–Calma aí.

Ela enganchou seu braço antes que ele percebesse e fê-lo encará-la.

–‘Cê vai se desculpar com a Nádia.

–Eu não...

–Não me interessa, babaca. Você vai. E, eu juro, se você destratar ela outra vez, eu quebro o seu nariz também!

–Eu não tenho medo d’ocê!

Droga! Maldito sotaque!

–Solta o meu braço – ordenou lentamente.

–Você pensa que ela não tem coração? Que é que nem João Bobo, pode bater que ele sempre volta? Acha isso? Pois não é! Eu não sei por quê ela fica atrás de você toda hora, mesmo você sendo um babacão, mas eu não vou deixar você fazer assim com ela! Então, Virgílio, é bom você entrar na linha ou eu vou te colocar no seu lugar!

–Volta, menina. Você tem horário a cumprir e eu não quero você me atazanando por mais do que um mês.

Ela soltou seu braço com violência e deu-lhe as costas. Falou algo à Fausto, que resmungou outra vez em resposta, mas ela não pareceu ter intenção de retrucar.

Índio saiu dali a passos lentos, com a cabeça erguida, mas o ego estava em pedacinhos.

Assim que entrou no dormitório, entrou em seu quarto, esperando realmente que Viny estivesse lá e sua versão dos fatos de mais cedo o distraíssem. Mas o desgraçado deveria ter ido para trás daquele maldito trailer com o namorado novo. Como era o nome? Era... Era... Lucas! Era aquilo mesmo.

Não teve jeito. O quarto vazio era insuportável e não adiantava se acovardar. Seu senso de justiça o estava condenando e ele precisava fazer o que era certo – e o que queria fazer, mesmo que não fosse admitir aquilo tão cedo.

Saiu à procura de Nádia, mas não a encontrou naquele dia e teve de voltar para seu dormitório vazio e insuportável.

Acordou em um estado entre a angustia e a ira. Precisava falar com Nádia. Queria falar com Nádia, porque sentia que não suportaria afastá-la, que precisava dela, mesmo que não admitisse isso a si mesmo.

Entrou na sala da aula do dia e, pasmem, ela estava lá. Antes do horário, ombro com ombro com aquela peste do dia anterior.

–Ah, mas ele vai ser seu pai, não vai? – Nádia provocou-a.

–Ah, vá! Para com isso!

Índio reconheceu-se naquele gesto e perguntou a si mesmo qual era o problema de Nádia!

Porém, parado à entrada, notou algo que fez com que a culpa pesasse mais. A garota respondia à Nádia com um tédio e desinteresse carinhoso, cheio de respeito. Sua frieza não era completa, não era cruel.

Bufou para espantar aquele pensamento.

–Só que eu não quero ficar aqui no Natal!

–Ah, por que não? Dizem que coisas mágicas acontecem no Natal! – Ná riu, cutucando-a nas costelas, o que a fez dobrar-se para longe – Não acredita em milagres de Natal, Natasha?

Pararam ao dar pela presença de mais alguém. Nádia petrificou em seu lugar.

A amiga prontificou-se. Levantou com um movimento rápido, pegou uma garrafinha de água azêmola e rumou para a porta.

–Eu vou pegar água. Essa conversa secou a minha boca.

–Nã-ã... – sussurrou Nádia, vendo-a partir.

–Eu volto logo.

Aquilo foi uma ameaça muito clara. Ele havia entendido e não iria magoá-la.

–Posso me sentar?

A garota encarou-o com dureza, movendo-se imperceptivelmente para longe.

–Tem vários lugares. Escolhe um aí.

–Posso sentar do seu lado?

–Não pode, não. ‘Cê é saudável, fala daí mesmo.

Ele atreveu-se, sentou-se ao seu lado, fazendo-a deslizar para a extremidade oposta do banco.

–Achei que não soubesse o que é espaço pessoal.

–Eu apenas ignoro isso. Mas não hoje. Eu quero que você vá embora. – ela disse, encarando-o com uma dureza que, de tão incomum, nem combinava com ela.

–Eu nunca escondi d’ocê que te acho insuportável! – sibilou.

–Eu não ligo pro que ‘cê acha. Mas essa sua manha...

–Eu não faço manha!

Aquilo conseguiu arrancar dela uma gargalhada genuína, com uma nota de ironia que irritou-o. Ele não fazia manha! Não fazia! Como podia?

–Ah, tá bom! Não custava nada ‘cê ir lá sentar do meu lado. – disse com tenacidade, mas logo sua voz se abrandou – Você sabe que ela odeia que eu fique atrás de você?

–Eu percebi. – respondeu, franzindo o nariz em sinal de desgosto.

–Ela não entende. – suspirou, encarando suas próprias mãos, pousadas sobre a mesa.

–Eu não te entendo também.

–Não é pra entender.

O silêncio caiu sobre eles como um véu pesado, mas Virgílio estava determinado a terminar aquele assunto ali mesmo, naquela hora. Respirou fundo e, virando-se na cadeira para ficar de frente para ela, falou:

–Desculpa por... Ontem.

–Não é pra mim que...

–É sim – corrigiu-a, sua voz soando suave e profunda – Eu não entendo o porquê d’ocê encarnar em mim, mas...

Por que mesmo que estava tão ansioso? Talvez porque aquilo fosse dar a ela um tipo de “permissão” para atormentá-lo mais, talvez porque sua presença o confortava de alguma forma. Ele não sabia, mas sentia a voz tremer disfarçadamente.

–Mas – continuou – Eu não deveria agir sempre daquele jeito... Hm...

–Estúpido e arrogante?

–Eu não... É, assim mesmo.

Índio percebeu o tênue sorriso de vitória no rosto dela e sentiu a petulância disfarçada em seus olhos coloridos.

–Eu só... Não queria magoar seus sentimentos.

Talvez só um pouquinho, para ver se você larga de mim., pensou, sendo imediatamente corrigido por sua consciência.

–Tá. Valeu. Agora sai daqui. – ela disse alegremente.

Ele travou, surpreso com toda aquela raiva. Nada fez, apenas ergueu-se e ficou parado ao lado da carteira.

–Nádia, eu tenho uma proposta.

Ela olhou-o, cheia de má vontade, e esperou. Viu-o retirar uma moeda do bolso da calça.

–Vamos fazer o seguinte. Se sair cara, eu nunca mais reclamo de nada, mas também não falo mais com você. Se der coroa, a gente sai. E, de qualquer forma, eu vou tentar interceder por sua amiga.

–Sai? Tipo encontro?

–Vai aceitar ou não? – desconversou, virando os olhos.

–E pra qual delas você tá torcendo?

–Num importa!

–Eu jogo. Ou ‘cê não confia em mim?

Ele colocou a moeda em sua mão e, ansioso, viu-a colocá-la sobre o polegar e atirá-la para cima. Quando capturou-a novamente, fez mistério na hora de revelar o resultado.

–Vai logo! – reclamou, sem sequer notar que estava com sua testa apoiada no topo da cabeça dela.

Um minuto de silêncio escandalizado.

–GANHEI! – Nádia exclamou, jogando-se sobre ele em um abraço que quase derrubou-o sobre a mesa.


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Notas finais do capítulo

Desculpem o mau jeito. Coisas melhores virão. Ná, espero que tenha gostado! :DObrigada a todos pela atenção!



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