Oneirataxia escrita por venus


Capítulo 3
Little Talks


Notas iniciais do capítulo

ayyy olá vcs
demorei muito, eu sei, perdoem-me :( espero que ainda acompanhem oneirataxia
primeiro de tudo: AHHHHH RECOMENDAÇÃO LETS (descobri qual é o seu nome muahahah) OBRIGADA OBRIGADA EU JÁ TE AGRADECI POR MP MAS AINDA TO VIBRANDO AQUI SCRR MINHA PRIMEIRA RECOMENDAÇÃO AQUI NO NYAH!!!
enfim, aproveitem aí



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Deixemos a história para depois e voltemos ao passado.

Contei-lhes demais sobre o presente.

Falei sobre o afeto que Mavis tinha pelo seu amigo imaginário, e o sentimento que ele nutria por ela e temia que não fosse recíproco. Falei sobre o ciúme e a inveja que Aiden tinha em relação à Topher e como o último admirava secretamente a amiga real do garoto inexistente. Falei sobre muitas coisas. Só omiti alguns acontecimentos importantes.

Um deles, foi o dia em que Aiden e Mavis se conheceram.

Foi terrível, aquele dia. O vento gélido e cortante assobiava e arrastavam os esqueletos de folhas no chão. Uma chuva rala caía de nuvens escuras e corvos enfeitavam o céu cinzento com as suas asas negras imponentes. Raios dançavam no horizonte, eletrizantes e frenéticos, seguidos por trovoadas ribombantes. Uma aura invisível e mórbida revestia o Moira Angela Hospital. Pelo que me lembro, havia muitos gritos. Sim, gritos e urros de dor. Lágrimas salgadas, também. O que podemos esperar de um hospital, afinal de contas?

A mãe de Mavis estava dando à luz. Aiden e Mavis se conheceram no dia em que Iris nasceu. Foi terrível.

A garotinha nasceu fria, calada e morta. A mãe de Mavis não chorava porque doía dar à luz, e sim, porque o seu bebê estava deitado inerte nos seus braços. Iris sobreviveu, obviamente. Porém, o processo de reanimação exigiu esforço e paciência. Mavis tentou entrar no quarto da mãe para segurar a irmãzinha recém-nascida, entretanto, seu pai mandou ela aguardar no playground do hospital, os olhos vermelhos e a voz trêmula.

Ela o fez. Estava infeliz e sozinha, como sempre. O balanço rangia e a grama falsa balançava com o vento. E então, uma Mavis de dez anos imaginou um par de olhos verdes. Deu uma boca àquelas orbes maravilhosas; dois lábios finos e rosados. Pensou no formato do rosto, no corte do cabelo castanho e num nariz proeminente para que a pessoa pudesse respirar. Atribuiu traços divertidos e maliciosos para a face e desenhou mentalmente as sobrancelhas compridas. Era um menino. Era como se Mavis estivesse dando à luz de um modo mais fácil e menos dramático.

Resolveu que ele seria anos mais velho que ela e que seu nome seria Aiden.

— Oi. — disse ele. Parecia confuso com aquele mundo novo e cruel.

— Oi. — respondeu ela.

Aconteceram coisas terríveis e boas naquele dia. Iris nasceu, isso foi bom. Iris nasceu morta, isso foi terrível. Iris voltou à vida milagrosamente, e isso foi ótimo.

Aiden não ficou muito tempo depois do seu primeiro aparecimento. Mavis tinha com quem brincar, agora. Ele desapareceu — muitos amigos imaginários desaparecem quando seus amigos reais esquecem-nos ou deixam de crer neles. No entanto, ele tornou a aparecer quando a amiga chorava, porque não poderia mais brincar com a irmãzinha cuja saúde estava em estado grave. Aiden não sabia muito o que fazer, portanto tentou abraçá-la.

Ela não sentiu nada. Ele também não.

Confuso, Aiden recuou e continuou a observar a pequena Mavis se debulhar em lágrimas. Mais adiante, ela gastaria seu choro com algo mais importante.

Depois de surgir novamente, Aiden não saiu mais do lado dela. Parecia estranho, porque ele não se lembrava do que acontecera enquanto esteve "morto". Não se recordava de como foi a sensação de estar se desintegrando, tornando-se cada vez mais opaco, transparente, até desaparecer por inteiro. Talvez não soubesse mais disso, porque Mavis tinha tanta crença em sua existência, que ele começou a ter pensamentos e sentimentos paralelos do dela. Agora, não dependia tanto da amiga real.

× penso, logo existo ×

— Você vai ficar aqui até eu dormir? — certa vez, Mavis perguntou, no auge dos seus doze anos. Ela não era tão pequena e tão frágil. Já começara a usar delineador e a manejar uma chapinha. Duas saliências tinham se erguido na área do peito, também. Aiden tentou não reparar nisso.

— Vou, sim. — replicou ele, sentando-se no chão duro e gelado do quarto.

Uma luzinha dourada permaneceu acesa a noite inteira. Aiden sabia disso porque permaneceu acordado. Como ele não era humano, não precisava dormir, nem se alimentar e nem se higienizar. Portanto, ficou do lado dela até a luz do sol atingir a sua janela e penetrar no quarto. Muitas noites iguais se seguiram. Até que Aiden resolveu dar uma olhada na casa inteira.

— Você vai ficar aqui até eu dormir? — Mavis tornou a perguntar, mesmo que não houvesse necessidade. Tinha certeza de que ele ficaria. E ele ficou, até ouvir o primeiro ronco da amiga.

Começou a sua exploração pelo quarto ao lado do seu — de Mavis, na verdade. Era uma cômoda grande, mas vazia. Era composta por uma cama de casal barata, uma TV bem pequena que pegava poucos canais, um armário simples de madeira rústica e um criado-mudo que sustentava uma lâmpada para leitura.

Os pais de Mavis zapeavam os programas que passavam no aparelho. Aiden viu uma parte de um filme, mas não entendeu muito bem. Logo, já entediado, mudou de cômodo.

Encaminhou-se para o último quarto do corredor; o mais quente e o mais visitado. Era o de Iris, isso ele já sabia. A menininha de dois anos dormia, a respiração serena e baixa ecoando pelas paredes úmidas. Aiden sentou-se no piso atapetado do aposento e assistiu a irmã de Mavis embalar em um sono profundo. Ela sorria enquanto sonhava. Ele desejou, naquele momento, em poder entrar nos sonhos.

Quando estava se levantando para voltar ao seu quarto, ouviu uma vozinha fraca, porém grossa.

— Quem é você?

Ele parou por um instante, olhando ao redor meio assustado. Focalizou sua visão em um ursinho de pelúcia azul desbotado, com olhos pretos brilhantes. Era idêntico ao urso que Iris abraçava em sua cama. A única diferença era que um falava, e o outro, não.

— Aiden. Quem é você?

— Boddah. O amigo de Iris.

— Por não posso tocar em Mavis? — questionou com uma voz chorosa e inocente. Enquanto Mavis fosse assim, Aiden também seria. Só mais tarde, quando ela atingisse seus quinze anos, sua personalidade mudaria radicalmente.

— Pelo mesmo motivo que não posso tocar em Iris.

— E qual é a razão de isso acontecer?

— Nós não existimos, Aiden. Somos frutos das imaginações das duas.

— Não somos, não.

— Somos, sim.

— Não, não somos.

— Sim, nós somos. E é por esse motivo que os pais de Iris não podem nos ver. Ninguém pode, Aiden.

Claramente aborrecido, o amigo imaginário de Mavis deixou o quarto.

Na manhã seguinte, ele indagou a amiga quando esta abriu os olhos:

— Eu sou real, May?

Ela, surpresa pela pergunta e pelo novo apelido, respondeu:

— Não. Eu sou você. Você sou eu. Entende?

— Não.

Mavis, vendo que não poderia explicar aquilo ao amigo, arrastou-se para fora da cama e foi se preparar para mais um dia na escola.

Meses após o seu encontro com Boddah, Aiden resolveu visitá-lo mais uma vez. Quando chegou no quarto de Iris, avistou o ursinho de pelúcia azul estatelado no chão.

— Ei, Boddah.

O urso continuou imóvel, estirado no carpete rosa encardido.

— Boddah, sou eu, Aiden. Vim aqui conversar.

Não houve resposta.

Aiden estendeu o braço para chacoalhá-lo, porém sua mão atravessou o peito peludo do urso. Assustado, recuou desajeitadamente, aterrissando no chão com o traseiro. Aquele não era Boddah. Era o ursinho de pelúcia de Iris, feito de lã, espuma e botões.

— Boddah? Cadê você?

Repetiu as indagações inúmeras vezes, até chegar a conclusão de que Boddah teria desaparecido.

Teria Iris esquecido dele, ou simplesmente deixado de acreditar no amigo? Aiden não sabia.

E pela primeira vez na vida, sentiu medo de desaparecer.

Queria viver. Queria permanecer ao lado dos McKiddie. Queria continuar observando os pais de Mavis assistindo TV e espiando Iris enquanto ela roncava.

Mas acima de tudo, queria ficar com Mavis. Queria saber o que aconteceria futuramente com os dois.

Seu medo do desaparecimento somente aumentou na chegada daquele garoto, Topher Redford.

Parecia que ele se tornava mais translúcido na presença do outro. Sentia aquela coisa — como se chamava mesmo? — incômoda, que já experimentara algumas vezes, mas não com essa intensidade. Era como se uma mão espremesse seu coração imaginário, e dele, escorresse vários sentimentos bons, deixando os ruins prevalecerem. Por mais que Mavis negasse, ela adorava a companhia de Topher.

Aiden gostava de pensar no dia em que o novato e a amiga se conheceram. Digo, gostava de relembrar os momentos ocorridos antes da chegada de Topher, é claro.

— Já pensou se eu não for tão imaginário quanto você pensa? — refletiu ele.

— Sim, muitas vezes. — retrucou ela, girando as chaves de Bessie nos dedos.

Ambos entraram na picape. Mavis ocupou o banco do motorista e Aiden, o do passageiro; como sempre faziam.

— Acho que se me concentrar bastante, consigo romper essa barreira entre nós.

— Que barreira? — ela franziu o cenho e sorriu levemente. Às vezes, Aiden se entusiasmava demais quando refletia sobre as coisas.

— Essa barreira que nos separa. Que não permite que eu encoste um dedo em você.

— Não há nenhuma barreira, Aiden.

— Então por que quando eu faço isso, — roçou levemente o seu polegar no rosto de Mavis. Sua imagem tremeu, e ele se tornou transparente momentaneamente. Em questão de segundos, voltou ao normal. — Isso acontece?

— Não sei. Deve ser coisa da minha cabeça. — massageou suas têmporas antes de dar partida no carro. — Devo estar louca. — murmurou em seguida.

— Não está, não. Não me diga que não sente algo quando faço isso. — pousou sua mão sobre o colo de Mavis.

De fato, ela sentia sim, alguma coisa. Mas estava muito longe de um contato físico. Parecia algo muito mais sensível, porém muito mais forte do que um simples toque. Era como uma batida de coração. Pesada, mas leve. Rápida, mas duradoura. É bem difícil de explicar.

— Pare com esse abuso, Aiden.

Ele soltou uma risada nasal.

— Não é abuso nenhum, porque não sinto absolutamente nada!

Mavis lançou-lhe um último sorriso sarcástico e pisou no acelerador. Ela gostava das pequenas conversas que tinha com Aiden durante o trajeto até a escola. Amava respondê-lo sem sussurrar. Ninguém os ouvia para chamá-la de louca. Era somente Aiden e Mavis, Mavis e Aiden.

Entretanto, as coisas não tinham sido assim nos últimos dias.

Topher ganhara muita atenção naqueles dias. Aiden se sentia como Heathcliff d'O Morro dos Ventos Uivantes, a obra literária que a professora Leatherby resumira para eles no ano anterior. Mavis seria Cathy e Topher, Edgar Linton — o adorável, cavalheiro e honesto Edgar Linton. Aquele comparação foi meio esquisita, mas foi como Mavis pensara: Aiden se entusiasmava demais no meio de suas reflexões.

Agora, Topher desenha Mavis graciosamente. Ambos estão sentados na cama dela; ele, encurvado e concentrado, e ela, paralisada e distraída. Nenhum dos dois diz nada.

Topher se incomoda com a franja que espeta seus olhos, porém não a afasta. Não consegue tirar as orbes marrom-esverdeadas da menina e do papel. Seus dedos apertam o lápis grafite, deslizando-o pela folha sulfite, desenhando alguns traços no rosto pálido de Mavis. O silêncio agrada aos três; Aiden não quer que nenhum dos dois troquem uma sequer palavra, Topher não quer perder a concentração e Mavis não gosta de falar com ninguém que não Aiden.

— Acho que acabei. — Topher afirma, passado alguns minutos. Mavis torce seu pescoço para fitar o desenho. Ela arregala os olhos e cobre a boca com a mão.

Aquela não é Mavis. A verdadeira Mavis tem um cabelo preto alisado artificialmente com uma chapinha, e os fios não são sedosos como mostrava o desenho. Ela possui olhos cor turquesa, mas são tão opacos e sem-vida, que não merecem ser comparados com as orbes cinza-claras cintilantes retratadas ali. Seus lábios não são tão carnudos, suas bochechas não são tão roliças e seu corpo não é esculpido. Topher havia a mudado, mas de um jeito bom.

— Obrigada. — balbucia ela.

— Não há de quê. — ele boceja e guarda seu lápis e a sua borracha num estojo preto.

Aiden espia o papel sulfite por cima do ombro de Mavis. Certamente, sua amiga estava quase idêntica ao desenho. Topher sabia ressaltar as coisas boas, enquanto Aiden piorava as coisas ruins. Mais uma vez, ele desejou poder ser humano e segurar um lápis.

— Acho que mereço fazer uma pergunta sobre o misterioso passado de Mavis McKiddie. — diz Topher, espreguiçando-se.

— É. Talvez. — e abre um sorriso fraco a ele.

— Você tem namorado?

Mavis não sabe o que responder. Se dizer sim, é capaz de Topher ficar chateado e parar de encher o seu saco. Isso seria bom, se ela ainda não gostasse da companhia dele. Ela gosta, por mais que negue. E passou a gostar mais ainda depois daquela tarde que passaram na sua casa. Todavia, se dizer não, provavelmente Topher ficaria mais interessado em aproximar-se dela. Mavis quer que ele se aproxime, mas não daquele jeito.

Na verdade, Mavis não sabe de que jeito ela quer que Topher se aproxime.

Então, diz a verdade:

— Não.

— Você demorou demais para responder.

— E daí?

— E daí que você pode estar mentindo. — replica ele, um pouco decepcionado.

— E por que eu estaria mentindo?

— Porque... Bem... Alfie Dorothea me contou anteontem que você tinha um namorado, e que seu nome era Aiden.

Mavis fica estática por alguns instantes. Pisca uma, duas, três vezes. Tenta esconder seu espanto e sua incredulidade. Como Alfie Dorothea sabe da existência de Aiden?

— Eu sou seu namorado, Mavis? — ela sente a voz grave e funda de Aiden no seu ouvido. Comprime seus lábios para não sorrir.

— Não. Ele não é meu namorado. Mas é um amigo de infância.

— Ah, sim. — Topher suspira. — Ele não se importaria se eu te beijasse, certo?

Evitando que Aiden comece a berrar e xingar Topher, responde calmamente:

— Hum, acho que sim.

— Mas ele não está aqui, correto?

Sim, Topher, ele está bem aqui, mostrando o dedo do meio pra você.

— Hã, não. Mas de qualquer jeito, eu me sentiria bastante...

Topher não a deixa terminar a frase e se inclina na sua direção. Ele segura sua cintura delicadamente e se aproxima meio envergonhado. Aiden borbulha de raiva, porém não diz nada. Obriga-se a assistir a cena atentamente, esperando que Mavis tome atitude e se afaste antes de selar as suas bocas. Mas ela não o faz. E continua mirando os olhos úmidos de Topher como se estivesse hipnotizada.

Num movimento veloz, ele tenta cobrir os lábios de Mavis com os seus, porém falha, quando ela vira o seu rosto para o lado e sua bochecha direita acaba sendo beijada calorosamente.

Ele descola sua lábia da pele ruborizada da garota e se afasta vagarosamente, atingido pela rejeição.

— Pelo amor de Deus, Topher. Eu acho que não estou muito... — ela começa a se justificar, porém ele chacoalha a cabeça e a interrompe:

— Tudo bem. Nos vemos na segunda.

E sai pela porta do quarto.


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Notas finais do capítulo

espero que tenham gostado ;)
tenho dez acompanhamentos, mas só recebi dois reviews no capítulo anterior (uma prova de que isso é verdade: https://24.media.tumblr.com/d567da5ca900080feedbeddf05c228a8/tumblr_n44v7l0rXb1sh9mfio1_500.png) e dá pra ver os acompanhamentos públicos, tipo '-' cara eu to te vendo aí comenta o que você acha
little talks é uma música do of monsters and men, se vocês quiserem saber (a primeira musica foi soft grunge, a segunda foi eletronica e essa é folk kk)

comentem & favoritem (ou recomendem, seguindo o exemplo da Lets